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dezembro 13, 2005
Riqueza Poética Versus Dependência Tecnológica, por Sandra Fachinello
Riqueza Poética Versus Dependência Tecnológica
Sandra Albuquerque Reis Fachinello (MESTRANDA); Yara Rondon Guasque Araujo (ORIENTADORA); UDESC; CEART; PPGAV-Mestrado em Artes Visuais
A arte produzida com meios digitais, nomeada arte digital, envolve questões complexas suscitadas pela especificidade dos meios digitais. Estas questionam os modos de produção, de exibição, de distribuição, de apreciação estética e de autoria. A autoria abrange a patente industrial e o direito autoral; o software proprietário e o livre. Enfim são questões que vão desde as possibilidades poéticas exploradas ao domínio da linguagem tecnológica.
Os participantes do sistema de produção da arte digital, que aqui nomeio como agentes e organismos de gerenciamento, são eles: artistas, instituições (públicas e privadas) e o público. Os artistas são os indivíduos, com seus projetos e produções efetivadas - uns mais e outros menos dotados de conhecimento em linguagem de programação e ferramentas em geral; as instituições são compreendidas como as empresas que produzem, desenvolvem e distribuem os equipamentos e os programas - incluindo os programadores e analistas, assim como os museus, galerias e mídias responsáveis pela divulgação das poéticas, sendo aqui representadas pelos curadores; e em terceiro está o público como agente que se relaciona com as poéticas apresentadas - de forma mais ou menos interativa.
Examinando a poética dos artistas que atuam no campo das artes digitais podemos nos perguntar: O que "determina" a escolha por parte do artista de um ou outro hardware? De um, ou outro, software? A escolha das ferramentas acontece devido ao acesso às máquinas/ferramentas e sua disponibilidade? Ou será pelo custo de compra e manutenção? Ou ainda pelo conhecimento da ferramenta? Como se dá a relação entre os produtores de software e hardware e os artistas? Quais os critérios adotados pelos museus e curadores para determinar a escolha das exposições? O uso de hightech ou lowtech acaba sendo um parâmetro?
Estas são algumas das questões que nascem no sistema da arte computacional. As relações que surgem da produção dos participantes deste sistema determinam não só a riqueza poética mas também levantam a discussão sobre a dependência tecnológica dos circuitos periféricos em relação ao eixo de "especialistas" computacionais que produzem os hardware e software.
Um dos dilemas por parte dos artistas é a escolha do hardware e do software. O hardware envolve a compra de máquinas e equipamentos, muitas vezes de alto custo. Uma das possibilidades é a vinculação com programas de pesquisa de instituições, porém os financiamentos estão cada vez mais escassos e na sua maioria não cobrem altos valores. Outra possibilidade é a compra através da "economia informal", o que acarreta num ato ilícito. Com relação ao software, este pode ser livre ou não-livre, e ainda aberto ou fechado. A "liberdade" do uso do software consiste em: a) utilizar sem a necessidade de pagamento quanto ao domínio - o artista utilizar o software sem a necessidade de manutenção de licença; b) "baixar" da Internet alguns dos programas disponíveis, de forma "legal"; c) comprar o programa, quando não-livre; e d) usar de cópias ilegais e baratas. Outra escolha por parte do artista é a utilização de programas e de linguagens que permitem, ou não, a abertura para possibilidades de mudanças na programação. Seja qual for o caminho escolhido para a produção da arte digital o processo poético desenvolvido pelo artista depende da ferramenta escolhida e de seu conhecimento sobre o meio escolhido.
Aliada a questão poética está a dependência tecnológica, que recai, e muito, nos objetivos alicerçados pelos agentes. Como nos diz Barbieri "As empresas fornecedoras sempre que puderem irão utilizar todos os expedientes possíveis para dificultar o domínio da tecnologia por parte dos receptores, para que estas fiquem completamente dependentes de seu fornecimentos"(BARBIERI, 1990: 134). Esta relação de dependência tecnológica ainda é ampliada pela "uniformidade" de ferramenta, o que nas palavras de Jorge La Ferla tem início nos anos 80 "com o surgimento no mercado de equipamentos para configuração e edição de vídeos digitais". Com o surgimento desse mercado segundo La Ferla iniciou-se um processo irreversível de inovação tecnológica que foi o primeiro passo à uniformização de todos os suportes digitais, quase sempre a partir das mesmas marcas e programas."(LA FERLA, 2005) O autor ainda comenta criticamente a relação de dependência que existe, pois pouco "se pode esperar do poder político e das empresas, que não têm a responsabilidade de fomentar e exibir produtos audiovisuais de qualidade, e que foram produzidos com um fim exclusivamente artístico."
Segundo o artista multimídia Hermes Hildebrand (2005), participante do SCIarts, a dificuldade de acesso às tecnologias está além da questão do valor, pois estas ferramentas não são produzidas especificamente para o uso artístico. O grupo, que discute a convergência da arte e da ciência, ao adquir no mercado alguns produtos para sua produção poética tem dificuldade de que as empresas "entendam o objetivo da compra".
Outra dificuldade apontada é o monopólio detido por determinada empresa e a dependência do que é produzido (programação e máquinas) e do conhecimento (uso e exploração) que cai numa "bola de neve", pois quanto mais ficamos dependentes de comprar o que é produzido por outros e para outros fins, mais dependentes somos da assessoria, da manutenção e da atualização. Esta questão faz com que alguns artistas priorizem os software livres, porém o conhecimento da ferramenta e da linguagem de programação destes também é necessário. O grupo SCIarts opta por programas e linguagens "mais abertas" que se adequem ao projeto inicialmente pensado, e que permitam a interação. Embora a realidade aponte para uma centralização do domínio em pesquisa e desenvolvimento de hardware e software, existem questões poéticas, tão importantes na "periferia" quanto no eixo central, pois mesmo convivendo com a dependência tecnológica, a produção dessa periferia exibe uma riqueza, em termos de conceitos que extrapola a reprodução da lógica da produção do hardware e do software.
Segundo Tânia Fraga (2005), artista e pesquisadora da Unb, os artistas que decidem explorar o campo da "arte da programação" estão numa situação extremamente difícil, são aventureiros, que intuem o enorme potencial ainda inexplorado que o campo oferece, enfrentam os desafios que se apresentam e estão procurando descobrir novos horizontes de pesquisa para o campo das artes. Segundo Hildebrandt (2005), o 3º mundo utiliza o que "sobra", e isto faz com que o aprofundamento poético seja muito maior do que nos países de 1º mundo, pois temos, por necessidade, que explorar profundamente. Para Tania Fraga a experimentação direta com as linguagens computacionais - que não foram concebidas visando à criação de produtos artísticos - possibilita ao artista delas apropriar-se antropofagicamente, permitindo-lhe degluti-las e transformá-las (FRAGA, 2005).
Aos olhos dos artistas, os curadores e os "seus critérios", embarcam no que Eugênio Trivino (apud MIGUEL, 2002:185) chama de "tecnoburocracia da interatividade", que existe numa sociedade que é seduzida por rótulos conceituais utilizados pela indústria da interatividade. Ao comentar algumas curadorias e posturas institucionais, La Ferla critica a "predominância dos instrumentos digitais em todos os processos produtivos, bélicos, espaciais, midiáticos e medicinais e a pseudoglobalização do mercado (audiovisual incluído)". O autor aponta ainda que essa predominância "gerou uma dramática homogeneização de certos parâmetros na produção e curadoria artística", terminando por afirmar que "um vazio ideológico difícil de dissimular foi ganhando espaço sob o eufemismo das novas tecnologias." (LA FERLA, 2005).
As questões aqui levantadas e discutidas brevemente estão no centro do sistema de produção da arte digital, e remetem à riqueza poética e a dependência tecnológica que envolve artistas, instituições e público.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBIERI, José Carlos. Produção e transformação de tecnologia. São Paulo: Ática, 1990.
____. A arte do código. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2014&cd_materia=641. Acesso em 23/9/2005.
HILDEBRAND, Hermes. "ATRATOR POÉTICO: interface entre Arte, Ciência e Tecnologia". Palestra 22 de setembro, às 18:00h. Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, PPGAV-Mestrado. CEART, UDESC.
LA FERLA, Jorge. videoarte em transe. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2014&cd_materia=664. Acesso em: 03/09/2005, 13:45.