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outubro 10, 2007
Grand Tour 2007: Entre uma gôndola e outra, a Bienal de Veneza, por Ricardo Resende
Grand Tour 2007: Entre uma gôndola e outra, a Bienal de Veneza, por Ricardo Resende
Grand Tour 2007: La Biennale di Venezia, Art 38 Basel, Documenta 12 e Skulptur Projekte Münster 07. Como resultado da coincidência a cada dez anos das três maiores exposições de artes visuais, que ocorrem a cada dois, cinco e dez anos, respectivamente, e a principal feira de arte abrem uma seguida da outra em junho de 2007. (www.grandtour2007.com)
Nos dias 27 e 28 de Setembro, tive a oportunidade de visitar a Bienal de Veneza depois de passar pela Documenta de Kassel, já em seu último dia de exibição.
A mais antiga bienal do mundo, que inspirou o modelo para nossa Bienal de São Paulo, tinha 99% do que estava em exposição com "aparência" de estar em ordem ou melhor, funcionando em sua quase totalidade.
A mostra italiana, que está na sua fase final, tem pela frente cerca de um mês para se encerrar, depois de mais de 90 dias em funcionamento.
Com a presença pontual de brasileiros na mostra principal, que conta com curadoria do norte-americano Robert Storr, deve se destacar a presença do Leonilson no centro da exposição, ao lado de outros artistas homenageados como o cubano naturalizado norte-americano Felix Gonzalez-Torres. Artistas que deixaram obras curtas (todos morreram prematuramente) mas de grande importância para a contemporaneidade.
Mas parte de meus comentarios são antes uma crítica, à falta de crítica que domina os meios de comunicação, particularmente a midia impressa, no Brasil.
Não se pode ler nos jornais e/ou revistas especializadas (só temos uma num país) uma crítica mais reflexiva sobre estas grandes mostras e particularmente sobre a presença dos artistas brasileiros. Dever-se-ia ter sido discutido com mais consistência, os critérios atuais da escolha da representação brasileira no nosso pavilhão, situado nos Giardini, local nobre da cidade de Veneza, onde acontece a parte principal da Bienal.
E é isso, em particular, o que me traz a este espaço.
Tive uma sensação de completo desânimo ao chegar no belo pavilhão brasileiro, com arquitetura do Paulos Mendes da Rocha (por si já valeria a pena a visita, se o edifício em questão, estive em condições adequadas de conservação), depois de percorrer grande parte da mostra e me deparar por fim, com o que eu poderia definir, um retrato fiel do descaso com a nossa representação. Abandono, displicência ou simplesmente desinteresse.
Faço a pergunta aqui: quem deveriam ser os maiores interessados na representação de nosso país neste evento ?
Imagino que nós, brasileiros de modo geral e os que se dedicam o seu tempo para pensar sobre a arte e a cultura nacionais, somados aos artistas participantes, o Ministério da Cultura, a Fundação Bienal de São Paulo, responsável direta pela escolha e apresentação dos artistas, além das galerias de arte, que colocaram os seus nomes nas etiquetas que acompanham os trabalhos e as empresas que ainda poderiam patrocinar a representação, como a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a TAM que começou a bem pouco a viajar para Milão, ali ao lado, além de outras instituições financeiras com seus centros culturais que poderiam ter adotado, sem grandes problemas nos seus gordos orçamentos, esta participação brasileira, de grande visibilidade internacional.
Poderiam ter permitido ao Brasil "vender" uma boa imagem, como muitos outros países sempre fazem ou o fizeram nesta tipo de espaço expositivo.
A Fundação Bienal, tem se mostrado incapaz de gerir sua própria versão local de bienal, em nosso mal conservado espaço dentro do Parque Ibirapuera, em São Paulo. Fundação esta que, até o presente, ainda não viabilizou sequer um catálogo do seu último evento.
Como pode o Ministério da Cultura permitir que esta Fundação (envelhecida na sua forma e gestão) tome conta desta representação nacional de grande interesse na exposição italiana, se ela nem é capaz de utilizar um dos muitos editais disponíveis, de apoio a projetos culturais no país, que poderiam patrocinar este "pequeno" evento, de insdiscutível relevância(?).
Um outro comentário, recai sobre a curadoria, responsável pela seleção dos artistas e suas respectivas obras.
Acompanho o trabalho da dupla Angela Detânico & Rafael Lain, representados pela Galeria Vermelho (de São Paulo), desde o início de suas carreiras, mas infelizmente acho que, curador e artistas, foram infelizes na escolha dos trabalhos ali apresentados. Herméticos, de dificil comunicação com o público e que demandam um tempo longo para sua fruição e compreensão (ainda mais se pensarmos na localização do pavilhão brasileiro, no final do percurso, quando a maior partes dos visitantes já, com razão, estão cansados, após um longo trajeto expositivo).
Havia um vídeo, imagino, já que diante do abandono constatado, o mesmo estava inoperante. Deixava dúvidas se tratar apenas de um nicho, com um projetor no teto ou se efetivamente estava quebrado o equipamento.
A iluminação dos demais trabalhos de parede, que também não funcionava, os abandonava na penumbra logo na entrada do espaço. O trabalho do artista José Damasceno, representante da Galeria Fortes Vilaça ( também de São Paulo), também era de difícil comunicação com os visitantes. Em sua sutileza, um dos trabalhos, que utilizava o giz como sua matéria constituinte, passava no entanto, despercebido pela maioria que, sem saber do histórico do artista, não levava o espectador a ter o interesse em se aproximar do trabalho, para se certificar do que era constituído.
Não bastassem todos estes problemas, ainda podíamos observar o descuído na limpeza do espaço, sem qualquer cuidado mínimo visível.
Sem a presença de nem um monitor qualquer que pudesse auxiliar e orientar os visitantes sobre o que se passava ali. Singelamente exisitia um cestinho de lixo rendilhado vazio, desdes que se encontra em lojas de mercadorias a preços de 1,99 reais, sozinho e triste logo na entrada ou saída do pavilhão.
Ao ler a revista inglesa Frieze edição de setembro de 2007, senti-me particularmente motivado a redigir essas linhas, particularmente após ler a entrevista da norte-americana Nancy Spector, responsável pela bem sucedida representação oficial daquele país, que trouxe Felix Gonçalez-Torres, o mesmo artista que dividia com Leonilson, uma das salas principais desta bienal.
A curadora justificava sua escolha, com uma exposição generosa da obra de Gonzalez-Torres. Trouxe trabalhos importantes, capazes de torná-la uma das melhores representações nacionais, dentre os países presentes. Disse que não importava o fato do artista já estar morto, mas sim a contundência de sua obra para se pensar a atualidade. Uma obra ousada, instigante, que melhor representa a arte que se produz nos Estados Unidos, na busca de um olhar menos conservador, diferente do que rege o seu país na atualidade, servindo também como um complemento inteligente à curadoria de Robert Storr.
Para não me alongar mais, trago para terminar o comentário da curadora russa Olga Sviblova que, no mesmo artigo da revista inglesa, assumia ter sido necessário fazer, além da escolha dos artistas, o trabalho de captadora de recursos, para possibilitar uma exposição daquela grandeza, que lida com alta tecnologia, além de ter sido necessária uma reestruturação do pavilhão expositivo.
Creio que há que se mudar muito ainda o grau de comprometimento das empresas brasileiras, no fomento à cultura, na eficiência da gestão das instituições culturais e o comportamento dos curadores e artistas. Mas há sinais de algo se meche por aqui.
Ricardo Resende
Curador Independente
Curador do Projeto Leonilson