|
março 19, 2005
Artista ou bacharel? por Hugo Fortes
Artista ou bacharel?
HUGO FORTES
A partir de sua experiência como bolsista de doutorado na Universität der Künste Berlin, o artista plástico Hugo Fortes analisa as diferenças entre a formação do artista no Brasil e na Alemanha.
A formação do artista é algo ainda pouco discutido no Brasil. A maior parte dos debates em arte-educação parece concentrar-se no ensino das artes na escola fundamental e média ou na mediação do trabalho artístico para o público leigo. A definição do sistema de ensino de arte na universidade, no entanto, geralmente fica restrita ao ambiente interno das faculdades, às vezes tendo como modelo os parâmetros impostos de outras áreas de maior tradição universitária.
Embora boa parte de nossos artistas tenha passagem universitária, nem sempre ela se restringe a faculdade de artes. É comum a procura por cursos em ateliês de artistas renomados ou em museus pelos artistas em formação como forma de complementação de seu aprendizado. A busca de uma maior intimidade com o meio artístico e um ambiente mais informal para a troca de idéias é normalmente a causa deste processo. Embora a participação dos artistas atuantes nos quadros universitários tenha crescido muito nos últimos anos, muitos alunos ainda se encontram distantes do que acontece no meio artístico, quer seja por falta de estímulo dos professores, quer seja por sua própria falta de interesse.
De fato, não se pode exigir que uma faculdade, por melhor que seja, garanta a formação de bons artistas, já que a competência artística não se limita ao domínio de determinadas técnicas e habilidades, mas depende de uma capacidade individual e uma motivação interna que geralmente são inatas. Desenvolver essa capacidade, aprimorar sua consciência crítica, disponibilizar recursos práticos e teóricos para a criação e discussão do trabalho de arte e aproximar o aluno do meio artístico são, porém, papéis da universidade.
Quando nos acostumamos a um modelo de ensino, temos a impressão de que este é o único possível. Porém quando nos defrontamos com uma abordagem diferente, algumas questões relevantes vem à tona. A partir de meu contato com o sistema acadêmico alemão na área de artes, procurarei traçar um paralelo entre a formação do artista no Brasil e na Alemanha. Não se trata de afirmar que um é melhor ou pior que o outro, porém apresentar as diferenças, vantagens e desvantagens, para proporcionar uma reflexão.
À primeira vista, o que mais chama a atenção no sistema alemão é a liberdade do aluno de artes. Não há uma carga horária semanal pré-fixada e a possibilidade de escolher uma disciplina é muito maior do que no Brasil. Existe uma maior oferta de disciplinas e professores e o aluno pode escolher livremente, independente do semestre que esteja cursando. Embora haja disciplinas obrigatórias, principalmente nas áreas de desenho de modelo vivo, técnicas de pintura, fotografia e computação gráfica, estas são poucas. Além disso, o aluno deve também obter um certo número de créditos em áreas específicas, como História e Teoria da Arte e Oficinas Práticas (a escolher: Gravura (todos os tipos), Escultura em Madeira, Metal, Pedra, Gesso, Cerâmica, Vidro, etc.). O número geral de créditos de disciplinas exigidos, no entanto, parece bem menor que no sistema brasileiro. O que se privilegia é a produção do aluno como artista e não tanto o seu comparecimento a aulas específicas. A freqüência em classe também não é controlada e para obter o crédito da disciplina o aluno deve escrever um relatório sobre uma das aulas freqüentadas ou desenvolver uma monografia, conforme a disciplina.
Como dito, a produção artística do aluno é o mais importante, e esta produção é acompanhada durante todo o curso por um professor-artista. Após o primeiro semestre de orientação, o aluno deve encaminhar-se a uma "Klasse" liderada por um professor orientador. Neste momento o aluno deve escolher qual o professor mais adequado ao seu desenvolvimento, podendo escolher entre pintores, escultores, fotógrafos, artistas conceituais e multimídia etc. O fato de pertencer a uma "Klasse" dá direito ao aluno de ter um espaço de atelier na faculdade, onde desenvolve seu trabalho. O professor-artista que o orienta tem total liberdade para fixar os encontros com os alunos de sua "Klasse". Em geral estes encontros acontecem semanalmente, mas em algumas classes, principalmente naquelas lideradas por professores de grande fama, estes encontros podem acontecer mensalmente ou até apenas duas vezes por semestre, dependendo da disponibilidade do professor.
A intimidade que se estabelece entre professor e aluno nestas classes assemelha-se à intimidade obtida pelos alunos brasileiros que freqüentam os cursos livres em ateliês de artistas. A motivação para a produção parte antes de tudo do anseio do aluno em se tornar um artista, e não necessariamente a partir de uma cobrança institucionalizada. Esta independência gera uma maior necessidade de disciplina e determinação, aproximando o aluno do que será sua vida futura como artista, quando ele terá que desenvolver seu trabalho por si só e "correr atrás" de exposições, patrocínios e formas de subsistência. Os alunos não poupam esforços e empenho para desenvolver seus trabalhos, realizando com freqüência trabalhos de grandes dimensões e complexidade. Embora a condição financeira seja também um fator que possibilite a realização de trabalhos de maior dimensão, creio que não pode ser tomada como única justificativa. No Brasil, nem sempre os alunos de melhor situação financeira são os que mais se empenham na realização dos trabalhos.
Se por um lado o sistema alemão estimula a produção artística e dá maior liberdade ao aluno, por outro lado, o fato de o aluno estar vinculado a um único professor orientador e não ser obrigado a freqüentar um número tão grande de disciplinas pode levar a uma visão um pouco mais restrita da atividade artística. Neste sentido a universidade brasileira parece oferecer uma visão mais ampla da arte, embora um pouco mais teórica. A necessidade de vincular-se a um único professor-artista traz também uma certa dificuldade ao aluno, que tem desde cedo que realizar os seus contatos e "correr atrás" do professor almejado. A necessidade de realização de contatos, no entanto, é uma realidade no desenvolvimento futuro da carreira profissional do artista.
Ao pré-fixar um programa de disciplinas, a universidade brasileira tende a ser mais paternalista. A fragmentação do curso em um grande número de obrigações acadêmicas nem sempre permite que o aluno se concentre em sua produção, porém não se pode negar que o modelo brasileiro ambiciona oferecer um panorama mais amplo da arte. Não creio que apenas a diminuição da carga horária obrigatória dos alunos brasileiros para sobrar mais tempo para a sua produção artística possa trazer melhores resultados no caso brasileiro. Porém o acompanhamento mais próximo desta produção por um ou mais professores-artistas atuantes e a disponibilização de espaços para ateliês e exposições no âmbito da universidade, estimulando o aluno a conviver o meio artístico, poderiam contribuir para que tivéssemos ao final do curso menos bacharéis e mais artistas.
Hugo Fortes é artista e professor universitário. Atualmente realiza estadia de pesquisa de doutorado na Universität der Künste, em Berlim, como bolsista do DAAD - Deutscher Akademischer Austauschdienst.
Olá Hugo!
Curso bacharelado em Artes Visuais, na UNESC - Criciúma - SC. E realmente posso afirmar que a infinidade de cadeiras e a impossibilidade de optar por dedicar-se mais à uma área de interesse específica, acaba por formar artistas-acadêmicos, sem norte. Que aprendem a limitar sua própria capacidade criadora. Meu curso está passando por reformulações na grade, tornando cursos distintos bacharelado e licenciatura, isto será melhor para os artistas. No entanto vamos convir que aqui no Brasil, há a limitição do poder aquisitivo nos impede não de criarmos pois um artista não faz uma pedra virar pão, mas pode fazer dela uma incrível escultura. Mas limita o nosso tempo para criar e estar em contato com a arte e com o que gera a criação. Eu por exemplo atualmente estou trabalhando na área financeira e não posso abandonar meu emprego por amor a arte... pois não haverá ninguém que custeie meus estudos!!! Estava eu aqui pesquisando sobre Eli Heil, e encontrei sua matéria, o que dizes bate bem no cerne da questão. E, com sua licensa estarei passando este posicionamento coerente e, de pesquisa a frente. Caso interessar possa poderemos manter contato, e trocar experiências e idéias.
Att.
Isabel Theis
oi hugo, que bacana ler seu texto. principalmente agora que estou no chile, numa outra universidade. sao coisas que tenho pensado muito, tenho tentado ver as diferencas entre as faculdades, e e incrivel como cada uma tem suas vantagens. mas e super diferemte, mesmo aqui tambem tendo grade obrigatoria, e horarios a cumprir, e tdo muito diferente, a relacao do profesor-aluno aqui no chile e muito bonita, e uma universidade que abre muito o espaco pra o aluno. os alunos sao cidadaos, que tmbem tem capacidades de escolha. e muito bacana. e tudo, o espaco, tambem, uma qustao super importante. que legal. nos vemos.
Posted by: marina at março 29, 2005 1:25 PMOi Hugo e Sissi,
Concordo com que vc disse sobre as universidades brasileiras: formam bachareis e não artistas, é assim que me sinto hoje infelizmente.
Gostaria de ter a experiência de morar em outro país para quem sabe dar um salto e mudar esta situação, pois aqui sem condições financeiras e sem tão pouco o estímulo e ajuda de professores e outros artistas fica muito difícil...
bjos e muita sorte.
Flavia Leme
Gostaria de congratular o Hugo por seu artigo Artista ou Bacharel?! Aproveitando a oportunidade, gostaria de acrescentar e também fazer alguns comentários, :
Os estudos das artes na Alemanha, creio eu também na maioria dos países da Europa Central, são definidos em dois pontos: prática e teórica, separando o fazer do pensar, ao contrário do ensino das artes no Brasil que, por viver de um resquício da época do militarismo, prioriza o pensar, nao no processo amplo como o Hugo cita e sim fragmentário, como é a realidade. Discordo quando ele comenta sobre o ensino das artes na Alemnha, dizendo que o fato do aluno estar vinculado a um único professor orientador e nao ser obrigado a freqüentar um número tao grande de disciplinas pode levar a uma visao pouco restrita da atividade artística. Para isso posso esclarecer que o aluno, dentro das academias e universidades de artes na Alemanha, é instigado a ter um pensamento crítico, pois assim ele poderá posicionar-se sobre o seu trabalho , assim como, posicionar seu trabalho em um ponto da história da arte, e o papel do professor orientador é justamente levá-lo a ter um posicionamento crítico, além de ter uma linguagem própria artística, por isso as universidades e academias na Alemanha sao fortes, ao contrário das brasileiras onde somos obrigados a fazer citações, limitando o pensamento artístico. Falando em citações, aconselharia o Hugo a comprar a revista BRAVO! do mês de março, e lá ele irá deparar-se com o artigo do Teixeira Coelho O Atraso do Sistema, pois este traça a problemática do ensino das artes no Brasil de forma profunda. Continuando o processo comparatório: aqui vivemos um outro grande impasse, artistas de grande nível e reconhecimento estao fora das universidades pelo fato de nao terem títulos acadêmicos (mestrado ou doutorado), mesmo estes tendo estudado em Academias e Universidades de grande nível na europa, pois seus estudos nao são reconhecidos pelos institutos de artes do Brasil, assim como pelo Ministério da Educação; diferente do que acontece na Alemanha, onde se prioriza o reconhecimento e o talento artístico. Fico às vezes pensando, se um Frank Stella (Havard), um Marcus Lüpertz (Academia de Düsseldorf), um Tony Cragg, um Baselitz (HDK-Berlin) e outros, fossem brasileiros e quisessem contribuir com seus conhecimentos para a formação de futuros artistas, será que teriam chance de ensinar em nossas universidades? Pois eles nao têm títulos de pós-graduação com dissertações ou teses conclusivas escritas, argumentando sobre seus trabalhos e sobre outras coisas fantasiosas. É cômico, porém triste!
Olá Júnior (Hugo).
Fiquei muito feliz por ver seu artigo.É mutio bom poder fazer estudos no primeiro mundo, tráz uma contribuição enorme ao conhecimento e à formação crítica.
A questão que você coloca em relação à diferente formação do profissional das artes no Brasil e na Alemanha é muito interessante pois em qualquer área de conhecimento é extremamente importante a intrínseca relação teoria e prática para que realmente se efetue o processo de esino-aprendizagem, para que haja uma verdadeira apropriação.
Uma questão bastante séria para nós brasileiros é que o Sistema Educacional Brasileiro não dá o devido valor à Disciplina Artes e muito menos ao profissional dessa área. Isso tráz um prejuízo enorme para as nossas crianças, adolescentes e jovens que acabam tendo um significativo défict cultural em relação às artes em geral.
Espero que você possa dar também algumas contribuições para essa questão educacional.
Parabéns!!!!!
Um beijo.
Lena.
Caro Hugo,
Como bailarina e Artista Plastica, como participante de varios eventos de Arte e integrante do extinto Projeto Master de Danca em 1995(no Teatro Sergio Cardoso), deixo aqui meu desejo de uma maior participacao da Secretaria da Cultura em projetos que unem Danca/Teatro e Artes Plasticas.
Espero tambem que possamos estabelecer contato. Gostaria muito de obter fotos suas realizadas na ocasiao.
Pax+Lux,
Ana
Posted by: Ana at agosto 29, 2005 2:45 PMBoa tarde Hugo.
Bastante interessante seu artigo sobre o ensino das Artes no Brasil e no exterior.
Acabo de me formar em Artes Visuais pela PUC-Campinas e o que posso afirmar é que sim, o ensino dessa disciplina é dado de forma bastante teórica, com uma carga enorme de matérias obrigatórias a serem cumpridas o que acaba muitas vezes, sendo superficial o ensino de cada área das Artes Visuais. Outra questão também é que no meu caso, o ensino é dividido em duas grandes áreas, bacharelado e licenciatura, tendo esta última um grande peso na grade curricular, e que quando lidamos com a realidade da escola pública por exemplo, a situação é bem diferente.
O que me parece acontecer aqui no Brasil, é que devemos ter para o correto funcionamento das Universidades de um modo geral é um número x ou y de laboratórios, equipamentos, professores com especialização strictu senso, etc., tudo dentro dos pradrões estabelecidos pelo governo e que muitas vezes são subutilizados, através de seu órgão responsável, o MEC, somente serve para contar números e apresentar isso em dados ao exterior. Não que não esteja correto, mas a burocracia é algo limitador neste país, e no caso em questão, o envolvimento com questões mais eficazes, na prática de ensino, teórico e prático, fica a desejar. Aprendemos durante todo o curso, 04 anos, uma série de teorias com o ensino prático das mesmas, mas impossível adquirir um maior domínio de todas as possibilidades, sejam materiais, técnicas, criativas, na aplicação de tais conhecimentos, sendo exigido no último ano a definição de um TCC, com a escolha da temática que mais nos interessa bem como a utilização da linguagem que mais nos identificamos. Concordo com a visão de que há, pelo menos no meu caso, um visão maior das áreas, mas não há um aprofundamento da questão prática sendo esta desenvolvida somente no último ano e esta é uma questão da qual senti falta. Bem é isso e espero poder manter contato.
Abraços.