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setembro 13, 2004
Realidade expandida
Festival Ars Electronica antecipa tendências de arte digital
Matéria publicada originalmente na Folha Ilustrada da Folha de São Paulo no domingo, dia 12 de setembro de 2004.
Ed Ward, do "New York Times", com tradução de Paulo Migliacci.
Vinte e cinco anos atrás, um festival de música eletrônica e conferência chamado Ars Electronica foi acrescentado às celebrações locais de Anton Bruckner, compositor natural de Linz (Áustria). De lá para cá, o foco do festival se ampliou, e o evento se tornou um importante fórum para a media art, que emprega a tecnologia muitas vezes de forma interativa.
Desde 1987, o evento concede o Prêmio Ars Electronica para arte interativa, animação computadorizada, música digital e web art. Neste ano, a categoria "comunidade digital" também foi premiada. Todas categorias compartilharam um total de US$ 121 mil em prêmios.
Para o festival deste ano, que aconteceu entre 2 e 7 deste mês, a organização do Ars Electronica optou por explorar os próximos 25 anos da media art e, ao mesmo tempo, celebrar alguns de seus maiores sucessos passados.
Aquilo que começou como um gênero canhestro parece ter ganhado confiança. Por exemplo, o principal prêmio para a arte interativa foi dado a "Listening Post", dos americanos Mark Hansen e Ben Rubin. O projeto envolve 231 pequenas telas montadas em uma grade. Um computador vasculha salas de bate-papo e fóruns de mensagens e exibe os resultados, enquanto um sintetizador de voz lê alguns dos textos.
O ciclo começa sua varredura pela frase "eu sou", que depois é ampliada: "Eu sou turco. Eu sou fã dos Beatles. Eu sou da opinião de que você está certo". As frases são lidas uma vez, enquanto os escritores, cujas identidades continuam ocultas, revelam quem são, possivelmente mentindo, ao som de música eletrônica. Quando a maior parte das telas está ocupada, elas escurecem, e uma varredura em tempo real das identidades dos usuários é exibida.
A seguir, surgem fragmentos de texto que permanecem nas telas por apenas um instante, logo substituídos por novas informações, lidas em voz alta. Já que cada texto exibido foi postado apenas alguns segundos antes, os espectadores jamais vêem a mesma "arte" duas vezes.
Muitas das peças envolvem participação do espectador. Um trabalho muito popular foi "Messa di Voce", dos americanos Golan Levin e Zachary Lieberman. O usuário se aproxima de uma projeção, lançando uma sombra sobre um entre três possíveis fundos, e emite um som captado por um microfone. A sombra é cercada por uma linha, que pode ser manipulada por meio de movimentos de braços ou da emissão de sons diferentes.
O porão do novo museu Lentos exibe algumas das obras premiadas em salões passados, e elas ocasionalmente revelam muito sobre os perigos da media art. Os fãs desse tipo de arte costumam brincar dizendo que cada exposição precisa ser visitada diversas vezes, não só para repetir a experiência artística mas também para ver tudo funcionando como deveria pelo menos uma vez.
O Ars Electronica Center foi construído em 1996 para exibir, documentar e arquivar media art. Tornou-se tão popular que costuma lotar nos finais de semana.
A maior parte dos trabalhos exibidos no centro tem espírito brincalhão. "La Pate a Son", uma tela com uma grade na qual se pode instalar tubos e ventoinhas excêntricos, move bits de melodia eletrônica pelo aparelho, como se fosse "uma fábrica de canções".
Até mesmo o chá é interativo, aqui: Hisako Yamakawa criou uma máquina de chá na qual a pessoa coloca uma moeda de um euro. Uma tela se acende, e a máquina pede que você assine uma promessa de que vai beber todo o chá e gostar; sua assinatura determina qual chá será fornecido.
Música e dança também fazem parte da Ars Electronica. O vencedor do grande prêmio de música digital foi Thomas Koener, com "Banlieue du Vide", uma montagem de três mil fotos de vigilância tiradas em estradas desertas durante uma tempestade de neve. As fotos foram combinadas a sons gravados nas ruas durante o dia.