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novembro 19, 2010
Deborah Engel - Paisagens Possíveis por Daniela Name
Deborah Engel poderia ser Istambul. Retratada inúmeras vezes pela National Geographic, revista que a artista tanto usa como ponto de partida para estas paisagens possíveis, a cidade turca une Europa e Ásia através das duas pontes que se debruçam sobre o Estreito de Bósforo, linhas sobre a água construídas para completar o desenho de seus limites urbanos.
Como Istambul, a obra de Deborah parece estar sempre entre - dois pontos, duas situações, dois tempos, estados distintos. Este entre, no entanto, é transformado em através. O que à primeira vista é uma suspensão, uma dupla de parênteses apartando contrários, transforma-se em uma sobreposição de sutilezas que amalgama diferenças.
A artista persegue esta costura de um modo muito peculiar, flertando com a transitoriedade das imagens. Investiga momentos instáveis e efêmeros desde o início de sua trajetória. Em 2009, deu um nome bastante significativo para uma série de fotografias realizada em ônibus do Rio de Janeiro: Tudo é passageiro. O título fazia a simbiose do significante – os retratados eram todos usuários do transporte coletivo, mantidos anônimos – e o significado. Com o conjunto de imagens e a maneira como resolveu chamá-lo, Deborah fazia quase uma declaração de intenções.
As paisagens possíveis vão ainda mais longe, projetando-se, à maneira de Istambul, para novo continente - um outro espaço-tempo que contenha suas possibilidades. Walter Benjamin afirmou que a fotografia dispensou pela primeira vez a mão do fazer artístico, transferindo a responsabilidade estética para olho, talvez o verdadeiro obturador. Neste trabalho, Deborah consegue interferir com a mão no gesto mecânico de fotografar, mas para reafirmar a soberania do olho – o seu e o de outros.
A artista seleciona fotografias feitas para reportagens em diversas revistas, sobretudo a National Geographic. São imagens imbuídas, portanto, de um caráter documental, de um registro fidedigno e realista. Deborah estas fotos de vários lugares do planeta com paisagens brasileiras, criando um fio de sentido entre (a palavra insiste em voltar) uma garota chinesa e um quintal caipira. Ou a plantação de chá e a lavoura de café. Ou o sobrevoo da coruja no bosque temperado e a mata tropical.
É através deste entre que se enxerga de forma mais ampla a imagem roubada, a imagem clicada e a terceira imagem – também terceira margem, como a canoa que se põe entre dois tempos no meio do rio de Guimarães Rosa. Na pororoca de sentidos criada por Deborah, entre é o através onde se repensa a longa tradição de paisagem no Brasil, a fotografia, as possíveis ressignificações e a memória das imagens.