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novembro 24, 2010
Sonia Guggisberg – Obras de Arte como Metáforas de Bernd Fichtner
Sonia Guggisberg – Obras de Arte como Metáforas
- Anotações filosóficas -
Bernd Fichtner
Gostaria de começar este artigo com palabaras da própria artista:
“O artista funciona como um radar de expressão do seu tempo, do momento político e social que vive, ele se expressa gerando relações e questionamentos, ocupando os espaços da cidade internos ou externos, trazendo ao publico observador formas de ver e pensar através da arte. Na cidade ou na rede ele encontra espaço para a criação artística. A cidade trás uma realidade cambiante, impõe espaços, tempos, velocidades, trajetórias, fluxos. São estes diversos parâmetros questionados, pensados e organizados com o objetivo de desenvolver um pensamento com o grupo sobre o espaço da cidade.”
Encontramos neste texto as palavras chaves de como “ver e pensar através da arte” – "o artista como um radar de expressão do seu tempo” – "desenvolver um pensamento com o grupo sobre o espaço da cidade”.
Obras principais de Sonia Guggisberg se encontra na homepage dela: www.soniaguggisberg.com.br/portugues/home.html. O meu comentario tem relacoes sobretudo com as obras como “nascente” – (videoinstalacao) – “Bolhas urbansa” (2006-2007) “ o nadador”, a instalação “Linha d´água” - “Corpo das Dobras” “Deriva” – o corpo inerente”..
As obras de Sonia Guggisberg não são lugares onde ficar, mas portas para serem atravessadas ou perspectivas para novos caminhos. Uma dessas perspectivas è a elaboração de uma nova concepção de metáfora. Aqui a metáfora não é mais uma figura da palavra em que um termo substitui outro em vista de uma relação de semelhança entre os elementos que esses termos designam. A metáfora aqui também não é uma comparação abreviada nem uma metonímia. As obras dela não refletem semelhanças, não apresentam algo que seja comum entre objetos, fenômenos e processos, algo que já está pronto, disponível e preestabelecido.
As obras de Sonia Guggisberg são metáforas que apresentam uma qualidade fundamental de perceber, de ver, de olhar. As obras como metáforas criam e constroem relações.
A base desse trabalho de construção de relações está na capacidade humana de ver algo como um outro algo. Para mim essa capacidade semiótica representa um principio basicamente humano. Nas metáforas articula-se essa capacidade básica com a qual os homens fazem as suas experiências compreensíveis a si mesmos, constroem seus sistemas de referencia.
Mas o que significa concretamente que as obras dela são metáforas?
A competência metafórica articula-se na capacidade de ver “alguma coisa” como alguma “outra” coisa. Esta competência exige estruturar um fenômeno, uma área ou um processo, segundo o modelo de um outro fenômeno, área ou processo, numa determinada modalidade. A chave principal numa obra de arte como metáfora é a forma ou o sistema de formas. Através as forma e o sistema de formas a artista representa algo e ao mesmo tempo representa a representação.
A metáfora nas obras de Sonia Guggisberg é objetiva e, ao mesmo tempo, subjetiva. Sua objetividade está na intensionalidade e na evidência da sua proposição, realizada por esse sistema de formas artísticas. A intensionalidade como essência no sentido da lógica matemática é o contrario à intensionalidade como um conjunto de aspectos e elementos. A metáfora da obra de arte é a chave para abrir essa intensionalidade. Essa intencionalidade não esta preestabelecida por a artista. A construção dessa intensionalidade é nossa tarefa entrando num dialogo aberto com a obra.
Exatamente pelo rumo dado ao conteúdo, nós como os sujeitos, com nossa subjetividade, somos provocados para uma atividade. “Subjetivo” não é simplesmente o individual, alienado, isolado de um contexto social. Subjetivo significa ser autor da sua imaginação, da sua experiência e do seu conhecimento.
A qualidade metafórica, de alguma coisa vista como alguma outra coisa permite o desenvolvimento de uma perspectiva para outra esfera da realidade e presume, com isso, a consciência deste ponto de vista.
A obra de Sonia Guggisberg enquanto “imaginação modelante”
O que significa compreender a obra de arte como uma imaginação modelante?
Obras de arte como metáforas são possibilidades de escolha de um ponto de vista próprio. O pensamento cotidiano parte de uma relação rígida e já dada entre objeto e descrição, entre significado e significante. O diálogo com uma obra de Sonia Guggisberg exige a dissolução desta fixação, o desenvolvimento de uma posição pessoal frente à obra, à escolha de um ponto de vista próprio e com isso ao exercício de uma atividade autônoma.
Usando a qualidade metafórica da obra de arte como perspectiva torna-se essencial a manifestação de nossa subjetividade. A metáfora da obra de arte funciona, aqui, como uma ”imaginação modelante”: é capaz de romper crenças do pensamento quotidiano, onde os fenômenos são tratados como objetos e não como relações. As metáforas, ao porem em relação A e B, onde A é apresentado como sendo B, e B ao mesmo tempo não é A, obrigam ao raciocínio silogístico já apontado de encontrar um terceiro elemento para estabelecer as relações. Ora, retomar as relações é passo decisivo e necessário para a compreensão da obra de arte e para a compreensão de nos mesmos como sujeitos nesse dialogo.
Como "imaginações modelantes", as metáforas são dirigidas a uma totalidade. Elas transformam dois campos, heterogêneos e separados, num único, criando algo novo que tem - semanticamente falando - uma qualidade total e intensional. Nisso a metáfora relaciona implicitamente imagem e conceito. As obras de arte como metáforas são meios de reflexão. A qualidade metafórica relaciona a visualização no mais estreito vínculo possível com a reflexão. Na mediação entre obra e sujeito, essa qualidade metafórica impõe relacionar emoção e cognição, olhar e pensar, intuição e conhecimento. Partir.
É possível entender a atividade da artista Sonia Guggisberg como atividade mediadora, num processo em que a artista põe, entre si e os objetos exteriores e naturais, outros objetos criados por ela própria e que exercem o papel de meios da atividade.
Um aspecto geral dos meios é que eles necessitam ser e permanecer relativamente estáveis; não podem desenvolver-se e mudar independentemente dos sujeitos. A esta exigência corresponde uma propriedade específica dos meios: a constância da forma. A relevância desta contradição pode ser mostrada em dois momentos:
- 1. A forma é essencialmente materialização da experiência de uma determinada contradição: o objeto exterior como resistência de uma realidade objetiva e simultaneamente como representação e conteúdo na consciência da artista.
- 2. A forma expressa, ela própria, uma contradição. Cada forma demarca, limita, restringe-se porque resulta de uma determinada experiência, mas mostra simultaneamente uma universalidade de aplicações possíveis: ela pode ter múltiplos empregos.
A dialética entre “produzir“ e “representar” na forma. “Produzir tem a relação com manejar e modificar, com operações e procedimento, uma realidade dada. ”Representar”, por sua vez, não visa modificar coisas. È uma atividade que remete as coisas, interessa-se pela realidade das coisas como tais, mas que se dirige ao outro. Refere-se a entender e conceber, refere-se à “imagem da realidade”.
“Representar” e “produzir” explicitam dois lados opostas da forma: forma enquanto função como abreviatura e procedimento no manejo de objetos e forma como representação que possibilita captar e compreender algo da própria realidade mesma.
A metáfora na obra de Sonia Guggisberg não é algo que esta terminado, pronto, uma figura estática, acabada em si mesma. A metáfora não se explica imediatamente pela sensação, vivência ou empatia. Ela exige uma atividade bem específica: compreender uma obra de arte implica em compreender a sua metáfora. O lugar da metáfora não se encontra no objeto ou tema representado, mas na própria representação, por isso ela é essencial e constitutiva do processo de compreensão. Primeiramente, cada obra de arte da artista é forma e precisa ser compreendida como sistema de formas de representação. Cada obra de arte dela está situada no contexto da história das formas e, em vista deste contexto, apresenta uma resposta a questões e problemas já postos anteriormente por outras obras de arte e antecipa-se a questões que a ela mesma serão postas.
Se encontram duas direções no sistema de formas nas obras de Sonia Guggisberg:
As formas da representação efetuam uma diferença básica e ao mesmo tempo um nexo entre a obra de arte e a realidade. A diferença e a conexão têm um caráter complementar.
Relativamente à diferença, é importante que o sistema de formas se dê como estrutura de elementos, como estilo etc. O sistema de formas impede a retificação imediata dos elementos que a compõem; exige eliminar referências externas e associações empíricas. Em todas as grandes obras de arte, a objetividade da forma, o sistema de elementos formais visa à demarcação, a auto-limitação. Ela tem caráter programático, enquanto contrapõe a relativa autonomia da forma à resistência do objetivamente real, à limitação do empiricamente dado e sua estreiteza.
Esse sistema de formas é, além disso, caracterizado por uma independência e autonomia que não se incluem no âmbito da arbitrariedade subjetiva do artista nem emanam de uma individual de espontaneidade e autonomia, mas do contexto da história da arte.
Ao respeito da conexão: Uma obra de arte é uma síntese única e peculiar de conhecimento da realidade. Quando não se vê esta referência, ela é compreendida como cópia imediata de expressão, vivência ou empatia do artista. Com esta atitude, enquadra-se a obra de arte no nível dos objetos. A obra de arte é considerada um objeto psicológico, uma idéia, um pensamento ao qual apenas se dá uma determinada forma. Outras variantes consistem em ver a obra de arte, primariamente, como mensagem, como conteúdo semântico. Aqui ela se desloca para o terreno da propaganda política ou comercial.
O sentido, o conteúdo, não existe como uma idéia ou um programa, ou uma mensagem na cabeça do artista, que deve inventar uma forma de sua representação. Pelo contrário, o conteúdo se dá como aplicação intencional à realidade pela forma. Esta aplicação intencional efetua-se na ação da produção e também na ação da reprodução. Aqui, o sistema das formas abre-se, expande o seu potencial universal ilimitado face à contenção e demarcação de que se tratou acima. Abertura e potencial ilimitado são resultado da multiplicidade de suas possíveis aplicações.
O conteúdo como aplicação intencional do sistema das formas é algo assim como uma fórmula para processos de compreensão de arte em geral, para a compreensão da obra de arte como metáfora. O núcleo metafórico de uma obra de arte torna-se acessível somente por meio da experiência de sua contemplação, de um ver qualitativo, que não pode ser substituído por descrição com palavras, por comentários ou explicações. Não há como substituir a experiência direta da obra de arte. O observador necessita estar equipado o melhor possível para poder responder à força da metáfora. Se o lugar da metáfora está no próprio modo da representação, no sistema das formas de representação, se requer uma relação direta do contemplador com a obra de arte, e esta contemplação será mais rica em interpretações quanto maior a qualidade do olhar, quanto maior for a capacidade de mover-se em contextos formais, exercícios para captar estruturas etc. Isto porque o contemplador, como o leitor, traz para sua vivência com a obra de arte todo o conjunto de suas contrapalavras (Bakhtin) com que constrói suas compreensões.
Exatamente isso é o essencial da obra de arte: materializar modos de ver o mundo. A grandeza e soberania da obra de arte repousam na representação, materializada no sistema de suas formas de representação. Precisamente aqui a arte é um espelho, não por refletir o que lhe é externo, mas por vivermos uma experiência de um modo de ver, que tornamos experiência nossa, algo que, sem este espelho, ignoraríamos. A soberania da arte consiste, portanto, na sua capacidade de representar e materializar modos de ver a realidade.
Modos de ver não são espontâneas e arbitrarias “fotografias”, mas sim resultados gerais de experiências. Um modo de ver sempre resulta de soluções práticas da vida. Estas soluções têm a ver com uma síntese de conhecimentos sobre a realidade. Um modo de ver resulta de uma generalização. Por isso, uma obra de arte tem importância e relevância para todos nós como indivíduos.
O que é geral num modo de ver apresenta uma possibilidade para nós nos vermos a nós próprios, as nossas experiências e a nossa própria vida. Como observadores, quase aplicamos o sistema de formas de representações à nós mesmos construindo o nosso conteúdo, o nosso sentido da obra de arte. Como “aplicação de formas de representação” as obras de arte tematizam a si mesmas e as subjetividades que com ela entram em relação. Assim, ocupando-nos com uma obra de arte realizamos sempre uma experiência de nós mesmos. A tentativa de entender a obra de arte é praticamente a transformação metafórica de si mesmo: obriga o sujeito a se ver na obra de arte que vê; obriga o sujeito a se ler na obra de arte que lê. Por isso elas são ao mesmo tempo objetivas e subjetivas. Elas têm sua materialidade no seu sistema de formas como metáforas únicas e particulares com esta dupla direção: permitem conhecer a realidade e ao mesmo tempo construir conhecimentos sobre nós próprios.
As obras de Sonia Guggisberg são como crianças: impressionam o seu ambiente de uma maneira especifica. Elas portam o novo, o não previsto. Representam enfoques de relevâncias junto com uma orientação para o futuro, como uma criança é uma promessa de vida, vida que não é preestabelecida em seus passos – apesar de todos os esforços em sentido contrário de uma sociedade que se quer eternizar.
Sonia Guggisberg, com sua obra, torna mais visível qualquer coisa que não seja da ordem do visível: “Não restituir o visível, mas tornar visível (Paul Klee)”.
Bernd Fichtner
Criado numa familia de Camponeses e Trabalhadores. Foi professor da Escola Erich Klausener na cidade de Herten - Westfalia (68/69); Professor do Instituto de Formação de Adultos na cidade de Munster – Westfalia (69/71); Diplomado para a Qualificação do Ensino Superior pelo Estado de Westfalia com “summa cum laude” nas disciplinas de Letras. Filosofia e Historia de Arte (1971); Doutorando em Ciências da Educação na Universidade de Bielefeld. Bolsista do Estado de Westfalia (72/74) Tese de doutoramento em Pedagogia.: “A relação entre a estrutura de conhecimento e de aprendizagem” (summa cum laude) (1976); Exame de Habilitação como catedrático na Universidade de Siegen na Faculdade de Ciências da Educação. (“Aprendizagem e atividade de Aprendizagem - Estudos filogenéticos, ontogenéticos e epistemológicos”) 1989; Projetos de Pesquisa em colaboração com diferentes universidades européias tais como: Universidade de Bologna, Universidade Livre de Berlim, Universidade de Bielefeld, Universidade Livre de Amsterdam, Universidade de Münster, entre outras (desde 1976); Professor Titular na Universidade de Siegen desde 1993. Projetos de Pesquisa e professor visitante das seguintes Universidades do Brasil: Universidade Federal de Pelotas, Universidade Federal de Santa Maria, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal de Juiz de Fora. PUC Rio de Janeiro, Universidade Federal Campinas Universidade Federal de Niterói, USP São Paulo e outras (1993); Diretor cientifico do “doutorado internacional em educação” (INEDD) da Universidade Siegen (desde 2002).