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dezembro 16, 2009

Arte e Tecnologia ou Arte Digital?

O campo da arte vem há muito pensando sobre as relações entre técnica e arte. Como não poderia deixar de ser, no campo filosófico essa discussão já dura vários séculos e não tem sido pacífica a convivência entre os defensores da criação submetida às abstrações do gênio criativo, livre de qualquer interferência das ferramentas existente e criadas pelos homens. Por outro lado, também não tem sido muito fácil pensar o que seria o campo da arte sem as interferências, ou sem as manifestações técnicas que o homem criou nos vários séculos em que foi cada vez mais aperfeiçoando equipamentos, máquinas, ferramentas e técnicas para manipular, formatar, formar, adequar e formalizar o mundo. O campo da arte, como sabemos, tem sido quase sempre vinculado a uma forma de representação imune às tentações das técnicas, e não é raro observar afirmações que tentam dizer que a “técnica” é submissa ao “conteúdo” teórico, ou seja, que a “ferramenta” é simplesmente algo neutro, que não interfere nos processos de criação e muito menos imprime algo de suas representações nos objetos ou materiais que cria.

As generalizações no sentido de tentar abordar a tecnologia como instrumento são vastas e inúmeras, e atualmente temos tido dificuldade em encontrar um meio termo, ou um termo comum, para refletir sobre o que é arte e criatividade e até onde vai a interferência da técnica nesse processo de criação. Como alerta Yve-Alain Bois, na apresentação do livro Art & Technology (Arte e Técnica) de Pierre Francastel, temos de ser cuidadosos como Francastel que evitava seguir as teses de Lewis Mumford, que acreditava que a máquina representava uma revelação e, por outro lado, temos de evitar o catastrofismo iniciado por Sigfried Giedion, que segundo Francastel instaura um idealismo em relação à arte e “imagina um homem-padrão eterno, um homem padrão que poderia possivelmente servir como ideal para uma certa América, mas alguém que não poderia nunca ser considerado o rei da criação” . Por outro lado, também temos tido dificuldades em analisar até que ponto os elementos técnicos permitem novas ou outras aproximações representativas e alteram e modificam a percepção artística das representações e dos objetos que nos cercam. A dissociação entre ars e téchne, portanto, se produz em níveis que vão da mais ampla abstração até níveis concretos.

É comum ouvir artistas comparando as ferramentas que utilizam a meras estruturas neutralizadas pelo simples fato de pertencerem a uma esfera “humana”. Em outras palavras, a técnica não pertence ao “espírito” criativo, não habita o espaço do humano e, portanto, não merece ser considerada como algo a ser debatido na esfera da criação artística. Técnicas envelhecem, enrijecem, debilitam e distorcem o espírito do criador, que deve delas se libertar

para fazer representar somente a alma. Esse discurso, que já vem desde Sócrates, que condenou a escrita exatamente por ser uma técnica que “mataria” a “alma” do homem falante e, por conseqüência, o faria viver para sempre em algo que não era seu, ou seja, em e a partir de seus textos, encontra diversas ressonâncias quando transportado para o campo da arte. Arte é um conceito complexo, não é muito simples defini-la nos tempos atuais. Aliás, nunca foi simples definir o que vem a ser um sujeito artístico e nem o que pode e o que não pode ser “enquadrado” no conceito de “arte”.

Inúmeras foram as questões que problematizaram a questão artística, e inúmeras foram as tentativas de tratar do conceito “arte” na esperança de torná-lo domesticado, simplificado e fácil de explicar. Afinal de contas, como definir arte para um leigo, como mostrar o que é arte para alguém nos dias de hoje, como considerar uma representação X uma “obra de arte”, como pensar um processo e formar a partir dele um juízo que o torne também, mesmo sem possuir um objeto, uma obra artística? Essas e muitas outras perguntas podem ser feitas e dificilmente terão respostas simplificadas. Isso porque o século XX foi ousado o suficiente para suspender as certezas em torno das definições simples e tornou complexas as análises que se faziam em torno das representações, objetuais ou não, do campo da arte. Os conceitos artísticos que foram desconstruídos e deslocados na análise da arte sofreram de uma recorrente tentativa de solidificação e de estabilização de suas certezas.

O homem do século XX, e agora do XXI, dificilmente vai conseguir voltar a ter certezas concretas sobre as relações sutis que envolvem as ramificações complexas que formam as bases de sua suposta razão e que o fazem acreditar numa planificação estável de suas crenças. A arte, como não poderia deixar de ser, foi afetada e responde hoje a essas inconstâncias e incertezas. A denominada “arte contemporânea” pode ser considerada uma das formas encontradas para responder e para questionar o que se observa na atualidade. A diluição do objeto, por exemplo, que se observa em obras que são simplesmente performances ou metatextos, instruções ou processos subjetivos que constituem experiências, servem para questionar e ressignificar processos de entendimento das certezas solidificadas, generalizantes e pouco complexas. Como qualificar uma “instalação” como artística? Onde está o “valor” do objeto, tão caro nos séculos anteriores? Como promover uma circulação de obras que só existem na incorporação de sujeitos reunidos em torno de um “processo” inventivo criado por um artista? As respostas a essas questões não são óbvias e não pretendemos responde-las aqui, até porque seria um contra senso com os tempos atuais tentar dar respostas fechadas e fáceis ao que se observa no cotidiano. Contudo, existe uma necessidade de se pensar no que acontece não estando de “fora” do processo, mas sim no processo em si quando falamos de processos artísticos nos tempos da cultura computacional.

¹Yve-Alain Bois em Pierre Francastel, Art & Technology, Nova Iorque, Zone Books, 2000, p. 8.


Texto retirado do Relatório da Curadoria de Arte Digital - Cícero Inácio da Silva

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Posted by Emerson Fernandes at 8:49 AM