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julho 3, 2006
TV Digital: Governo comete erro histórico, carta aberta do Intervozes
TV Digital: Governo comete erro histórico
Carta aberta do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, originalmente publicada no sítio da entidade
Em virtude do anúncio do padrão tecnológico a ser adotado pelo Brasil, a Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital vem a público expor à sociedade brasileira a seguinte Carta Aberta.
Representação para o Ministério Público Federal
Exmo. Sr. Sérgio Suiama
Procurador Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal
Ilustríssimo Senhor,
O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, associação civil sem fins lucrativos, com sede na rua HIGS-707, Bloco R - Casa 54, em Brasília, Distrito Federal, neste ato representado por Celso Augusto Schröder, representante legal da referida entidade, o Intervozes, Coletivo Brasil de comunicação Social, entidade civil sem fins lucrativos, com sede na rua Heitor de Souza Pinheiro, 300, São Paulo, SP, neste ato representado por Márcio Kameoka, representante legal da referida entidade, a Associação de Entidades do Canal Comunitário de TVs por Assinatura do Rio de Janeiro, entidade civil sem fins lucrativos, CNPJ 03.105.610/0001-48, com sede na rua Joaquim Silva 56, 9ºandar, Rio de Janeiro, RJ, neste ato representado por Sílvio Sinedino Pinheiro, infra- assinado; e a Associação das Entidades Usuárias de Canal Comunitário no DF, entidade civil sem fins lucrativos, CNPJ 03.006.470/0001-70, com sede na SIG Quadra 2 Lote 430, Brasília, DF, neste ato representado por Paulo Miranda, infra-assinados, vem à presença de V. Exa. apresentar REPRESENTAÇÃO, com base nos artigos 5º, 6º, 215 127 e 129, incisos II e III da Constituição Federal, bem como nos dispositivos contidos no artigo 3º, 4º, parágrafo 1º, 5º, inciso VIII e 23º, inciso I da Lei 8977/95, requerendo desde já que o Ministério Público tome as providências necessárias para que a empresa NET Serviços de Comunicação transmita os canais básicos de utilização gratuita, obrigatório por Lei, pelos motivos a seguir expostos.
A NET Serviços de Comunicação iniciou nos últimos meses o processo de digitalização de seus serviços nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, que consiste em trocar o "codificador" na residência dos usuários. O que se observa, porém, é que no novo sistema digital não são mais transmitidos os canais básicos de utilização gratuita, até então disponíveis e obrigatórios por Lei. Além de afrontar o direito do consumidor, o qual cabe ao Estado defender (art 5º da Constituição Federal), por retirar dele o direito ao acesso de canais antes presentes e garantidos por lei, a retirada do acesso aos canais básicos de utilização gratuita afronta diretamente a Lei 8.977/95 (Lei do Cabo), que determina, em seu artigo 23, inciso I, que a operadora de TV a Cabo, na sua área de prestação do serviço, deverá tornar disponíveis canais básicos de utilização gratuita, que é "o conjunto integrado pelos canais destinados à transmissão dos sinais das emissoras geradoras locais de TV em circuito aberto, não codificados, e pelos canais disponíveis para o serviço", conforme definição da própria lei, no inciso VIII do seu artigo 5º.
Tal obrigatoriedade está de acordo com o art. 3º da referida lei, que estabelece que "o serviço de TV a Cabo é destinado a promover a cultura universal e nacional, a diversidade de fontes de informação, o lazer e o entretenimento, a pluralidade política e o desenvolvimento social e econômico do País". Importante ressaltar que tal previsão acompanha a Constituição Federal, que, entre seus direitos fundamentais, assegura o direito ao acesso à informação (artigo 5º) e à educação (art 6º) e, mais especificamente, em seu artigo 215, estabelece que "o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais".
São canais básicos de utilização gratuita, conforme artigo 23, inciso I da Lei 8.977/95: a) canais destinados à distribuição obrigatória, integral e simultânea, sem inserção de qualquer informação da programação das emissoras geradoras locais de radiodifusão de sons e imagens, em VHF ou UHF, abertos e não codificados, cujo sinal alcance a área do serviço de TV a Cabo e apresente nível técnico adequado, conforme padrões estabelecidos pelo Poder Executivo; b) um canal legislativo municipal/estadual, reservado para o uso compartilhado entre as Câmaras de Vereadores localizadas nos municípios da área de prestação do serviço e a Assembléia Legislativa do respectivo Estado, sendo o canal voltado para a documentação dos trabalhos parlamentares, especialmente a transmissão ao vivo das sessões; c) um canal reservado para a Câmara dos Deputados, para a documentação dos seus trabalhos, especialmente a transmissão ao vivo das sessões; d) um canal reservado para o Senado Federal, para a documentação dos seus trabalhos, especialmente a transmissão ao vivo das sessões; e) um canal universitário, reservado para o uso compartilhado entre as universidades localizadas no município ou municípios da área de prestação do serviço; f) um canal educativocultural, reservado para utilização pelos órgãos que tratam de educação e cultura no governo federal e nos governos estadual e municipal com jurisdição sobre a área de prestação do serviço; g) um canal comunitário aberto para utilização livre por entidades não governamentais e sem fins lucrativos.
Impossível não se observar, dado o caráter dos canais básicos de utilização gratuita, a preocupação com a difusão de informações socialmente importantes, como o funcionamento do próprio Estado, além de atuar no sentido de garantir o acesso às fontes da cultura nacional e à educação, em sintonia com a previsão constitucional. Ao entrar em contato com o serviço de atendimento ao assinante para pedir esclarecimento, Diogo Moyses Rodrigues, assinante da NET, obteve a resposta de que a transmissão digital se trata de um novo serviço da NET, por isso os canais básicos de utilização gratuita não estariam disponíveis. Sobre isso, ressaltamos que a Lei 8.977/95 não se refere a serviço de "TV a cabo analógica", mas apenas a "TV a cabo", ou seja, a obrigatoriedade da difusão dos canais básicos de utilização gratuita independe do sistema ser digital ou analógico.
Uma vez que Diogo Moyses Rodrigues insistiu em obter uma solução à situação, cobrando o acesso aos referidos canais, foi informado de que esses poderiam ser assistidos se o cabo fosse desconectado do terminal de acesso e ligado diretamente à televisão. Desnecessário observar a inviabilidade desse sistema, uma vez que exigir que os assinantes fiquem modificando a conexão do cabo para ter acesso aos canais básicos de utilização gratuita não é razoável, principalmente se observarmos que a maior parte da população não sabe como fazer isso, ou sequer sabe ser isso possível.
Além disso, uma vez que o estabelecimento de canais básicos de utilização gratuita pela legislação pretende garantir o acesso desses canais à população pela sua importância social, há que se garantir que a difusão dos mesmos se dê em igualdade de qualidade e facilidade de acesso com relação aos demais canais, sob pena de não se atingir o objetivo buscado. E, evidentemente, se para assistir aos canais básicos de utilização gratuita o telespectador tiver que mudar os cabos da sua televisão, essa igualdade não existirá.
Segundo matéria jornalística publicada no boletim eletrônico denominado e-Fórum (http://www.fndc.org.br/internas.php?p=noticias&cont_key=54658), "para a NET, não há irregularidade alguma. 'A lei diz que nós precisamos entregar o sinal, mas não especifica como', explica o representante da operadora no Rio Grande do Sul, Hamilton Silva. 'Os canais estão sendo entregues, ainda que em sinal analógico', complementa o executivo. O diretor explica que o processo de digitalização obrigou a empresa a retirar alguns canais, pois não havia espaço na rede para todos. 'Era preciso liberar freqüências para a entrada de outras emissoras', diz." Pelo exposto, requeremos se digne V. Exa. a tomar as medidas judiciais necessárias ao combate desse descaso para com o direito ao acesso à informação, à cultura e à educação, direitos dos cidadãos brasileiros afrontados pelo descumprimento, pela empresa NET Serviços de Comunicação, do disposto na Lei 8.977/95 referente à obrigatoriedade da difusão dos canais básicos de utilização gratuita pelas empresas prestadoras de serviço de TV a cabo. Esperamos que a empresa seja obrigada a oferecer esses canais também pelo sistema digital e que a mesma seja responsabilizada, nos termos do artigo 39 e seguintes da Lei 8.977/95, pelo descumprimento da referida lei.
São Paulo, 20 de junho de 2006.
Celso Augusto Schröder
Representante do FNDC
Márcio Kameoka
Representante do Intervozes