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setembro 27, 2004

ONU cria grupo de trabalho contra cibercrimes

Matéria originalmente publicada no sítio IDG Now!, no dia 27 setembro de 2004.

Mais de 250 especialistas em informática aprovaram, em Genebra (Suíça), na semana passada, a criação de um grupo de trabalho na Organização das Nações Unidas (ONU) com a missão de combater os crimes na internet.

O Grupo das Nações Unidas do Governo na Internet foi aprovado pelos países participantes da primeira fase da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação. A segunda parte da conferência acontece em novembro de 2005, na África.

Os especialistas presentes propuseram que o novo grupo se concentre em assuntos como o spam, a segurança na grande rede e a realização de fóruns internacionais sobre cibercrimes.

Fonte: iWorld - IDG Espanha

Posted by João Domingues at 4:43 PM

setembro 24, 2004

O Estado Novo da cultura, por Ivana Bentes

Texto de Ivana Bentes, publicado originalmente no Caderno Mais! da Folha de São Paulo do dia 19 de setembro de 2004.

O Estado Novo da cultura

Projeto de regulamentação da produção audiovisual proposto pelo governo federal faz do brasil um laboratório do capitalismo de informação e põe em crise o conceito de identidade nacional

Ivana Bentes

Eleições de 2002. No estúdio da Rede Globo em São Paulo, o apresentador do Jornal Nacional, William Bonner, pela primeira vez na história do telejornal se levanta da bancada para receber o recém-eleito presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Antes de subir a rampa do Planalto, numa das imagens mais impactantes de nosso imaginário midiático, Lula sobe os degraus que o colocam num lugar fetiche, na tela/mente da nação, em rede nacional de televisão, ao lado do apresentador do Jornal Nacional.

Ao longo da edição, ele acompanha sua vitória nas ruas, vê sua vida em retrospecto num compacto, recebe cumprimentos, ouve velhos amigos e assiste às notícias do mundo desfilarem diante de si. Num acontecimento simbólico, toma posse da nação e da mídia, do Estado-mídia, essa corporação híbrida que marca o que chamamos de capitalismo informacional ou midiático. Lula começava seu governo com força total. No centro e com as benções da maior corporação de mídia da América Latina. Corta!

A cultura digital pós-industrial em todo o planeta vem pondo em cheque o capitalismo nacional e monopolista, deslocando de forma radical a idéia de uma "identidade nacional", fossilizada e arraigada, em nome de uma "diversidade" cultural bem mais complexa, perturbadora e nômade que todo o velho ideário nacionalista. Mais do que isso, a dupla face dos processos de globalização não aponta apenas para um diagnóstico apocalíptico, "a globalização tendendo a uniformizar idéias e modos de vida", mas também para uma outra globalização, das redes de cooperação e produção heterogêneas e diversas, criando novas linguagens e comportamentos.

Estamos assistindo a uma profunda transformação das tecnologias da comunicação, que deslocam, pulverizam ou potencializam a capacidade de produção de conteúdos entre atores muito distintos. De megacorporações transnacionais até a multidão de produtores/usuários na sua singularidade. Redes de cooperativas, coletivos de toda espécie, produtores independentes têm a real oportunidade de participar na produção da comunicação em nível local, regional e global.

Discutindo pela primeira vez, de forma pública e transparente, questões de ponta no campo da cultura, como a lei de software livre, a inclusão digital e a produção audiovisual, o Brasil aparece como um laboratório experimental do capitalismo informacional, dando importância, repercussão e visibilidade máxima a uma área, a cultura, relegada, em outros governos, à administração burocrática.

Com uma legislação para as comunicações obsoleta diante de tantas mudanças, o governo decidiu colocar em pauta um dos mais importantes projetos do Ministério da Cultura, o Projeto de constituição da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual), projeto discutido exaustivamente, desde 2000, pelo Congresso Brasileiro do Cinema, que engloba as entidades mais variadas e representativas do cinema brasileiro, num diálogo constante com empresas de comunicação e com as produtoras independentes de cinema e TV. A matéria é tão quente que extrapolou a fala dos especialistas, chegando finalmente à sociedade civil.

No olho do furacão

O caráter público da discussão, raro no Brasil, com tal amplitude e mobilização, colocou o Ministério da Cultura (Minc) e a Secretaria do Audiovisual no olho de um furacão. A nova dimensão midiática do capitalismo que transforma qualquer um em produtor de conteúdo, com blogs, fotologs, TVs comunitárias no cabo, rádios e exibições de filmes e produtos audiovisuais na internet, no computador, em celulares. Potência e hiperatividade da multidão, ainda mal assimilada pelas grandes empresas. E onde o Minc aparece como mediador. Pois como estimular, promover e não sufocar esse fluxo, diante de um mercado tradicional que não entende as conseqüência vitais dessas mudanças?

Como dialogar por exemplo com uma esquerda que estacionou no capitalismo nacional industrial e que não consegue vislumbrar uma democracia global, um cenário em que a ação estatal não pode ser desvinculada de uma política internacional? Pois, se as estruturas de poder ultrapassaram as fronteiras nacionais, como insistir ainda em lutas apenas "nacionais", quando a globalização suscita contradiscursos e lutas também globais, nômades e móveis, como diz Antonio Negri?

As transformações no campo da comunicação fizeram da cultura lugar estratégico de pensamento e lutas. Além de questões muito concretamente mercadológicas. Mas uma dessas questões fez o alarme soar ainda mais forte.

Depois da revolução da internet, [ ] outra febre que já se espalhou pelo mundo vai chegar ao Brasil: a possibilidade das operadoras de telefonia transmitirem conteúdo: vídeos, jogos de futebol, clipes, textos, games, concorrendo com a televisão e com outros produtores de conteúdo nacionais. A ameaça foi o bastante para detonar uma campanha nacional das empresas de televisão pedindo reserva de mercado para o produtor de conteúdo brasileiro.

Um trecho do documento "Conteúdo Brasil", entregue por atores e cineastas, parceiros da Globo, ao Ministério da Cultura, dá o tom do alarme: "Em 2005, contratos do setor de telecomunicações serão renovados. Agora é a hora de mobilizarmos a nação para que voltemos ao rumo que os constituintes vislumbraram para o país. Podemos deixar claro, dentro dos marcos da lei, que quem controla a infra-estrutura de telefonia está impedido de produzir conteúdo".

O tom impositivo abafa uma série de interesses não simplesmente culturais ou de "soberania" nacional, mas francamente comerciais e mercadológicos. Duas dimensões que sempre andaram juntas, mas que se tornam indiscerníveis e explícitas no momento em que o próprio capitalismo se torna imaterial, comercializando produção simbólica, mais do que bens materiais.

No documento da Globo aponta-se uma necessária separação, um interdito, entre meios de transmissão (base tecnológica e infra-estrutura, redes físicas) e a produção de conteúdo. É um dos muitos pontos importantes do projeto da Ancinav, mas que se tornou ponto de honra nas negociações com as TVs -não vindo a público na cortina de fumaça em torno do suposto dirigismo ou intervencionismo do governo em questões de liberdade de expressão e criação, suspeita que se mostrou infundada. O setor explicitando seu horror a qualquer tipo de controle social.

Mas o ponto de honra das televisões é outro. Como as tecnologias de comunicação não param de mudar (cabo, internet, telefonia celular, TV digital ) e o Brasil não tem como concorrer com as empresas globais, pede-se uma reserva de mercado para a produção de conteúdo brasileiro. Uma reserva de mercado a qualquer custo, mas para quem? Qual a contrapartida?

Riscos e possibilidades

Na síntese do economista Luís Nassif, a questão surge de modo cristalino: "A convergência de mídias acabará, finalmente, com a herança getulista da reserva de mercado que caracteriza o atual sistema de concessões para rádio e televisão. Cria o risco real da invasão dos gigantes mundiais, mas abre a oportunidade para o florescimento de uma indústria cultural independente no país. Como nos protegermos dos riscos, sem abrir mão das novas possibilidades?".

Essa precipitação de cenários coloca o Brasil como laboratório experimental do capitalismo imaterial ou capitalismo cognitivo, em que a mercadoria é a informação e o conhecimento, e onde o consumidor é também produtor.

Como falar simplesmente de homogeneização e dominação, diante dos movimentos globais de afirmação da cultura digital, pela democratização da informação, pelo acesso gratuito às redes, pelo software livre, pela inclusão digital? Diante de novas formas de reação e resistência à voracidade do capital nacional ou transnacional?

A questão é que a cultura brasileira sobreviveu e se constituiu, nos últimos 500 anos, a despeito de toda sorte de predação, monopólios, invasão e graças à hibridação e fusão. Porque seríamos dizimados agora pelo processo de globalização eletrônica?

Uma análise em conjunto das campanhas "Identidade Brasil", na TV Globo, do documento "Conteúdo Brasil", coordenado pela Globo junto com a PUC de São Paulo e entregue ao Minc, até as atuais criticas à Ancinav, em editoriais, colunas, telejornalismo, deixa claro que tivemos uma empresa zelosa, que se "antecipou" ao debate público e "propôs" o que poderia estar em sintonia com o ideário do governo e de alguns produtores de audiovisual. Sendo, entretanto, mais realista que o rei, tem-se a impressão de que a Globo encampou uma proposta nacional-popular, já há algum tempo presente ao seu discurso e produtos, que lembra uma reedição deslocada da cultura da broa de milho ou do projeto do Centro Popular de Cultura dos anos 60, mas agora na sua face espetacular e midiática, com difusão em massa e exportação de seu ideário.

Na novela "Celebridade", de Gilberto Braga vê-se uma ode à singela e autêntica vida na zona norte e subúrbios cariocas, com um Andaraí idílico e modelar, pintado com os valores populares mais profundos: samba, pagode, forró, feijoada, de um lado, e, de outro, os novos-ricos da indústria cultural e os novos aliados estratégicos do audiovisual. Uma profusão de cineastas parceiros da Globofilmes foram homenageados ao longo da novela. A primeira que colocou um diretor de cinema fazendo o papel de galã. Um Marcos Palmeira romântico e preocupado com as coisas do Brasil.

Com um arquinho na cabeça e alguns roteiros institucionais sobre as belezas da Amazônia e do Maranhão nas mãos, pela primeira vez a Globo mimava o cinema brasileiro, dando-lhe todas as honras na ficção. Pela primeira vez, o drama da atriz principal, Malu Mader, era um drama empresarial-cultural, de uma trabalhadora da indústria imaterial, uma produtora de bens simbólicos.

Capitalismo flexível

Também é interessante analisar as reportagens especiais do Jornal Nacional desde o final de 2003 que elegeram o Brasil profundo e a indústria da cultura como tema: "festa junina, sertão feliz, Brasil bonito", por um lado, e a campanha "Identidade Brasil", série de reportagens sob o mote "é a cultura que faz a cara do Brasil" com os temas: "Brasil com S", "Produção Cultural, Identidade Cultural, Um Grande Negócio", "O Que É Cultura?" e "Cultura na TV".

Temas de fato relevantes e reveladores que poderiam estar em qualquer programa de cultura governamental, não viessem acompanhados de um profundo viés institucional que apresenta uma única empresa de televisão como a repositária e espelho dessa identidade e alma nacional, agente de integração regional e criadora da imagem nacional de exportação. Não está em questão aqui a competência empresarial nem a capacidade de produzir conteúdos e programas de qualidade das Organizações Globo.

O que está em questão aqui é um modelo de produção, ligado ao capitalismo monopolista industrial, que está se esgotando diante do novo modelo do capitalismo rizomático, de fluxos, nômade e flexível, capaz de se reinventar continuamente e se aliar a novos atores, inclusive ao produtor de conteúdo independente.

O aniversário de Ana Maria Braga e de Tony Ramos ou de Regina Duarte e Renato Aragão, sua vida privada, são apresentados como marcos da cultura nacional. E o são, dirá alguém, mesmo se reduzem o "conteúdo brasileiro" e a "identidade nacional" (expressão já por si só problemática, pedindo revisão e plural urgente) a um só agente produtor e a um "star system" global.

Tudo é Brasil! Diríamos, homenageando um criador de conteúdo brasileiro que nunca foi exibido na Globo, o cineasta Rogério Sganzerla. Sim, tudo é Brasil, mas de fato uma única empresa de televisão brasileira tornou-se "a cara" do Brasil, ao realizar uma globalização interna, monocultura, modelo empresarial e estético que triunfou em diferentes mídias: televisão, rádio, disco, vídeo, internet, cinema. Além de exportar "essa cara" como a cara oficial do Brasil no exterior. Mídia-Estado se confundindo de forma problemática. A explicação para seu domínio do mercado interno, encontramos na fonte, numa das reportagens da série "Identidade Brasil", é no mínimo curiosa: "Mas acontece também uma espécie de exportação interna, dentro do Brasil. Pouca gente pode viajar por todo o Brasil. Então, muitos brasileiros descobrem o Brasil na tela: sotaques, paisagens, festas. A cultura".

Vantagens e perdas

A televisão como turismo cultural dos pobres? Sempre desvinculando produção simbólica de mercado econômico e político, esse discurso passa longe de qualquer explicação histórica, mercadológica, ou fazendo referência à trajetória da empresa que durante décadas teve todas as vantagens corporativas, em todos os governos, desde sua implantação como braço ideológico do regime militar e base material para o projeto bem-sucedido de integração nacional via redes nacionais de televisão, até sua entrada polêmica no mercado do cinema nacional, com a Globo Filmes.

Nesse ponto, mais polêmicas, apesar de ter alavancado um "cinema popular brasileiro", o "blockbuster" nacional, capaz de -com sua linguagem decalcada das próprias novelas e séries e capitalizando a popularidade de seus autores- fazer frente à hegemonia do cinema norte-americano, o ganho simbólico vem junto com vantagens não obtidas por praticamente nenhum produtor independente brasileiro. Combinação ainda mais estranha encontramos na estética de de algumas produções da Globo Filmes, como "Olga" ou "Cazuza", fundindo o imaginário rebelde com a estética hollywoodiana da higienização e da glamourização. Como é possível fazer um filme sobre líderes comunistas sem falar a palavra comunismo ou fazer um filme sobre um contestador como Cazuza sem falar a palavra homossexualismo?

Figurante chique

É possível uma síntese feliz entre globalização e "globolização"? No final de "Celebridade", Gilberto Gil, negro, tropicalista, odara, defensor do nomadismo digital e do software livre e de todos os hibridismos, no comando do projeto de maior impacto na cultura brasileira desde o Estado Novo (a Ancinav), não se fez de rogado e, convidado, entrou em cena nos capítulos finais da novela. Ministro da Cultura e figurante chique no Sobradinho nacional-popular, celebrando a tal identidade nacional, entre artistas e cineastas (parceiros da Globofilmes) homenageados. O "happy end" da cultura popular midiática celebrada no subúrbio cenográfico, no Andaraí cepecista? Bem, pelo menos a novela da Ancinav ainda não acabou e seu final ainda está em aberto.


O conteúdo brasileiro será nosso? Mas produzido por quem? Vamos receber mais novela, mais compacto de futebol, mas ensaios sensuais de atrizes, ou também net-arte, videoarte brasileira, jogos inteligentes, na tela do celular com conteúdo nacionalizado? E, como contrapartida, vamos ver o cinema brasileiro que desenvolveu realmente uma linguagem própria, singular, não-fossilizada, no horário nobre, na televisão aberta? Se todo brasileiro tem direito de querer ser presidente do Brasil e um brasileiro pobre quis, furou o bloqueio e chegou lá, talvez não seja preciso esperar mais 500 anos para essa outra revolução acontecer. Dá até novela mexicana.


Ivana Bentes é professora e pesquisadora de cinema e audiovisual, coordenadora-adjunta da pós-graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Participa das redes de ativismo Universidade Nômade, Universidade Aberta e Revista Global.

Posted by João Domingues at 2:10 PM

setembro 22, 2004

Sónar Sound São Paulo

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Spetto, Jodele Larcher e Samuel Betts; Cinema Extrapolado

João Domingues

O Sónar Sound, Festival idealizado na cidade de Barcelona com a intenção de difundir, pesquisar e debater acerca das novas possibilidades da música eletrônica, montou itinerância em São Paulo dos dias 8 a 12 de setembro, dividido em dois grandes espaços: o sonarsound noite, no Credicard Hall, palco dedicado exclusivamente às grandes atrações musicais do festival, e o sonarsound dia, abrigado no Instituto Tomie Ohtake, que recebeu, além das apresentações sonoras, instalações multimídia, mostra de cinema, ciclo de debates e feira discográfica. Tive a oportunidade de presenciar os dois derradeiros dias do sonarsound dia, mordiscando aqui e ali entre seus múltiplos atrativos.

A escolha do Tomie Ohtake não poderia ter sido mais acertada para o modelo da organização; foi a primeira oportunidade que tive de acompanhar um evento de grande porte onde a disposição espacial não acontecia como numa grande fôrma horizontalizada. O Instituto, instalado em um vistoso complexo com um enorme prédio e um centro de convenções interligados por um grande hall, possibilitou o arranjo do festival em diversos compartimentos expositivos verticais, cada qual recebendo um local específico para as atrações, todas bem separadas em seus pequenos pedaços, como que um grande armário onde podia ir-se "abrindo" e "passeando" por suas diversas gavetas, linguagem muito próxima de um hiper-texto em ambiente clicável. Auxiliado por variados modelos visuais de programação, o visitante podia escolher a atração predileta e seguir facilmente pelas escadas-rolante de acesso, facilitando a circulação das 4 mil pessoas presentes em cada dia no fim-de-semana.

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Balcão da ST2 Music, que produziu uma série de cartões com impressões em códigos de barras, junto a uma pequena tela disparada por um leitor em contato com o cartão específico de cada produto

Na mesma medida em que se opta por essa ordenação espacial, perde-se um pouco no confronto e instigação do público passante à troca de informações e impressões no contato com outras esferas da arte digital. Quando transitamos num local de experimentações por todos os cantos, soa particular demais esgotarmos os diálogos apenas com o arranjo do espaço. Evidentemente que nessa escolha pesa-se a organização (pois se trata inicialmente de um festival musical), a logística da produção (impecável, por sinal) e a visão do público consumidor (de música, em geral) sobre como se deve acontecer um evento desse predicado, mas oportunidades como essa, justamente na época efervescente da produção brasileira de arte tecnológica, devem ser mais estimuladas.

Falando assim, fica a impressão de um festival burocrático e desinteressante. Ao contrário, o sonarsound deve em pouco tempo tornar-se a maior expressão de encontro da música eletrônica alternativa e experimentações da arte digital no país. Entre muitas obras, shows, filmes e debates, ficou uma leve vontade de se querer ver muito mais. Foi um pouco desgastante acompanhar tantos acontecimentos em pouco mais de 6 horas com casa aberta, onde ficávamos perdidos sobre o que se fazer, ou o que assistir. E quando falamos há pouco nos estímulos, não podemos nos queixar quanto às atrações: excelentes shows no Hall Stage e Village Stage, ótimo espaço expositivo (sob a excelente curadoria de Lucas Bambozzi), debates com produtores e pensadores instigantes.

Nos salões do sub-solo e do mezanino, escolhidos para abrigar as instalações multimídia, destaque especial para a sala Life Goes Móbile, que desenvolvia variadas experiências artísticas que detinham como plataforma de interface o uso de telefones celulares; Turkish Bath, de Tetine, uma vídeo-instalação onde o espectador (um objeto estranho a nudez representada) era inserido num espaço como que num cubo branco, bombardeado por imagens de freqüentadores de uma sauna projetadas nas quatro paredes, onde os intérpretes dos vídeos ora brincavam e dançavam ora discutiam banalidades da vida cotidiana ou questões pertinentes história da arte.

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James Patten e Bem Retch, Audiopad

Audiopad, de James Patten e Bem Retch, um jogo interessante de produção de música digital, disposição espacial e manipulação de sons pré-gravados em tempo real;.consistia num tabuleiro com alguns búzios representando objetos sonoros pré-produzidos que, conforme eram deslocados pelo plano espacial, mudavam intensamente o projeto sonoro final em tempo real onde era possível ouvir as transformações em alguns head-phones usados pelos manipuladores; foi interessantíssimo poder dividir a produção sonora com adultos e crianças, todos seduzidos pela mecanização autêntica do projeto. Cinema Extrapolado, de Spetto, Jodele Larcher e Samuel Betts, uma instalação onde o usuário era convidado a manipular com um console alguns vídeos - dispostos segundo uma ordem espacial aleatória - de ícones da cultura alternativa nacional (Glauber Rocha, José Celso Martinez Corrêa) refletindo sobre a situação da cultura política brasileira. The House of The Floating Signs, de Eder Santos; sete imagens projetadas em chapas de raio-x de partes do corpo humano, bombardeadas por imagens ao fundo. O som das obras, disparados por sensores arranjados acima do espectador, remetia ao caos funcional quase divino de um corpo humano. Haptic Wall, de Daniela Kutschat e Rejane Cantoni, um enorme painel vibratório, disparado por microfones que captam as sonoridades dos andantes; explora possibilidades de interação dos espaços e dos corpos. Circ_lular, do trio Preguiça Febril (Giselle Bieguelman, Marcus Bastos e Rafaela Marchetti) oferece um trânsito de interações enviados por usuários em tempo real.

Fica a idéia de um festival ainda maior para os próximos anos, dando mais ênfase aos debates de uma produção mais intensa e expansão do mercado da arte tecnológica no Brasil, tentando ampliar alguns dos conceitos que emergem com vigor pelas muitas comunidades do espaço digital.

com o auxílio fundamental de Daia Leide, Faabio Carbone e Joana Regattieri

imagens: Faabio Carbone

Posted by João Domingues at 2:23 PM

Sónar Sound São Paulo - Village Stage e Hall Stage

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Algumas visões sobre as apresentações musicais:

Village Stage:

Laptropic

Formado pelo DJ Roger Moore e pelo percussionista Décio Ramos (Uakti), o Laptropic trouxe ao palco alguns ambientes timbrísticos interessantes, junto a uma pesquisa de organismos acústicos e objetos contemporâneos como suporte rítmico em contraponto à manipulação dos elementos digitais. Trazendo como convidada a percussionista Daniela Ramos, ouvimos do Laptropic uma investigação ousada e curiosa em vários momentos.


Kevin Blechdom

Uma das apresentações mais urradas da história de nosso país. Vestindo uma bata preta e nada nos pés, Kevin Blechdom surpreendeu a todos com a versão por demais berrada de I Will Always Love You, da diva americana Whitney Huston. Munida apenas de seus laptops, microfone e ironia, a cantora assombrou o público com seus vocais impiedosos e performance catártica. Um dos melhores shows do festival.


Bojo

Formado em 1998 por Mauricio Bussab e Lulu Camargo, o Bojo é herdeiro da "tradicional" Vanguarda Paulista dos anos 80. Além de excelentes instrumentistas, o grupo traz em sua coleção, improvisos desavisados e um humor característico de sua geração. As vozes de Mauricio Bussab, torcidas pelos efeitos causam um estranhamento interessante, que se ajunta a uma densidade sonora bem particular. A versão de "Eu quero é botar meu bloco na rua", de Sérgio Sampaio dá a noção exata do encontro da esquisitice eletrônica com o funk e a música popular.


Nego Moçambique

Umas das apresentações mais concorridas do festival, Nego Moçambique tocou para um Village lotado. Combinando uma mistura nada óbvia entre a black music e a eletrônica, o músico comandava o público em seus muitos movimentos. Arriscando alguns vocais, o DJ conseguiu mexer todos os corpos que estavam à sua frente. Ponto para o rapaz.


Hall Stage:

Arto Lindsay

O que dizer de Arto Lindsay que não soe redundante? Na mais segura apresentação do festival, Arto destaca-se mais uma vez como um inventor atroz de si mesmo, mesmo quando o si mesmo significa um montes e montes de outros. Caymmi pós-moderno, totalmente ciente das imperfeições do som no Hall Stage, tratou de comandar sua guitarra em ruídos espatafurdios, e auxiliado por um baixista e um saxofonista-operadordebits, o artista viu-se ante um público atento, quase que hipnotizado pela oportunidade de encontrá-lo a poucos metros de distância. Belo momento de se guardar para a existência.


Hurtmold

Banda paulistana de execução musical impecável. Mesclando post-rock, free jazz contemporâneo, belos improvisos de longas durações harmônicas, o Hurtmold impressionou pela consistência e audácia em levar ao palco muitos (muitos) instrumentos. Totalmente seguros do que faziam, o Hurtmold era aguardado por muitos ao pé do palco. Bela banda.


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Liars

Não existem palavras suficientes para descrever o que aconteceu no show do Liars. Ficamos todos os espectadores maravilhados com a fúria que desentupia o trio nova-iorquino, de formação nada convencional; um baterista, um guitarrista outrora percussionista e disparador de efeitos e loops e um vocalista completamente insano. Entre muitas estripulias no palco, a entrada do grupo com seus macacões, batas, máscaras africanas, simulações de enforcamentos e mastigações de microfones como das melhores cenas performáticas do dia. O Liars fez a melhor apresentação do sonarsound, fazendo-nos pensar que ainda existe muito a se combinar no rock e eletroclash. Absolutamente impressionante.


Four Tet

Kieran Hebden contextualiza sua obra numa adição interessante de sons pré-gravados e manipulação de efeitos digitais em tempo real. Originalmente um guitarrista, o Four Tet produziu um show extremamente técnico e criativo, com passagens harmônicas pouco convencionais à música eletrônica atual.

imagens: Faabio Carbone

Posted by João Domingues at 2:22 PM | Comentários (1)

setembro 20, 2004

O xeque-mate cibernético

Matéria de Giselle Beiguelman, sobre a obra de Eduardo Kac, publicada originalmente no Caderno Mais! da Folha de São Paulo do dia 19 de setembro de 2004.

Um dos principais criadores em mídias digitais, o brasileiro Eduardo Kac fala da instalação que apresenta na 26ª Bienal de São Paulo, com início no próximo sábado, e explica a relação entre arte e biotecnologia

Giselle Beiguelman

Eduardo Kac é um dos mais importantes criadores no campo das mídias digitais. Professor da prestigiosa Escola do Instituto de Arte de Chicago, nos EUA, dedica-se desde os anos 1990 à reflexão sobre arte e biotecnologia.

Essa linha de investigação resultou em diversos projetos, dos quais destacam-se aqui o mais recente, "Move 36" (2004) e "GFP Bunny" (em curso desde 2000), cuja documentação está em exposição na Laura Marsiaj Arte Contemporânea, a partir de amanhã, no Rio. "Move 36" faz parte da Bienal de São Paulo e já está em exibição na Bienal da Coréia. Trata-se de uma instalação viva, cujo título faz referência à histórica partida de xadrez entre Kasparov e o supercomputador Deep Blue em 1997, na qual a máquina venceu o homem.

De acordo com Kasparov, foi no 36º movimento que a partida foi definida em favor de Deep Blue. Em sua obra, Kac transforma esse momento em mote para discutir a inteligência artificial e suas ambivalências em relação ao pensamento cartesiano.

Segundo Kac, se, por um lado, o pensamento de Descartes foi crucial para a compreensão matematizada do mundo, estando, por isso, relacionado à própria história da computação, por outro, foi esse mesmo pensamento que consolidou a visão dualista da vida, dividida entre mente e corpo, entendendo o corpo como a porção maquínica e hierarquicamente inferior do conjunto.

"Acho interessante pensar que, no jogo em que Deep Blue venceu Kasparov, a máquina exibiu sutileza, enquanto o ser humano falhou naquilo em que era imbatível. Onde antes falhava a máquina, falhou o humano. Onde as nuanças humanas haviam se sobressaído, a nuança da máquina preponderou. A obra indaga: que lição extrair desse evento para o futuro?", diz o artista.

A discussão é feita de maneira irônica em um tabuleiro de xadrez com quadros de areia e terra, onde, no ponto exato em que Deep Blue preparou o xeque-mate, se encontra um vaso com uma planta modificada em laboratório. A modificação foi realizada por um gene artificial criado a partir da tradução da célebre frase "Cogito ergo sum" [Penso, logo existo, de Descartes] em código binário e retraduzida em código genético -que faz com que as folhas se enrolem ao crescer, contrariando sua lógica natural, que as faria planas na maturidade. "Move 36" obriga a pensar nos tênues limites que hoje se colocam entre homens, objetos que incorporam qualidades humanas e seres vivos codificados por informações digitais.

No caso do projeto "GFP Bunny", que transformou uma coelha albina, Alba, em uma verdadeira celebridade internacional, essa reconfiguração de parâmetros entre natural e artificial é questionada pelo prisma da ética e do afeto.

Nascida em 2000 em um laboratório francês, ela foi modificada pela introdução de uma proteína artificial no seu embrião. A proteína, conhecida pela sigla GFP e que quer dizer proteína verde florescente, faz com que o corpo albino do animal, em determinadas condições de luz e temperatura, adquira um tom esverdeado.

Quando o projeto começou, Kac pretendia levar Alba para sua residência em Chicago para criá-la e, assim, discutir as novas responsabilidades sociais e críticas que acompanham a produção cultural e científica contemporânea. Proibido pelo laboratório de dar prosseguimento a essa idéia, criou o movimento "Free Alba", que tem os mesmos propósitos e é divulgado em várias formas (de cartazes urbanos a camisetas e comunidades on-line).

A repercussão dessa mobilização compõe "Rabbit Remix", em cartaz no Rio de Janeiro a partir de amanhã, em que o artista acerta os últimos detalhes de seu livro "Luz & Letra", com ensaios críticos sobre arte e tecnologia escritos entre 1982 e 1988.

Em entrevista ao Mais!, Kac comenta e discute as diferentes faces de sua criação.

GB - Você é citado como um dos pioneiros da arte biotecnológica e um dos precursores da "e-poetry", por seus trabalhos literários dos anos 1980, com vídeo e holografia. Os dois campos de ação são tratados como momentos independentes. Mas chama a atenção o modo pelo qual a exploração do código, seja ele verbal, seja genético ou binário, ocupa um lugar central na sua reflexão. Poderíamos dizer, então, que você é, acima e antes de tudo, um artista do código?

EK - A minha preocupação central não é focada no código em si, mas na multiplicidade de processos comunicacionais. O que sempre me interessou e interessa, como artista e teórico, foi o desejo de explorar o fenômeno da comunicação em sua ampla vastidão, desde a linguagem humana até as linguagens de programação, do chamado código genético até a comunicação entre espécies, da comunicação não-semiótica (como as janelas que permitem a comunicação da temperatura externa ao interior de uma residência, por exemplo) aos processos distribuídos em rede (internet).

GB - Seus primeiros projetos, no Rio de Janeiro, tinham forte conotação política e faziam parte dos movimentos de contestação à ditadura brasileira. Qual é o lugar da política nos seus projetos hoje?

EK - A manifestação política não desapareceu, mas se tornou mais sutil. No caso da arte transgênica, todo o meu processo de criação e produção reflete uma crítica à visão determinista de que a genética pode explicar claramente todos os aspectos da vida. Eu discordo e procuro mostrar que essa visão não vem de uma "ciência", mas é moldada por uma visão ideológica particular.

GB - A interdição de Alba tornou-se o mote para uma série de projetos de intervenção urbana e on-line que exigiam a libertação da coelhinha. A força estética da imagem do animal em tons de verde florescente tornou-se conhecida no mundo todo. Transformada em objeto, passível de ser colecionado, não se perde o sentido mobilizatório da campanha "Free Alba", cedendo ao sensacionalismo que se sobrepôs à discussão sobre a ética e o afeto quanto aos transgênicos?

EK - [O filósofo austríaco] Martin Buber já havia deixado claro que o problema não reside na transformação momentânea de um sujeito em objeto (como uma pessoa sendo o objeto da afeição de outra), e sim na fixação dessa condição sem possibilidade de liberdade (como na escravidão). Alba continua sendo um sujeito com meus desenhos e com minhas fotografias, por meio dos quais me reaproprio da repercussão da obra na mídia e faço uma "metacrítica visual".

Tudo isso coexiste com as manifestações de rua e de rede e me ajuda a sustentar a presença de Alba no espaço público e a levar adiante sua dimensão mobilizatória.


Giselle Beiguelman é professora da pós-graduação em comunicação e semiótica da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e autora de "O Livro depois do Livro" (ed. Fundação Peirópolis)

Posted by João Domingues at 1:59 PM

setembro 15, 2004

Audiência Pública sobre a Ancinav

Emeio enviado pela Assessoria de Comunicação Social do MinC no dia 15 de setembro de 2004

Brasília, 14 de setembro

Ancinav é necessidade do setor

Uma audiência pública de alto nível. A Comissão de Educação e Cultura do Senado Federal debateu nesta terça-feira, dia 14 de setembro, o anteprojeto de lei do Ministério da Cultura sobre a criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav).

O ministro da Cultura, Gilberto Gil, afirmou em seu pronunciamento que a criação da agência não é uma iniciativa do governo, mas um pedido do próprio setor audiovisual: "O objetivo da Ancinav é fazer com que os filmes brasileiros possam competir, em igualdade de condições, com os filmes estrangeiros no Brasil", disse.

Gil enfatizou que o projeto é democrático e que todos os pontos polêmicos serão debatidos. Leia o pronunciamento na íntegra.

Participaram da audiência o cineasta Cacá Diegues, o presidente da União Nacional de Emissoras e Redes de Televisão, Antônio Teles; e o presidente da Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas, Ricardo Defini Leite, além de senadores de diversos partidos.

Leia, também, matéria veiculada no site da Agência Brasil: Gilberto Gil diz que Ancinav atende pedido do setor cinematográfico.

Posted by João Domingues at 4:47 PM | Comentários (1)

setembro 14, 2004

Brasil insiste em quebrar propriedade intelectual

Matéria de Frances Williams para o Financial Times, publicada originalmente no site UOL Mídia Global, no dia 14 de setembro de 2004.

Brasil insiste em quebrar propriedade intelectual

Frances Williams

Confronto sobre os direitos deve continuar em reunião internacional

Está montado o palco para um choque sobre o futuro da proteção internacional à propriedade intelectual, com o Brasil e a Argentina planejando pedir uma "agenda de desenvolvimento" na reunião anual da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi) no final deste mês.

A proteção à propriedade intelectual é um meio de promover inovação e transferência e disseminação de tecnologia, e "não pode ser considerada um fim em si", diz a proposta dos dois países.

Entre suas sugestões mais controversas estão a negociação de um tratado para promover o acesso dos países em desenvolvimento ao conhecimento e à tecnologia; o trabalho sobre mecanismos colaborativos de compartilhamento de informação, para estimular a inovação; e uma emenda à constituição da Ompi salientando a necessidade de se levar em conta interesses de desenvolvimento.

O Brasil tem estado na vanguarda de medidas para garantir que os direitos de propriedade intelectual consagrados em pactos internacionais não superem o interesse público ou as necessidades de desenvolvimento.

Isso reflete sua agenda doméstica, que inclui a promoção de medicamentos genéricos e software de código aberto. Os negociadores brasileiros tiveram um papel-chave na elaboração de um acordo decisivo na Organização Mundial do Comércio em 2001, que afirma o direito dos países em desenvolvimento a priorizar as necessidades de saúde pública, mais que a proteção de patentes de medicamentos.

De modo mais geral, o Brasil liderou a resistência contra as tentativas dos Estados Unidos de impor aos países em desenvolvimento padrões de proteção cada vez mais elevados, notadamente por meio de acordos comerciais bilaterais.

Os defensores de uma agenda de desenvolvimento da Ompi dizem que o órgão da ONU é dominado por países industrializados e empresas multinacionais com um interesse velado em reforçar o sistema de direitos de propriedade existente, em detrimento dos países pobres.

"Está na hora de termos um debate na Ompi", disse uma autoridade latino-americana. "Os países desenvolvidos estão forçando agressivamente sua agenda. Os países em desenvolvimento deveriam forçar a deles."

Os críticos da Ompi descartam as alegações de que a organização se tornou mais amiga do desenvolvimento. "A Ompi continua forçando um forte paradigma de direitos", disse ontem Jamie Love, diretor do Projeto de Consumidores sobre Tecnologia, sediado nos Estados Unidos, em uma conferência em Genebra sobre o futuro da Ompi organizada pelo Diálogo Transatlântico de Consumidores, um grupo de lobby.

Love e Lawrence Lessig, um professor de direito na Universidade Stanford que preside uma organização não-governamental conhecida como Creative Commons, usou a conferência para anunciar uma nova licença de direitos autorais para os países em desenvolvimento que permitirá que os detentores dos direitos concedam o uso de seu trabalho sem pagamento de royalties nos países pobres.

A Creative Commons já introduziu licenças alternativas de direitos autorais nos Estados Unidos, Japão, Brasil e alguns países da União Européia. Elas podem ser usadas por músicos, escritores, cineastas e outros para reservar alguns, mas não todos, os direitos sobre sua obra - como fazem os direitos em autorais convencionais --para disseminá-la de maneira mais ampla.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Posted by João Domingues at 3:36 PM

setembro 13, 2004

Realidade expandida

Festival Ars Electronica antecipa tendências de arte digital

Matéria publicada originalmente na Folha Ilustrada da Folha de São Paulo no domingo, dia 12 de setembro de 2004.

Ed Ward, do "New York Times", com tradução de Paulo Migliacci.

Vinte e cinco anos atrás, um festival de música eletrônica e conferência chamado Ars Electronica foi acrescentado às celebrações locais de Anton Bruckner, compositor natural de Linz (Áustria). De lá para cá, o foco do festival se ampliou, e o evento se tornou um importante fórum para a media art, que emprega a tecnologia muitas vezes de forma interativa.

Desde 1987, o evento concede o Prêmio Ars Electronica para arte interativa, animação computadorizada, música digital e web art. Neste ano, a categoria "comunidade digital" também foi premiada. Todas categorias compartilharam um total de US$ 121 mil em prêmios.

Para o festival deste ano, que aconteceu entre 2 e 7 deste mês, a organização do Ars Electronica optou por explorar os próximos 25 anos da media art e, ao mesmo tempo, celebrar alguns de seus maiores sucessos passados.

Aquilo que começou como um gênero canhestro parece ter ganhado confiança. Por exemplo, o principal prêmio para a arte interativa foi dado a "Listening Post", dos americanos Mark Hansen e Ben Rubin. O projeto envolve 231 pequenas telas montadas em uma grade. Um computador vasculha salas de bate-papo e fóruns de mensagens e exibe os resultados, enquanto um sintetizador de voz lê alguns dos textos.

O ciclo começa sua varredura pela frase "eu sou", que depois é ampliada: "Eu sou turco. Eu sou fã dos Beatles. Eu sou da opinião de que você está certo". As frases são lidas uma vez, enquanto os escritores, cujas identidades continuam ocultas, revelam quem são, possivelmente mentindo, ao som de música eletrônica. Quando a maior parte das telas está ocupada, elas escurecem, e uma varredura em tempo real das identidades dos usuários é exibida.

A seguir, surgem fragmentos de texto que permanecem nas telas por apenas um instante, logo substituídos por novas informações, lidas em voz alta. Já que cada texto exibido foi postado apenas alguns segundos antes, os espectadores jamais vêem a mesma "arte" duas vezes.

Muitas das peças envolvem participação do espectador. Um trabalho muito popular foi "Messa di Voce", dos americanos Golan Levin e Zachary Lieberman. O usuário se aproxima de uma projeção, lançando uma sombra sobre um entre três possíveis fundos, e emite um som captado por um microfone. A sombra é cercada por uma linha, que pode ser manipulada por meio de movimentos de braços ou da emissão de sons diferentes.

O porão do novo museu Lentos exibe algumas das obras premiadas em salões passados, e elas ocasionalmente revelam muito sobre os perigos da media art. Os fãs desse tipo de arte costumam brincar dizendo que cada exposição precisa ser visitada diversas vezes, não só para repetir a experiência artística mas também para ver tudo funcionando como deveria pelo menos uma vez.

O Ars Electronica Center foi construído em 1996 para exibir, documentar e arquivar media art. Tornou-se tão popular que costuma lotar nos finais de semana.

A maior parte dos trabalhos exibidos no centro tem espírito brincalhão. "La Pate a Son", uma tela com uma grade na qual se pode instalar tubos e ventoinhas excêntricos, move bits de melodia eletrônica pelo aparelho, como se fosse "uma fábrica de canções".

Até mesmo o chá é interativo, aqui: Hisako Yamakawa criou uma máquina de chá na qual a pessoa coloca uma moeda de um euro. Uma tela se acende, e a máquina pede que você assine uma promessa de que vai beber todo o chá e gostar; sua assinatura determina qual chá será fornecido.

Música e dança também fazem parte da Ars Electronica. O vencedor do grande prêmio de música digital foi Thomas Koener, com "Banlieue du Vide", uma montagem de três mil fotos de vigilância tiradas em estradas desertas durante uma tempestade de neve. As fotos foram combinadas a sons gravados nas ruas durante o dia.

Posted by Patricia Canetti at 10:14 AM

setembro 10, 2004

MinC estende prazo para discutir projeto de agência do audiovisual

Matéria publicada originalmente no site da Folha de S.Paulo, no dia 10 de setembro de 2004.

O MinC (Ministério da Cultura) decidiu estender até 22/9 o prazo da consulta pública sobre o projeto de criação da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual), que terminaria domingo.

"Muita gente está pedindo mais tempo para consubstanciar suas propostas", disse o secretário do Audiovisual do Minc, Orlando Senna, explicando a decisão.

Embora tenha aumentado o período da consulta pública (disponível no site www.cultura.gov.br/projetoancinav), o governo não alterou o calendário de análise oficial do projeto, a cargo do Conselho Superior de Cinema (nove ministros e 18 membros da sociedade civil --titulares e suplentes).

"O conselho é que dirá se o prazo de 60 dias [contado a partir de 6/8, para avaliar o projeto, antes do envio ao Congresso] é suficiente ou não", diz Senna.

Na próxima terça-feira, os membros civis do conselho se reúnem em Brasília com equipe do MinC, para discutir o projeto. Na mesma data, o Senado Federal realiza audiência pública sobre o tema, com presenças anunciadas dos ministros Gilberto Gil (Cultura) e Eunício Oliveira (Comunicações) e do diretor Cacá Diegues, crítico da proposta do MinC.

Enquanto o governo aumenta o prazo do debate, profissionais de cinema e TV (produtores, distribuidores e exibidores) liderados pelo produtor Luiz Carlos Barreto se apressam para divulgar nos próximos dias sua revisão do anteprojeto, apelidada de "substitutivo". O grupo de Barreto se reuniu no Rio de Janeiro, na última segunda, véspera de feriado.

A tônica do "substitutivo" será a redução da abrangência da agência reguladora, com concentração no cinema. A interface da agência com a TV teria apenas aspectos de incentivo às emissoras à participação no desenvolvimento da indústria cinematográfica.

O grupo avalia que, numa agência que abarcasse todos os ramos da produção audiovisual, o cinema perderia força, já que sua expressão econômica é muito menor do que a das demais áreas, como a TV e a telefonia.

Hoje, o Congresso Brasileiro de Cinema convocou reunião de seus associados, em São Paulo, para avaliar o projeto do MinC.

Posted by João Domingues at 12:25 PM

setembro 8, 2004

Mercado "espreme" cinema e TV na tela do celular

Matéria publicada originalmente no site da Folha de S.Paulo, no dia 8 de setembro de 2004.

DIEGO ASSIS
LAURA MATTOS

da Folha de S.Paulo

Graças a um bombardeio de propagandas e de eventos patrocinados por operadoras de telefonia e fabricantes de aparelhos, o consumidor está cada vez mais familiarizados com o que um celular já pode fazer: tirar fotos, mandar mensagens de texto, tocar músicas, baixar vídeos da internet e... ah, claro, ligar para as pessoas.

O que não se sabe bem é como esse aparelhinho transformará a forma de se criar música, cinema, TV e artes em geral. E até que ponto funcionará como uma televisão, câmera fotográfica ou "toca-músicas" portáteis. Será que essas promessas não esbarram nas limitações do celular, como o tamanho reduzido e as taxas cobradas? Quem trocaria o novelão grátis na TV, sentado num confortável sofá, por assistir a uma versão paga numa tela de menos de dez centímetros quadrados, no banco duro de um ônibus?

São questões que excitam e atormentam tanto o mercado que só neste mês haverá dois grandes eventos sobre o assunto no Brasil e dois no exterior: "Convergência de Conteúdo: da TV ao Celular" (no Rio, amanhã), o 2º Tela Viva Móvel 2 (29 e 30, em SP), "Mundo do Conteúdo de Celular" (21 a 23, em Londres) e "Festival de Cinema de Celular" (em Atlanta, com inscrições abertas em setembro).

A Endemol, produtora de "Big Brother", é uma das interessadas no debate sobre conteúdo em celular. Na Europa, lançou uma espécie de fotonovela para telefone móvel, "Fantesstic". O cliente recebe por dia cinco quadrinhos --que misturam foto, desenho e texto-- e pode interagir, decidindo, por exemplo, se a mocinha irá ou não ver o galã no dia seguinte.

Não há previsão de lançamento no país de algo exclusivamente criado para celular. "No Brasil, não há por enquanto consumidores suficientes para produção em escala de vídeo para celular. Além disso, as pessoas ainda acham incômodo assistir a algo na tela tão pequena", diz Carla Afonso, diretora da Endemol Globo. Os produtos brasileiros são, na maioria, adaptações do que é feito para TV, como jogos e "bate-papos" do "Big Brother". "Aqui, o celular é hoje mídia complementar à TV, que propicia a interatividade."

A MTV Brasil é outra empresa ávida a aproveitar as oportunidades do celular. Mas suas apostas em vídeos exclusivos para a telinha também são raras. "A qualidade da imagem é muito inferior à da televisão. Quando editamos um clipe da TV para o celular, temos de cuidar para que o trecho selecionado não seja escuro, tenha menos detalhes e mais closes", diz José Wilson Fonseca, diretor de marketing da MTV.

"Não é todo o conteúdo de TV que pode ser adaptado para celular", diz Sandra Jimenez, diretora de tecnologia da MTV. Segundo ela, o desenho da "Mega Liga MTV", que em breve será levado ao celular, é um exemplo de fácil adaptação. "É um traço chapado, de cores fortes", explica.

A produção de cinema também já se espreme para caber na telinha. "Pode parecer prematuro assistir a filmes em aparelhos sem fio hoje, mas no futuro será lugar-comum", disse à revista "Wired" (EUA) Victoria Weston, dona da produtora de filmes de internet Zoie, criadora do Festival de Cinema de Celular, com curtas-metragens de um a cinco minutos.

O primeiro evento do gênero no Brasil deve acontecer em novembro, em São Paulo. Parte do festival de música, cinema e design Resfest, o Resfest de Bolso disponibilizará ao público seis vídeos feitos para celular por designers convidados. Além disso, pretende lançar em outubro um concurso de ringtones (músicas de toque de celular) com bandas independentes.

Tudo ficará disponível na internet. "Não faria sentido obrigar a pessoa a sair de casa para acessar algo que não depende de espaço físico. Estamos falando de portabilidade", diz Carlos Farinha, organizador do evento (8 a 15/11).

Além de aspectos estéticos da produção de celular (baixa definição, interatividade, portabilidade etc), outra discussão envolve os interesses empresariais por trás dessa nova forma de criar.

Patrocinadora do festival de eletrônica e arte multimídia sónarsound, a Nokia é a grande interessada na mostra "Life Goes Mobile", cujas obras foram feitas para acesso em aparelhos da marca.

Para Giselle Beiguelman, que fez uma obra para a mostra, a criação no celular é diferente da produção para internet, pois, no caso do telefone móvel, já nasceu ligada a corporações. "Na internet, as empresas vieram depois.

Já a criação de celular é inteiramente mediada por operadoras e fabricantes." Quando se trata de unir arte e tecnologia, Beiguelman defende que não há como esperar de uma universidade, por exemplo, o mesmo aporte de verbas que essas empresas oferecem. Interessa ao patrocinador e aos artistas.

Posted by João Domingues at 2:38 PM

setembro 6, 2004

Ars Electronica 2004

Timeshift - O mundo em 25 anos

Patricia Canetti

Escrevo do Ars Electronica 2004, aonde vim parar, juntamente com Ricardo Ruiz do Mídia Tática, como representante da participação brasileira na categoria de Comunidades Digitais. Nossa vinda ao Festival faz parte da curadoria do artista Lucas Bambozzi para o Nokiatrends, que imaginou que a nossa experiência e relatos formariam uma ponte entre esses dois eventos de arte eletrônica.

Então, cá estamos, patrocinados pela Nokia, mergulhados em obras e debates tecnológicos que se concentram no tema do Ars desse ano: Timeshift: 1979 - 2004 - 2029.

Onde estávamos quando tinha início esse Festival de Arte, Tecnologia e Sociedade? Onde estamos agora e onde estaremos em 2029?

(Impossível não entrar num túnel do tempo e me ver voltando da Inglaterra, onde havia passado um ano e meio estudando inglês e fotografia, aterrizando no Centro Universitário de Fotografia - CUF, da PUC-Rio, para dar aulas e na seqüência ser escolhida para coordená-lo. (Deixei-o em 1984, por ter meu interesse verdadeiramente voltado para o campo da arte, apesar da fotografia no Brasil ainda não ser considerada um meio muito próprio.) Em 1979, também se deu o meu primeiro contato com um computador, um Atari. Quando cheguei de viagem, encontrei minha mãe e meu irmão totalmente viciados em Pacman, mas preferi descobrir e entender um pouco de programação. Na época não existiam disquetes, gravávamos os dados em fita cassete. A programação ainda era escrita seqüencialmente, linha por linha, num processo árido e muito chato. Quanto ao túnel do tempo em direção ao futuro, o evento paralelo Language of Networks (Linguagem das redes) - Primeira Conferência e Exposição Interdisciplinar Internacional sobre Redes - está me dando uma idéia para onde me desloco.)

O Ars Electronica acontece em Linz, Áustria, onde o Ars Electronica Center está sediado, a beira do Danúbio, ponto nobre da cidade, que é rodeada por colinas e recheada de igrejas, museus e castelos que datam de 799 em diante. (Mozart viveu aqui em 1783.) Linz é uma bela e calma cidadezinha, aonde estranhamente se pode caminhar a noite por ruas escuras em total segurança.

Voltando ao Festival. Mergulhei nas palestras do Simpósio Timeshift, já que havíamos perdido os dois primeiros dias dedicados ao Language of Networks. O Timeshift dividido em 4 tópicos - Progresso, Ruptura (Disruption), Espírito e Topia - reuniu palestrantes de diversos países e instituições. Ouvimos relatos sobre as promessas da ciência e tecnologia, sobre os seus avanços e equívocos; sobre o sistema global e o indivíduo; sobre a multiplicidade do eu e a unicidade da globalização; relatos apocalípticos e apaixonados, sobre inventividade e audácia em relação à arte, tecnologia e sociedade nos próximos anos.

O tempo que sobra para escrever é curto. As atividades começam às dez e meia da manhã e vão até tarde da noite, mesclando palestras, mostras, concertos, performances e festas. Pela falta de tempo para organizar as idéias, optei em traduzir o trecho final do texto de Peter Weibel, artista austríaco, diretor do ZKM na Alemanha, que faz parte do catálogo do Ars Electronica 2004, cuja palestra foi uma das mais interessantes que assisti.

..."Jean François Lyotard, na sua famosa exposição de 1985 "Les Immatériaux" descrevia essa transição como sendo da materialidade para a imaterialidade. Como significante, essa interpretação era completamente legítima. Sua deficiência era talvez ter registrado essa transformação relacionada com a economia libidinal ao invés da monetária. Afinal, o conceito de imaterialidade não se refere apenas ao momento histórico da dissolução do trabalho de arte como objeto material; vai além disso para demonstrar a mudança de uma economia de trabalho relacionada ao produto para uma economia de trabalho imaterial como as teorias de Toni Negri, Michael Hardt, Maurizio Lazzarato e Paolo Virno demonstraram. A histórica economia da Revolução Industrial foi construída por trabalho material que produzia produtos manualmente ou mecanicamente, produtos que podiam ser trocados por dinheiro. Nesse discurso, produção é a primeira esfera da economia. A nova economia da Revolução da Informação, por outro lado, é baseada em menos escala em produtos de trabalho material e mais em trabalho imaterial de distribuição dos produtos e comunicação de informação. Esses chamados setores secundário e terciário da economia - o serviço e tecnologia da comunicação - tem um importante papel na acumulação global do capital e constituem a atual força impulsionadora da inovação social. Estamos no meio de um processo de transição de uma economia baseada em produto para uma baseada em tempo. A sociedade conectada às redes estabelece as pré-condições para essa economia baseada em tempo, aonde não somos mais remunerados pelos produtos, mas pelo tempo de uso do produto. Ou seja, não vamos mais comprar música no formato de CDs como produtos, mas baixar da Internet e pagar os direitos para ouvi-la (como é com o rádio atualmente).

Os artistas contemporâneos na vanguarda reagem sensivelmente a essas mudanças sociais mudando estruturalmente a maneira de trabalhar e fazendo novas alianças com novos protagonistas. E os artistas também estão mudando os seus trabalhos da produção para a prestação de serviços. Eles também estão atuando mais nos setores secundário e terciário da comunicação, do que no setor primário da produção. A substituição da produção de objetos para as atividades nos campos de ação pode ser atribuída a essa transição. E a mudança da prática artística contemporânea da observação do mundo para a observação da mídia e da comunicação aponta para essa transformação econômica.

Na sua observação da mídia, artistas contemporâneos trabalham com o entendimento de que a mídia não é um mapa que traduz o terreno da realidade e de que a mídia tão pouco se tornou grande e poderosa - como na teoria da simulação de Baudrillard - que ela se sobrepõe e cobre a realidade e que se tornou impossível fazer qualquer diferença entre o mapa (simulação) e a terra (realidade); o ponto de partida é a afirmação de que o mapa constrói a terra e assim a mídia tem um importante papel na construção da realidade. A função da nova mídia lembra a do arco-íris. Eles são difratareis e recombinatórios. Sua composição é parte real, parte ficcional. Eles recombinam elementos subjetivos e objetivos. Eles são imagens recíprocas. O mapeamento da mídia, a expansão das competências artísticas, culturais e interculturais, a extensão da arena da imagem para a arena do espaço da informação global (na arte de redes) constituem as novas práticas da arte de vanguarda das próximas décadas. Artistas trabalham com suas competências interdisciplinares e interculturais".

Sigo agora para o início dos debates sobre "Creative Commons" e Comunidades Digitais, que promete ser interessante, já que nem eu, nem o Ricardo, conseguimos respostas para as nossas questões sobre o equilíbrio do acesso a essas novas regras do jogo. "Common Knowledge", OK, mas comum para quem cara pálida?


Veja o relato e imagens do Ricardo Ruiz no Mídia Tática.


O dia em que a Monalisa virou ciborgue por Ricardo Ruiz.

Posted by Patricia Canetti at 4:31 PM

Redes se unem contra agência do cinema

Matéria publicada originalmente no site da Folha de S.Paulo, no dia 5 de setembro de 2004.

DANIEL CASTRO
Colunista da Folha de S.Paulo

O projeto do Ministério da Cultura de criação da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual) já conseguiu um feito: unir as desunidas redes de TV.

SBT, Record, Band e Rede TV! lançam neste mês uma nova associação de emissoras de televisão. Essas redes romperam com a Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV), que acusam de defender apenas os interesses da Globo.

A nova associação, que ainda não tem nome, já tem sua primeira batalha definida: lutar contra o anteprojeto de lei que cria a Ancinav, em consulta pública no Ministério da Cultura. Também estão na pauta da futura entidade o combate ao projeto que institui o Conselho Federal de Jornalismo e à proposta do Ministério da Justiça de um "termo de compromisso".

Nos próximos dias, as quatro redes devem assinar em conjunto um manifesto contra a Ancinav, agência que pretende regular o conteúdo da televisão e fomentar a produção audiovisual (que inclui cinema e TV) no Brasil.

As emissoras e entidades --inclusive Globo e Abert-- acusam a última versão do anteprojeto da Ancinav, divulgado na última segunda-feira, de intervencionista e oneroso. Elas são contra a idéia de uma agência reguladora do setor e, principalmente, da criação de uma taxa de 4% sobre a veiculação de publicidade na TV, a ser revertida para um fundo de fomento ao audiovisual.

Essa taxa será paga pelos anunciantes ou agências de publicidade, mas as TVs dizem que são elas que arcarão com o novo tributo. Isso porque os anunciantes tentarão negociar descontos para abater os 4% ou simplesmente reduzir seus investimentos em TV.

"Alguém vai pagar por isso e será a televisão", diz Dennis Munhoz, presidente da Record, um dos articuladores da nova associação de TV. "Nenhuma emissora trabalha com lucro líquido que viabilize um novo tributo de 4%. Não dá para suportar. Hoje, quase a totalidade das emissoras trabalha no vermelho", afirma.

Uma projeção sobre os dados do projeto Intermeios (que monitora o faturamento das empresas de comunicação) indica que, se essa taxa já existisse em 2003, resultaria em uma arrecadação de R$ 208 milhões.

A taxa de 4% também afeta a TV paga. "Há um aumento de carga tributária. Isso vai na contramão do que se pretende [com a Ancinav], que é facilitar o acesso mais amplo ao audiovisual. A "mágica" será o consumidor pagar essa diferença", diz Alexandre Annenberg, diretor-executivo da ABTA (Associação Brasileira de Televisão por Assinatura).

A TV paga reclama ainda do aumento de uma contribuição que as programadoras estrangeiras recolhem sobre as remessas de lucro ao exterior e que elas podem aplicar em co-produções no país. Essa alíquota, hoje de 3%, passa para 6% com a Ancinav.

Eleito na última terça-feira novo presidente da Abert, José Inácio Pizani também encara a luta contra a Ancinav como sua primeira batalha. "O projeto da Ancinav tem a intenção de ser um cheque em branco. Causa repulsa e indignação. Não é assim que vamos fazer um país, permitindo a intromissão na vida das empresas. É um projeto inaceitável não só para o setor da radiodifusão mas para a população brasileira, que quer uma televisão livre e gratuita", protesta o dirigente.

Pizani afirma que, mesmo após a supressão de artigo que dava à Ancinav poderes de interferir no conteúdo editorial das emissoras, o projeto de criação da agência continua intervencionista. Em seu entendimento, o órgão poderá regulamentar sobre o conteúdo da TV, estipulando, por exemplo, cotas para a exibição de filmes nacionais e de produções regionais e independentes.

O presidente da Abert diz ainda que já há um "excesso de regulamentação"
com a Anatel (que fiscaliza o espectro eletromagnético), o Ministério das Comunicações (que concede outorgas) e o Ministério da Justiça (que faz a classificação indicativa dos programas). Munhoz, da Record, aponta a existência de leis (como a de Imprensa e o Estatuto da Criança e do Adolescente) que punem abusos das TVs.

Outro lado

Sérgio Sá Leitão, assessor especial do Ministério da Cultura, rebate a acusação de intervencionismo no anteprojeto da Ancinav. "É um temor improcedente. Se não houver leis determinando cotas [para filmes nacionais e produções regionais e independentes], a Ancinav não poderá fazê-lo. Não estamos criando cotas, nada que tenha ingerência na grade de programação", afirma.

Leitão afirma que no projeto há, sim, a instituição de um "compromisso público", pelo qual as emissoras apresentariam à Ancinav suas metas de exibição de cinema nacional e de produções regionais e independentes.
"Não existe cheque em branco. A Ancinav irá zelar pelo cumprimento da Constituição e teremos uma lei que define a esfera de atuação da agência", afirma.

O assessor diz também que a taxa de 4% partiu de uma negociação com a Associação Brasileira dos Anunciantes. Os anunciantes, segundo ele, terão benefício fiscal: poderão abater parte do que gastarão com a taxa no Imposto de Renda a pagar. "Nós não tiramos essa taxa do nada", afirma.

Posted by João Domingues at 3:45 PM