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dezembro 2, 2009

A Invenção de um Mundo, Parceria Itaú Cultural e Maison Européenne de la Photographie

Texto curatorial de Eder Chiodetto e Jean-Luc Monterosso

Fotografar não para certificar o visível, mas para criar outras dimensões possíveis do espaço-tempo. Olhar e registrar não a aparência do entorno, mas a vertigem dos desejos, dos temores, dos sonhos segredados. Fotografar não o que os olhos veem, mas a imaginação criadora, onírica, irracional, subjetiva. Instaurar a dúvida, a dialética e a ironia onde reinava a aparência volátil de realidades fortuitas. Fotografar, inventar um mundo e, assim, representar o homem em todos os seus matizes.

Transfigurar a objetividade documental, o rigor formal e o flagrante para dar primazia à subjetividade, à abstração e à construção da cena foi atitude transgressora que sempre existiu de forma pulverizada na história da fotografia, mas que passou a dominar uma determinada produção fotográfica, sobretudo a partir dos anos 1960. Tais pesquisas recrudesceram nas décadas seguintes motivadas pela evolução dos modos e costumes da sociedade, pelo invento de novas tecnologias, pelas teorias de pensadores que desconstruíram o conceito de “verdade” e de “realidade” nas imagens técnicas, que se somaram à crise da representação nas artes visuais, escancarada pelo pós-modernismo.

Diversos artistas, deixando de lado a ideia da captura de momentos decisivos, optaram pela construção de cenas, realizando uma espécie de teatro ou ato performático para os quais a câmera escura passou a simbolizar um palco de representações e a imagem resultante, a síntese de uma narrativa dirigida com forte aporte estético e ideológico. A ideia de uma verdade totalizante, pura e isenta passou a ser repudiada. Vigora, desde então, o pensamento de que todo conhecimento é relativo. Dicotomias, incertezas, ironia e lirismo preenchem, assim, outros planos que se justapõem à aparente bidimensionalidade das fotografias.

A Invenção de um Mundo, exposição que faz um pequeno recorte dessa produção a partir do vasto acervo da Maison Européenne de la Photographie, faz um apanhado de obras e artistas que se tornaram referência desse tipo de fotografia construída, por vezes denominada por pesquisadores como pós-moderna, contemporânea, encenada, expandida, contaminada etc.

Tais denominações buscam, na verdade, revelar a capacidade desse tipo de fotografia de se mesclar com outras linguagens como o cinema, a pintura, a gravura e o teatro, por exemplo, num movimento que tende a tornar mais complexas e desafiadoras tanto sua simbologia quanto sua classificação.

O fato é que a produção dos artistas contemporâneos aqui representados, ao quebrar diversos tabus, conferiu definitivamente à fotografia um grau de autonomia e originalidade que fez dela a linguagem mais discutida das últimas décadas, seja no âmbito da arte, no meio acadêmico e em outras instâncias sociais.

Contra a combalida ideia da assunção do real na fotografia, os artistas investiram fundo na simulação, na busca de uma representação genuína de seus estados de ânimo ou de sua observação crítica do mundo pela via ficcional.

Determinante para alavancar essa postura dos artistas, as novas tecnologias ofereceram nos últimos anos uma infinidade de ferramentas para que eles conseguissem ampliar o repertório de suas pesquisas pós-fotográficas. As cópias em grandes formatos com grande qualidade pictórica, por exemplo, fizeram reacender o eterno debate dos limites entre fotografia e pintura.

Nas últimas três décadas, essa produção explodiu no circuito das grandes exposições de arte, tornando-se um fenômeno de mercado, como nunca havia ocorrido na história. Com o crescimento exponencial dos computadores pessoais e programas de tratamento de imagem, a manipulação do conteúdo das imagens torna-se cada vez mais algo corriqueiro, sepultando de vez a crença do senso comum de que as imagens necessariamente fazem emergir um real inquestionável.

São esses usuários também que cada vez mais buscam imagens idealizadas, retocadas, construídas, ficcionais para ilustrar seus perfis, por exemplo, nos sites de relacionamento na internet. A Invenção de um Mundo, por esse prisma, não inventa um mundo paralelo e distante da realidade, mas, sim, reflete e potencializa de forma poética e metafórica o comportamento também cambiante da sociedade em que está inserida.

Com tantas transformações de ordem conceitual e técnica, a fotografia da virada do século XX para o XXI tem conseguido de forma enfática e original representar os anseios e as contradições do homem contemporâneo, ampliando suas fronteiras de representação.

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 2:28 PM