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abril 4, 2004

Hora de crescer - o sistema

Francisco_Ali_Brouchoud.jpg

Trabalho do argentino Francisco Ali Brouchoud exposto na coletiva Formas de pensar, no MALBA, em Buenos Aires, até 5 de abril de 2004.


Hora de crescer - o sistema

Conversei em Recife com alguns artistas e teóricos que lá estavam para o SPA – Semana de Artes Visuais do Recife, sobre um game, Circuito de Arte, que eu queria criar. Pensei num game e não num jogo de tabuleiro, como o do trabalho do artista argentino reproduzido acima, principalmente para que o jogo tivesse diferentes níveis de dificuldade e que, de alguma maneira, esses níveis se entrelaçassem dependendo da jogada realizada. Demos muitas risadas em Recife, pensando em situações de jogo de tabuleiro, traçando paralelos com as situações de nosso circuito: participar da coletiva errada poderia significar voltar 10 casas; escolher mal uma galeria, duas rodadas sem jogar; ou ainda, ser convidado para uma festa e conseguir beber com as pessoas chaves: avance 10 casas! Foi nessas conversas, ouvindo pontos de vista diferentes de artistas, críticos e curadores, que percebi que o jogo deveria ser construído coletivamente.

“Lembra daquela sua idéia de formular um jogo? Dá uma olhada neste trabalho”.

Esta semana Cristiana Tejo me enviou um emeio falando de um game que os participantes ajudam a formular as regras, design e código que resultarão no próprio jogo. Trata-se do agoraXchange, www.tate.org.uk/netart/agoraxchange, projeto da artista Natalie Bookchin e da cientista política Jacqueline Stevens, que pretende questionar o sistema político vigente, explorando alternativas políticas à ordem global atual para discutir as regras atuais para se obter, por exemplo, nacionalidade e riqueza.

Circuitos de arte, sistemas políticos, quanto mais abrimos o foco, mais os contextos se entrelaçam e os jogos se tornam complexos.

A mobilização pela arte tecnológica, que pede a inclusão dos segmentos de Arte e Tecnologia na Legislação de Incentivo a Cultura, traz essa complexidade.

Tratar as questões de um tema que envolve, ao mesmo tempo, características muito específicas, mas também trans-disciplinares, envolvendo Arte, Ciência e Tecnologia, já seria tarefa suficientemente difícil. Quando se trata de lidar com o novo (às vezes nem tão novo assim), com mudanças velozes, com disciplinas que se mesclam e se hibridizam, temos, na verdade, a configuração da complexidade de nosso tempo colocada à nossa frente. Mas não é só isso. Adicionamos a essas colocações, a dimensão política de cada uma das camadas dos contextos envolvidos. Então, ao tocar nesses vários contextos – o da própria coletividade da arte tecnológica, da arte contemporânea, dos vários segmentos artísticos e culturais, das instituições públicas e, finalmente, do governo, que estamos questionando – estamos provocando transformações e ao provocá-las, temos que lidar com as reações individuais e coletivas que se apresentam. A prática política, aliada à arte e tecnologia, é o foco do Canal Contemporâneo.

Por mais de três anos, o Canal Contemporâneo tem sido visto como um informativo, uma publicação, e, essa redução incômoda atrasa o nosso crescimento em vários aspectos. Foi preciso um prêmio estrangeiro, Prix Ars Electronica, nos convidar para participar da nova categoria “Comunidades Digitais” para começarmos a avançar coletivamente para além dos padrões relacionados aos meios impressos. Sim, dar nome aos bois é fundamental. As nomenclaturas oficiais sinalizam não apenas as indicações oficiais para investimentos na área (Como um patrocinador vai saber que uma área cultural existe e deve ser financiada, se ela não é listada na legislação?), mas também influenciam a formulação e aceitação de novos conceitos dentro do meio artístico, científico e tecnológico. Como o Canal Contemporâneo pode avançar na direção de conceitos como comunidade digital, mídia tática, ativismo artístico, memória e inteligência coletiva e no próprio desenvolvimento do espaço cibernético, da criação coletiva, do software livre e da criação de games, tendo que se inscrever na Lei Rouanet como publicação através da Secretaria do Livro?

(A informação para o Canal é a sua primeira camada. Não apenas em relação ao conhecimento difundido, mas também como agente na construção dessa mídia-suporte. É ela que serve de isca para a formação da rede. Aí se inicia o trabalho de mídia tática. O que e como noticiar dão visibilidade a vários aspectos de nosso(s) contexto(s). O que ganha visibilidade e o que se atrai por ela vão formar diferentes conjuntos (coletivos ou contextos) em constante movimento. A reunião dinâmica desses conjuntos de elementos individuais e coletivos constitui o conceito vivo do Canal Contemporâneo.)

A questão da mobilização pela arte tecnológica tem seu ponto mais importante na viabilização de uma representação qualificada na CNIC (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura) para uma área ainda obscura para o MinC. Com os novos direcionamentos das políticas públicas anunciadas pelo Ministério da Cultura para os mecanismos de incentivo – citamos aqui alguns pontos que envolvem diretamente essa exclusão / inclusão: “Foco nas demandas prioritárias do país; Democratização do acesso aos produtos e bens gerados; Avaliação qualitativa dos projetos antes da aprovação” –, essa representação qualificada torna-se ainda mais premente. Não é mais possível tratar o investimento de recursos numa área cultural que envolve Arte, Ciência e Tecnologia com a contratação de pareceristas para julgar unicamente seus orçamentos, precisamos ter uma CNIC apta a entender as questões e complexidades dessa área (tanto do que lhe é específico quanto trans-disciplinar), se não, estaremos perpetuando o atraso desse país, do qual a própria exclusão de que tratamos é prova irrefutável.

A Portaria 01, de 19 de fevereiro de 2004, da qual estamos tratando, juntamente com o decreto em que ela se baseia – Decreto 1.494, de 17 de maio de 1995 –, não comete apenas esse erro que apontamos. Em relação à listagem dos segmentos artísticos, além das omissões, também ocorrem problemas com a escolha dos segmentos, que formam os itens que terão suas representações eleitas conjuntamente. Por exemplo, que conceito leva ao Ministério da Cultura reunir “Artes plásticas, artes visuais, artes gráficas e filatelia” num mesmo item? Outro problema se dá na representatividade real das associações inscritas para elegerem seus representantes na CNIC. A partir dos critérios estipulados atualmente, elas devem ser associações formais e burocráticas, de âmbito nacional, e predispostas a não receber nenhum patrocínio durante o período de dois anos para o qual estarão elegendo os seus representantes. Esse tipo de associação é também uma marca do anacronismo dessa legislação, que não leva em consideração, nem a formação dinâmica dos coletivos na contemporaneidade e nem tão pouco o fato de que artistas e teóricos representativos são seres que produzem e que, portanto, não podem ficar alijados de recursos durante dois anos.

Criar meu web site
Fazer minha home-page
Com quantos gigabytes
Se faz uma jangada
Um barco que veleje...

Pela Internet, de Gilberto Gil, 1996

Temos hoje um artista ocupando o cargo de Ministro da Cultura. E não é qualquer um. Gilberto Gil é um artista antenado com seu tempo, que já cantava em 1996 a internet e o celular na sua composição “Pela Internet”. Em fevereiro de 2004, o agora Ministro Gilberto Gil assina a Portaria 01 e reafirma a exclusão desses meios da Legislação de Incentivo a Cultura. Para completar esse contexto de pura esquizofrenia, ouço a notícia no Jornal Nacional de que o item número 1 da pauta das Políticas Industriais do governo Lula é a produção de software!

Alô, Ministro Gil; Alô, Presidente Lula; não precisamos dar um cavalo de pau no transatlântico, mas apenas dar pequenos ajustes no curso da navegação. Tão pouco nos é viável debater a médio e longo prazo uma legislação ideal sem promovermos algumas ações em curto prazo que efetivem algumas mudanças essenciais. Estamos falando de pequenos ajustes que trazem grandes mudanças, não apenas para a Cultura, mas também para a Ciência, Tecnologia, Educação, Indústria, Exportações... Afinal, trata-se exatamente do ponto onde tudo se conecta.

Voltando ao início do texto, quando falo do game agoraXchange, vale informar que o referido jogo se encontra na Tate Online (Reino Unido) e que está sendo realizado com o apoio financeiro da Fundação Daniel Langlois para Arte, Ciência e Tecnologia (Canadá – www.fondation-langlois.org).

Essa é uma realidade muito distante para nós brasileiros, mas é bom saber que é possível ter instituições culturais fortes, espaços cibernéticos institucionais ativos, fundações que apóiam a pesquisa conjunta de artistas e cientistas... É bom, para ajudar a contextualizar o nosso próprio momento.

Para finalizar, reproduzo um trecho do comentário postado no Blog do Canal (http://www.canalcontemporaneo.art.br/blog/archives/000053.html), em virtude de nossa mobilização, pelo criador argentino de vídeo, TV e multimídia, Jorge La Ferla:

“ ...Un país con el aparato productivo y cultural completamente destruido como Argentina es una seria advertencia para las autoridades brasileñas que parecen seguir el mismo camino.

¡Evitemos esto ya!”


Texto escrito por Patricia Canetti, artista e criadora do Canal Contemporâneo.

Veja o texto da Mobilização pela Arte Tecnológica e as atuais 573 assinaturas do abaixo-assinado no Blog do canal: http://www.canalcontemporaneo.art.br/blog/archives/000053.html

Posted by Patricia Canetti at 11:29 AM | Comentários(1)
Comments

Prezados,sou fotógrafo carioca a 10 anos e gostaria de saber se vcs tem como providenciar emails ou telefones de curadores ne/ou marchands que tenham interesse em investir em artistas novos.Também gostaria de saber se vcs tem um espaço de divulgação para artistas que estejam precisando de entrar no difícil mercado da arte.Obrigado pela atenção,Josué Júnior

Posted by: Josue Junior at agosto 23, 2004 3:19 PM
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