|
julho 12, 2004
Documento entregue a Lula pela Globo é duro contra teles
Matéria publicada originalmente no site Teletime News, no dia 7 de julho de 2004
O documento com sugestões de "valorização da produção cultural brasileira" entregue pela Rede Globo e pela PUC-SP ao presidente Lula e aos ministros José Dirceu (Casa Civil), Eunício de Oliveira (Comunicações), Juca Ferreira (interinamente ministro da Cultura) e diversas outras autoridades na terça, 6, é um marco na briga territorial entre televisão e empresas de telecomunicações, que tende a se acirrar daqui para frente. Fica clara no documento a maneira com que o maior grupo de mídia do país pretende marcar posição junto ao governo em relação ao avanço das empresas de telecomunicações nos serviços de oferta de conteúdo que podem ser caracterizados como comunicação social.
O documento entregue pela Globo diz que "com o avanço tecnológico as barreiras entre esses dois tipos de empresa (de telecomunicações e de comunicação social) deixaram de existir, sem que a legislação acompanhasse essa nova realidade". Diz ainda que "as empresas de telecomunicação fazem conteúdo à margem do aparato regulatório aplicável às empresas tradicionais de comunicação social". Segundo o documento, as teles veiculam conteúdos produzidos sem qualquer vinculação com a "cultura, a diversidade e as necessidades nacionais e regionais e apenas comprometidas com os hábitos e padrões de consumo dos seus países de origem e a estratégia de negócio de seus controladores". O texto entregue ao presidente cita a evolução da Internet, da banda larga e da telefonia celular e explicitamente diz que "as empresas de telefonia estão usando os seus meios de distribuição para também fazer comunicação social". Tudo poderá ser carregado por uma única infra-estrutura, diz o documento, mas "o problema é que, no Brasil, essa infra-estrutura foi quase completamente desnacionalizada", ressalta o texto.
Problemas na lei
A Globo lembra de vários vácuos legais que há anos são apontados pelos estudiosos de políticas de comunicação. No documento entregue ao governo, o grupo diz que "os marcos legais para a comunicação social, no Brasil, derivam da Constituição de 1988, quando não havia telefones celulares, Internet e fluxo de dados transfronteiras na diversidade e intensidade atuais". Em função disso, diz a Globo, a Constituição de 1988 trata basicamente de dois temas: "a cultura como ativo a ser protegido e fomentado pelo Estado e a regulação das empresas jornalísticas e de radiodifusão, que eram os únicos meios existentes na época para veiculação dos conteúdos de jornais impressos, rádios e TVs".
Vale lembrar, contudo, que foi o lobby das empresas de mídia no Congresso que impediu, na Constituição de 1988, um texto mais abrangente para a comunicação social.
Naquela ocasião, o relatório final da Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação, sob a relatoria da deputada Cristina Tavares (já falecida), que daria origem ao que é hoje o capítulo da Comunicação Social, trazia uma importante inovação regulatória com respeito a quais deveriam ser as políticas de comunicação: "o vídeo-texto, a tevê-por-cabo, o vídeo-cassete e outras modernas tecnologias eletrônicas digitais de comunicação apontaram para a possibilidade de o acesso aos meios ser facilitado e barateado, logo, democratizado. Entretanto, tais tecnologias tanto servem à comunicação ampla quanto restrita, tanto atendem à comunicação social quanto a outras necessidades de comunicação próprias de uma sociedade moderna e informatizada. Por isso, são alvos também do interesse de instituições e empresas que, por sua própria natureza, poderiam tratar a comunicação social conforme outros critérios que não os de estrito serviço", diz documento da época a que este noticiário teve acesso. Com o lobby das empresas de mídia, o relatório da deputada não foi aprovado e o capítulo da Comunicação Social não tratou de outros meios que não rádio e TV.
Sugestões
No documento entregue ao governo esta semana, a Globo ressalta a falta no ambiente regulatório em vigor de "uma visão ampla e integrada das comunicações, que podem ser mais bem entendidas se separarmos as quatro camadas que as compõem: infra-estrutura, serviços, aplicações e conteúdo".
Nas conclusões do documento, pede-se que se estenda o disposto na Constituição, especificamente o capítulo V, "a todas as atividades de comunicação social voltadas para brasileiros, independentemente dos meios de transmissão". Pede ainda que se trate a produção, distribuição e comercialização de bens culturais nacionais como prioridade estratégica, defina-se novos mecanismos de taxação de conteúdos estrangeiros; formas de estímulo à exportação de bens culturais brasileiros; o desenvolvimento de uma campanha de valorização da língua portuguesa e da cultura nacional, criação de um selo "Feito no Brasil", como símbolo da qualidade do que é produzido no país. Mas o documento também pede que o Estado não crie ou modifique legislação "sem amplo debate com a sociedade"; a não-gestão estatal sobre a produção cultural nacional. "O papel do Estado é o de incentivar, nunca o de impor", diz o documento, que é fruto de um seminário promovido pela emissora e pela PUC de São Paulo no início do ano e conta com a assinatura de dezenas de artistas e profissionais ligados a setores culturais brasileiros.