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fevereiro 27, 2008
CONEXÃO Fortaleza - No fantástico mundo de Harker, por Ana Cecília Soares
CONEXÃO Fortaleza - No fantástico mundo de Harker
ANA CECÍLIA SOARES
Uma dama de olhar enigmático, esboçando um meio sorriso semelhante ao da Mona Lisa de Da Vince, trajando um sinuoso vestido cor-de-rosa enfeitado por babados de renda branca e, ainda, com os cabelos arrumados por dois arranjos florais. Seria a cena perfeita para pintar num quadro do século XVII, se a tal dama não fosse um homem. Ou melhor, o artista equatoriano Jonathan Harker, que atualmente vive entre o Panamá e a França.
Antes mesmo de ingressar na área principal do Museu de Arte Contemporânea do Ceará, logo no sentido esquerdo da entrada, a fotografia de Harker transvestido de mulher parece dar as boas-vindas ao público às particularidades de seu mundo regado por fortes doses de humor e carregado por traços de ironia.
Fundindo a performance teatral ao cômico, o artista constrói uma variedade de personagens cujo cada olhar e expressão representa um questionamento crítico sobre os problemas sócio-econômicos vivenciados pela contemporaneidade, sobretudo, pela nação panamenha.
A princípio, o contato com os personagens de Harker pode levar ao riso e, mesmo, provocar o surgimento de comentários engraçados. Mas, á medida que se observa melhor cada fotografia, o tom hilariante é substituído pelo silêncio e a reflexão.
A caricatura do artista disfarçado de negro, “louco” para urinar, mas sem poder fazer uso do banheiro porque na porta está escrito: “Whites only” (Só brancos), ou a do homem caído ao chão com as mãos amarradas, tentando comer numa vasilha, embora sejam construídas em contextos diferentes, ambas as situações revelam o mundo de miséria, preconceito e descaso em que os humanos se encontram submergidos.
Na série “Postais do Panamá (2001/2007)”, Harker se transmuta num turbilhão de personalidades, que ilustram os cartões enfatizando “o que há de melhor” no país. Conduzidos pelo lúdico e o colorido extravagantemente latino, os gestos, os ambientes e as poses das personagens reflete a crítica do artista as frases clichês destinadas ao turismo do Panamá, que contribuem para uma visão enlatada do lugar. Afinal, parafraseando o próprio Harker, o “Panamá és mucho más que un canal!”.
Outro trabalho interessante é o “Arte e Curadoria: algo assim como uma fotonovela”, realizada em conjunto com o curador Walo Araújo e a fotógrafa Dominique Ratton. Nele são abordadas questões, como os conflitos presentes na relação do artista com o curador, o processo de criação de uma obra, do que se trata a arte, entre outros aspectos. O impressionante deste trabalho, em especial, é a forma como o público (leigo ou não) se diverte acompanhando os capítulos da fotonovela, que tratam de temas complexos do universo artístico.
Além das fotografias, dos postais e da fotonovela, quatro vídeos fizeram parte da exposição. Dentre eles, um chamou-me bastante à atenção: sua projeção é iniciada com a imagem estática de uma grade de ferro que, aos poucos, tem seus orifícios preenchidos por embalagens de todos os tipos. O amontoado multicolorido de lixo dar a impressão de formar uma espécie de pintura sem começo, meio e fim, que rompe com a idéia usual de forma. Fazendo com que o espectador mergulhe em suas dimensões da maneira como desejar.
Fato este, parecido com o modo como Pollock conduzia suas obras. O artista concedeu a pintura um sentido de continuidade, abolindo a artificialidade de um “final”. Segundo Allan Kaprow, na pintura pollockiana “parte alguma é toda parte, e nós imergimos e emergimos quando e onde podemos”.
A exposição de Harker ocorreu de 30 de novembro de 2007 a 27 de janeiro de 2008, no Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, inaugurando o projeto Americanidade, que trará ao público trabalhos de artistas contemporâneos da América - Latina.
Ana Cecília Soares é graduada em comunicação social e especialista em teorias da comunicação e da imagem.