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agosto 16, 2005
Por uma avaliação equilibrada das leis de incentivos, por João Domingues
Por uma avaliação equilibrada das leis de incentivos
JOÃO DOMINGUES
Passamos por um período bem interessante no que consta aos processos de democratização de políticas públicas de cultura, tenho como base a atuação do MinC e sua tentativa de aproximar-se das diversas cadeias produtivas da cultura em constantes debates, lançados desde o início da nova gestão em 2003; no seminário Cultura para Todos. Espera-se que os processos iniciados nas câmaras setoriais sejam habilmente conduzidos na viabilização de políticas de cultura plurais em sua promoção e oportunidades, mediadas pela presença acentuada das diversas esferas da sociedade civil, seja como um dos atores da formulação dessas políticas, seja nos exames cuidadosos de sua implementação e direcionamento.
O setor aguarda as modificações da Lei 8.313/91, cujo decreto, segundo a Assessoria de Imprensa do MinC, guarda a expectativa de ser assinada pelo Ministro Gilberto Gil ainda essa semana, sendo posteriormente encaminhada à Casa Civil para a assinatura do presidente. Diz ainda o MinC que as alterações na Lei Rouanet serão norteadas pelas sugestões apresentadas e debatidas por artistas, produtores e incentivadores culturais nas 22 cidades que abrigaram o seminário Cultura para Todos, e se basearão na "criação de mecanismos de democratização, que vão possibilitar melhor distribuição de recursos - atendendo regiões, pequenos produtores e áreas culturais desfavorecidos" e numa "escala de percentuais de abatimento, no Imposto de Renda, da renúncia fiscal em cultura, que vai estimular maior investimento do mercado". A demora na apresentação das mudanças e a falta de informações no site do MinC causam estranheza à gestão que até aqui se comportou de maneira extremamente democrática; resta esperar e confiar no bom andamento das ações.
No entanto, dois recentes acontecimentos associados a alterações em artigos estruturais nas leis de renúncia fiscal chamaram muita atenção essa semana, especialmente no cenário que se desenrola nacionalmente na área do planejamento cultural (e a forma como vêm sendo conduzidas as mudanças da Lei Rouanet). Da cidade de Goiânia, o Conselho Municipal de Cultura enviou nota ao Canal Contemporâneo em que narrava as modificações no Decreto 973, onde a Secretaria Municipal de Cultura revoga a co-gestão de avaliação do Conselho sobre a Lei de Incentivo à Cultura em projetos oriundos do Poder Executivo Municipal (financiados pelo Fundo de Apoio à Cultura), estabelecendo a juízo próprio a competência na avaliação.
E no dia 18 de agosto, acontecerá uma Audiência Pública na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, sobre o Projeto de Lei 2663, da Governadora Rosinha Garotinho, que retira da Secretaria Estadual de Cultura a verificação que objetiva determinar a competência dos projetos a incentivar, sem especificar qual setor será o responsável por sua análise, e ao que parece, segundo texto do Deputado Carlos Minc, trazendo para si a decisão sobre o juízo de valor desses projetos.
O que assistimos agora ultrapassa qualquer contradição externada (não daquelas contradições próprias do universo da cultura; antes, aquelas que caracterizam as más administrações públicas). No âmbito das gestões culturais, acompanhamos dois equívocos abissais, que se não forem remediados imediatamente poderão servir a projetos administrativos arbitrários, inqualificáveis, sem nenhuma pertinência política ou interesse público; e que portanto, desconhecem as instituições legais e deslegitimam a democracia. Se perseguimos uma gestão eficaz e democrática resta-nos procurar um campo onde se deva avançar na direção de ações políticas, sociais e econômicas que se reproduzam conforme operam as esferas auto-organizadas da sociedade, e, especialmente, que corrobore com um diálogo público ininterrupto e pujante, sobretudo empreendendo a idéia de que uma lei de incentivo não deva responder por todo o direcionamento de políticas públicas de cultura, pois de fato elas o são muito mais, bem como a idéia de democratização da cultura sugere realizações mais efetivas que ingressos de espetáculos a preços populares.
Não há qualidade numa gestão que opera segundo outras circunstâncias e não há eficácia em administrações que não procuram avaliar suas condições estruturais e seu desempenho efetivo. Evidentemente não defendemos que leis uma vez sancionadas não devam ser modificadas. Ao contrário, procuramos pensar em ferramentas de gestão que estabeleçam direções cada vez mais hábeis para tornar as muitas alterações em velocidade adequada, emboçadas e próximas ao contexto em que se aplicam. O que sugerimos portanto é promover avaliações das políticas públicas em todos os seus âmbitos; municipais, regionais ou federais.
Mais especificamente no caso das leis de incentivo, devemos pensar em até que ponto elas substituíram - e ainda substituem - certas políticas públicas. O mecenato é apenas uma das faces de uma administração cultural e não sua totalidade. Espera-se que as leis de incentivo operem bem além do simples financiamento, mas que elas atuem no desenvolvimento da cultura como atividade econômica, geradora de renda e de circuitos sustentáveis; portanto, que elas representem investimentos e retornos ao setor. Quais foram os resultados alcançados pelas leis de incentivo nos diversos setores em que ela atua? Quais são os pontos positivos e quais os pontos negativos em cada um desses setores e vistos pelas diferentes posições de suas cadeias produtivas?
Não esperamos que a avaliação das leis se baseiem no número de pessoas ou regiões contempladas, ou que esteja fundamentada somente num panorama de atendimento social; esperamos que se levantem as formas como elas alteraram o panorama da cultura em seu local de implementação e em como auxiliaram a tecer novas demandas políticas em seu contexto. Já atuamos com as leis de renúncia fiscal há mais de uma década, e deve-se analisar as condições anteriores as suas implementações e a forma de debate público que se deu em sua constituição. Muitas das leis foram formuladas baseadas em experiências anteriores (algumas fracassadas, outras muito novas), sem considerar as especificidades regionais e sem avançar na direção de soluções menos conservadoras.
Assim como pretendemos forjar políticas de forma plural, pretendemos que as avaliações de resultados se dêem de forma multifacetada, com a participação ampla dos ativos da cultura: gestores, políticos, trabalhadores, produtores, artistas e público.