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março 7, 2008
Arco 08 – Cobertura a várias mãos: Arco, arte e sustentabilidade, por Paula Alzugaray
Arco 08 – Cobertura a várias mãos
O Canal Contemporâneo convida aos muitos de seus usuários presentes à ARCO para publicar suas impressões sobre a feira, os eventos paralelos e, claro, sobre Madri!
Arco, arte e sustentabilidade
PAULA ALZUGARAY
A que se deve uma feira de arte diversificar suas propostas, segmentando espaços a fim de valorizar a arte emergente e a experimentação e criando segmentos próprios para novas mídias, performance, arte pública? De acordo com a carta de intenções da 27ª Feira de Arte Contemporânea de Madri (ARCO 08), que aconteceu entre 13 e 18 de fevereiro, os novos espaços abertos nesta edição “refletem o processo de contínua expansão das práticas artísticas em direção a novos formatos e contextos”. Na realidade, a iniciativa também faz parte de um conjunto de ações para assegurar (ou recuperar) o posicionamento da Arco no crescente e cada vez mais competitivo panorama das feiras internacionais. É verdade que programas curatoriais como o Expanded box (para arte eletrônica, audiovisual e webarte), Pantalla (para videoarte), Solo Projects (para instalações) e Performing Arco (para realizações “ao vivo”) produzem um ruído no modelo tradicional das feiras de arte e lançam uma dúvida: em que medida os “novos rumos” almejados por uma instituição comercial são compatíveis com as práticas curatoriais de instituições públicas, ou bienais?
Um bom termômetro da inquietação produzida pelo novo papel pleiteado pela feira de arte foi a mesa redonda “Novos rumos: da bienal à feira, curadoria e mercado”, da qual participou Ivo Mesquita, curador da 28ª Bienal de São Paulo, e curadores de instituições como o New Museu, de Nova York, e o San Francisco Art Institute. “As bienais têm que reduzir seu tamanho e ser mais críticas, ser um espaço de reflexão”, havia declarado Ivo Mesquita ao suplemento especial da revista Exit Express, produzida para Arco. “O espaço de apresentação das novidades, que antes estava nas bienais, agora está nas feiras”, disse ele.
Obras de 1800 artistas de 34 países (108 deles, brasileiros), representadas por 295 galerias. Não há bienal ou mega-exposição que se aproxime desse cenário. Por conta dessa concentração por metro quadrado de feira, a segmentação de propostas funcionou como uma alternativa possível. E mesmo que os programas de novas mídias estivessem longe de configurar um panorama verdadeiramente representativo do que possa ser considerado “mais atual” ou uma “nova tendência”, a guinada aos novos formatos trouxe um pouco de ar fresco a um ambiente normalmente mais receptivo aos formatos tradicionais. “Mesmo que nesta primeira edição de Expanded box esteja refletido um certo receio do mercado em relação a formas mais radicais de arte expandida, o espaço pode motivar as galerias a apostarem, no futuro, em formatos menos convencionais”, disse a curadora Claudia Giannetti, que, assessorada por um comitê de três curadores, foi responsável pela seleção dos nove trabalhos instalados na seção.
O que poderia ser pensado como “nova tendência” em arte contemporânea se mostrou mais abertamente em espaços exteriores à Arco, em instituições surgidas nos últimos anos da capital espanhola, como La Casa Encendida, Intermediae e Matadero Madrid, que apresentam propostas bastante interessantes de articulação estética, política, social, educacional e ambiental. A partir desses modelos, pode-se pensar o fator sócio-ambiental como uma tendência institucional forte na Espanha hoje. A sustentibilidade, como conceito expandido do meio ambiente para a cultura visual e a sociedade da informação, é a questão central do Festival Internacional de Ação Artística Sustentável, que acontece em Murcia, na Espanha, em 2 e 3 de maio próximos, com curadoria de Rirkrit Tiravanija, Paco Barragán e Christiane Paul. No Brasil, a tendência desponta no recém-criado Instituto Arte + Meio Ambiente, responsável pela exposição Arte pela Amazônia, na Fundação Bienal, em São Paulo.
Projetos culturais de extensão social e ambiental
Inaugurado em 2002, La Casa Encedida Obra Social Caja Madrid é um “centro social e cultural”, dividido em quatro plataformas: educação, cultura, solidariedade e meio ambiente. Com um projeto bastante original, o espaço desenvolve projetos de conscientização ambiental, com enfoque no meio ambiente urbano. A programação de março inclui uma “ecogincana” na filial do centro cultural localizado no Second Life. O objetivo é estimular os avatares a procurar soluções para deter os efeitos das mudanças climáticas. O ganhador do concurso será premiado com uma ilha no ambiente virtual. Em fevereiro, paralelamente às intervenções artísticas do norte-americano Joseph Kosuth e dos brasileiros Lucia Koch e Marcelo Cidade, o espaço promoveu um ciclo de conferências para promover a sustentabilidade.
Em funcionamento no Matadero Madrid, o Intermediae se propõe um centro transdisciplinar e fomentador de redes de colaboração, troca e reflexão. Em fevereiro, o espaço acolheu o QG do GIA (coletivo baiano Grupo de Interferência Ambiental), um espaço de imersão e convivência, onde foram convocados outros coletivos brasileiros e espanhóis e o filósofo Peter Pal Pelbart para falar sobre a “réplica biopolítica frente o seqüestro da vitalidade social”. Com autêntica vocação biopolítica, o espaço foi construído como um festival em praça pública - com paisagismo, bancos, redes, almofadas, programação cultural, mostra documental, performances etc. Outra ação coletiva, em curso no Intermediae, é o Jardim Avant Garden, projeto de implantação de um jardim urbano em que participam artistas, ativistas, paisagistas, especialistas em jardinagem e qualquer um que se interesse pelo assunto.
Há ainda a novíssima sede madrilenha da Caixa Fórum Obra Social, com seu programa de cooperação internacional para promover o desenvolvimento socioeconômico sustentável de países da África, Ásia e América Latina - o que alguns interpretam como mais uma forma inócua de assistencialismo vinda dos países desenvolvidos. “Los ricos destruyen el planeta” (2007), diz a colagem de Allan Sekula, exposta no stand da Christopher Grimes gallery, na Arco. De qualquer forma, aqui se impõe outra questão: não seria mais efetiva uma mostra documental sobre os refugiados de Ruanda que tenha uma ação social por trás, do que um trabalho que se dedique a documentar de forma estetizante situações de pobreza e exploração?
Ao contrário das instituições espanholas, Arco não apresenta ainda um programa “ambiental”. Mas seu projeto de expansão para além dos espaços tradicionais da arte prevê, para a edição de 2009, um concurso de arte pública: Arco Urbano. A obra selecionada será instalada em complexo urbano projetado pelo arquiteto britânico Norman Foster, na cidade de Londres.
Se a tendência ambiental não é perceptível no projeto institucional da Arco, é perfeitamente visível na produção artística exposta ali. Arte, sociedade e meio ambiente articulam-se – tanto dentro e quanto fora da feira - em poéticas de artistas como Renata de Andrade (em exposição na Arco, no stand da galeria Mirta Demare, de Rotterdam), Marjetica Potrc (Blow de la Barra, de Londres), Lara Almarcegui (Pepe Cobo, de Madri, e Ellen de Bruijne Projects, de Amsterdam), Patty Chang (Francosoffiantino Artecontemporanea, de Turim, e Arratia, Beer, de Berlin), Xavier Ribas (ProjectSD, Barcelona), David Batchelor (Leme, São Paulo), Joan Fontcuberta (Ángels Barcelona), Caetano de Almeida (Luisa Strina, São Paulo) e Asunción Molinos Gordo (em exposição na mostra Generación 2008, no centro cultural La Casa Encendida).
Artistas ambientalistas
A ótima Generación 2008 mostra obras finalistas de um programa anual de prêmios e bolsas para jovens artistas espanhóis. Entre elas, está a videoinstalação “Sin titulo 2 (manifestación para agricultores)” (2006), da artista Asunción Molinos Gordo, que chama a atenção para a crise agrícola, econômica e social vivida hoje na zona rural da Espanha. O trabalho é composto por dois vídeos: no primeiro, um trator “pulveriza” um campo desértico com pigmento verde, deixando um rastro de cor na paisagem árida. No segundo, um homem marcha em direção à câmera, trazendo um cartaz com os dizeres: “Por favor dejame ser agricultor!”.
Esse tipo de procedimento de intervenção sobre a paisagem, utilizável por artistas da land art e re-inserido no contexto de conscientização ambiental em que vivemos hoje, relaciona-se a uma série de outras estratégias que podem ser pensadas como revisões do minimalismo e da arte ambiental dos anos 1970. Mesmo sem um projeto institucional demarcado na Arco 08, a arte de ativismo ambiental encontrou lá um bom espaço de visibilidade.
O desperdício, a poluição e outros tantos problemas gerados pelo lixo das sociedades industriais determinam a pesquisa estética da brasileira Renata de Andrade, radicada há duas décadas na Europa. O britânico David Batchelor mostra postura construtiva semelhante, em pesquisa cromática a partir de objetos baratos fabricados em série, especialmente nas esculturas fabricadas durante residência em São Paulo, com quinquilharias compradas em comércio popular. A reciclagem do excesso também é a essência do trabalho recente do catalão Joan Fontcuberta, que produziu um mosaico fotográfico, a partir de 10 mil imagens apropriadas da internet, localizáveis a partir de nomes de empresas filiadas à European Chemical Industry Council, responsável pela maioria de resíduos tóxicos jogados em oceanos.
O levantamento do peso e da composição material do patrimônio histórico de cidades européias, no trabalho de Lara Almarcegui, sem dúvida também constitui um procedimento de ordem ambiental. Seu “Guia de terrenos baldios” (2006), produzido durante a 27ª Bienal de São Paulo, é uma produção a partir de dejetos do capitalismo. Projeto semelhante, realizado para uma cidade árabe, estava exposto no stand da Ellen de Bruijne Projects. Arqueologia urbana é também o tema do fotógrafo Xavier Ribas, que tem como matéria de trabalho o resíduo emocional escondido nas cidades. O artista tem uma série de imagens de sítios históricos que foram cobertos por novas edificações. Encontraria um prato cheio em São Paulo.
As condições da terra, da água e do ar tornam-se questões para o artista contemporâneo. Se Asunción Molinos tratou da terra, Caetano de Almeida utiliza-se do ar e Patty Chang aborda a água. Ao assumir o ar da cidade de São Paulo como matéria de sua pintura, Caetano de Almeida desenvolve um trabalho altamente crítico e transformador. Diante de uma poluição imponderável, o artista realiza composições abstratas ou figurativas - como a imagem do castelo de Neuschwanstein, exposta no segmento Solo projects da Arco -, a partir de um procedimento de acúmulo de partículas do ar paulistano sobre a tela branca.
Conhecida por um trabalho corporal em performance, fotografia e vídeo, a norte-americana Patty Chang apresentou na Arco um trabalho em colaboração com David Kelley, de proporções monumentais (não física, mas conceitualmente). O projeto “Flotsam Jetsam” (2007) parte de um acidente de um submarino nuclear ocorrido no oceano Pacífico, em 2005, para construir uma ficção documental sobre o impacto ambiental gerado pela construção da maior represa hidro-elétrica do mundo, Three Gorges Dam, na China. Utilizando técnicas de psicodrama e de improvisação do Teatro do Oprimido, do dramaturgo brasileiro Augusto Boal, os artistas estimularam atores de uma companhia de teatro de uma pequena cidade nas proximidades da represa a incorporar suas memórias pessoais, traumas e neuroses. Projeto envolvido em corrupção, super-faturamento e violação de direitos humanos, o Three Gorges Dam desapropriou 1.3 milhão de pessoas de 143 cidades e 1350 vilas. Agora, as regiões ao redor do gigante de 600 kms estão pagando um alto custo ambiental. Exibido em uma instalação com colchões d’ água, o vídeo “Embankment” aborda a memória da paisagem submersa e as ameaças à biodiversidade local. O diretor da galeria Francosoffiantino apenas não soube dizer que relação a água contida no colchão da instalação tinha com o documentário...
Também voltada para a água e as enchentes - mas desta vez para seus fluxos naturais -, Marjetica Potrc apresentou uma série de desenhos realizados sobre as casas de palafita e as cidades móveis que conheceu durante sua residência no Acre, em 2006, em projeto da 27ª Bienal. Próximo aos desenhos de Potrc, chamava a atenção uma instalação com vasos de plantas tropicais. Uma “Tropical critique”, como anunciava a pichação em uma das paredes da galeria Blow de la Barra (trabalho de Stefan Brüggemann)? Não, apenas uma produção independente do galerista Pablo de la Barra, para quebrar a monotonia do ambiente.