|
abril 30, 2012
As camadas do Canal Contemporâneo por Patricia Canetti
O Canal Contemporâneo (www.canalcontemporaneo.art.br) entra no ar em 2000 (1), com o objetivo de promover a circulação da produção artística e teórica da arte contemporânea brasileira. É resultado da produção de um livro de arte (2), projeto que coordenei com a condição de não apenas editá-lo, mas também distribuí-lo e publicar um sítio na Internet para apoiar este objetivo.
Na época havia uma enorme carência de publicações informativas e os livros de arte apenas começavam a ser produzidos com incentivos culturais. As poucas revistas de arte eram frutos de iniciativas acadêmicas ou artísticas e circulavam regionalmente. Na Internet, os sítios de galerias e museus eram poucos e continham normalmente informações básicas e/ou estavam desatualizados. Não havia qualquer informativo eletrônico publicado ou circulando na rede.
A World Wide Web completava 10 anos e tínhamos um ambiente árido se comparado ao cenário atual. Não haviam frameworks (3) para o desenvolvimento de sítios com gerenciamento de conteúdo (CMS) e as plataformas de blogs e fóruns apenas engatinhavam. Não existiam ainda a Wikipedia (2001), Myspace (2003), Orkut (2004), Facebook (2004), Vimeo (2004), YouTube (2005) ou Twitter (2006). Em 2001 a Internet brasileira contava com 6 milhões de usuários, enquanto em todo mundo existiam aproximadamente 349 milhões (4) (O Facebook atinge em julho de 2011 a marca de 750 milhões de usuários).
Em dezembro de 2000, por causa do atraso do convite impresso para o lançamento do livro, enviei um convite eletrônico (5). Foi o acaso que fez com que inaugurássemos essa forma de comunicação – uma rotina que combinava o recebimento de informação e de listas de endereços eletrônicos com o seu reenvio –, que iria compor uma rede de arte contemporânea brasileira.
No início eram mensagens eletrônicas simples, apenas texto sobre fundo colorido, editadas e enviadas no programa Netscape Mail, contendo informações básicas, que eram enviadas a uma lista de duzentos nomes. Lentamente os pedidos de artistas, críticos, galerias e instituições para divulgação foram aumentando e se diversificando, assim como o número de pessoas atingidas pelo reenvio da informação. Dessa maneira nasceu o Canal e com ele uma avalanche de perspectivas possíveis para se pensar a construção do espaço midiático na Internet e a transformação do coletivo.
O diagnóstico inicial, que apontava a falta de comunicação da coletividade de arte contemporânea brasileira, é o ponto de partida para a construção do Canal Contemporâneo. Mais do que uma carência informacional, a deficiência de comunicação causava e refletia uma imobilização dessa coletividade – a falta de circulação de ideias é fatalmente responsável pelo enfraquecimento das articulações políticas necessárias ao desenvolvimento de um coletivo humano –, e, neste caso, o resultado não podia ser diferente.
A camada informacional do Canal Contemporâneo – a troca de informações entre os membros da comunidade – serve de isca para a construção de uma rede de comunicação ampla e sem fronteiras geográficas. Essa primeira camada, também chamada de camada social, por serem os eventos informados responsáveis pela formação dos nós e clusters (6) nessa rede, irá por si só gerar uma reorganização na paisagem do circuito de arte, como também intervir no próprio sistema de arte, a partir das oportunidades geradas na comunicação que ela opera. (Um exemplo representativo do potencial de transformação da rede instaurada foi o aumento de inscrições em editais de arte. Em março de 2001, foi divulgada a primeira edição do Salão Nacional de Arte de Goiás (7), que conseguiu atrair mais de 1500 inscrições (8), quando a média na época era de 400.) A partir da comunicação estabelecida, percebe-se a formação de uma segunda camada: o diálogo político.
Diversos episódios na trajetória do Canal Contemporâneo demonstram as várias faces de sua camada política e de seu ativismo nas políticas públicas. Embates com a mídia, com o poder público e com o próprio sistema de arte reúnem a participação de profissionais, instituições, políticos, jornalistas e ganham coberturas em jornais e revistas. Os mais representativos foram os casos das mobilizações e abaixo-assinados a seguir: contra a construção do Museu Guggenheim no Rio de Janeiro com recursos públicos (2003); a favor da inserção das Artes Tecnológicas na lei de incentivo federal (2004); contra a censura à obra de Márcia X na mostra Erótica no CCBB do Rio de Janeiro (2006); a favor da retomada do MuBE (Museu Brasileiro de Escultura) pelo poder público (2007); contra a intervenção do governo do Estado de São Paulo no Museu da Imagem e do Som (2011). Dois deles, Guggenheim e Artes Tecnológicas, atingiram resultados duradouros: o impedimento da construção do Guggenheim no Rio de Janeiro, com a efetiva participação do Poder Legislativo e Judiciário, e a criação da representação de Arte Digital como segmento cultural no Conselho Nacional de Política Cultural em 2007.
Às camadas social e política, somamos a camada econômica. Uma terceira camada voltada a serviços, como publicação de perfis relacionados a associações de indivíduos e organismos; publicação de portfólios convidados; e venda na livraria do Canal, que trabalham também informação, conhecimento e comunicação, mas com o objetivo de gerar receitas para a manutenção do Canal Contemporâneo.
Com o tripé social, político e econômico dessa comunidade digital estabelecido, com suas características e demandas próprias, chegamos à quarta camada, a base para a interação das outras três: a camada tecnológica.
Criado numa época em que a implementação de sistemas de gerenciamento de conteúdo para sítios de Internet exigia grande investimento e complexidade, pois eram exclusivamente concebidos sob demanda e com tecnologia específica, o Canal Contemporâneo buscou alternativas para viabilizar seu crescimento tecnológico sem recursos financeiros. A partir do sistema original, que apresentava uma série de limitações para absorver novas demandas de publicação, a segunda versão do sítio realizada em 2003 se deu com o acréscimo de tecnologias gratuitas disponíveis, como os blogs (Movable Type) e uma plataforma fórum (phpBB), e a criação de um banco de dados para armazenar e distribuir as diferentes edições do informativo eletrônico (seção e-nformes).
O primeiro patrocínio da Petrobras, com uso da Lei de Incentivo à Cultura do governo federal, socorre o Canal de dificuldades financeiras, mas impõe uma direção que perpetuaria os transtornos tecnológicos. Para receber o patrocínio em 2005 foi preciso a criação de um novo módulo, a Agenda de Eventos, para atender a demanda mercadológica por algo novo. Ao banco de eventos iria se juntar um banco de dados para relacionar os profissionais e organismos dos eventos aos membros da comunidade, formando assim uma rede social a partir do relacionamento profissional detectado nas informações enviadas ao Canal Contemporâneo.
Além das implementações específicas e das plataformas agregadas já mencionadas, o Canal faz uso de redes sociais existentes, como Facebook, Twitter e YouTube, para acompanhar a evolução comunicacional da Internet.
O Canal Contemporâneo alcançou algum grau de inovação tecnológica, porém, aumentou a complexidade da estrutura tecnológica do sítio, tornando sua rotina produtiva e manutenção técnica mais trabalhosas. A continuidade do projeto numa estrutura tecnológica que, sem atualização, tornou-se rudimentar com o passar dos anos, exige da equipe responsável a elaboração de uma série de manuais e procedimentos capazes de contornar as deficiências de automação do sistema.
Podemos afirmar que o problema da camada tecnológica do Canal Contemporâneo, a falta de uma interface, com tecnologias atualizadas e eficientes em traduzir a sua prática, cria outra complexidade e uma permanente dificuldade para que toda a extensão de sua atuação seja percebida, acompanhada e compartilhada.
NOTAS
1 O domínio canalcontemporaneo.art.br é criado em 24 de julho de 2000 e a primeira versão do sítio foi realizada no mesmo ano. Disponível em: <http://web.archive.org/web/20011020064445/http://canalcontemporaneo.art.br/canal_C_port.htm>. Acesso em 10 set. 2011.
2 ANDRÉ, Marcus, et al. Marcus André: Pinturas. Rio de Janeiro: Casa da Palavra e Canal Contemporâneo, 2000. 156 p. ISBN: 85-87220-13-6.
3 Framework é uma estrutura de código de programação, formado por componentes que podem incluir, entre outros, programas de suporte, bibliotecas de código, linguagens de script, em que outro projeto de software pode ser organizado e desenvolvido, proporcionando uma programação mais rápida, fácil e eficiente.
4 Internet no Brasil. Disponível em: <http://www.internetnobrasil.net/index.php?title=2001>. Acesso em: 10 set. 2011.
5 Lançamento do livro Marcus André - Pinturas. E-nforme Canal Contemporâneo, Rio de Janeiro, Ano 0, N. 0, dez. 2000. <http://www.canalcontemporaneo.art.br/e-nformes.php?codigo=4>. Acesso em: 10 set. 2011.
6 Clusters são pequenos grupos de alguma coisa. Em termos de redes sociais, os clusters são nós muito conectados, considerados grupos sociais coesos.
7 Salão de Goiás. E-nforme Canal Contemporâneo, Rio de Janeiro, Ano 1, N. 2, mar. 2001. Disponível em: <http://www.canalcontemporaneo.art.br/e-nformes.php?codigo=6>. Acesso em: 24 set. 2011.
8 Salão de Goiás - selecionados. E-nforme Canal Contemporâneo, Rio de Janeiro, Ano 1, N. 9, mai. 2001. Disponível em: <http://www.canalcontemporaneo.art.br/e-nformes.php?codigo=13>. Acesso em: 24 set. 2011.