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agosto 5, 2011
Sobre Lenora de Barros na Galeria Laura Marsiaj, São Paulo
Sobre Lenora de Barros na Galeria Laura Marsiaj
Santo Agostinho dizia que o tempo resultava do movimento de todos os corpos Para Kant, o tempo, apesar de essencial, era destituído da realidade O mundo contemporâneo criou o tempo real. E também a falta de tempo (frases sobre o “tempo”, sem autoria, Google).
Destempos
A mostra Destempos dá continuidade à reflexão sobre questões relativas ao tempo, que Lenora de Barros vem desenvolvendo desde 2008, através de vídeos, fotografias e som. Segue uma descrição comentada sobre os trabalhos que serão exibidas a partir de 9 de agosto até 17 de setembro na Galeria Laura Marsiaj e no Anexo.
Tempinhos
Este vídeo é o que inaugura a série de vídeos sobre o tempo, foi realizado em 2008. A obra mostra a artista manipulando uma pinça de relojoeiro e ponteiros minúsculos. Esse vídeo busca expressar “horas absurdas, non‐senses, im‐possíveis momentos” dentro da própria linha do tempo de ação da performance. A versão que apresentaremos na exposição será a mesma que mostrada na exposição Paralela, em 2010. Ela é sonorizada com um fragmento de 00:03", tocado em loop, a cada 5'. Esse som foi recortado de conversa entre Haroldo de Campos e Helio Oiticica, no Hotel Chelsea, em NYC, em 1971 (in Heliotapes). Será emitido no ambiente em volume baixo, sutil e "longínquo" ‐ no limite do audível.
Os outros 3 vídeos, "Destempos" (que dá título à exposição), "Extemporâneos" e "Para todo o sempre", fazem parte das série "Lugar de Sempre" e foram realizados posteriormente (2010), usando os mesmos micro ponteiros; mas aqui, a sua movimentação se dá a partir da manipulação de um imã. Uma espécie de “desenho animado” onde os protagonistas são esses ponteiros em movimentação contínua, e em pontos inesperados do campo de ação da performance. Nesse caso, o tempo e a sua forma de movimentação é definido e controlado pela movimentação da pedra de imã sob eles – uma espécie de coreografia, de “dança das horas” se cria, e que inclui o domínio e controle do acaso durante toda a ação performática. As proporções e tamanhos desses ponteiros são incorporadas à próprio processo como elemento de linguagem – ou seja, os mesmos micro ponteiros, filmados em escalas de tamanho diferentes, geram resultados visuais que surpreendem pela diferença entre si, gerando ora um resultado acumulativo e caótico (Para todo sempre), ou um resultado radicalmente oposto, minimal, tal qual em Destempos e/ou Extemporâneos, onde pequenos grupos de ponteiros se movimentam de forma quase imperceptível sobre o fundo branco da tela.
A exposicão Destempos inclui uma instalação sonora, “Quanto tempo o tempo tem”. Seguem comentários sobre a obra:
Tempo mítico
“Nas sociedades africanas os velhos exercem um grande papel, são eles que detêm a sabedoria, conhecem a história de seu povo. Eles transmitem seus ensinamentos aos mais jovens. Ao contar suas histórias, resgatam através da memória toda a vivência dos antepassados. O contato com os velhos, contadores de histórias, permite que haja transformações para além da realidade física, diferentemente das sociedades ocidentais nas quais o tempo é retilíneo e as transformações, o campo das mudanças, está reservado ao futuro. Nas sociedades africanas, ou em quase todas, não existe a noção de futuro. A transformação acontece de forma simultânea entre o tempo real e o tempo ideal. Como dois mundos superpostos – o da ancestralidade, do tempo mítico, e o mundo real, do tempo sensorial ‐ coexistindo. Os espíritos dos antepassados podem reaparecer quando chamados pelos crentes, porque tudo aquilo que eles foram não desapareceu: existe ainda agora, continua vivo. Os séculos não destruíram as entidades que neles viveram: o tempo ontológico dos espíritos está fora e liberto do tempo do relógio, embora possa habitá‐lo e penetrá‐lo nos momentos de epifania." (Alfredo BOSI, 1996)
Na instalação áudio‐visuasl "Quanto tempo o tempo tem", que será realizada no espaço Anexo da galeria, Lenora propõe ao participante a audição, com headphones, de um texto re‐criado por ela a partir de um travalíngua popular, lembrança das brincadeiras infantis com sua mãe (“O tempo perguntou pro tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu pro tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem.”). A idéia é criar um espaço bastante escuro, um ambiente mais cenográfico, com um foco de luz dirigido do teto para a cadeira de audição. Nesse ambiente, em uma das paredes, também será projetado o vídeo Para todo o sempre.
A idéia aqui, é “conduzir” o ouvinte num percurso áudio‐poético de cunho metalingüístico, que comenta o caráter enigmático do Tempo, e ao mesmo tempo os aspectos de nosso próprio tempo – o momento contemporâneo. A proposta como um todo é inserir o espectador /ouvinte numa atmosfera de lembranças: tempo da memória, tempo mítico, tempo íntimo.