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maio 31, 2005
Patrocínio de quem?, Ivan Padilla entrevista Yacoff Sarkovas
Patrocínio de quem?
O consultor questiona a Lei Rouanet, que permite a empresas privadas usar dinheiro do contribuinte para seu marketing cultural
Ivan Padilla
A maioria dos espectadores costuma reagir com simpatia quando, no início de um filme nacional, surgem na tela do cinema os logotipos das empresas que contribuíram para aquela produção. O que poucos sabem é que aquelas companhias não investiram dinheiro próprio. Ao contrário - para financiar filmes que elas escolheram, utilizaram o dinheiro do Imposto de Renda, que iria para o Estado. Em tese, esse dinheiro que o Estado deixou de arrecadar vai ter de ser captado de outras formas, aumentando a carga tributária em outras frentes.
O mesmo princípio se aplica à produção de livros, shows e exposições. Por isso, o consultor Yacoff Sarkovas, presidente da Articultura, uma empresa de gestão de patrocínios com clientes como Citibank, Nestlé e Petrobrás, é hoje o maior crítico desse modelo. ''O dinheiro é do Estado'', afirma. ''Não pode ser usado por empresas privadas para projetos escolhidos por critérios políticos ou de relacionamento.''
A primeira lei de incentivo fiscal com dedução integral do Imposto de Renda, a chamada Lei Sarney, é de 1986. Em 1991, a norma foi substituída pela Lei Rouanet, sobrenome do secretário de Cultura do presidente Fernando Collor. Em 1993, a Lei do Audiovisual, de Itamar Franco, foi além, garantindo um ganho mínimo de 124%. Ou seja, além de assegurar a dedução de 100% do Imposto de Renda, as empresas ainda ganham uma espécie de comissão de 24%. Juntas, as leis de incentivo fiscal injetam cerca de R$ 700 milhões por ano na produção cultural brasileira.
ÉPOCA - O que há de errado com as atuais leis de incentivo fiscal?
Yacoff Sarkovas - As leis de incentivo fiscal são injustas, ineficientes como sistema de financiamento público e ainda por cima perdulárias porque criam gastos de intermediação. A cultura é de interesse público. Precisa de um sistema de financiamento público, da mesma forma que a educação e a saúde. Mas, no Brasil, o sistema de financiamento público da cultura foi substituído por esse sistema de dedução fiscal integral. Historicamente, a cultura é financiada por quatro grandes fontes. Uma, antiga, é a do mecenato, hoje representada pelo patrocínio corporativo, um pouco ausente no Brasil. Uma segunda fonte é o mercado em torno da aquisição de serviços e produtos culturais. A terceira fonte é o patrocínio, o dinheiro da comunicação empresarial, que permite que uma marca atue no campo de interesse de seu público. Por último, há atividades que não interessam ao mercado, não fazem sentido como ação de patrocínio, mas são de alto interesse público. É aí que o Estado deve atuar através de políticas públicas.
ÉPOCA - Nós não temos essas políticas públicas no Brasil?
Sarkovas - Não. Nós temos um mecanismo em que o dinheiro público é distribuído por empresas. O meio cultural tem de peregrinar pelas empresas para buscar dinheiro público. O que faz com que um projeto receba dinheiro público não é um critério público, é um critério privado.
ÉPOCA - As empresas cujos logos aparecem na exibição de um filme nacional não financiam o cinema?
Sarkovas - Essas empresas não colocam dinheiro próprio para esse filme. Mais do que isso, elas recebem dinheiro público. Porque a dedução na Lei do Audiovisual é de 124% a 134%. Não é nem que ela seja integral, ela é sobreintegral. É uma lei que permite que uma pessoa jurídica utilize parte de seu imposto a pagar, ou seja, o dinheiro que ela devia ao Estado. Em vez de pagar ao Estado, ela se torna sócia da comercialização do filme, deduz 100% daquele valor do imposto a pagar e abate aquele valor do faturamento. O lucro declarado da empresa abaixa e o imposto que incide sobre esse montante cai ainda mais. A empresa usa dinheiro público e ainda lucra de 24% a 34% com seu repasse ao filme.
ÉPOCA - Quais são os critérios adotados pelas empresas?
Sarkovas - A escolha se dá por sistemas de relacionamento e vínculos não-públicos. Algumas empresas acabam tendo a ética de criar sistemas de editais abertos para o uso desse dinheiro, cumprindo a função do poder público, estabelecendo políticas e fazendo com que as regras do jogo sejam iguais para todos. Há normas, eventualmente estabelecendo comissões técnicas para avaliar os projetos.
ÉPOCA - Sem essas leis as empresas não diminuiriam os patrocínios?
Sarkovas - Seria muito bom que diminuíssem, mas que virassem patrocínios reais. A única pesquisa feita até hoje nessa área, pelo Ipea, há dois anos, mostra que as empresas no Brasil investem US$ 2,5 bilhões em projetos sociais com dinheiro próprio. Não há dedução de imposto a pagar. As empresas no máximo podem lançar aquilo como despesa. Mas é um exemplo de que existem mecanismos mercadológicos, sociais e políticos que levam empresas a investir recursos próprios.
ÉPOCA - De que maneira as empresas podem lançar esse investimento como despesa?
Sarkovas - Muitas vezes ouvimos dizer que nos Estados Unidos existem doações milionárias porque lá se abate tudo do imposto. Isso é uma enorme confusão. Abater do imposto lá é abater da renda bruta. Isso é para evitar que você pague imposto por doar, não para fazer com que sua doação seja deduzida do imposto. Um exemplo: eu ganhei US$ 1.000 e minha alíquota é de 20%. Ou seja, eu vou pagar US$ 200 de imposto. Se eu doar US$ 100 ao Museu Metropolitan, eu fico com US$ 900. Eu não tenho mais US$ 1.000, eu tenho US$ 900. Se não houver uma lei que me permita lançar aquela doação como despesa, eu vou continuar pagando imposto sobre os US$ 100 que eu doei ao Metropolitan. Lei de incentivo fiscal à cultura, nos Estados Unidos e em qualquer lugar do mundo, é você ter o direito de lançar como despesa uma doação que você fez a uma instituição cultural. Não é pegar o dinheiro público e decidir a quem quer doar.
ÉPOCA - Isso não é uma maneira de o Estado garantir que algum dinheiro vá para a cultura, e não para áreas como saúde, educação e segurança?
Sarkovas - Então por que não fazemos com que o financiamento à educação se dê dessa forma? Por que não botamos os diretores de escolas estaduais batendo nas portas das empresas para tentar captar dinheiro público, e quem não conseguir fecha as portas? Ou os diretores de hospitais públicos? Mas você toca numa questão importante. Se não houvesse a Lei Rouanet, os profissionais da cultura teriam de lutar por seus recursos no orçamento público.
ÉPOCA - E nessa disputa a cultura não perderia recursos?
Sarkovas - Então significaria que a sociedade brasileira, representada pelo Executivo e pelo Legislativo, que definem as prioridades do orçamento público, consideram a cultura uma atividade não socialmente necessária. Temos de discutir essa questão, e não criar um mecanismo que adie essa discussão. Essas leis evitam que os recursos da cultura sejam estabelecidos na definição do orçamento público, como deveria acontecer.
ÉPOCA - Existem bons modelos no Brasil de financiamento público?
Sarkovas - Existem. Olhe a Lei de Fomento ao Teatro, em São Paulo. É feito um diagnóstico de determinada área, no caso o teatro. Monta-se uma comissão técnica de avaliação de projetos e todos se inscrevem, todos competem, alguns ganham e muitos não ganham. É um processo darwiniano, em que a seleção natural se dá por critérios públicos. Há outro processo darwiniano que é o patrocínio, no qual o critério é a capacidade do projeto de atender a objetivos estratégicos de marcas. Mais de R$ 30 bilhões por ano são investidos na comunicação empresarial no Brasil, e parte cada vez maior desse dinheiro acaba indo parar em projetos de interesse público.
ÉPOCA - Por que as leis de incentivo têm uma imagem tão boa?
Sarkovas - Por falta de informação. A população brasileira não sabe que as marcas na tela do cinema não colocam dinheiro naquele filme. Ao contrário, são pagas pelo governo para colocar dinheiro público. Isso faz com que filmes sejam produzidos, mas não traz benefícios a médio e longo prazo porque não tem sustentabilidade. Imagine que a lei seja uma máquina que você tire da tomada. Se você fizer isso, não sobra um único investidor em cinema no país. O cinema brasileiro nesse momento desapareceria.
ÉPOCA - A produção cultural não aumentou por causa dessas leis?
Sarkovas - Óbvio. Se eu pegar um saco de dinheiro e jogar em cima de produtores de galinhas, a produção de galinhas vai aumentar. Essas leis produziram um benefício concreto. Injetam algo em torno de R$ 700 milhões por ano de dinheiro público na cultura. Não tínhamos nenhum sistema de financiamento. De repente, surgiram shows, festivais, exposições, livros e filmes. As leis também fazem com que boa parte do dinheiro chegue às produções independentes e permitem a diversificação da produção cultural. As leis são benéficas simplesmente porque colocam dinheiro na cultura.
ÉPOCA - O que o senhor propõe?
Sarkovas - A questão não é pôr ou não dinheiro na cultura, mas como. Num país pobre, com desigualdades sociais, temos de ser muito criteriosos na aplicação das verbas. Estamos usando dinheiro público para educar, entre aspas, a área privada para que ela nunca ponha dinheiro próprio em projetos culturais. As empresas empregam seus recursos nas áreas social, ambiental e esportiva. Nessas áreas, estão criando sistemas de financiamento privados sustentáveis. Já a cultura criou uma espécie de reino da fantasia, de terra do faz-de-conta. Eu faço de conta que sou um produtor de cinema financiado, você faz de conta que é um investidor de cinema. É uma relação privada com dinheiro público.
ÉPOCA - O que o senhor acha do projeto do ministro Gilberto Gil de reformar as leis para incentivar a descentralização do destino dos recursos?
Sarkovas - Isso é história para boi dormir. É como olhar um prédio com problemas de estruturas prestes a ruir. Aí vem o síndico, que é o ministro, e diz: vamos passar uma mãozinha de tinta aqui, trocar uma pastilha
Para falar em descentralização, é necessário ter sistema de financiamento direto. Se a Região Nordeste precisa ter uma taxa de investimento público em cultura que seja desproporcional a seu PIB, isso tem de ser estabelecido dentro de fundos públicos.
ÉPOCA - Como definir critérios?
Sarkovas - Como isso acontece no mundo? Basta ir ao cinema. Um filme comercial é financiado por uma associação de produtores. Um filme com um compromisso estético e cultural é financiado por fundos. Nada contra o cinema blockbuster. É questão de definir as regras, estabelecer os recursos e dar transparência ao processo.
ÉPOCA - O sistema atual de leis de incentivo deveria ser eliminado?
Sarkovas - Aí é que está. Existe hoje uma dinâmica decorrente do investimento desse recurso que não pode ser interrompida bruscamente. Tem de haver uma transição.
ÉPOCA - Como seria essa transição?
Sarkovas - O Gil tinha no início do mandato todas as condições de fazer essa transição. Tinha recursos humanos, políticos e financeiros. As áreas técnicas sabem desses problemas e muita gente no ministério tem a mesma visão crítica que eu. A transição não geraria impacto no orçamento porque o dinheiro já existe. Deveria ser feita gradualmente, diminuindo ano a ano a porcentagem de dedução fiscal.
ÉPOCA - Que país seria um bom exemplo de uso do financiamento público para cultura?
Sarkovas - O Canadá, o México, a França, a Alemanha, o Japão. O modelo francês, em linhas gerais, funciona assim: eu sou um coreógrafo, faço contato com dois bailarinos, uso a garagem de minha tia para ensaiar, preparo uma primeira obra. Quando uma instituição abre espaço para novos talentos, eu concorro. Se agradar, faço uma apresentação. Consigo atrair um jornal de bairro, sai uma resenha. Com isso entro na disputa do sistema de financiamento de dança contemporânea da França. Lá recebo uma primeira grana. Até chegar a um ponto que o governo acha que devo representar a dança contemporânea da França e começo a competir por recursos para financiar turnês pelo exterior. É um sistema de mérito.
ÉPOCA - A maior parte dos incentivos fiscais vem de empresas estatais. Ou seja, o governo dá incentivo para si mesmo. O que o senhor acha disso?
Sarkovas - O número de estatais é muito menor do que já foi, mas por muitos anos elas funcionaram como uma espécie de caixa dois do governo. Tudo aquilo que era do interesse de governos ou de políticos e que não poderia ser extraído do orçamento público era feito por meio das estatais. Agora, o patrocínio não acomete só estatais. Todas as empresas são pressionadas a realizar patrocínios por relacionamentos políticos, sociais, empresariais e comerciais pela lógica de relacionamentos.
ÉPOCA - Que bons filmes nacionais financiados pelas leis de incentivo o senhor viu ultimamente no cinema?
Sarkovas - Eu assisto a dois filmes por semana, duas ou três peças por mês, vejo tudo o que posso de cinema brasileiro. Adoro ver meu país retratado no cinema. Gosto de muitos e odeio vários outros, que acho mal resolvidos, ou que têm roteiros ruins. Mas não citaria nenhum nome em especial.
concordo plenamente com tudo que diz na entrevista...a um ano tive a honra de publicar minha preimeira obra "poesia a arte de amar" na editora sevem system internacional portal www.biblioteca24horas.com; mas até hoje não conseguir lançar meu livro por questoes finançeira pois as leis de incentivo tão burocratico que as vezes as pessoas desistem. ja estou com uma segunda obra em publicação, uma obra infantil educativa primeira edição de cinco ediçoes que será publicada agora mais breve possivel. mas as diretrizes existentes em relação a ajuda é muito dificil que desistimos em atentar para essas leis. infelizmente estou alavancado mas não vou desistir de tentar pois tenho fé que Deus me ajudará.
meu site: www.poesiaaartedeamar.blogspot.com
site da editora: www.biblioteca24horas.com
Concordo plenamente com o raciocínio do entrevistado porém, no meu caso específico, procuro um patrocinio para editar um livro com a intenção de distribui-lo, sem onus para as entidades, isto é, escolas e bibliotecas. Trata-se de um estudo para valorização do soneto - estilo tão desprezado na poesia atual e, por outro lado, totalmente ignorado pela nova geração. Após consultar mais de uma dezena de sonetistas ilustres mas ignorados pela mídia, todos foram unanimes em transformá-lo num livro "didático". Assim, como uso crônicas e artigos de terceiros - num trabalho de pesquisa - não me sinto no direito de ter lucros financeiros sobre textos de terceiros, embora tenha autorização de grande parte dos autores.
Posted by: João Roberto Gullino at julho 16, 2012 12:59 PM