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dezembro 16, 2004
Tudo aquilo que escapa, por Cristiana Tejo
Alexandre Vogler
Tudo aquilo que escapa
CRISTIANA TEJO
É desconcertante observar o eterno retorno, o movimento cíclico da história. Obviamente esse retorno nunca é igual, pontos são acrescentados, outros subtraídos, mas principalmente o que ocorre é a ressignificação, recontextualização das questões. Tudo aquilo que escapa parte do pressuposto de que o espírito irônico e experimentador de algumas vertentes das vanguardas históricas do início do século XX, notadamente o pensamento de Marcel Duchamp, ganha novos ares nos anos 60/70 e se ressignifica no final dos anos 90 e início dos anos 2000. Não se acha mais possível pensar em vanguarda no início do século XXI. Se vanguarda é aquilo que antecipa, que vem à frente, e a idéia de progresso linear já não mais abarca a experiência de sobreposições de temporalidades e da consciência da impossibilidade do novo, não há como categorizar esse estado de dianteira. O que assistimos nos últimos 10 anos é a atualização de procedimentos e estratégias dos artistas das décadas de 60 e 70, num mundo bastante modificado por mudanças em todos os campos.
O triunfo do neoliberalismo, a completa aderência ao mercado e ao consumo exacerbado e o conseqüente esmaecimento da utopia, os deslocamentos cada vez mais rápidos e massificados, a ascensão e popularização da tecnologia e da informação no cotidiano das pessoas, o reconhecimento por parte do estado do direito das minorias e da diferença e a dissolução gradual das fronteiras que separam o centro e as margens, entre tantos outros aspectos, separam a época de hoje da de 40 anos atbrs, Garaicoa opera, a um só tempo, com os desejos, motores das utopias e com uma base concreta na qual esses desejos estão ancorados e podem vir a se tornar realidade.
Ao invés de repetir o procedimento modernista de fazer tabula rasa para construir o novo (Brasília é um ótimo exemplo nesse sentido, no que diz respeito ao urbanismo), o artista preserva as estruturas já existentes e propõem começar a construção do novo a partir daí. Garaicoa estabelece assim o que José Ignacio Roca, em texto sobre "Autoflagelación..." no catálogo da Bienal, nomeia de uma "comunidade ideal do possível".
Podemos ler os fios que unem os cortes suspensos nas paredes às suas correlatas maquetes em madeira como metáforas dessa linha tênue que liga sonho e realidade. Os cortes, quando de longe, parecem somente sombras e, como se encontram no alto, estão fora do nosso alcance. Esses aspectos conferem uma atmosfera onírica a esses desenhos frágeis, feitos de matéria tão delicada. Mas cada um deles está ligado ao seu correspondente em madeira, palpável, ao alcance de nossas mãos, evocando assim a dimensão possível, mesmo que precária, dos sonhos ali propostos.
Fazem parte ainda da instalação três vídeos exibidos em pequenos monitores, nos quais assistimos a tentativa de construção de maquetes feitas a partir de lâminas, pedaços de pão e garrafas de coquetéis molotov. A violência que permeia a marcha em direção ao progresso e o sacrifício da multidão anônima que garante a estabilidade desse processo estão aqui metaforizados.
As fotografias de Catherine Opie, "Untiled # 8 (Surfers)" (2003), são espécies de pausas silenciosas para o olhar em meio ao torvelinho de imagens que habita toda exposição de grande porte como a Bienal. Antes de tudo, as suas imagens demoram a aparecer por inteiro. Ao longo da seqüência de oito fotos vai sendo despido um véu branco esverdeado, feito de um misto de maresia e névoa das primeiras horas da manhã. O que o véu esconde, por sua vez, não guarda nada de surpreendente. Quando a paisagem enevoada dá lugar a uma imagem mais límpida, o que temos a nossa frente são apenas surfistas à espera de uma onda, surgindo bem pequenos em meio à grandeza da natureza. Entretanto, não é possível dizer que a última seja a protagonista do trabalho. As imagens de Opie captam um momento em que nem homem, nem natureza, estão dando espetáculo. Aqui habita a quietude e a discrição, reversos do espetáculo.
"Untiled # 8 (Surfers)" traz uma atmosfera em tudo oposta aos registros tradicionais do surfe. No lugar da adrenalina, da luta do surfista por dominar a onda, ou dos momentos em que esta promove a queda do primeiro, temos a completa ausência de movimento, momento no qual a ação é somente uma promessa. Aqui o esportista surge contemplativo, diante de uma natureza quieta porém imponente.
A imobilidade reflexiva; o ato da espera no lugar da ação; o mostrar-se pouco, que no seu auge revela tão somente uma espécie de não-acontecimento; a captura do momento coadjuvante no lugar do decisivo; são todas escolhas que formam a tessitura invisível da obra de Opie, que findam por revelar posições críticas em relação a diversas lógicas vencedoras no mundo contemporâneo.
"Caja de música" (2004), de Jorge Macchi, ao seu modo, também traz a marca do antiespetáculo. Não é exagero dizer que esta é a obra da exposição que mais desafia a escala monumental da Bienal e do imponente pavilhão modernista -podemos pensar na grandiloqüência cansativa das projeções do francês Melik Ohanian como o contraponto espetacular em relação a "Caja de música", tanto no que diz respeito à escala, quanto à linguagem do trabalho.
Entramos na pequena sala escura que abriga a obra de Macchi e ouvimos um som de caixinha de música, lá dentro um pequeno monitor de TV exibe um vídeo em "loop" de carros passando numa auto-estrada. O vídeo de um minuto possui a mesma duração da música. Os carros surgem como os motores internos da caixa de música; assim, é como se a peça musical que ouvimos fosse originada pelo grupo de automóveis.
Temos aqui uma imagem emblemática da vida urbana, ligada à velocidade, poluição sonora, deslocamentos apressados. Mas em Caja de música todos esses aspectos têm o seu sinal invertido. A cena urbana encontra-se numa situação intimista; os carros parecem passar lentamente, surgindo como propulsores de um som singelo, que dura um tempo bem curto, como curto torna-se o deslocamento. A comunhão entre música e imagem, e a repetição contínua de ambas geram uma atmosfera melancólica que a cena original não possui, como observa o próprio artista na entrevista concedida à Ana Paula Cohen presente nesse dossiê.
Vale notar não só tais deslocamentos de percepção operados por Caja de música através de movimentos tão simples, mas também pensar no que significa essa escolha pela economia diante de um mundo marcado pelo excesso. Excesso de alguma forma mimetizado em mega-exposições como a Bienal. Assim, podemos entrever no partido de Macchi (muito bem exposto na entrevista citada) por uma presença discreta em meio a um entorno superlativo, uma visão crítica que extrapola o âmbito do seu próprio trabalho, e versa sobre uma dinâmica do mundo atual e de como o campo da arte se coloca diante dela.
Buscou-se aqui mostrar ser possível haver uma interação rica com obras que se destacam nessa edição da Bienal sem que tenhamos que ter em mente a proposta do curador. Potencializar e partilhar poucos mas vigorosos encontros com certas manifestações, e ainda delinear um diálogo possível entre trabalhos muito distintos. Essas as tentativas postas em obra nessa breve intervenção.
Luisa Duarte é jornalista e crítica de arte. Em 2004 está concluindo a pós-graduação lato-sensu em Arte e Filosofia do Departamento de Filosofia da PUC-Rio.
Sobre os artistas:
Julie Mehretu
Addis Ababa, 1970. Vive e trabalha em Nova York.
Exposições individuais selecionadas: 2004 - Matrix, University of Califórnia Berkley Art Museum. 2003 - Walker Art Center - Minneapolis. 2002 - Whit Cube - Londres.
Exposições coletivas selecionadas: 2003 - The Moderns, Castello di Rivoli, Turin. 2002 - Drawing Now: Eight Propositions, Museum of Modern Art, Nova York. Busan Bienalle.
Angela Detanico e Rafael Lain
Caxias do Sul, 1974. Caxias do Sul, 1973. Vivem e trabalham em São Paulo e Paris.
Exposições coletivas selecionadas: 2004 - Nam June Paik Award, Kunststiftung NRW, Dortmund. Derivas, Galeria Vermelho, São Paulo. 2003 - GNS/ Le Pavillon, Palais de Tokyo, Paris. Intershop Südstattsüd, Kunstverein Karlsruhe. Modos de Usar, Galeria Vermelho, São Paulo.
Carlos Garaicoa
Havana, 1967. Vive e trabalha em Havana.
Exposições individuais selecionadas: 2004 - The Measure os Almost Everything. Palazzo delle Papesse, Siena. 2003 - Autoflagelación, Supervivencia, Insuborinación. Sala Montcada, Fundació la Caixa, Barcelona.
Exposições coletivas selecionadas: 2003 - Letter to Censors, Artist`Statements at Art Miami-Basel. 2002 - Documenta 11. Kassel.
Catherine Opie
Sandusky, 1961. Vive e trabalha em Los Angeles e Nova York
Exposições individuais selecionadas: 2004 - Catherine Opie: Surfers, Regen Projects, Los Angeles. Skyways and Icehouses, Walker Art Center - Minneapolis. Catherine Opie - Museum of Contemporary Art, Los Angeles. 2002 - Wall Street, Stephen Friedman Gallery, London.
Exposições coletivas selecionadas: 2004 - The Whitney Biennial - The Whitney Museum of American Art - Nova York. Art, Lies and Videotape, Tate Liverpool. 2002 - En Route, Serpentine Gallery, Londres.
Jorge Macchi
Buenos Aires, 1963 - Vive e trabalha em Buenos Aires
Exposições individuais selecionadas: 2003 - Buenos Aires Tour, Galeria Espacio Distrito Cu4tro, Madrid; Galeria Luisa Strina, São Paulo. 2002 - Fuegos de artifício, Galeria Mirta Demare, Rotterdam.
Exposições coletivas selecionadas: 2003 - Panorama da Arte Brasileira (Desarrumado) - MAM, São Paulo; 4° Bienal do Mercosul, Porto Alegre; Bienal de Istambul, Turquia. 2002 - Reality Check, Galeria Hengevoss-Dürkop, Hamburgo.
Muito elogiado pelo público, por vezes se fez até demais, Paulo Bruscky participa do Salão de Artes Plasticas de Pernambuco falando mais alto que todos na vanguarda dos anos 2000, afinal, onde foi parar o garnde pega varetas dele? Será que foi uma piada, uma ironia a não realização da obra e a mostra apenas do projeto?
Posted by: Cecilia at dezembro 14, 2004 10:17 AMNa minha opinião foram convidados "artistas", e não artistas para essa exposição. Muito dificil de engolir, a mostra não tem nenhum apelo visual, e os conceitos em questão, com excessão dos trabalhos da Chiara Banfi, Lucas Bambozzi e do Canal, não sustentam um Salão. Na visita ao Museu do Estado de Pernambuco, fiquei decepcionado com a carência estética e com o exagero de importância dada aos conceitos frágeis, quase por um fio da mostra coletiva.
E portanto, consegui passar uma tarde inteira vagando pelo Salão vazio e ao mesmo tempo cheio de interrogações na minha cabeça. Os trabalhos são muitas vezes agradáveis e interativos, mas bobos e sem muito interesse. Lendo o texto da curadora, ainda se abre uma porta, mas mesmo assim, ela não fala mais alto que uma bela ou intrigante verdadeira obra de arte.
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Posted by: Margareth at março 18, 2005 2:08 PMolha>>>>>>>>>>>eu não vi a exposição..........., primeiro vi o convite,gostei da produção g´rafica, aí depois fui captando as informações da internet>>>>>>>>de primeira achei interessante a iniciativa, o agrupamento, o intercâmbio, etc.........depois vi a boolsa de pesquisa em artes por edital....... Gosto quando aparecem essas oportunidades ou evidências em outras regiões, acho importante essa inserção informacional em rede, que cria esse circuito por onde conhecemos as ações por ler as coisas que estão ou abrindo ou em andamento, acontecendo............ ........ parabenizo a iniciativa de todos da produção e da curadoria por trazer a tona o que falta um pouco em outras regiões do Brasil >>>>>>>>>>>>>>>, mas continuamos aqui, estoy ouvindo tudo:::::::::
Posted by: traplev at março 19, 2005 1:04 AMGostaria de saber como posso entrar em contato com a curadora Cristiana Tejo.
Atenciosamente,
Sr.Eduardo
Posted by: Eduardo at abril 12, 2005 12:52 AMimagens de fluxo: Aguas,minha cama pela manhã, fogos,minha mulher,ventos( visíveis apenas nas coisas),o dowloude,a diarista,nuvens...Um preto velho me disse outro dia:_ O homem nomeia tudo né,ele precisa disso...A fala deste guia de umbanda, me lançou neste entre lugar,sim, temos medo do sem nome.Daquilo que no fluxo da vida nos escapa a mente raza, e nos deixa impotentes por ter que seguir sem um ponto que facilite o caminho.Na africa há um conceito de que quando se sabe o nome de alguem tem-se poder sobre este...queremos ter poder sobre sobre o fogo, que move o verbo alheio,enquanto o nosso jaz azul quase calado de tão domado.Este dialogo daria um tese de mestrado,pois estamos falando de um passo entre muitos ainda a serem dados por este sujeito ( o artista),quando é que realizaremos isto realmente abertos para cada olhar?Sinto,por isso creio. A arte em cada um, é como àgua,se ficar parada, apodrece,e já não rompe pedras.Prá quem não der conta do Karaokê do Helio,pode passar lá no "Boteco do Beuys" prá encostar a cabeça nas mesas de feltro e afogar as lagrimas tomando um marafo de Minas!
Posted by: Benjamin Abras at dezembro 13, 2005 10:57 AM