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abril 4, 2004

Arte é tudo. É? por Arnaldo Bloch

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Esta matéria foi publicado originalmente no jornal O Globo, no Segundo Caderno, no dia 4 de abril de 2004.

Arte é tudo. É?

ARNALDO BLOCH

Não, não é mais uma daquelas discussões estéreis sobre se a criação contemporânea é ou não é arte. A pergunta acima apenas resume a mais recente confusão entre artistas e o Ministério da Cultura. Depois de passar 2003 alardeando que tinha que acompanhar a evolução tecnológica, o MinC baixou, no início do ano, uma portaria que não muda nada.

- Esqueceram que a internet e todas as formas de expressão artística trazidas pelos meios eletrônicos e pela tecnologia são hoje produtoras e difusoras importantes de cultura diz Patrícia Canetti, criadora do Canal Contemporâneo, comunidade virtual dedicada à arte contemporânea.

Patrícia, que liderou a luta do Canal contra o Guggenheim, levantou 600 assinaturas de artistas de todas as áreas (e não apenas as afetadas) propondo que se acrescentem às formas tradicionais (teatro, dança, cinema, música etc) novas categorias. Algumas assustam à primeira leitura. É o caso da nanoarte, que já rendeu piadinhas politicamente incorretas sobre nanismo (na verdade é uma arte que lida com elementos em escala atômica por exemplo, ondas provocadas pelo som da voz, ou coreografias moleculares).

Primas da nanoarte, a bioarte e a arte transgênica propõem experiências como modificar geneticamente um coelho para que, dependendo do nível de exposição à luz, torne-se fluorescente. Este coelho deve viver numa casa de família que, através da experiência, conscientiza-se de como a genética pode vir a afetar suas vidas.

Autor do projeto, o brasileiro Eduardo Cack, que vive em Chicago, encomendou o coelho (batizado Alba) a um laboratório francês que, na hora H, não entregou a encomenda, o que provocou um movimento cujo lema é Free Alba.

E atenção, puristas, para uma bomba: os games fazem parte da lista. Mas não é qualquer game , não. A respeitada Tate Gallery, por exemplo, difunde o agoraXchange, um jogo interativo criado pelos próprios usuários (ou apreciadores?) da obra, que atuam em sensíveis questões do mundo globalizado, com resultados imprevisíveis.

Há categorias híbridas: a arte telemática, por exemplo, é capaz de feitos como engajar milhares de pessoas no nascimento de um pé de feijão, que recebe luz conforme os acessos a um site que ativa sensores... ou significar um espetáculo de dança interativo, em que duas bailarinas em teatros diferentes dançam juntas, em tempo real.

O curioso, para não dizer absurdo, da situação é que o MinC reage aos queixosos com entusiasmo, apesar de estar na origem do problema:

A máquina governamental tem razões que a própria razão desconhece. A ausência das novas formas de expressão reflete isso. Felizmente o grito de vocês foi dado. Felizmente não há divergência em nenhuma instância do MinC, escreveu Claudio Prado, responsável pela área de Cultura Digital no MinC, em e-mail enviado para o Canal.

O chato é que, para mudar a portaria, é preciso verificar se as alterações estão de acordo com o decreto que regulamenta a Lei Rouanet, um processo complicado que pode levar meses ou anos... coisas da modernidade.


Minidicionário de arte-ciência-tecnologia

AMBIENTES IMERSIVOS Ambientes criados na rede (ou fora dela, com interface computacional e monitores ou ainda projeções) que permitem que o visitante possa interagir com a obra fisicamente, de maneira múltipla. Tem relação com o conceito e a tecnologia de realidade virtual. O visitante, entretanto, não está plugado, embora utilize equipamentos como luvas especiais e máscaras. O computador é a interface e traveste-se de personagem na rede.

AMBIENTES INTERATIVOS Conceito mais amplo, que engloba a categoria acima, mas inclui a participação coletiva.

ARTE TELEMÁTICA Arte que utiliza as telecomunicações para produzir resultados criativos impossíveis sem ela. Exemplo: usuários de internet influindo no crescimento de uma planta. Ou, no campo da dança, duas bailarinas em palcos diferentes unidas em tempo real através de transmissões projetadas.

ATIVISMO ARTÍSTICO Utilização de arte na rede com objetivos de alertar os usuários sobre algum aspecto, às vezes denunciatório, da realidade contemporânea.

BIOARTE E ARTE TRANSGÊNICA Lidam sobretudo com genética. Uma experiência conhecida é a do coelho Alba, modificado geneticamente para tornar-se fluorescente em determinadas condições de luminosidade. O projeto foi abortado porque o laboratório francês ao qual se encomendou o coelho acabou recusando-se a completar a experiência, o que gerou um amplo movimento na rede cujo lema é Free Alba.

CINEMA PARA INTERNET Cinema e animações em geral produzidos especialmente para ser difundidos pela rede.

CIBERLITERATURA Literatura realizada através da rede, interativamente (obra escrita a várias mãos ou completada pelos usuários), ou qualquer ambiente literário criativo concebido e desenvolvido em rede.

EFEITOS QUÍMICOS E FÍSICOS Visualização artística de fenômenos destes dois campos.

COMUNIDADES VIRTUAIS Comunidades que se dedicam, utilizando a rede, a atividades, informação, repertório e difusão de arte num nível global e influente.

GAMES Jogos que, comerciais ou não, tenham como objetivo difundir, na dinâmica própria dos games , conteúdo artístico, ficcional etc. A Tate Gallery tem um jogo interativo, o agoraXchange, que é construído coletivamente, com o intuito de uma atuação simulada em questões referentes à globalização. É financiado por uma grande fundação.

HIPERMÍDIA Toda arte concebida tendo por base o conceito de hipertexto (navegação na internet em “saltos através de links), mesmo que transposto para outras linguagens.

NANOARTE Arte que lida com nanotecnologia, ou seja, tecnologia em escala muito pequena ou microscópica que produz células, moléculas, máquinas, motores etc em níveis que podem atingir a escala atômica.

NET-ARTE E WEB-ARTE Arte produzida ou difundida em rede.

PROJETOS DE REALIDADE AUMENTADA Conceito ainda emergente, que permite acrescentar à realidade física (através de interfaces, máscaras etc) dados que vêm do ciberespaço. Por exemplo: durante uma visita turística a uma cidade, o usuário pode acrescentar menus informativos ao equipamento individual que descrevam o que se está vendo lá fora, ou crie situações interativas.

SIMULAÇÃO COMPUTACIONAL Construção de realidades, situações, configurações etc em computador, e sua difusão na rede.

VIDA ARTIFICIAL E ROBÓTICA Arte que lida com inteligência artificial e robótica em geral. Às vezes cruza com a ciência: uma obra conhecida é um robô alimentado por bactérias acionadas por usuários da rede.

Posted by Patricia Canetti at 12:09 PM