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setembro 6, 2004

Ars Electronica 2004

Timeshift - O mundo em 25 anos

Patricia Canetti

Escrevo do Ars Electronica 2004, aonde vim parar, juntamente com Ricardo Ruiz do Mídia Tática, como representante da participação brasileira na categoria de Comunidades Digitais. Nossa vinda ao Festival faz parte da curadoria do artista Lucas Bambozzi para o Nokiatrends, que imaginou que a nossa experiência e relatos formariam uma ponte entre esses dois eventos de arte eletrônica.

Então, cá estamos, patrocinados pela Nokia, mergulhados em obras e debates tecnológicos que se concentram no tema do Ars desse ano: Timeshift: 1979 - 2004 - 2029.

Onde estávamos quando tinha início esse Festival de Arte, Tecnologia e Sociedade? Onde estamos agora e onde estaremos em 2029?

(Impossível não entrar num túnel do tempo e me ver voltando da Inglaterra, onde havia passado um ano e meio estudando inglês e fotografia, aterrizando no Centro Universitário de Fotografia - CUF, da PUC-Rio, para dar aulas e na seqüência ser escolhida para coordená-lo. (Deixei-o em 1984, por ter meu interesse verdadeiramente voltado para o campo da arte, apesar da fotografia no Brasil ainda não ser considerada um meio muito próprio.) Em 1979, também se deu o meu primeiro contato com um computador, um Atari. Quando cheguei de viagem, encontrei minha mãe e meu irmão totalmente viciados em Pacman, mas preferi descobrir e entender um pouco de programação. Na época não existiam disquetes, gravávamos os dados em fita cassete. A programação ainda era escrita seqüencialmente, linha por linha, num processo árido e muito chato. Quanto ao túnel do tempo em direção ao futuro, o evento paralelo Language of Networks (Linguagem das redes) - Primeira Conferência e Exposição Interdisciplinar Internacional sobre Redes - está me dando uma idéia para onde me desloco.)

O Ars Electronica acontece em Linz, Áustria, onde o Ars Electronica Center está sediado, a beira do Danúbio, ponto nobre da cidade, que é rodeada por colinas e recheada de igrejas, museus e castelos que datam de 799 em diante. (Mozart viveu aqui em 1783.) Linz é uma bela e calma cidadezinha, aonde estranhamente se pode caminhar a noite por ruas escuras em total segurança.

Voltando ao Festival. Mergulhei nas palestras do Simpósio Timeshift, já que havíamos perdido os dois primeiros dias dedicados ao Language of Networks. O Timeshift dividido em 4 tópicos - Progresso, Ruptura (Disruption), Espírito e Topia - reuniu palestrantes de diversos países e instituições. Ouvimos relatos sobre as promessas da ciência e tecnologia, sobre os seus avanços e equívocos; sobre o sistema global e o indivíduo; sobre a multiplicidade do eu e a unicidade da globalização; relatos apocalípticos e apaixonados, sobre inventividade e audácia em relação à arte, tecnologia e sociedade nos próximos anos.

O tempo que sobra para escrever é curto. As atividades começam às dez e meia da manhã e vão até tarde da noite, mesclando palestras, mostras, concertos, performances e festas. Pela falta de tempo para organizar as idéias, optei em traduzir o trecho final do texto de Peter Weibel, artista austríaco, diretor do ZKM na Alemanha, que faz parte do catálogo do Ars Electronica 2004, cuja palestra foi uma das mais interessantes que assisti.

..."Jean François Lyotard, na sua famosa exposição de 1985 "Les Immatériaux" descrevia essa transição como sendo da materialidade para a imaterialidade. Como significante, essa interpretação era completamente legítima. Sua deficiência era talvez ter registrado essa transformação relacionada com a economia libidinal ao invés da monetária. Afinal, o conceito de imaterialidade não se refere apenas ao momento histórico da dissolução do trabalho de arte como objeto material; vai além disso para demonstrar a mudança de uma economia de trabalho relacionada ao produto para uma economia de trabalho imaterial como as teorias de Toni Negri, Michael Hardt, Maurizio Lazzarato e Paolo Virno demonstraram. A histórica economia da Revolução Industrial foi construída por trabalho material que produzia produtos manualmente ou mecanicamente, produtos que podiam ser trocados por dinheiro. Nesse discurso, produção é a primeira esfera da economia. A nova economia da Revolução da Informação, por outro lado, é baseada em menos escala em produtos de trabalho material e mais em trabalho imaterial de distribuição dos produtos e comunicação de informação. Esses chamados setores secundário e terciário da economia - o serviço e tecnologia da comunicação - tem um importante papel na acumulação global do capital e constituem a atual força impulsionadora da inovação social. Estamos no meio de um processo de transição de uma economia baseada em produto para uma baseada em tempo. A sociedade conectada às redes estabelece as pré-condições para essa economia baseada em tempo, aonde não somos mais remunerados pelos produtos, mas pelo tempo de uso do produto. Ou seja, não vamos mais comprar música no formato de CDs como produtos, mas baixar da Internet e pagar os direitos para ouvi-la (como é com o rádio atualmente).

Os artistas contemporâneos na vanguarda reagem sensivelmente a essas mudanças sociais mudando estruturalmente a maneira de trabalhar e fazendo novas alianças com novos protagonistas. E os artistas também estão mudando os seus trabalhos da produção para a prestação de serviços. Eles também estão atuando mais nos setores secundário e terciário da comunicação, do que no setor primário da produção. A substituição da produção de objetos para as atividades nos campos de ação pode ser atribuída a essa transição. E a mudança da prática artística contemporânea da observação do mundo para a observação da mídia e da comunicação aponta para essa transformação econômica.

Na sua observação da mídia, artistas contemporâneos trabalham com o entendimento de que a mídia não é um mapa que traduz o terreno da realidade e de que a mídia tão pouco se tornou grande e poderosa - como na teoria da simulação de Baudrillard - que ela se sobrepõe e cobre a realidade e que se tornou impossível fazer qualquer diferença entre o mapa (simulação) e a terra (realidade); o ponto de partida é a afirmação de que o mapa constrói a terra e assim a mídia tem um importante papel na construção da realidade. A função da nova mídia lembra a do arco-íris. Eles são difratareis e recombinatórios. Sua composição é parte real, parte ficcional. Eles recombinam elementos subjetivos e objetivos. Eles são imagens recíprocas. O mapeamento da mídia, a expansão das competências artísticas, culturais e interculturais, a extensão da arena da imagem para a arena do espaço da informação global (na arte de redes) constituem as novas práticas da arte de vanguarda das próximas décadas. Artistas trabalham com suas competências interdisciplinares e interculturais".

Sigo agora para o início dos debates sobre "Creative Commons" e Comunidades Digitais, que promete ser interessante, já que nem eu, nem o Ricardo, conseguimos respostas para as nossas questões sobre o equilíbrio do acesso a essas novas regras do jogo. "Common Knowledge", OK, mas comum para quem cara pálida?


Veja o relato e imagens do Ricardo Ruiz no Mídia Tática.


O dia em que a Monalisa virou ciborgue por Ricardo Ruiz.

Posted by Patricia Canetti at 4:31 PM