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agosto 8, 2007
Grand Tour 2007: Cobertura a várias mãos: Um olhar sobre a Documenta 12, texto e fotos de Hugo Fortes
Grand Tour 2007: Cobertura a várias mãos
Um olhar sobre a Documenta 12, texto e fotos de Hugo Fortes
Grand Tour 2007: La Biennale di Venezia, Art 38 Basel, Documenta 12 e Skulptur Projekte Münster 07. Como resultado da coincidência a cada dez anos das três maiores exposições de artes visuais, que ocorrem a cada dois, cinco e dez anos, respectivamente, e a principal feira de arte abrem uma seguida da outra em junho de 2007. (www.grandtour2007.com)
Sobre a Bienal de Veneza e também sobre a Documenta 12.
"Você vem ao coração da Alemanha apenas para ler a palavra Arte sob sua própria sombra". A frase do artista Gonzalo Díaz, que faz parte de sua instalação "Eclipsis" exposta na XII Documenta de Kassel parece-me um interessante ponto de partida para se pensar sobre esta mega-exposição e sobre a situação da arte na contemporaneidade. A instalação de Gonzalo Díaz não busca grande espalhafato, como é comum nestes grandes eventos, mas impõe-se pela delicadeza e pelo silêncio. Ao entrar na sala de exposição o observador vê apenas um foco de luz intensa que projeta uma forma circular como uma lua sobre a parede. No interior deste foco luminoso encontra-se uma pequena moldura quadrada, aparentemente vazia. Se o observador apressado apenas olha para este trabalho como uma composição formal e sai da sala, ele não percebe que, ao se aproximar desta pequena moldura, a sombra projetada de seu corpo faz aparecer a frase acima, estabelecendo um diálogo entre o que olha e o que é olhado.
Se por um lado a arte contemporânea é muitas vezes eclipsada pela sombra de um observador desatento e sem paciência para sua linguagem cifrada, por outro lado os conceitos curatoriais excessivos, que costumam dominar as grandes exposições, projetam sombras pesadas que acabam por ocultar a obra dos olhos do observador.
A curadoria da Documenta 12, formada pelo casal Roger M. Buergel e Ruth Noack, parece ter tentado evitar o oferecimento de interpretações prontas ao público, procurando favorecer o diálogo entre espectador e obra. Ao invés da busca de obras que ilustrassem conceitos curatoriais relacionando arte e política, como tem sido comum nas últimas Documentas, desde Catherine David, o que se vê agora é uma convivência de obras bastante díspares e variadas, que voltam-se tanto para a discussão de problemas sociais como para o debate de questões formais da própria arte.
Assim, é grande a presença de pequenas esculturas abstratas produzidas na segunda metade do século XX, ou mesmo recentemente, que haviam sido quase banidas das grandes exposições internacionais por tratarem de questões formais e não atingirem proporções monumentais tão caras à sociedade do espetáculo contemporâneo. É neste contexto que se inserem na Documenta as obras de artistas brasileiros como Luis Sacilotto e Mira Schendel, ou mesmo do espanhol Jorge Oteiza, das tchecas Mária Bartuszová, Běla Kolářová.
Mária Bartuszová
Běla Kolářová
O interesse pela produção artística de décadas passadas não me pareceu "envelhecer" a Documenta, mas sim proporcionar um diálogo com a produção atual. Isto ocorre principalmente quando vemos por exemplo as obras produzidas em 2007 por Simryn Gill (nascido em Singapura, vive na Austrália) ou pela indiana Sheela Gowda. Gill apresenta esculturas produzidas com fibras orgânicas de plantas que reproduzem toscamente as formas de peças mecânicas e motores. O contraste entre a precisão das formas tecnológicas e a precariedade dos materiais com que são representadas levam-nos a pensar na pretensiosa ambição da tecnologia moderna e em sua limitada fragilidade.
Simryn Gill
Sheela Gowda
Sheela Gowda mostra, entre outras obras, uma delicada instalação com peças escultóricas construídas com massa de incenso, extremamente frágeis. Embora outras obras da artista possam remeter a interpretações políticas ligadas ao feminismo, seus trabalhos parecem não temer a busca pela beleza ou pela composição formal. Aliás, a palavra beleza", que havia sido quase banida da crítica de arte contemporânea volta a buscar um espaço nos textos dos curadores Roger M. Buergel e Ruth Noack. Aqui busca-se um certo equilíbrio entre a beleza e a política, entre a arte engajada e a arte formal.
Ao lado de obras aparentemente mais formalistas (sem sentido pejorativo) vêem-se também nesta Documenta obras de conteúdo mais político. É possível encontrar as já conhecidas reportagens fotográficas sobre as misérias sociais no terceiro mundo, como no trabalho do artista sul-africano Guy Tillim (que apresenta as mesmas fotos do Congo, mostradas na última bienal de São Paulo); trabalhos de cunho antropológico-social como a coleção de slides e fotos sobre os cultos afro-brasileiros do nigeriano David Aradeon ou mesmo as entrevistas realizadas pela artista argentina Alejandra Riera com pedreiros e seguranças do Centro Universitário Maria Antônia, em São Paulo, que me pareceram querer incutir idéias socialistas doutrinadoras através da realização de perguntas meio forçadas.
David Aradeon
Porém são os trabalhos cujas relações político-sociais tornam-se mais dúbias, através de uma realização formal e conceitual mais interessante, que chamam mais a atenção. É o caso, por exemplo, do polêmico artista chinês Ai Weiwei, que se tornou uma das estrelas desta Documenta. A obra mais comentada é a ação proposta por Weiwei na qual ele trouxe 1001 visitantes chineses para a pequena cidade de Kassel. Os visitantes, oriundos de diferentes partes da China, vieram em 5 grupos, e entre 12 de junho e 9 de julho passeavam livremente pelas ruas de Kassel e pela Documenta. Para cada um dos 1001 chineses, Weiwei trouxe também uma cadeira da dinastia Qing (1644-1911). Vários conjuntos de cadeiras foram distribuídos pelos diversos pavilhões da exposição, servindo como local de descanso para todos os visitantes.
Ai Weiwei
A obra de Weiwei trata da questão do confronto cultural e da identidade de uma forma mais inteligente do que o simples alinhamento de fotografias que buscam retratar o exótico terceiro mundo. Os chineses que visitam Kassel não são apenas símbolos da alteridade para serem vistos por olhos europeus ocidentais, mas podem, eles mesmos, olhar com seus próprios olhos o seu outro e realizar suas próprias interpretações e conjecturas sobre a exposição e sobre a cultura estrangeira.
A segunda obra de Weiwei, também bastante divulgada na mídia, trata-se de uma grande escultura realizada com portas e janelas retiradas de casas destruídas das dinastias Qing e Ming. Devido a grandes tempestades ocorridas na Alemanha em junho, a obra começou a tombar e teve sua estrutura avariada. Vendo o resultado, o artista decidiu não restaurar a obra, pois, segundo ele, a natureza contribuiu para a finalização da obra, produzindo um efeito que nem o próprio artista tinha imaginado. Afinal, a destruição e a fragilidade faziam parte já do conceito original da obra.
Outra obra bastante tocante ligada às questões do embate cultural e político é a girafa empalhada trazida pelo artista Peter Friedl. A girafa morreu em 2002 em um zoológico da Jordânia ao tentar fugir apavorada com o tiroteio provocado pela ocupação da cidade de Qalqiliyah pelo exército de Israel. Após sua morte, foi empalhada de forma amadora por um veterinário local. Ao nos depararmos com a girafa na exposição sentimos um certo desconforto, como se suas feridas e sua fragilidade estivesses expostas através das costuras mal feitas de seu empalhamento. A precariedade e a instabilidade da situação político-social da região dos conflitos entre palestinos e judeus é demonstrada pela vulnerabilidade inocente do animal.
Peter Friedl
Em uma Documenta em que as questões de identidade cultural parecem comparecer não necessariamente por uma pressão curatorial, mas por serem problemas fundamentais da sociedade contemporânea dos quais não se pode fugir, cabe-nos perguntar também como é representado o Brasil.
As imagens de um país precário do terceiro mundo infelizmente teimam em aparecer. Elas surgem nos trabalhos já citados de David Aradeon (baianas típicas e candomblé) e Alejandra Riera (pedreiros e seguranças manipulados) ou mesmo no elaborado vídeo de Dias&Riedweg que mostra cenas do funk nas favelas cariocas equiparadas aos rituais antropofágicos descritos por Hans Staden. Não se pode negar que estas imagens pertencem à realidade do país, porém sua recorrência nestas grandes exposições parecem preencher as necessidades de um olhar colonizador que vê os países periféricos com um misto de compaixão, exotismo e mea culpa.
Por este motivo, a presença de obras como as de Sacilotto, Mira Schendel ou mesmo de Iole de Freitas, que comparece com uma potente instalação, parece representar uma contraposição mais inesperada a olhos europeus desacostumados a reconhecer uma produção artística relevante do lado de baixo do Equador.
Mesmo que estes artistas não estejam entre os mais jovens expoentes da arte contemporânea brasileira, sua presença na Documenta revela que pouco a pouco a história da arte brasileira começa a se inserir no contexto mundial, não necessariamente pela via do exotismo.
Iole de Freitas
Aqui por esta bandas, é comum que após uma Documenta, curadores, artistas e críticos passem a se interessar por um certo tipo de produção ou conceitos que parecem ser as últimas tendências da moda. A convivência de trabalhos e propostas bastante díspares na Documenta 12, uma curadoria menos impositiva e uma montagem aparentemente mais despretensiosa deve tornar a identificação destas tendências um pouco mais difícil. Tomara que isso contribua para o aumento da pluralidade no meio artístico brasileiro, ao invés da importação de conceitos miraculosos.
Uma frase encontrada em outro trabalho do artista Gonzalo Díaz citado no início deste artigo parece-me emblemática neste sentido. Desta vez a frase é escrita com resistências elétricas que se acendem no momento em que o visitante adentra a sala, tornando o ambiente mais aquecido. Aqui traduzo-a livremente do alemão: "Procuramos por todos os lados o absoluto, mas encontramos sempre apenas coisas".
Hugo Fortes é artista plástico, professor universitário e pesquisador. Realizou doutorado em Artes na ECA-USP e na Universität der Künste Berlin, na Alemanha, onde residiu por dois anos. Tem participado regularmente de exposições no Brasil, Alemanha, França, Espanha, Grécia, Dinamarca, Armênia, Filipinas e Uruguai.
gostaria de deixar aqui minha opinião sobre a matéria escrita por Hugo Fortes: MUITO BOA.
parabéns Hugo.
O artigo acompanha plenamente a proposta dos curadores, citada pelo Hugo, de não trazer interpretações prontas e sim instigar a curiosidade do "espectador"/leitor em investigar mais obras dos artistas citados.Gostei muito.
Parabéns por mais esse trabalho.
Que bom ver o Brasil representado na Documenta. E não apenas pela via do exotismo, como salientou Hugo.
O artigo ficou muito bom, conciso e claro. Parabéns!