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outubro 3, 2007

CONEXÃO Fortaleza - Outro mundo é, então, possível, por Ana Valeska Maia

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CONEXÃO Fortaleza - Outro mundo é, então, possível

ANA VALESKA MAIA

Já disseram que os olhos são as janelas da alma. Na obra da artista Jacqueline Medeiros as janelas são territórios apropriados pelo olhar. São fragmentos de mundo. Exercício de lugares possíveis. Portais de sentido onde o olhar se apropria e cria, tecendo uma poética. Territórios férteis, onde acontecem encontros: reunem olhar, sujeito e mundo. Instigada pelo fluxo dinâmico, intenso e imprevisível das cidades, a artista tem o olhar aguçado para captar os entrelaçamentos de pensamentos e convivências. A arte, então... acontece!

Seu olhar para as cidades partiu de uma repetição. Sempre um quarto de hotel. Sempre os falsos sorrisos acolhedores. Ao abrir a porta, a paisagem se repetia: cama, televisão, telefone, frigobar. Tudo muito limpo, arrumado e previsível. Recorrentes não-lugares permeados pela angústia do insípido mesmo. Tudo igual, até abrir a janela. Ao abrir a janela, surgem mundos novos. Todo igual traz consigo a sua peculiar diferença.

Ao artista antenado com seu tempo será improvável fugir da percepção de que "vivemos num mundo confuso e confusamente percebido", como disse Milton Santos . A confusão da vida urbana celebra pactos que nos cegam, impondo a doutrina da pressa e da efemeridade das relações. Como se estivéssemos condenados a estamos juntos e, ao mesmo tempo, incomensuravelmente solitários. Um individualismo egóico reina na coletividade urbana, ornamentado pelo consumo. Inseridos na orgulhosa civilização, sem espaço para sermos singulares, coexistimos num mundo que grita em seus mais amplos sentidos: não temos mais tempo!

Os imperativos da caótica pós-modernidade são objeto de reflexão no trabalho O que você precisa fazer para sobreviver?, apresentado na Semana Pernambucana de Arte - SPA (2004). A artista adesiva frases nas calçadas, onde os transeuntes se deparam com os comandos -não pare, não pense, não sinta. Em 2006, expõe no Salão de Abril três fotos manipuladas digitalmente, onde as contradições da vida urbana, permeadas pelas agressões ao interior de nossa existência e ao espaço coletivo são novamente tematizadas. Vistos em outra proporção, a intervenção na habitualidade do espaço público pauta a amplitude da linguagem da arte, do crucial papel contemplativo, da totalidade do conhecido que fundamenta o caminho para mundos novos. O olhar da artista abre portais, guardados a 7 chaves (Alpendre, 2005) e doa ao público paisagens idílicas, lugares de paz, vivências, sentidos.

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O tempo e a memória entre a crueldade e a poesia. O tempo pulsa em Água mole em pedra dura... (vídeo, 2006). O ritmo que impõe a recorrência dos movimentos das marés nos faz pensar em nosso organismo, com seus fluxos naturais agredidos pelos valores contemporâneos. Os afetos pedem tempo. Afetos que podem ser engolidos na cidade pela ansiedade do novo, onde abrigos de memória se despedaçam. Vizinhos que não mais existem, tornaram-se espectros de existências. Pessoas que passam pela cidade e nela deixam marcas invisíveis para olhos disciplinados. Gravam afetos, entornam resquícios de sua permanência no local. A artista recolhe esses pequenos amuletos, escombros de histórias da vida privada, tece narrativas. Quanta vida existiu neste lugar? Quantos sorrisos, nascimentos, aniversários, perdas ou decepções existiram na rua Raimundo Resende, 55?

Uma metáfora do tempo nos traz o vídeo Era uma vez (2006). Nos leva a uma reflexão da vida como passagem. A areia que marca a passagem do tempo pela ampulheta nos remete aos processos inevitáveis, à vida mediada por seus contrários, por suas construções e desconstruções. O que fica do que foi vivido? Quais escolhas determinarão a condução de nossa vida? Em De que lado você está? (2005), encontramos imagens de pessoas hipnotizadas, enlaçadas nas amarras do sistema, submetidas à violência simbólica que engendra o estímulo ao ser passivo. Agrupados, mas limitados em nossas percepções, caminhamos num túnel aparentemente sem saída (vídeo, 2007), onde a etapa seguinte somente é percebida por quem tem olhos para ver o caminho de luz.

O caminho de luz que a arte possibilita. Para Paul Klee, "a arte não representa o visível, a arte torna visível". Clifford Geertz, por sua vez, alega em suas reflexões sobre o imaginário e a realidade, que o imaginário é tão real quanto a própria realidade. Duas aparentes dicotomias, que nos possibilitam metamorfoses. Podemos assim ser grandes ou pequenos, voar ou andar nas nuvens. (Ah se eu pudesse...andar nas nuvens, fotomontagem, 2007). Integrantes de uma rede invisível, que entrelaça existências, propicia poéticas e nos torna atores e autores de nossa história. Desta forma, talvez possamos ver um outro horizonte possível (fotografia digital, 2007).

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A obra da artista Jacqueline Medeiros entrelaça reflexões sobre aspectos da contemporaneidade, tece diálogos com os inúmeros tempos que vivenciamos. O tempo da dinâmica pública, o tempo da intimidade do universo privado e sua memória particular. Dona de um olhar que persegue novos sentidos para o existir, a artista propõe narrativas, trilhas, fugas para a máquina do cotidiano. Ao abrir a janela, instaura portais, enseja poéticas, abre espaços para que tenhamos um lugar. Refletindo e interpretando a vida o olhar se ilumina. Outro mundo é, então, possível.

Sem pressa, podemos enxergar que alguns caminhos sinalizam a compreensão de outro lugar, de outro tempo. Com janelas abertas para o mundo, como voyeurs ou caminhantes, como artistas da arte do viver, sentiremos a alegria do existir. É bom ter um pertencimento nesse mundo, se sentir em casa, ser parte consciente de Gaia. Jacqueline Medeiros, como intérprete de seu tempo, nos direciona para a percepção de outros lugares. Com seu trabalho, nos faz sentir como a vida pulsa em cada canto (2005).

Posted by Oficina at 12:09 AM | Comentários(1)
Comments

Adorei o texto e essa percepção subjetiva da sociedade monocromática. Gostei principalmente da visão do artista em pensar o que já houve de aniversários, tristezas, alegrias e decepções em um determinado lugar, nos remete a lembranças de nossa própria casa... de nossa própria vida que as vezes nos esquecemos que passamos. Quantas alegrias tive então na minha vida? Quantas vezes chorei ou me alegrei? Quantas vezes amei ou afinal vivi de fato? São questionamentos válidos que a MINHA PROFESSORA soube explanar muito bem!!!!

Bjo Fessora!!

Posted by: eDu at novembro 12, 2008 6:41 PM
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