Página inicial

Quebra de Padrão

 


julho 2021
Dom Seg Ter Qua Qui Sex Sab
        1 2 3
4 5 6 7 8 9 10
11 12 13 14 15 16 17
18 19 20 21 22 23 24
25 26 27 28 29 30 31
Pesquise em
Quebra de Padrão:

Arquivos:
As últimas:
 

abril 17, 2008

CONEXÃO Fortaleza - EUS, por Ana Cecília Soares

EUS 2.jpg

CONEXÃO Fortaleza - Eus

ANA CECÍLIA SOARES

Aromas adocicados de passado com essências revigorantes do agora, atravessam suavemente os poros do observador, incitando-o a mergulhar num mundo simbólico de objetos cotidianos, embevecidos e reconfigurados por subjetividades alheias que, no entanto, são tão próprias de nós mesmos.

Nesse imergir delirante por particularidades desconhecidas, em meio à reverberação de segredos e a fluidez de emoções, é possível encontrar-se no outro. Ou melhor, desnudar-se diante do emaranhado de eus, poeticamente figurados nos trabalhos de Simone Barreto, Thula Kawasaki e Leya Mira Brande.

A vida com seus relatos cotidianos, narrativas confessionais e lirismos amorosos, transforma-se em arrimo para a obra dessas artistas. Cada uma, a sua maneira expressa por meio de objetos e textos, fragmentos de suas histórias. Atitude que serve a uma tentativa de arquivar a própria existência ou, ainda, de concretização do sensível.

É no afundar pelos mares das idiossincrasias dessas mulheres, perpetuadas por centelhas de passado e presente, fundido-se vida com arte (e vice-versa); que floresceu a exposição Re-Cortes do Eu.Realizada de 15 de janeiro a 29 de fevereiro de 2008, no Centro Cultural Banco do Nordeste de Fortaleza.
12h10min marcava o relógio antigo, parado e fixado na parede fria e nua. Mesmo exonerado de sua funcionalidade habitual, ele traz o suspiro do último percurso registrado. Evidenciando, simplesmente, um pedaço congelado de Cronos.

Como índice de um tempo que não voltará, o relógio nos permite regressar a um momento desconhecido, agora, solto e perdido no vácuo. Se de dor, de alegria ou de sonho, ele foi contemplado? Respostas não há, somente incertezas, interpretações e algo mais...

Da parte inferior do objeto, tem um desenho que se assemelha a silhueta de uma mulher. Ela parece flutuar. Submergida pela vastidão infinita de um oceano de horas, dá a impressão de tecer pensamentos.
Este trabalho, assim como os outros produzidos por Simone Barreto, para esta exposição, acentua a idéia de um “eu” enredado pelos fios do tempo. Como uma tecelã experiente, a artista realiza costuras que perpassam pelo mundo fantasmagórico dos sonhos, como é o caso dos desenhos “Como levitar em botas” e “Como levitar em camas”.

Ela pontilha, ainda, o infinito ao reverenciar o ciclo temporal. O desenho, bordado por linhas de crochê, de uma mulher sentada num circulo exemplifica bem esta idéia. Dele pende um fio que nos conduz a um caminho interminável, o que acredito ser o da própria existência humana.

EUS 1.jpg

“Vidros para a sala de espera, vidros, plantas e etiquetas” - (2007), traz uma espécie de biografia de alguns acontecimentos, vivenciados pela artista Thula Kawasaki, disposta em frascos translúcidos de tamanhos e formatos diversos.

Em cada um, encontramos folhas armazenadas que se serve a consignar singularidades de pedaços de tempo. Murchas, retorcidas, desbotadas pequenas, grandes, em processo de apodrecimento, velhas e novas; as folhas falam. Falam ao observador sobre um punhado de sentimentalidades: tristezas, dores, alegrias, devaneios, saudades, esperanças; referentes não só as daquela que as colheram e as puseram ali, mas também, aos sentimentos inerentes aos de quem as observa.

Passamos a reviver nas memórias do outro, as nossas próprias. Deslizando o olhar por cada vidrinho, aprofundamo-nos, cada vez mais, dentro de nós mesmos. O tempo, de repente, já não importa, a pressa foi embora e as preocupações ficaram adormecidas. Restando-nos, apenas, o embate com as lembranças que delineiam as páginas de nossa história.

Fixadas aos frascos, encontram-se etiquetas que ajudam a contar os momentos simbolizados por cada folha coletada. “Arranquei da árvore porque estava ao alcance e era bonita. Em instantes o galho secou como se estivesse queimando. Continuou verde, quase me arrependi” ou “Tive esta planta por oito anos. Longa história, no final foi isso que me restou dela. Isso e um enorme vaso vazio”, estes são alguns dos escritos rabiscados pela artista, que nos insuflam ao caminho de uma doce estranha sensação misturada ao cheiro amadeirado de passado.

Unindo sensibilidade e delicadeza, Thula desnuda facetas de seu “eu”, provocando o mesmo ao observador. Construindo assim, uma relação de companheirismo e afeto entre o indivíduo e a obra. Em “Diários” podemos sentir fortemente essa afinidade.

O trabalho é composto por três pequenos cadernos, pelos quais a artista despeja em poesia suas impressões sobre a vida e os sentimentos. “Mesa posta. Uma rosa antiga, secando de ponta-cabeça.
Coisas com o cheiro lento de domingo lento e adocicado. Um silêncio grosso, pesado, terrível que emudecia qualquer possibilidade íntima de ruídos. O homem que se levantava da cama, não era meu. Nem eram minhas as mãos que o acariciavam, nem os pedidos de perdão internos. Nada”.

EUS 3.jpg

Paixões escancaradas, a alma em frangalhos, o corpo gritando como um silvo selvagem e a presença de um sensualismo vibrante que queima sem cessar, são algumas das minúcias encontradas nas gravuras e nos versos de Leya Mira Brander.

A artista vomita estilhaços fincados em seu eu. Cada elemento que compõem seu trabalho tem força e existência próprias. Ruminando situações diferentes que perpassam pelas fronteiras do absurdo, do sexo, este grande “acelerador de partículas”, até as dores conclamadas por amores acabados. Tudo parece se repetir, mas afinal a vida não é, mesmo, assim?Fluída por fins e recomeços de ciclos infindáveis de lágrimas e esperanças.

“Não existe a palavra desfazer. Não existe a palavra telefone artificiais, nós dois como jogos do ano bom. Querido foda-se”. Num rompante de raiva e delicadeza, Leya, ou as várias Leyas, faz ecoar desilusões amorosas e momentos simples da vida a dois, que significam tanto: “ele fazia assim, colocava o queixo no meu ombro, enquanto caminhávamos”.

Outro aspecto constante em seu trabalho é o foco na necessidade, permanente, que os homens têm de ser amados. De encontrar alguém que lhe beije loucamente na chuva, que lhe afague a cabeça para dormir e que, inesperadamente, lhe ligue só para dizer que lhe ama. No final é tudo isso que esperamos... ”Os acontecimentos são perfeitas poesias não rimadas. Vida é metáfora. Eu espero por encontros”.

Re-Cortes do Eu representa a vida em seu teor puro. É uma imersão aos caminhos mais profundos dos nossos muitos “eus”. Um convite à entrega completa em um tempo sem tempo, onde o que mais importa é você, restando apenas poerinha cósmica.

Ana Cecília Soares é graduada em comunicação social e especialista em teorias da comunicação e da imagem.


Posted by Oficina at 8:37 PM