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agosto 23, 2011
II Mostra do Programa de Exposições 2011 no CCSP, São Paulo
II Mostra do Programa de Exposições 2011
Artistas Selecionados
Aruan Mattos e Flavia Regaldo
Realizado durante o programa de residência artística, de abril a dezembro de 2010, no JA.CA (Jardim Canadá- Centro de Arte e Tecnologia), Teto, ações para o nada conforma uma série de intervenções em galpões e lotes vagos em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte. É lá que Aruan Mattos e Flavia Regaldo têm iniciado sua investigação a partir da construção de aparatos óticos-cinéticos e testes com dispositivos de projeção (“maquinaria de jornada”, segundo os próprios artistas). São invenções e experimentos fixados sobre telhados de barracões e movidos a exaustores mecânicos de calor, às vezes suspensos somente com o céu ao fundo, entre postes, cabos elétricos e o asfalto ermo da paisagem de terreno baldio que ninguém vê. As intenções da dupla em reagir frente à constatação de que houve o nada, além de que zonas residenciais suburbanas possam vir a ser transformadas em pericentros industrializados devido a acelerados processos de desordenada conturbação, emprestam o mote a esta mostra que apresenta fotografias, vídeo com som e publicação.
Marcio Harum
Bruno Storni
Simples, porém elaborado, um dos principais pratos da culinária italiana, o espaguete ao sugo, tem com base o macarrão e o molho de tomate. Estes dois ingredientes são tão imprescindíveis na cozinha de um chef italiano como o palito de churrasco e a fita crepe são para a exposição de Bruno Storni. A construção do Tanque e a preparação de um alimento seguem a mesma lógica. Ingredientes, modo de preparo e ilustrações fazem parte do procedimento criado pelo artista, que compartilha sua receita “ensinando” o espectador a construir sua própria obra. Frágil e leve, ao mesmo tempo em que Tanque mantém ideia, forma e memória do veículo bélico, tem sua estrutura corrompida. Partilhando do mesmo processo de construção, têm-se os painéis expositivos, que se comportam como uma espécie de garagem para o trabalho. Desconstruindo estruturas rígidas e modificando a matéria do seu original, a exposição nos remete à cozinha de Ferran Adrià, com criações que se baseiam na chamada gastronomia da desconstrução. Mesmo utilizando ingredientes comuns e instruções didáticas, a cozinha de Storni também não é nada tradicional, uma vez que sua culinária burla toda e qualquer regra.
Paula Borghi
Bruno Vieira
Bruno reúne nesta mostra trabalhos em que há uma prevalência de imagens que encenam seu processo de esfacelamento: ora fragmentos de paisagens idealizadas estampados sobre superfícies maleáveis, como em Vista inevitável ou em Além do horizonte, ora a frágil cidade de barro submetida ao presumível rompimento no vídeo Léguas de sombra. Claro que a manipulação de clichês como fotografias de nuvens, vistas de pôr do sol e cenas desoladas de aridez e abandono busca operar o distanciamento necessário ao tratamento irônico que os trabalhos almejam. Mas, ao mesmo tempo, há algo em seus procedimentos que também insiste em trair esse distanciamento, enfatizando a empatia gerada pelas imagens: o caráter piegas que carregam parece se adequar tão perfeitamente aos suportes que dali se expulsa quase toda possibilidade de estranhamento; deixa-se, deste modo, em aberto a pergunta sobre onde poderá residir a ironia em obras que não cessam de solicitar a cumplicidade de quem as vê. Afinal, quem duvidaria que as bandeiras de países em conflitos pintadas sobre pipas em Mapas de diferentes paisagens não querem mesmo se comportar como se fossem uma harmoniosa constelação?
Liliane Benetti
Carolina Caliento
As pinturas de Carolina carregam imagens impactantes, às vezes sensacionalistas (e as dimensões dos trabalhos parecem comportá-las bem), imagens que, de resto, possuem um colorido estridente e um acúmulo de figuras de desastres e acontecimentos catastróficos. Essas imagens são construídas pela artista, que arranja fotografias recortadas de jornais, digitaliza-as e imprime sobre a tela que irá pintar. Seria possível deduzir que as obras apostassem no impacto de suas imagens ou, ao contrário, apostassem que seus procedimentos rebaixariam, pelo acúmulo, este mesmo impacto. Todavia, nessas pinturas, a estridência dos assuntos e temas surge já diluída, rebaixada. Porque tais imagens arrastam consigo, ainda que recombinadas, seu modo de aparecimento na cultura – é de sua natureza que se deixem escancarar a ponto de parecerem somente signos daquelas catástrofes que retratam. Essas pinturas parecem compreender que esses fragmentos possuem uma resistência que os reajunta inevitavelmente – eles são, afinal, transparentes, imediatos, sensacionais. Se elas, ainda assim, lançam mão da montagem e da colagem, acabam, porém, por tematizá-las, desconfiando de sua capacidade de interrompê-los.
Carlos Eduardo Riccioppo
Daniel Scandurra
Sobre Publiperiodiplasti, de Daniel Scandurra
Sabe-se que a alteração dos dígitos de um relógio guarda relação com fenômenos periódicos naturais. A esse fluxo aparentemente homogêneo, segmentado em partes idênticas, cada sociedade, no entanto, atribui suas significações, determinando quais atividades sociais ela privilegia. Na sociedade de consumo, essas significações são tipicamente produzidas pela fantasia de uma onipotência individual. É possível que nenhum equipamento seja mais emblemático dessa sobreposição do que os relógios públicos com painéis de propaganda. Prova disso é que a circunstancial retirada dos anúncios ameaça comprometer o próprio funcionamento dos relógios, em vez de facultar outras significações à demarcação identitária do tempo. Ao tomar esses relógios como suporte de seus poemas, Daniel Scandurra cria uma interrupção time-specific ou criticamente oportuna, seja para reiterar ritmos naturais, seja lançando mão de estruturas geométricas que, nas suas variações, sintetizam a complexidade do mundo visível.
Cayo Honorato
Rafael Adorjan
O teste cego duplo. – E com que faculdade resgata-se um rumor gravado no corpo? Imaginar um som, se assim o quisermos, é representar de modo mais ou menos completo um acontecimento sonoro anteriormente experimentado, reconhecer que esse mesmo som ou acontecimento é reminiscência viva de algo percebido. Aqui, propõe-se uma audição em sistema aberto. Experimento que evoca uma forma ou modalidade particular do imaginar. (Um comentário sub-reptício bem poderia rotular esse momento de silêncio como introspectivo). O que se pode aferir em mãos é o peso duma capa de Long Play. O exercício não é apenas mnemônico, mas fabulado: os indivíduos submetidos à apreciação não podem conhecer o disco; tampouco o homem de ciência, inventor do experimento. Tal prova tem por lastro um princípio de autonomia, uma vez ou outra questionado, que parece governar o campo das artes. O teste aparenta não ter utilidade. Hoje nostálgica, a tecnologia do vinil não reproduz com fidelidade a consideração frequente de que o progresso é uma norma da história.
Antonio Ewbank
Artista Convidada: Gabriela Machado
Força Bruta
Como um refrão de partido alto, a pintura de Gabriela Machado nos atinge em cheio. As telas, como as possíveis plantas que suas imagens emulam, alimentam-se do que há ao seu redor. Mas esse olhar não só vê, como também escuta. Porque ter música ao redor das telas é fundamental para que esse universo estético ganhe vida em gesto. A música é a argamassa poética que cola as imagens, o espaço inventado em que a artista põe em circulação o que seus olhos e seu corpo pedem diante das telas em branco, prontas para serem compostas. Para Gabriela, a liberdade de um pincel em suas mãos vibra no mesmo diapasão que a liberdade de bater no couro do pandeiro nas rodas de samba da cidade. A pintura e a música trocam uma energia sonora que embala sua pesquisa pictórica e nos apresenta a exposição que o Centro Cultural de São Paulo oferece ao público. Nas telas de Gabriela Machado, onde se veem cores, ouve-se música. Onde se vê movimento, sentimos a cadência dessa Força Bruta que restitui a beleza do mundo em cada um de nós. Uma força que, se colarmos bem os ouvidos nas telas, quem sabe, possa-se escutar.
Frederico Coelho
Artista Convidado: Tonico Lemos Auad
Para Tonico Lemos, a arte é uma incógnita. A transformação (das coisas, da percepção) parece ser a principal constante de suas intervenções na arquitetura, instalações, esculturas e desenhos. Este interesse pela metamorfose se manifesta no uso de matérias orgânicas, instáveis e efêmeras – cebola, purpurina e perfume –, mas também por uma relação ativa com o espectador, convidado a alterar a obra, e com o espaço expositivo. Vivendo em Londres, nos últimos anos, seu trabalho tem sido mostrado com mais frequência fora do Brasil. Esta mostra, no Centro Cultural São Paulo, rompe com esse padrão, exibindo pela primeira vez no Brasil a instalação Sleepwalkers (2009), originalmente concebida para o Muhka, em Antuérpia. As esculturas feitas em rendas brasileiras e belgas são penduradas no teto do espaço expositivo e sua aparência vasiforme evoca frutas tropicais e cabeças cortadas, aproximando tradições populares brasileiras a trajes da nobreza europeia. Sua delicadeza mórbida promete alterar nossa percepção sobre esse ícone da arquitetura brutalista em São Paulo.
Rodrigo Moura