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dezembro 11, 2006

"Uso da internet está fora de controle", afirma criador da rede, entrevista de Vinton Cerf a Juliana Carpanez

"Uso da internet está fora de controle", afirma criador da rede

Entrevista de Vinton Cerf a Juliana Carpanez, originalmente publicada na seção G1 do Globo online, no dia 11 de dezembro de 2006

Em entrevista ao G1, Vinton Cerf alerta que dados colocados na web são "inapagáveis", criando desafios para preservação da privacidade

Hoje, o uso da internet não é passível de controle e é impossível manter a privacidade depois que alguém coloca informações na rede - uma vez lá, ela nunca mais sai, por mais que o internauta insista em apagá-la. O diagnóstico é de ninguém menos que Vinton Cerf, 63, o vice-presidente do Google, que também ostenta o estranho cargo de Diretor Evangelista da empresa, e é conhecido como pai da internet.

"Os jovens são muito abertos à idéia de dividir suas informações on-line", disse Cerf em entrevista ao G1. "Conforme eles forem ficando mais velhos, podem se arrepender de ter colocado algumas informações e seus pensamentos jovens na internet. E esses dados podem nunca mais desaparecer, mesmo se forem retirados dos sites originais."

O norte-americano recebeu o título não-oficial de "pai da internet" por ter participado da criação do protocolo TCP/IP, que possibilita a conexão entre computadores. Cerf também é conhecido por defender a criação de uma internet interplanetária até 2010. Em projeto realizado junto ao Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, ele trabalha para padronizar protocolos utilizados na comunicação espacial - isso possibilitaria que as pessoas na Terra recebessem dados de veículos espaciais, como aqueles que exploram Marte.

Bem-humorado, Cerf afirma ser apenas um dos pais da internet. "Os projetos de sucesso têm muitos pais, enquanto aqueles que fracassam ficam órfãos", brinca o especialista que também participa da diretoria da Corporação da Internet para Nomes e Números Designados (Icann, na sigla em inglês). Em seu currículo constam a Medalha Nacional de Tecnologia (concedida em dezembro de 1997 pelo presidente Bill Clinton), um prêmio ACM Alan M. Turing (considerado o "Nobel da Ciência da Computação", recebido em 2004) e uma Medalha Presidencial da Liberdade (concedida em 2005, pelo presidente George W. Bush).

A seguir, trechos da conversa que Cerf teve com o G1 em São Paulo, onde participou na semana passada do evento Icann Meeting, organizado pelo Comitê Gestor da Internet.

G1 - O senhor é o Diretor Evangelista de Internet do Google, provavelmente a única pessoa a ter esse cargo. Pode definir exatamente o que faz?

Vinton Cerf - Quanto tempo você tem (risos)? Esse é um título que o Sergey Brin e Larry Page [fundadores do Google] inventaram e acabou pegando. Eles me perguntaram que título eu queria e disse que gostava de "arquiduque", mas então alguém me lembrou que o último arquiduque foi assassinado na Primeira Guerra Mundial (risos). No Google, eu tenho a missão de continuar aquilo que venho fazendo nos últimos 30 anos: falo sobre a construção da internet e incentivo as pessoas a usá-la. Por isso, ganhei o cargo de evangelista. Passo muito tempo conversando com empresas que têm tecnologias interessantes, visito centros de Pesquisa e Desenvolvimento do Google e também vou a universidades para recrutar engenheiros e cientistas da computação. É uma variedade muito grande de atividades que me mantêm viajando cerca de 85% do meu tempo. Nunca estou em casa, nem no escritório.

G1 - E não é cansativo falar tanto sobre um mesmo assunto?

Cerf - Não, porque a internet está sempre mudando. Há sempre novas aplicações, novas idéias, novos modelos de negócio. Gosto muito de falar sobre o assunto, porque nunca é a mesma coisa, há sempre algo novo e fresco. O fato de ter um bilhão de pessoas conectadas à rede indica que um bilhão de pessoas podem ter idéias, elas estão livres para fazer isso sem pedir autorização.

G1 - O senhor consegue acompanhar tantas mudanças?

Cerf - A internet está mais dinâmica agora e fica mais difícil de acompanhar. São muitas aplicações, softwares... as pessoas sempre inventam coisas novas. No início, os textos e imagens eram estáticos. Agora, quando entramos em uma página, nosso navegador é convidado a puxar um software. De repente, seu computador está fazendo algo que não sabia como fazer antes, porque baixou um software. Isso pode ser bom, mas também é ruim. Pessoas mal-intencionadas podem induzir os computadores dos internautas a fazer coisas ruins, como apagar informações do disco rígido ou atacar sites. Isso preocupa, porque muitas pessoas abusam de sua capacidade de controlar um grande número de computadores para fazer coisas desse tipo. Para encontrarmos o equilíbrio em um ambiente tão aberto, temos de construir melhores aplicações e melhores sistemas operacionais, que não sejam dominados tão facilmente. Além disso, podemos desenvolver defesas contra esse tipo de abuso e punir as pessoas que cometem esses crimes, com multas e detenções.

G1 - Falando ainda sobre o aspecto negativo, o que o senhor não gosta na internet? O senhor criou uma ferramenta bastante útil, mas....

Cerf - ... mas as pessoas também a utilizam para fazer o mal. O spam [mensagens não-solicitadas] é muito irritante. E, em alguns casos, ele consome recursos caros, principalmente daquelas pessoas que ainda pagam por minuto para acessar a internet. Os ataques de negação de serviço [com os quais computadores controlados remotamente tiram sites do ar], por sua vez, são cruéis. E os problemas encontrados na internet mudaram. Antes eram jovens que queriam mostrar o que podiam fazer, modificavam o conteúdo de sites, mostravam caras feias nas páginas invadidas. Hoje há pessoas que são pagas para interceptar a comunicação de outras. Empresas tentam roubar informações de seus concorrentes, há a violação dos direitos autorais, difamação, esse tipo de coisa. Não estou feliz com isso, mas reconheço que é muito difícil controlar esses problemas se quisermos manter um ambiente tão livre. Temos de aprender a lidar com esses desafios, mas a solução não é simplesmente acabar com a rede. É necessário identificar aqueles que destroem e também construir defesas.

G1 - E o que realmente funciona na internet, aquilo que lhe deixa orgulhoso?

Cerf - Podemos comparar o que fiz com a construção de um grande sistema rodoviário. Eu não desenvolvi os carros. Outras pessoas fizeram isso e, conforme seguiram as regras desse sistema rodoviário, foram criando novos serviços: o posto de gasolina, a loja de conveniência. Levando isso para o mundo da internet, minha estrada ajudou a construir um sistema de transportes, padronizá-lo e convencer as pessoas de que deveriam usá-lo. Fico orgulhoso em saber que esse é um fenômeno mundial e acessível para um número muito grande de pessoas.

G1 - Mas conforme esse sistema cresce, aumenta a necessidade da seleção do conteúdo...

Cerf - Com a World Wide Web, Tim Berners-Lee [desenvolvedor da web que conhecemos hoje] criou uma avalanche de informações na rede de computadores. Muitas delas são realmente úteis, enquanto outras não valem nada. No entanto, fico feliz quando realizo uma busca e consigo encontrar aquilo que procuro. Ainda fico surpreso quando acho algo em particular e vejo que alguém se deu ao trabalho de colocar aquela informação na internet. A Wikipedia é um bom exemplo disso, apesar de eles terem criado uma ferramenta para moderar conteúdo, porque as pessoas mudavam dados dos quais discordavam. A quantidade de informação que está sendo trocada na internet é absurdamente benéfica.

G1 - Falando em colaboração, gostaria que o senhor comentasse o fenômeno das redes sociais, como MySpace e Orkut, que mantêm uma quantidade enorme de pessoas conectadas.

Cerf - É um fenômeno muito interessante, que representa o que a internet tem de melhor: reunir as pessoas em grupo para elas dividirem os interesses que têm em comum. Sites como o MySpace e o Facebook são desenvolvidos para que os usuários compartilhem informações sobre elas mesmas, seus interesses ou o que elas vêm fazendo. Mas esse tipo de cultura tem um futuro imprevisível, porque os jovens de hoje são muito abertos à idéia de trocar informações. Conforme eles forem ficando mais velhos, podem se arrepender de ter colocado seus pensamentos jovens na internet. E esses dados podem nunca mais desaparecer, mesmo se forem retirados dos sites originais. Pode ser um problema de geração, e os jovens provavelmente vão aprender que deveriam pensar com mais cuidado sobre o que tornam público. Futuramente, as pessoas vão perceber que deveriam ter guardado certas informações para elas. Elas não pensam no fato de que, quando algo está no computador, pode ser reproduzido e distribuído. Conforme o tempo for passando, as pessoas vão aprender a lidar com os efeitos colaterais do uso da internet.

G1 - Um estudo recente mostra que 43% dos internautas ligados a redes sociais consideram seus contatos virtuais tão importantes quanto os reais. O que o senhor acha disso?

Cerf - Bom, eles são pessoas reais de todo jeito (risos). O fato de você interagir com pessoas no universo virtual não significa que elas não sejam reais. Mesmo nos jogos de RPG on-line [nos quais usuários controlam personagens que interagem], trata-se de pessoas reais atrás de avatares. Existe uma preocupação procedente de que as pessoas podem se envolver tanto com o ambiente virtual que prefiram esta alternativa ao mundo real. Mas estamos falando dos extremos. No geral, não vejo esses jogos on-line como mais perigosos do que os de tabuleiro ou brincadeiras em que as crianças se vestem com as roupas dos pais.

G1 - A última pergunta, porque não há como fugir dela: qual será o futuro da internet?

Cerf - Mais mobilidade, mais banda larga e vamos sair do planeta, construindo uma rede interplanetária.

Posted by João Domingues at 4:35 PM