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abril 4, 2004
Por uma lei menos burocrática por Gilberto de Abreu
Esta matéria foi publicada originalmente no Jornal do Brasil, no Caderno B, no dia 3 de abril de 2004.
Por uma lei menos burocrática
Classe artística envia abaixo-assinado ao MinC e pede inclusão da arte-tecnologia na Lei Rouanet
GILBERTO DE ABREU
A reforma das leis de incentivo cultural que está sendo realizada pelo Ministério da Cultura está provocando a mobilização de representantes das artes visuais. Cerca de 500 artistas, professores, teóricos, críticos e historiadores de arte estão mobilizados para exigir a inclusão da arte-tecnologia como item da Lei Rouanet, e de representantes legítimos na comissão que avalia os projetos encaminhados ao Ministério em busca de patrocínio.
O MinC publicou em 19 de fevereiro último a portaria nº 01, que regulamenta as instituições que irão indicar representantes na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) do MinC, para definir, normatizar e executar o acesso às leis de incentivos.
Em 19 de março, os manifestantes encaminharam um abaixo-assinado ao MinC, no qual propõem a reformulação da portaria com a inclusão de dois setores esquecidos: as artes interativas (que incluem categorias como hipermídia, web arte, arte telemática, comunidades virtuais e ativismo artístico, dentre outros) e ramos que misturam arte e ciência (nanoarte, bioarte, simulação computacional, vida artificial, visualização de efeitos físicos e químicos, robótica e congêneres).
O Coordenador de Políticas Digitais da Secretaria de Formulação e Avaliação de Políticas Culturais do Ministério da Cultura Cláudio Prado considera legítima a manifestação. Prado diz que todas as áreas do MinC são unânimes quanto à necessidade de uma nova legislação, mas adianta que novos reporesentantes não poderão ser nomeados.
A legislação atual não permite que artistas usem verbas de patrocínio para compra de equipamentos como computadores, e não reconhecem a internet como um meio de expressão.
-A lei com a qual sonhamos é muito diferente desta que aí está. As mudanças que estaremos propondo em breve abrirão novos espaços para a vanguarda e para a tradição - promete Prado.
Para ele, a burocracia é o que entrava as mudanças.
- Além da Lei Rouanet, existem decretos e portarias, que são instâncias regulamentadoras. Uma coisa engessa a outra. Portarias são feitas pelo Ministro, não podem mudar decretos, que são feitos pelo Presidente da República. Decretos, por sua vez, não podem mudar a lei.
A curadora independente Daniela Bousso, diretora do Paço das Artes e curadora do Prêmio Cultural Sérgio Motta (focado em arte tecnologia) afirma que a falta de representantes que conheçam as novas tendências é prejudicial à área.
- Eu me ressinto do obscurantismo das políticas públicas em relação ao avanço já alcançado por essa área do conhecimento, do desconhecimento geral em relação ao que significam essas pesquisas artísticas para o nosso país, do desconhecimento dos quadros públicos a respeito dos rumos dessa forma de fazer arte, que afinal tem mais de meio século entre nós - enumera.
Prado afirma que o MinC, ''na qualidade de presidente da CNIC, fará o possível para reverter esse quadro''.
- Brifaremos a todos a respeito das questões a que se referem o abaixo-assinado. Tudo faremos para alargar a visão da Comissão.
Para a artista plástica e professora da PUC-SP Giselle Beiguelman, o fato do segmento de arte-tecnologia ter sido ignorado reflete a desinformação do MinC sobre o atual estágio da arte contemporânea.
- Não levar em conta as práticas e experimentos dessas vertentes é ignorar os debates que nos permitem refletir sobre a contemporaneidade.
O artista plástico Ricardo Ribenboim diz que a questão seria menos grave se o MinC aplicasse de forma adequada os termos artísticos e compreendesse suas particularidades:
- No caso da arte tecnologia, em que pese uma interpretação rasa que é um ''meio's' para se expressar e não o fim de uma operação artística contemporânea, é fundamental entender a área como a mais legítima de expressão transdisciplinar. O computador é uma ferramenta de trabalho, como um pincel.
O trabalho de Antoni Muntadas, que usa computadores e vídeos, é um exemplo dessa expressão transdisciplinar.
A também artista plástica Patricia Canetti, mentora do Canal Contemporâneo - site sobre o universo da arte contemporânea no Brasil -, afirma que a não inclusão da arte tecnologia na Lei Rouanet é um reflexo do sucateamento da máquina governamental.
- Isso provocou não apenas o esvaziamento dos quadros estatais, mas também um empobrecimento generalizado do patrimônio das instituições e órgãos públicos. Como conseqüência, a Legislação de Incentivo à Cultura está se distanciando da cultura que deveria incentivar.
Artista e coordenadora da habilitação em arte e tecnologia do curso Tecnologia e Mídias Digitais da PUC-SP, Rejane Cantoni ressente-se desse descaso.
- Como artista, sinto-me prejudicada com a ausência de incentivos à pesquisa, ao desenvolvimento e à produção.
Mudanças são necessárias
Na análise do Ministério da Cultura, ''as mudanças propostas pelos artistas no abaixo-assinado são necessárias''. Boa notícia: talvez possam ser feitas por decreto presidencial, o que levaria meses. Má notícia: há controvérsia no MinC sobre a eficiência de tais mudanças.
Para Cláudio Prado, mudar a lei é contar com o tempo.
- Se não houver imprevistos, levará meses. Mas imprevistos em governos são previsíveis. Pode levar anos.
Ele cita o caso da lei existente, datada de 1991. O decreto que a regulamenta é de 1995. Isso quer dizer que de 1991 a 1995 a lei não existiu.
- Não estamos dizendo que isso vai se repetir, mas mostra bem como funciona a máquina burocrática.
Mentora do Canal contemporâneo - um site na internet que abastece o país e o mundo de informações sobre a arte contemporânea brasileira, inclusive sobre essa questão - a artista Patrícia Cannetti lança a pergunta:
- Como vão saber que é legítimo o investimento numa área que não consta da Lei de Incentivo?
Prado aponta uma luz no fim do túnel, mas reconhece que ela não é a ideal.
- Um decreto presidencial pode mudar a forma como foram agrupados os setores culturais. Estamos estudando isso. Mudar uma portaria presidencial leva meses. Tramita pelo MinC, pela Casa Civil e, às vezes em outros órgãos - reconhece.
Como interlocutor da área em questão, Prado ressalta que está empenhado em abrir novos espaços para estes horizontes intangíveis.
- A brecha que encontramos é a seguinte: as áreas definidas na lei são o objeto da lei. A atividade fim. A lei não menciona atividade meio. Nem o decreto. Assim, o que estamos sugerindo é que cada uma das áreas previstas na portaria possam usar qualquer linguagem, qualquer suporte, qualquer tecnologia.
O raciocínio de Prado se aplica às artes visuais analógicas ou digitais pela internet ou qualquer outro meio, usando qualquer tecnologia, linguagem e suporte existentes ou a vir a existir. Dentro desse raciocínio, o norte-americano Gary Hill, um dos tops da videoarte, poderia ser beneficiado pela Lei.
- O remendo é tosco, mas é o viável a curto prazo.