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outubro 1, 2007
16º SESC VIDEOBRASIL: Entrevista Arthur Omar
16º SESC VIDEOBRASIL
Entrevista Arthur Omar
Do hiper-formal ao super-informal ou Reconstruir a experiência no Oceano da Linguagem
1. A fusão, a montagem, a pulsação luminosa, o fluxo torrencial, a câmera lentíssima e o hiper-acelerado, a intensificação musical, as metáforas visuais, são algumas das figuras de linguagem nos teus filmes e vídeos. São essas as bases de um pensamento audiovisual e sensorial que você busca ?
Eu vejo três diferentes níveis de elaboração no meu trabalho. As figuras de linguagem organizam a imagem, formalizam, forjam a matéria seja do filme, vídeo, fotografia, são a forma de atingir o cérebro diretamente através dos órgãos do sentido. Sou fascinado por interferências e remixagens sonoras, ultra edição, fusão, tudo o que ultrapasse o imediatismo da imagem e o verbal. Palavra, depoimento, fala, para mim tudo é matéria para ser modulada. Não me interessa a transmissão de nada preexistente às imagens, mas a produção de uma experiência com a imagem, na imagem, como uma reação química cerebral, que só ocorre ali. Então, se na instalação Dervix, filmo a cerimônia Sufi num estilo absolutamente pessoal, não se trata de desejo de interferir na linguagem. Ali estou dialogando com a experiência direta do próprio Sufismo, com o êxtase, e fazendo com que o vídeo introduza contribuição para sua percepção. Deixando para atrás o cinema, com o meio vídeo descobri outra figura, o tempo real, o continuum, a deriva da imagem e meus últimos vídeos inéditos são ultra informais.
Num segundo nível teríamos não mais as figuras de linguagem organizando a imagem, mas um reagrupamento dos trabalhos a partir de orientações conceituais: a antropologia, o êxtase, o ato, o anti-documentário. São plataformas, bases que atravessam diferentes trabalhos.
E finalmente a questão central que sempre me ocupou, que é a relação sujeito e objeto, é uma reflexão teórica, metodológica mesmo (uma fenomenologia sui generis), investigada na prática dos trabalhos. Como produzir experiências perceptivas, posições subjetivas, explodindo os clichês? Esse é o maior desafio. Como me colocar em outro lugar, inventar posicionamentos, fugir dos lugares que reservaram para mim, inclusive pela crítica e pelos historiadores. É o mais vital e difícil.
2.Passagem entre os meios. O que diferencia e qual a linha de continuidade entre a tua obra de curta-metragens dos anos 70, os vídeos dos anos 80 e 90, a fotografia, a música e o desenho e as instalações atuais?
Vejo duas linhas, duas séries, nesses trabalhos , que muitas vezes se encontram, outras vezes se bifurcam em direções distintas: a desconstrução e o êxtase. Nos curtas dos anos 70, há um impulso desconstrutor, em cada filme buscava uma especificidade, algo singular, caro a percepção cinematográfica. Em Congo, por exemplo invertia as hierarquias e dava a palavra escrita, ao grafismo, ao letreiro mais importância que à imagem, desconstruindo a estrutura demonstrativa do documentário clássico e seu regime de verdades, propondo o anti documentário. Em Vocês, criamos um dispositivo artesanal que simulava a luz estroboscópica e fizemos um flicker filme político, sobre a iconografia do guerrilheiro e sua paródia, com uma metralhadora de pau e cuja pulsação luminosa (guerra e cinema, luz que fere a retina) interfere na própria sala de cinema, na arquitetura mesmo, fazendo a sala escura pulsar. É um videoclip avant la lettre, estruturado inteiro sobre uma versão de Bob de Carlo de uma música cantada por Michel Polnareff. Em Tesouro da Juventude trabalho o found footage, filmes encontrados no lixo de uma emissora de TV, e pela primeira faz penso em uma antropologia visual, lírica, com o uso desses pedaços de filmes antropológicos dos anos 20.
Para mim, cada filme deve conter uma plataforma de percepção. Como o Triste Tropico de 1974. Não é Cinema Novo, não é cinema marginal. É uma proposta de hipertexto, de intertexto radical, em 1974. Nos vídeos dos anos 80 a desconstrução mais radical cede ao fluxo, ao fluido, passagem do cinema ao vídeo, a idéia de êxtase, a captura da experiência, aparecem como uma reconstrução (do ceticismo a crença na imagem, de Congo a Coroação de Uma Rainha). Essa mudança tem a ver com minha formação musical, componho música eletrônica desde Tesouro da Juventude, penso o sampler como método, mergulho no oceano sonoro 24 horas. Desde 77 quando fiz a música de Tesouro em um dos primeiros sintetizadores analógicos que chegavam ao Brasil, penso música . Na minha última exposição, Zooprismas, de 2006, em que apresentei dez novas instalações de vídeo na Oi Futuro, no Rio, misturo as séries, com vídeos hiper editados e manipulados e esse fluir. Passo por elementos altamente formais mais visando reencontrar a experiência no oceano da linguagem.
Isso aparece também na minha contribuição ao documentário experimental. No longa Sonhos e Histórias de Fantasmas, por exemplo, os quilombos negros de Minas e o funk carioca se tornam não o tema de um documentário, mas os rostos, corpos, cores, formas, trazem expressões, sensações novas sobre o tema. Não de trata de lirismo ou poesia (nem do clichê da videoarte borrada em câmera lenta) mas criar uma iconografia nova, produzir conhecimento pelo sensorial, coisa que nenhuma sociologia ou antropologia pode fazer sem passar pelas imagens e sons. Etnografia estética. "Calei" os meus personagens para que o espectador possa experimentar a sua presença sensorial, descer a outros níveis. Essa é a minha contribuição e a minha diferença.
3. Como você situaria hoje três textos/manifestos. O Anti-documentário provisoriamente (1972), Kodak-gnose (1988), depois da fotografia digital, e Foto, Cine, Video: a questão do artista (BHZVídeo. 1992) sobre a passagem entre os meios? Que questões desses textos te mobilizam?
Todos esses textos são resultado de um corpo a corpo com os filmes, vídeo, fotografia, música. No anti-documentário trabalho para desconstruir o documentário sociológico, mostrando como documentar é demonstrar e ficcionalizar, usando inclusive as regras da ficção clássica. Em Kodak Gnose, investigo o êxtase na fotografia, a relação de exibição, exposição e sincronia entre fotógrafo e fotografado. No texto A Questão do Artista começo a pensar o artista digital tornado amador, não-especialista, trabalhando com o tempo real e o continuum espacial. Chego no informal. Se eu parasse de filmar hoje poderia ficar dez anos produzindo vídeos, fotografias, imagens, sem parar. Edito diariamente, pensar,editar,filmar, fotografar, samplear, desenhar virou um só fluxo.
* Entrevista para o catálogo do Festival Videobrasil 2007 em que Arthur Omar é um dos artistas convidados, com três instalações e dois programas de filmes e vídeos.
16º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil
30 de setembro a 25 de outubro de 2007
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