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dezembro 16, 2007
CONEXÃO Fortaleza - Olha a Urbecamaaaaa!, por Ana Cecília Soares
CONEXÃO Fortaleza - Olha a Urbecamaaaaa!
ANA CECÍLIA SOARES
O movimento é constante e a pressa é inebriante. Em meio aos pisares frenéticos de calcanhares das gentes multicoloridas, o pulsar do entrançado de carros, a timidez da flor que insiste em nascer por entre o concreto e até o chiclete velho jogado na calçada, a cidade suspira.
A urbe é afligida pelo mecanicismo cotidiano, onde tudo parece igual e, cada vez mais, desumano. As pessoas camuflam suas identidades, seus rostos e suas vozes, formando uma massa confusa e vibrante, contemplada por zumbidos ilógicos e roucos.
Presos em seus próprios mundos, os indivíduos deixam de olhar uns para os outros. E aqueles que têm a rua como sua casa simplesmente desaparecem aos olhos dos afobados transeuntes.
A miséria e o descaso que consomem os ânimos e as almas dos moradores da cidade são como os muros, os prédios, os anúncios publicitários e o asfalto, ou seja, passam a ser apenas coisas que formam um todo.
É desse cenário denso, cinzento e pesado que surge a arte de Júnior Pimenta. O artista visual cearense transforma a sujeira, o vapor dos bueiros, a pressa suada e as muitas realidades que se cruzam pelas ruas em poesia. Uma poesia irônica e melancólica.
Por meio do trabalho intitulado Urbecama, o artista reflete sobre a funcionalidade social da arte, retratando ângulos esquecidos e maltratados da cidade. Mostrando mais do que nunca que a arte também surge da dor, do feio e do sujo. A lama que leva ao sublime.
A urbecama é, portanto, uma intervenção que se destaca e ganha força por seu posicionamento crítico e corajoso. O projeto consiste em pensar a malha urbana como um local de confluências de pessoas e lugares, em que somos mais um ser invisível perdido na multidão caótica que compõe o corpo cidatino.
Além disso, o trabalho se presta a problematizar a questão da publicidade, que está espalhada em todo o meio urbano sem pedir licença. Pensando, sobretudo, a relação consumidor-produto-classe, a Urbe questiona a exclusão social vivenciada pelo morador de rua.
A Urbecama é elaborada nos moldes de uma campanha publicitária. Nela se divulga um produto homônimo, que é composto por um colchonete e um travesseiro.
Nos cartazes podemos encontrar uma seqüência de fotos, do próprio artista, demonstrando as funções da Urbe. São elas: pontocama, chãocama, escadocama e bancocama. É preciso ressaltar, ainda, que os cartazes estão moldados em formato de lambe-lambe, o que dá ao trabalho um teor, ao mesmo tempo, varejista e marginal. Evocando a essência tragada do ser urbano.
A Urbecama é a arte desconstruindo a publicidade, fazendo desta seu suporte artístico. O trabalho simboliza o grito da cidade, pedindo para ser olhada e cuidada. O corpo que clama pela cura!
O olhar e as reflexões de Júnior Pimenta embutidos na Urbecama nos fazem lembrar das palavras de Claes Oldenburg, quando diz: "Sou a favor de uma arte que tome suas formas das linhas da própria vida, que gire e se estenda e acumule e cuspa e goteje, e seja densa e tosca e franca e doce e estúpida como a própria vida". Eis, portanto, a Urbecama ...
Ana Cecília Soares é graduada em comunicação social e especialista em teorias da comunicação e da imagem.