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maio 9, 2004
Incentivos ao vento
Matéria de Arnaldo Bloch e Roberta Oliveira originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo em 9 de maio de 2004, no Rio de Janeiro.
Mais uma marola de diz-que-disse agita a classe artística. E, pelo jeito que anda o tempo, vem aí mais uma tempestade patrocinada pelas boas (e em geral atabalhoadas) intenções do Ministério da Cultura.
No olho do furacão, o esboço das mudanças na Lei Rouanet, publicado no GLOBO semana passada. Principalmente a proposta do fim dos 100% de renúncia fiscal para os investimentos de empresas em cultura, substituídos por um percentual variando de 30% a 90%.
Acho pura idiotice ataca o ator Juca de Oliveira. Os 100% são um estímulo para a iniciativa privada investir em setores relevantes como o teatro. Sem teatro, a cidade se apaga como uma vela. É triste.
Mais diplomática, a atriz Marieta Severo exalta a lei e alerta para os riscos de mudar antes do tempo:
Se no Brasil a elite financeira e empresarial tivesse consciência do que é a nossa cultura e jorrasse dinheiro bom, sem renúncia, seria diferente. Com a lei, as empresas começaram a compreender os ganhos de ter sua imagem associada à arte. Essa consciência ainda está se formando. Se muda de repente o teto de renúncia, fatalmente vai haver uma retração.
Todos temem fim dos 100%
Antes mesmo de um anúncio oficial das mudanças, há empresas ameaçando abandonar o barco.
Tive um telefonema de uma empresa dizendo que, com a redução da renúncia, não poderia mais investir no meu projeto lamenta a produtora cultural Andréa Alves.
Até quem costuma defender o fim das leis de incentivo e sua substituição por uma política de financiamento público direto como o consultor de patrocínio de empresas Yacoff Sarkovas aconselha prudência:
Hoje o pessoal acha que patrocínio, financiamento público e renúncia fiscal são sinônimos. O ideal é se chegar, um dia, a zero por cento de renúncia. O MinC estava estudando uma mudança estrutural nesta direção. Até que o lobby do audiovisual, através da mídia, interrompeu o processo. Agora, não adianta reduzir o percentual da Rouanet e manter o da Lei do Audiovisual em 125% diz ele, referindo-se ao fato de que quem investe no cinema tem desconto integral e ainda passa a ser sócio do filme. Desse jeito, o teatro, a literatura, a dança e a música vão ser tragados pelo cinema.
O autor e diretor de teatro Flávio Marinho reforça a tese de Sarkovas:
Qualquer baixa de percentual unilateral seria concorrência desleal. O teatro foi coberto por um manto de silêncio neste governo. A palavra teatro nunca foi pronunciada em Brasília. A Petrobras e a BR cortaram o teatro. Todos parecem querer agradar a Brasília. E Brasília só pensa em cinema. Estou torcendo para o Lula assistir a uma peça em Brasília e não sair no meio, como fez com "Aída" em Manaus (no Festival Amazonas de Ópera, em abril) .
No meio do vendaval de telefonemas e e-mails, o secretário de Fomento do MinC, Sérgio Xavier, aparenta tranqüilidade monástica.
Este não é um governo impositivo, há muito o que discutir e ajustar. Estamos até pensando em manter os 100% para as empresas menores. Mas as grandes terão que entrar com uma parte de dinheiro bom (não-proveniente de renúncia fiscal) . Em todo caso, este é um aspecto que não pode ser resolvido só no âmbito do ministério, terá que passar pelo Congresso. De forma que a mudança não ocorrerá antes de 2005.
Mas, na origem da preocupação dos artistas, está um esboço do projeto de decreto que foi entregue à classe duas semanas antes da divulgação dos principais tópicos, terça-feira passada. O documento assegurava que não haveria alterações no percentual.
Ligamos preocupados para o Sérgio Xavier, e ele disse que o que foi divulgado pela imprensa é apenas o esboço de uma idéia.
No entanto, quando divulgou o esboço, Xavier fez questão de dizer ao GLOBO que já na segunda-feira (amanhã) Gil anunciaria oficialmente as mudanças. Na quinta-feira, contudo, ficou decidido que o ministro viria ao Rio apenas para se encontrar com jornalistas e com a classe. Haja confusão!
Não acho que o governo faça isso por mal. Mas é desinformado. Faltam comunicação e mapeamento. Se der certo desse jeito, vai ser a primeira vez na História opina o produtor de teatro e de cinema Paulo Pelico.
Vice-presidente do Itaú Cultural e superintendente do MAM de São Paulo, Ronaldo Bianchi reverencia o criador da lei e ironiza a atuação do MinC.
O Rouanet é um gênio, só um filósofo para fazer uma lei tão boa. Temos o maior carinho pelo ministério, e torcemos para acertar. Agora, essas mudanças loucas, por melhor que seja a intenção, acabam gerando uma insegurança nos investidores que só pode ser maléfica para a cultura.
Bianchi faz também críticas ao item do projeto que cria contrapartida de 25% para empresas que investem a renúncia nas suas próprias fundações.
Há dois equívocos nesta proposta. O primeiro, econômico: as entidades sem fim lucrativo, em 2002, por exemplo, participaram com R$ 56 milhões num total de R$ 2 bilhões de investimento em cultura, incluindo o cinema. E, do ponto de vista jurídico, querer mudar uma lei via regulamento é ilegal. Não passa na Casa Civil de jeito nenhum.
O ator e diretor Antônio Pedro é menos indulgente:
É muito voluntarismo pequeno-burguês se apossando de quem está no poder. É gente achando que sabe tudo quando não sabe nada.
O produtor Eduardo Barata, por sua vez, acha que falta lógica ao MinC.
Se o teto da renúncia fiscal em 2003 foi de R$ 160 milhões e as empresas ainda entraram com mais R$ 240 milhões, por que o ministério precisa mexer no percentual que funciona?
Sobrou crítica também aos outros pontos da proposta, como o que cria editais para que artistas menos conhecidos ou até inexperientes tenham mais acesso ao dinheiro. Ou a divisão dos investimentos por regiões, para democratizar o acesso aos recursos:
O ministério inventou um Fla x Flu: consagrados versus desconhecidos, Sul/Sudeste versus Norte/Nordeste. O que eles não dizem é que, mesmo nestas regiões que captam mais, não é o produtor independente quem está captando, e sim as instituições e o próprio governo, que usa a Lei Rouanet para reformar o Cristo Redentor sustenta Paulo Pelico.
O grande temor é o de uma política de vulgarização da cultura. Fala-se em bloquear subsídios aos artistas considerados notáveis em benefício de uma política de popularização de eventos artísticos subsidiados. Sempre que ouço falar nisso, lembro-me de Goebbels berrando que, quando ouvia falar em cultura, tinha gana de sacar a pistola. Esse é o horror que devemos exorcizar. Vulgarização é a morte da cultura dispara, literalmente, Juca de Oliveira.
Hoje e amanhã, bateria de reuniões
Na tempestade, há espaço também para pequenas ilhas de bonança. A atriz Maria Padilha ameniza:
É importante democratizar o uso da lei no Brasil através de maior comunicação e divulgação, como se propõe. A possibilidade de aumentar para as pequenas e médias empresas o teto de captação de 4% para 10% é uma feliz idéia. Mas o golpe na renúncia vai ser duro... se já está difícil captar com 100%, imagina com menos... vamos entrar num período de seca cultural. Acho que não estamos sabendo enxergar o país de Terceiro Mundo em que vivemos, que não trata a cultura como artigo de primeira necessidade.
Para tentar resolver as pendengas, uma bateria de reuniões arrisca aumentar mais ainda a confusão. A primeira está marcada para hoje à noite, no Teatro do Leblon. Outras duas, amanhã, no Palácio Capanema, com a presença, entre outros, de Juca Ferreira o homem-forte do MinC do secretário Sérgio Xavier e da classe artística. Fora o almoço de Gil com os jornalistas. Vai bater um sudoeste...
Achei positivo a classe se manifestar. Claro que é sempre uma minoria , mas mesmo assim alguns são até globais. Na minha visãopenso que quem sabe de grão em grão a galinha não enche o papo. Do pouco que conheço do PT eles querem é fazer reunião e querem masi, que as pessoas apareçam. Da minha parte sopu uma jornalista de São Paulo tentando sobreviver com uma pensão mensal e morando aqui no RS agora. E não tem sido muito agradável essa empreitada das diferenças para mim não é mole.
Só que tudo passa e a vida tambem e ela é por hoje apenas.
Um abraço