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novembro 24, 2003

Desarrumado/Desarranjo, como assim, não estou entendendo?!

PATRICIA CANETTI

Curiosa pretensão do curador cubano Gerardo Mosquera; a de ter desarrumado o Panorama de Arte Brasileira. Na concepção do curador, ele pretenderia desarrumar o Panorama deixando de dar uma visão panorâmica a exposição, concentrando o seu foco, diminuindo o número de participantes, tendo ainda por referência o abandono da divisão por categorias. O problema é que depois de termos visto a edição anterior, em que os curadores Paulo Reis (PR), Ricardo Basbaum e Ricardo Resende deixam longe a questão das categorias e se aventuram numa investigação sobre a diversidade do nosso circuito de arte, fica nos a impressão de que o atual Panorama nos aponta muito mais para um arranjo do que para uma desarrumação.

Me pergunto se este Desarranjo não arranja certas questões do Panorama; afinal, o que queremos do Panorama de Arte Brasileira?

(Sintomaticamente, as obras que poderiam ser desarumadas pelo público ganharam a proteção de guardinhas - no caso do trabalho de Fernanda Gomes, no dia que estive lá, havia um par de guardas para vigiar um par de copos colocados no chão -, ou de postes-organizadores-de-fila, como foi no caso de José Patrício, que teve seus dominós protegidos da interferência do público, que podia desarrumar-lhe a obra.)

Segue a reprodução de uma parte do resumo deste debate da série Trópico na Pinacoteca, publicado na Trópico, revista eletrônica de arte do UOL, editada por Lisette Lagnado.


Gerardo Mosquera e José Resende discutem a mostra Panorama
por Paula Alzugaray

O que diferencia o Panorama da Arte Brasileira de qualquer outra exposição autoral, com título e conceito definidos? Qual é a pertinência de uma representação brasileira e quais as questões que tangem a necessidade de afirmação de uma identidade e de uma nacionalidade?

Com estas questões, a crítica Lisette Lagnado, co-editora de Trópico, abriu o encontro mensal do Projeto Trópico na Pinacoteca, que no Sábado, dia 18 de outubro, trouxe para o debate o cubano Gerardo Mosquera, curador da atual edição do Panorama no Museu de Arte Moderna de São Paulo e curador adjunto do New Museum of Contemporary Art de Nova York, e o artista plástico paulista José Resende, convidado a elaborar uma crítica sobre a exposição.

As perguntas lançadas pela mediadora foram respondidas por Mosquera ao longo da apresentação de seu conceito de curadoria para o 28ª Panorama, em cartaz até 30 de novembro. "Quando o MAM me convidou, fiquei em uma situação contraditória: por um lado eu detesto as exposições nacionais, penso que não fazem mais sentido nesse momento. Por outro lado, a arte brasileira me interessa muito e é uma honra ser o primeiro estrangeiro a fazer um Panorama", começou ele. "Pensei de maneira pragmática: vamos desarrumar o Panorama".

O conceito do desarranjo, que rege esta edição e modifica o título da mostra para "Panorama (Desarrumado): 19 Desarranjos", partiu, então, em um primeiro momento, da inconformidade do curador com um modelo de exposição que pretenderia oferecer uma panorâmica da produção nacional.

Apesar desta discordância imediata, Mosquera admitiu que a concepção autoral de seu Panorama é apenas a radicalização de um processo de transformação assumido já em 1995, quando a curadoria de Ivo Mesquita abandonou as divisões de categorias de pintura, escultura e gravura e desenho, que orientavam cada uma das edições.

A crítica de Mosquera ao formato das exposições nacionais é fundamentalmente a mesma que faz em relação às grandes bienais e exposições internacionais, que na sua opinião, são "espaços amontoados, similares a enciclopédias ou supermercados, onde desaparece a comunicação com a obra".

Embasado pela experiência de ter sido o fundador das Bienais de Havana (Cuba), Mosquera delata que nas megaexposições estabelece-se "o grande problema da circulação internacional da arte contemporânea". Dirigindo-se à platéia da Pinacoteca, comparou: "Aqui na exposição do Fajardo trabalha-se o espaço como uma experiência estética. Se estivesse na Bienal de Veneza estaria tudo amontoado. Eu busquei trabalhar o espaço do MAM de forma a facilitar um diálogo entre as obras". Para chegar a essa circulação ideal, o curador diminuiu o número de artistas convidados, que variou de 35 a 45 nas quatro edições anteriores do Panorama, para 21.

Ficou claro que, para Mosquera, as representações nacionais não fazem mais sentido. E que, ainda na sua opinião, um Panorama pode -e deve- ser uma mostra autoral, "que se sustente por ela mesma, e não uma exposição burocrática, tipo embaixada".

O conceito do desarranjo

Esforçando-se para comunicar-se em "portunhol", o curador e crítico de arte cubano diz que organizou o Panorama 2003 a partir de "comentários críticos" ao modelo tradicional. Um deles é a inclusão de três artistas estrangeiros. "A presença de uma chinesa ou de um argentino parece paradoxal. Mas a escolha dos artistas foi determinada porque todos eles participam de um certo espírito da arte brasileira."

Sem perder sua dose de provocação, a presença estrangeira coloca-se também como um comentário elogioso à arte brasileira: "Tanto a arte quando a crítica brasileira têm vocação internacional e criaram distância em relação ao problema da identidade. A arte brasileira sempre foi a arte latino-americana menos vitimada pela neurose da identidade. Isso não virou uma obsessão no Brasil".

Para Mosquera, o desarranjo é o conceito mais recorrente, tendo sido observado in loco nas viagens que fez pelo Brasil para conhecer a produção. "Acho que muitos artistas brasileiros trabalham a partir de estruturas, estão muito ligados a objetos, com uma sensibilidade especial da sua materialidade. Então, procurei artistas que trabalham a partir de uma estrutura, mas desarrumando-a, desordenando-a, mesmo que a estrutura ainda fique presente".

Mosquera usou como exemplo a obra de Cildo Meireles, "Descalas", constituída por 15 exercícios de desarranjo da estrutura da escada. "Mas você ainda pode identificar a escada. Talvez, se Paul McCarthy fosse fazer o desarranjo, ele quebraria, cuspiria em cima, daria chutes e pontapés. O desarranjo da escada de Cildo é muito brasileiro: é clean -a estrutura permanece mesmo se é desarranjada", opina o crítico, autor de uma entrevista com Cildo Meireles no livro monográfico do artista publicado pela Phaidon e traduzido no Brasil pela editora Cosac & Naify.

Em seguida, Mosquera disse que o conceito do desarranjo também se aplica à "desarrumação do espaço do MAM", que foi destituído de painéis e divisórias e que teve ativados, como áreas expositivas, o banheiro e a loja -além do corredor, que já era usado normalmente no "projeto parede". O curador terminou sua exposição vislumbrando o futuro do Panorama e sugerindo que uma direção interessante seria trabalhar mais exposições autorais.

Desarrumação necessária

Na posição de "crítico", José Resende enfatizou que não faria julgamentos e que colocava na mesa o ponto de vista do artista. De entrada, elogiou o modelo "antipanorama²"adotado por Mosquera, dizendo compartilhar com o curador "a opinião de que as coisas andam muito arrumadinhas".

Mestre da forma e do espaço, formado em arquitetura pela Faculdade do Mackenzie, em 1967, Resende deixou registrada sua consonância com a abertura do espaço do MAM, comparando o museu a uma vitrine e fazendo uma menção apaixonada às concepções de arte, arquitetura e cidade da arquiteta Lina Bo Bardi, autora da reforma do prédio do museu. O artista aprovou ainda a participação de artistas estrangeiros e a diminuição do número de artistas convidados.

Frisadas as concordâncias em relação ao projeto de Mosquera, Resende indicou que seu foco de reflexão seria no sentido de "especular de onde vem uma sensação de chatura, de mesmice" exalada pela arte.

Sua reflexão começou com a evocação de um pensamento de Mira Schendel: "Partilho da opinião da Mira Schendel de que quando você faz um trabalho de arte você primeiro faz para você mesmo, correspondendo a uma necessidade expressiva que te move. Em segundo lugar, você faz para os seus pares, aqueles que estão com você no mesmo barco. E, por último, você põe aquilo no mundo e aquilo ganha caminho próprio. Por isso, não sentir estímulo com o que está sendo feito, ou seja, não criar vínculos com seus pares não é bom sinal. É mau sinal para quem produz arte".

Dirigindo-se ao visitante cubano e também lançando-se ao portunhol, Resende disse ser o "desarreglo" curatorial importante porque, em arte, está "tudo muy arreglado; tudo certinho, muito alinhado. E é nesse sentido que eu acho importante a presença de uma participação internacional". Desta maneira, iniciou uma dura crítica à produção artística atual, discordando de que o "desarreglo" seja uma característica da arte brasileira hoje.

LEIA A CONTINUAÇÃO em http://www.uol.com.br/tropico (só para assinantes do uol).

Posted by Patricia Canetti at 9:14 AM