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abril 7, 2006

TV Digital: Entidades formam frente nacional para intervir na definição, por Jonas Valente

TV Digital: Entidades formam frente nacional para intervir na definição

Matéria de Jonas Valente, originalmente publicada na Carta Maior, seção Direitos Humanos, no dia 6 de abril de 2006

Enquanto o comitê de desenvolvimento do governo que trata da definição do padrão da TV Digital não apresenta o seu relatório, organizações da sociedade civil sacramentam a criação da Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital.

BRASÍLIA - Segmentos interessados na discussão da TV Digital resolveram se movimentar com a freada do processo de definição acerca do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD). Esperado para a última quinta-feira (30), o relatório do Comitê de Desenvolvimento sob coordenação do governo federal não foi apresentado e não há previsão para qualquer decisão final, principalmente no que diz respeito ao esperado anúncio do padrão tecnológico do SBTVD.

A resposta imediata das emissoras veio com um anúncio de página inteira defendendo explicitamente o padrão japonês e cobrando rapidez do governo. Por seu turno, um conjunto de organizações da sociedade civil aproveitou o novo adiamento do Planalto para consolidar uma articulação nacional com vistas a fortalecer sua intervenção no processo.

Em seminário na Câmara dos Deputados na última terça-feira (5), cerca de 30 movimentos sociais, organizações não-governamentais (ONGs), coletivos e sindicatos criaram a Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital.

Em sua carta de lançamento, a Frente promete defender que a implantação da TV Digital no País sirva para "impulsionar um projeto soberano e democrático de país garantindo direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal". Para que isso seja possível, segundo os presentes, o primeiro desafio é lutar para que o Governo não tome nenhuma decisão e abra o debate para o conjunto da sociedade. Somente assim, avaliam, será possível para as diversas parcelas da sociedade opinar sobre esta que será uma das maiores decisões do Brasil nos próximos anos. "Se o governo optar por uma decisão açodada, prevalecerá o interesse dos grupos comerciais de mídia que sempre dominaram este setor constituindo um dos mais fortes monopólios políticos, econômicos e culturais do Brasil", afirma Ivan Moraes Filho, do Centro de Cultura Luís Freire e da CRIS Brasil - Articulação Nacional pelo Direito à Comunicação.

Segundo James Gorgen, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o governo não pode tomar qualquer decisão sem colocar em consulta público os relatórios produzidos ao longo do último ano pelas instâncias do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), sobretudo o documento "Modelo de Referência", que sistematiza as inovações produzidas pelos por universidades e institutos de pesquisa a partir de financiamento público. "Foi feito um estudo que precisa ser debatido pela sociedade. Além disso, o governo precisa fazer uma campanha de esclarecimento sobre a TV Digital para que a sociedade tenha um mínimo de informação para opinar sobre este processo".

O adiamento, para Michelle Prazeres, do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, é necessário também para que se inverta a ordem da discussão. "Precisamos virar o jogo e discutir o modelo de TV Digital, incluindo os serviços, o financiamento e a produção que queremos, antes de definir os padrões a serem adotados, porque a tecnologia deve estar a serviço de um projeto político. Para isso, precisamos fazer o debate nos âmbitos político e social e tirá-lo do âmbito tecnológico e econômico, que é o que tem sido feito até então". De acordo com a carta de lançamento da Frente, este modelo deve ser baseado em tecnologia brasileira, valorizar a indústria nacional, democratizar a mídia e incluir novos atores no cenário de programadores e promover de forma democrática e ampla a apropriação social das novas tecnologias da comunicação, sendo baseado em um marco regulatório que prepare a nação para os desafios da convergência tecnológica.

As organizações pretendem apresentar propostas para que o modelo de TV Digital a ser adotado no país corrija erros históricos e contribua para mudar o cenário das comunicações no País por meio de debates amplos. Na avaliação de Geraldo Moraes, do Congresso Brasileiro de Cinema, a radiodifusão brasileira é caracterizada hoje por uma grande concentração, com poucas empresas tendo acesso à produção de informação e ao financiamento para esta atividade. "As emissoras veiculam o que produzem e o que importam, não dando espaço à produção independente". Esta represa criativa gera um quadro no qual 45 filmes longa-metragem são produzidos hoje no país sendo que apenas 15 são exibidos no circuito cinematográfico oficial e quase nenhum chega a ser exibido na televisão.

A implantação da TV Digital é a oportunidade de mudar este cenário, enfatizou Michelle, do Intervozes. "Temos a chance de pela primeira vez cumprir a Constituição Federal de 1988 quando ela diz que deve haver nas concessões complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal", afirmou, fazendo referência ao fato de que quase 90% das emissoras de rádio e TV no Brasil são comerciais e que não existe um sistema público de comunicação no País. "Se há um processo de mudança para um novo meio, por que manter o mesmo modelo antidemocrático de distribuição de concessões", questionou Berenice Mendes, integrante do Conselho de Comunicação Social em uma das cadeiras da sociedade civil.

Na opinião de Ivan Moraes, as possibilidades de compressão da informação e a conseqüente abertura no espectro eletromagnético (pelo espaço em que trafegam os sinais de rádio e TV) de espaço para mais canais possibilitaria a democratização dos produtores de conteúdos, criando meios públicos, trazendo para a TV aberta emissoras como Câmara e Senado e ampliando os atores privados, principalmente aqueles sem fins lucrativos, com possibilidade de transmitir informação e cultura para o povo. "A comunicação é um direito humano. Mas não é só assistir, mas também poder produzir e veicular conteúdo. Assim, não é aceitável que este direito seja violado para garantir o lucro das emissoras comerciais", comenta.

Na análise dos presentes, a proposta das emissoras significa manter a TV Digital, que tem potencial de ser um novo meio de comunicação multimídia totalmente diferente da televisão conhecida hoje, na mesma analógica na qual ela se encontra. "Discurso dos radiodifusores é que o melhor padrão é aquele que não muda nada. Mas aproveitar a potencialidade é mudar tudo", defende Moraes. Situação semelhante levantada foi a do rádio digital. Diferente da TV, não foi criado um sistema nacional, tendo o governo apenas liberado testes com padrões digitais para as emissoras. A opção teria sido fruto da pressão das rádios comerciais, que defendem e já estão testando o padrão norte-americano IBOC. Joaquim Carvalho, da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), criticou o descaso do governo na situação do rádio e cobrou que as especificidades brasileiras sejam atendidas. "O IBOC não só não democratiza o espectro como pode inviabiliza a existência de pequenas rádios comerciais e emissoras comunitárias. Mas mesmo assim, e sem existir até agora resultado algum que prove sua eficiência, as emissoras mantêm a escolha por um padrão estrangeiro e desprezam a possibilidade de um sistema brasileiro, que poderia ser melhor".

MOBILIZAÇÕES

Para levar sua posição à sociedade e ampliar a discussão, a Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital irá promover uma série de mobilizações. Um primeiro ato será organizado no Fórum Social Brasileiro, que acontece em Recife de 20 à 23 deste mês. Após o evento, as organizações pretendem realizar um dia nacional de debates e mobilizações com atividades, atos, exibição de vídeos e conversa com a população. O objetivo é discutir diretamente com as pessoas as propostas para um modelo de TV Digital democrático e desconstruir o discurso das emissoras de TV. Outro evento na agenda é o seminário que a Câmara dos Deputados pretende realizar ainda este mês sobre o tema. "Iremos discutir em todos os lugares, do Palácio do Planalto ao assentamento. A TV e o rádio digital é uma questão de soberania nacional", diz Michele Prazeres. Resta saber se o adiamento da decisão promovido pelo governo é apenas uma pausa estratégica para acertar melhor pontos da negociação com um dos padrões estrangeiros ou poderá ser aproveitada para que a sociedade organizada consiga entrar efetivamente no processo.

Posted by João Domingues at 10:34 AM