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novembro 24, 2003
Opinião de Ligia Canongia sobre o Panorama da Arte Brasileira
Sobre o debate em torno do "desarranjo" do Mosquera, tenho a dizer algumas coisas:
LIGIA CANONGIA
Em primeiro lugar, achei a exposição excelente: ótimas obras e artistas, diálogos pertinentes entre eles e montagem primorosa. O conceito é claro, diz respeito, sim, a uma "desregulagem" formal da arte brasileira (muito embora conserve-se ainda, como diz Mosquera, um resíduo de estrutura subjacente), e que considero ainda rastro de nossa experiência neoconcreta.
Discordo de José Resende de que não há "desarreglo" algum na arte brasileira atual e que há uma "chatura" dominante, e a prova disso pode ser a própria exposição do Mosquera.
Na minha opinião, a curadoria foi precisa, sensível à nossa produção contemporânea, e louvável sobretudo por se tratar de um curador estrangeiro, o que nos revela que ele conhece ou tem buscado conhecer em profundidade o que se faz e como se faz no Brasil.
Quanto à dissolvição das "categorias" (pintura, escultura, gravura, etc), é absolutamente adequada às próprias formas de se fazer arte no mundo desde meados do século, quando essas categorias começaram a se contaminar ou dissolver, ou a entrar nos domínios do "expanded field", que Rosalind Krauss tão bem sustentou. Seria, portanto, passadista e obsoleto voltar a exigir que tais categorias fossem "respeitadas" nos dias de hoje.
Achei também interessante (no sentido daquilo que verdadeiramente "interessa") o curador ter reduzido o número de artistas para 21, quando panoramas anteriores mostravam cerca de 45 artistas. Primeiro, porque, como ficou claro na fala do Mosquera, ele rejeita a produção de mostras espetaculares, como as Bienais, e preferiu concentrar a atenção sobre parcela menor e mais selecionada da produção . Depois, porque, como curador, acho que tem o direito de dimensionar a exposição da melhor forma que possa atender a suas exigências conceituais, não importando se com 10, 20 ou 40 artistas. Optou por uma amostragem restrita, resguardando a presença física das obras, suas escalas, distribuição no espaço e melhor fruição do espectador.
O único "senão", no meu entender, foi incluir a presença de alguns poucos estrangeiros na mostra.
Os argumentos são os seguintes:
1- não é a participação de 3 ou 4 estrangeiros que comprova a "imersão" da arte brasileira no circuito internacional.
2- não é esta participação que comprova que a arte brasileira contemporânea não tem mais problemas com a criação de "identidade" ( aliás, se Mosquera considera que sua concepção de "desarranjo" tem a ver com parcela importante da produção nacional, e que este poderia ser um certo sintoma de "brasilidade" - o que muitos outros críticos brasileiros e estrangeiros, há muito tempo, já haviam assinalado - ele estaria se contradizendo, já que haveria aí, embutida na sua própria concepção curatorial, um índice de noção de "identidade" ).
3- não é a presença de estrangeiros que baliza ou autentica a qualidade da produção brasileira. Isso camufla a idéia "terceiromundista" de que precisamos do respaldo do exterior para nos legitimar.
4- não há porque "desarranjar" o princípio da mostra - "Panorama Brasileiro"-, porque panorama se faz no mundo inteiro, com seus artistas, sem que isso jamais tenha significado xenofobia, reserva de mercado ou algo assim. A Bienal de Whitney, por exemplo, foi restrita a artistas americanos durante anos. Apenas recentemente abriu-se à participação de mexicanos e canadenses. Será que o Mosquera, se fosse curador dessa bienal, iria tentar incluir artistas europeus, por exemplo? Nunca.
Ligia Canongia é curadora e crítica de arte.