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Como atiçar a brasa

 


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junho 18, 2010

Rivane Neuenschwander leva obras do acaso a NY e à Suécia por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 18 de junho de 2010

Artista mineira ocupa três andares do New Museum e tem mostra marcada em museu sueco

Obras são provocações à participação do público, como policiais que farão retratos falados de amores dos visitantes

Ela não fala muito. Diz que prefere escrever. Mas está ali, com os olhos azuis bem abertos, pronta para a conversa. Só que as palavras não vêm.

Sobre a toalha de mesa cor-de-rosa, um arsenal de distrações. Pães de queijo saídos do forno, café acabado de passar, bolo de fubá.

Rivane Neuenschwander engole o silêncio e mostra na tela do computador a cena de um filme no YouTube.
Só quando descreve Gene Hackman destruindo o apartamento em "A Conversação", de Francis Ford Coppola, parece destravar a língua.

Não venceu a timidez. Ela continua à espera de munição para o discurso calculado, temas que vêm das imagens no monitor. Da mesma forma reticente, a obra dessa artista parece propor silêncios só cortados pelo público.

Não espanta que a mineira Neuenschwander, descendente de suíços, tenha mandado fazer máquinas de escrever sem letras, só com pontos finais, para uma de suas maiores instalações.

Mas, ao contrário das reticências na fala e nas obras, sua carreira agora adentra um terreno de exclamações.

Na semana que vem, ela ocupa três andares com obras suas no New Museum, de Nova York. E no fim do ano, tem mostra marcada no Malmö Konsthall, na Suécia.

Numa das obras centrais da mostra em Nova York, ela mandou instalar microfones escondidos no piso e numa parede antes mesmo de viajar para lá. Quando chegar, vai destruir a parede, do mesmo jeito que no filme de Coppola, atrás dos aparelhos.

No fim das contas, a gravação desse ruído todo é o que fica exposto para o público.

"Me interessa que gravem a destruição", conta a artista à Folha, em seu ateliê em Belo Horizonte. "É um embate entre construção e acaso, não sei prever que configuração esse trabalho vai ter."

Mas é certo que vai funcionar da forma como o resto de sua obra. É sempre uma provocação, um vazio, seguido de gestos para acalmar a desordem, estruturar o caos.

"Tenho muito pouco de autoria mesmo", diz Neuenschwander. "Mas é porque já tem muita coisa no mundo, é só organizar."

Ela constrói então um inventário de formas, ou melhor, recruta estilhaços do cotidiano, banais até não poder mais, para suas obras.

Baldes cheios d'água vão ficar pendurados no teto do museu, gotejando sobre outros recipientes logo abaixo.

Alguém em Nova York ficará encarregado de administrar a tempestade doméstica, que dura quatro horas.
Da mesma forma que os 91 dias de duração dessa exposição determinam a existência de 91 colagens numa parede. São rodelas minúsculas de papel em fundo preto.

Cada constelação dessas, de pontos brancos sobre o preto, é uma "noite picotada" de uma edição do "Livro das Mil e Uma Noites".

Neuenschwander não sabia como cada colagem ficaria. Também não podia prever o resultado do filme que fez furando 1.001 buracos na própria película de 16 mm.

RETRATO FALADO
Tudo parece estar fadado ao acaso, destino incerto com certo potencial plástico.

Em outra obra-performance que leva ao New Museum, Neuenschwander contratou policiais para fazer o retrato falado do primeiro amor de cada visitante da mostra.

"É resgatar na memória essa pessoa", descreve. "Mas em contraste com uma poética de investigação criminal."

Na Suécia, ela vai instalar 58 painéis de acrílico cheios de temperos coloridos, que também vão passar por transformações incontroláveis ao longo do tempo.

Neuenschwander parece desenhar sua obra em torno da própria ausência. São os microfones cavados na parede, os policiais desenhando amantes perdidos, os furos de velhos contos mofados.

Mas nada é puro acaso. "Precariedade é uma coisa, oportunidade é outra", resume a artista. "Nada é feito sem pensamento, para cada acaso, precisa haver um controle." Mesmo precário.

Posted by Fábio Tremonte at 1:57 PM

junho 17, 2010

Mostra opõe telas de Sued a fotos de Wolfenson por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 17 de junho de 2010

Pintor e fotógrafo ocupam segundo andar do Maria Antonia a partir de hoje

Instituição no centro de SP também abre hoje individuais de Otavio Schipper, Marcelo Moscheta e Maria Laet

Está armado um confronto. De um lado, as fotografias digitais de Bob Wolfenson. Do outro, as abstrações cromáticas de Eduardo Sued.

Enquanto Wolfenson fotografa apreensões da polícia, drogas, armas e munição, Sued mostra uma série de pinturas recentes, telas em que opõe o tumulto do gesto a tarjas sólidas de cor.

No segundo andar do Maria Antonia, a mostra que abre hoje parece estabelecer um contraponto entre a realidade exacerbada e a fatura da cor na superfície das telas.

Não que Wolfenson tente fazer denúncia. É outro o significado que tenta extrair das apreensões de contrabando.

Interessa menos o pássaro na gaiola, o carrinho cheio de metralhadoras e fuzis, e mais a natureza-morta dos tempos de hoje, perscrutada com olhar tecnológico, digital.

Sued habita o plano da abstração. Seus desvios não são os descaminhos da Receita Federal, nem são nacionais as fronteiras. Ele alterna nas telas a lisura das cores mais saltadas e a rugosidade das manchas escuras.

É como se tentasse estruturar a origem nebulosa da forma em cor, contraste entre primeiro e segundo planos.

Também na instalação de Otavio Schipper, no primeiro andar, surge um contraste entre analógico e digital. São telefones, telégrafos e um software de leitura para cegos que conversam numa espécie de cacofonia melódica - o ruído desse embate.

Posted by Fábio Tremonte at 4:47 PM

junho 16, 2010

Três novos livros exploram obra de Iberê Camargo por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 15 de junho de 2010

Artista gaúcho é tema de volume introdutório e outro de ensaios, além de ter os próprios escritos editados

Novos textos críticos analisam técnica do pintor, sua obsessão pelos carretéis e seu marcante estilo literário

"Não há espaço para a alegria", escreveu o artista Iberê Camargo. "Toda grande obra tem raízes no sofrimento."

Mas a dele não era uma angústia homogênea. A obra deste pintor gaúcho, morto há 16 anos, está arquitetada sobre contrastes agudos, quente e frio, presente e passado, mergulho introspectivo contra a impetuosidade.

Três livros lançados agora pela Cosac Naify exploram a fundo o universo que estrutura a obra de um dos maiores pintores do país, conhecido por telas de gestual exacerbado, estética grotesca e a obsessão com que pintou os carretéis de costura da mãe.

Se no primeiro deles, "Iberê Camargo: Origem e Destino", a crítica Vera Beatriz Siqueira introduz a obra do artista, o segundo, "Gaveta dos Guardados", vai além, trazendo os escritos do pintor.

"Tríptico para Iberê", livro de ensaios, reúne estudos sobre a técnica do artista, a série dos carretéis e uma análise dos textos que escreveu.

Esse último livro é o que parece dar corpo às afirmações dos diários de Camargo.

DRAMA E ESTRUTURA
Enquanto ele confessa que "no andarilhar de pintor, fixo a imagem que se me apresenta agora e retorno às coisas que adormeceram na memória" e que a "pintura é um jogo entre quente e frio", Daniela Vicentini diz que a obra "acontece por contrastes".

"Ele é visto como um artista expressionista, dramático", diz Vicentini à Folha. "Minha contribuição é pensar que há uma estrutura."

Também por trás da memória afetiva, está a noção histórica de que a forma dos carretéis se relaciona com o geometrismo que tomava a arte brasileira da época.

No momento em que Hélio Oiticica inventou seus "Metaesquemas" e o neoconcretismo ganhava dimensões de vanguarda nacional, Camargo descambou para os carretéis, quase como maneira de apaziguar e conter as arestas de sua memória sofrida.

"Não há um ideal de beleza", escreveu o artista. "Mas o ideal de uma verdade pungente e sofrida que é minha vida, e tua vida, é nossa vida, nesse caminhar no mundo."

Posted by Fábio Tremonte at 3:51 PM

Arte enferma por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 15 de junho de 2010

Dupla de alemães interna artistas, galeristas, curadores e críticos em clínica de reabilitação em Berlim

Arte tem cheiro de cocaína. Num mundo de festas encharcadas de champanhe, da velocidade do mercado que acompanha a voracidade do vício, dois alemães decidiram levar artistas, curadores, críticos e galeristas para a clínica de reabilitação.

Benjamin Blanke e Claudia Kapp, também artistas, fizeram dos colegas cobaias para entender o papel das drogas nas artes visuais.

Em vez de mostrar suas obras, pediram ao KW, centro de arte contemporânea em Berlim, que bancasse a desintoxicação de personalidades do meio artístico numa clínica de reabilitação perto da capital alemã.

No meio de uma floresta, o sanatório Havelhoehe recebe até 291 pacientes, tem duas alas de desintoxicação e usa pintura, escultura e também ginástica nos tratamentos.

São adeptos da chamada medicina holística, ou antroposófica, que tenta dar atenção equivalente a aspectos físicos e mentais do paciente.

Internos do projeto, que passaram cerca de dez dias na clínica, foram convocados por e-mail. O convite tinha só uma imagem, a de uma porta fechada, usada pelos artistas para divulgar o projeto.

"Uma pessoa já disse que era uma reflexão sobre estética", resume Claudia Kapp à Folha. "Não diria que é uma performance, mas um trabalho mais conceitual, de estética relacional iconoclasta."

Jargões à parte, a realidade dos mais de 200 inscritos no projeto passou longe dessas dimensões filosóficas.

"Desde que cheguei, me dão doses de um pó branco três vezes ao dia para reduzir a ansiedade", escreveu um crítico de arte internado na clínica. "É como cocaína ao contrário, precisaria cheirar toneladas para sentir qualquer sensação de alívio."

Mais do que alívio, uma pausa. Na visão dos artistas, as drogas nesse meio não têm mais a ver com ampliar horizontes da percepção, como os anos 60 e 70 popularizaram o uso do LSD e afins.
"É menos hedonista", diz Kapp. "Está mais ligado à competição: aumentar, melhorar, acelerar a produção."
Tanto que, além dos artistas que se inscreveram, maior alvo do programa, críticos e galeristas insones com preços nas alturas e a rotina pesada dos vernissages correram para a clínica.

VÍCIOS REAIS
"Alguns deles não eram viciados em nada", conta Kapp. "Queriam só se desintoxicar do mundo da arte."
Esses que buscavam uma limpeza ideológica ficaram fora da clínica, onde médicos de verdade, além de psicanalistas e psiquiatras, trataram seus vícios reais.

"À noite, uma toalha encharcada de chá medicinal é aplicada contra meu fígado para absorver as toxinas", escreveu um crítico alcoólatra internado na clínica.

Ele adianta o relato descrevendo as esculturas de argila que fez para passar o tempo. Enquanto seus dotes artísticos permitiram fazer só umas vasilhas, uma colega esculpiu até um busto de Hitler.

"Conhecemos artistas, amigos pessoais, que estão sofrendo muito com isso", conta Kapp. "É horrível."
Ela vê nesse ponto uma relação cada vez mais estreita entre arte e o mundo das celebridades, "estrelas do rock conhecidas pelos excessos".

Muitos dos inscritos na reabilitação, aliás, achavam que teriam seus trabalhos expostos em Berlim como contrapartida ao tratamento.

"Achavam que ficariam famosos, mas o projeto é anônimo", diz Kapp. "Tudo tem cada vez menos a ver com arte, há um grande vazio."

Posted by Fábio Tremonte at 3:29 PM

Poética de vida e morte por Fernanda Fatureto, Le Monde Diplomatique

Matéria de Fernanda Fatureto originalmente publicada na seção Cultura do Le Monde Diplomatique em junho de 2010

A exposição “O Funâmbulo e o Escafandrista”, da artista-plástica Laura Erber, em cartaz em SP, faz uma cartografia do Sena e tece a relação do rio com os habitantes de Paris.

O funâmbulo é aquele tipo de equilibrista que, com um pé sobre a corda, sabe que está a um passo do fim. Contrariamente, ao manter as mãos suspensas no ar, assegura-se da materialidade da vida: assim caminha o funâmbulo entre duas possibilidades até o imprevisível final. Oposição entre vida e morte, relação que perpassa a história natural de toda a humanidade, não fossem os artistas a intuírem que entre uma e outra não há antinomias e sim aproximações. Vida e morte se ocupam do saber. Para Guilles Deleuze o saber está próximo do viver, sendo que a vida não se opõe ao saber, pois mesmo as maiores dores dão um estranho saber aos que experimentam1; para outro pensador, Walter Benjamin, o saber está à favor da morte, pois é no momento da morte que o saber e a sabedoria do homem e sobretudo sua existência vivida assumem pela primeira vez uma forma transmissível2. Dois pensamentos que buscarão na ficcionalidade a solução do impasse. O Romantismo foi talvez o inaugurador desta nova relação potente, em que o poeta, depois de viver radicalmente, entrega-se ao fim em ato heróico. A morte não era interrupção, mas possibilidade de continnum, potência capaz de manter o artista imortal. O desafio criador era viver a posteriori.

Assim foi com Baudelaire, Walter Benjamin, Gilles Deleuze entre tantos que dedicaram sua existência justamente à tarefa exigente: pensar a vida. Todos se suicidaram. Como se a morte fosse o grito libertador para essa mesma impotente vida, porque mortal. Antonin Artaud, o escritor da crueldade, que defendia a corporeidade da vida advogou a favor de outro suicida sentenciando-lhe a inocência: Van Gogh não havia se matado. Não, ele não era louco. Foi a sociedade que o matou, tirando-lhe sua lucidez por meio do conformismo de costumes das próprias instituições3. Máquinas alienantes. Artaud, ele próprio considerado louco por dizer verdades cruas, vivendo parte de sua vida em hospitais psiquiátricos, escreveu sobre o suicídio. E afirmou: tolero terrivelmente mal a vida.

A artista visual Laura Erber realiza em O funâmbulo e o escafandrista, instalação multimídia composta por videoprojeções e depoimentos em televisões, uma cartografia do rio Sena, seu fluxo e relação com os habitantes – citadinos – de Paris. Ou melhor, do que os impele a romper com a contemplação, relação secundária e estática com o rio, e lançarem-se ao jorro das águas: o pleno ato de suicídio. Nas palavras da artista, todo ano o Sena recebe cerca de 180 corpos na região parisiense. Este dado é acompanhado de perto pela Brigada Fluvial da cidade, em que escafandristas realizam a busca de objetos perdidos no fundo das águas e encontram corpos feitos dejetos abandonados à espera do reencontro com a vida: o encontro final com familiares aguardando pelo reconhecimento do corpo e a possibilidade de vivenciarem o luto.

Laura Erber, em sua exposição, enreda a morte no campo ficcional, apodera-se da performance-morte para tratar de representação. Maurice Blanchot quem nos disse que a obra literária só se realiza quando aquele que ali diz “eu” dá lugar a uma voz vinda de outro lugar, transformando-se em um “ele sem rosto”4. Laura Erber, também poeta, traça essa ambiguidade em que morte e linguagem emergem ante o mesmo rosto. Como o canto das sereias de Ulisses, não mais tentado a tapar os ouvidos e sim disposto a sucumbir ao chamado para o fundo das águas. Um canto de morte para fazer viver a obra. O fim da realidade para chegar enfim à representação. A partir daí se enreda a ideia de que arte se apodera da morte para tecer a ficção. Em um dos vídeos dispostos pela sala, há “exercícios de leitura” para textos de Paul Celan e Ghérasim Luca, ambos poetas encontrados mortos no rio Sena. Celan em 1970 e Luca em 1994. Os vídeos trabalham com a ideia de tecitura da linguagem como trama, enredo. A imagem mostrada do fluxo do Sena é interrompida pela escritura.

Rio e palavra a serviço de uma mesma cena: o teatro da própria vida se fazendo; o devir. O que Laura Erber quer é mostrar a morte como personagem de uma “cidade-rio onde tudo passa e nada se fixa”, como diz o artista plástico Selim Abdullah em outro vídeo-depoimento. Em uma das videoprojeções, surge a menina narradora nos contando a fábula da mulher que “leu um livro tão bonito que morreu”. Mais uma vez Laura Erber nesta trama fragmentada faz ecoar a voz de Walter Benjamin, quando o autor diz que qualquer um possui autoridade ao morrer e a morte é a sanção de tudo o que o narrador pode contar. É da morte que ele deriva sua autoridade. Narrador e morte, ambos autores de uma história inaudível.

Na contemporaneidade tudo se verte em imagem. Então vemos o simulacro fúnebre, um ideal de morte arquitetado pelo jogo da artista. Surge o fetiche. O que leva tantos parisienses a se entregarem ao leito do Sena todos os anos? Rio é recordação. Seria a vontade de resgatar a memória da infância, pois ela guarda segredos compartilhados em águas profundas. Em vídeo, Selim Abdullah fala do senso de pertencimento à água para alguns artistas. Höldeling, Matisse. Paul Celan que, alguns anos antes de se jogar no Sena, escreveu: eu estou no mundo por intermitência. Quando o fluxo se interrompe, a vida mesmo em seus rastros constitutivos de mémoria está impossibilitada de ser representada outra vez. Por isso, o narrador em Benjamin está preparado para este encontro com o fim. Toda escritura é um porvir ainda inaudito. A linguagem tenta reconstituir este vazio. E a morte é seu encontro.

Posted by Fábio Tremonte at 3:07 PM

junho 14, 2010

Entre 6 e a interseção entre pintura em diversas mídias por Salomão Terra, opeeraa.com

Matéria de Salomão Terra originalmente publicada na seção Artes Visuais do opeeraa.com em 14 de junho de 2010

Seis artistas reúnem-se em coletiva para refletir sobre os contornos da pintura em diversas mídias

Em cartaz até 11/07 na Galeria Archidy Picado, da Fundação Espaço Cultura da Paraíba (Funesc), o público de João Pessoa poderá acompanhar a exposição Entre 6, como uma reflexão entre a pintura em diversas mídias. São ao todo 16 trabalhos, dentre fotografias, pinturas e uma instalação interativa.

A proposta inicial da terminologia “Entre 6” surgiu da tecla Enter, de e-mails, msn, skype, debates, ligações, conexões via web. “Entre” significa estar entre uma coisa e outra, entre um discurso pictórico, de conceitos e de uma prática manual, a qual implica uma mistura de tintas, cores, formas.

Reunindo trabalhos de Andrei Thomaz, Flávio Lamenha, Thiago Martins de Melo, Rodrigo Mogiz Bruno Vieira e Elton Lúcio, tem-se, dentro do escopo da pintura, arte ora construída manualmente ou através dos meios tecnológicos, desde arte interativa, da fotografia digital manipulada, ou por objeto que recebe um tratamento de forma a entender aspectos da pintura ocidental.

A fotografia e o vídeo desenvolvem um importante papel nesse território. Paradoxalmente, em uma mostra cujo foco é a pintura, o elemento da fotografia clareia certos aspectos, incorporando abordagens influenciadas pela pintura, servindo como fonte imagética como o território mais controverso da arte contemporânea.

Posted by Fábio Tremonte at 5:40 PM

Da tinta à manipulação digital, coletiva “Entre 6” explora os limites da pintura, Paraíbanews.com

Matéria originalmente publicada no site Paraíbanews.com em 9 de junho de 2010

Selecionados pelo Edital de Ocupação da Archidy Picado, seis artistas, de várias partes do país, se unem em proposta inovadora, na mostra que abre nesta quinta (10/06)

A pintura é o foco, mas eles se aproveitaram das várias possibilidades disponíveis nas artes para causar impacto nos expectadores. A proposta apresenta artistas que trabalham na fronteira entre esses meios e habitam áreas de interseção com a pintura. O resultado é uma mostra coletiva com 16 trabalhos –, dentre fotografias, pinturas e uma instalação interativa – chamada “Entre 6”, dos artistas visuais Andei Thomaz, Bruno Vieira, Hélton Lucio, Flávio Lamenha, Rodrigo Mogiz e Thiago Martins.

A exposição, a segunda selecionada pelo Edital de Ocupação da Archidy Picado, promovido pela Fundação Espaço Cultural da Paraíba (Funesc), abre à visitação pública nesta quinta-feira (10/06), às 20h, na Galeria Archidy Picado do Espaco Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa. A entrada é gratuita.

Os trabalhos atraem e aguçam a curiosidade. Podem fazer da contemplação um momento de interatividade entre a obra e expectador. O artista Bruno Vieira, natural de Recife (PE), usa a fotografia aplicada sobre persianas. “Os trabalhos apresentados dessa proposta versam sobre pintura: ora são construídos manualmente, ora através dos meios tecnológicos, desde arte interativa, da fotografia digital manipulada, ou por objetos que recebem um tratamento de forma a entender aspectos da pintura ocidental”, explicou.

“A proposta da coletiva ‘Entre 6’ surgiu da tecla “Enter” das mensagens instantâneas, dos e-mails trocados, diálogos via MSN, Skype, debates, ligações, conexões via web”, explicou. “Entre significa estar entre uma coisa e outra, entre um discurso pictórico, de conceitos e de uma prática manual, a qual implica uma mistura de tintas, cores, formas”, acrescentou o artista Thiago Martins de Melo.

Nos trabalhos de Thiago Martins, a fotografia é utilizada como recurso na formação de imagens pictóricas. Como integrante desse projeto coletivo, Thiago enfatizou a importância de juntar seis artistas naturais de Estados distantes e com construções poéticas diferentes, mas conectados. “Trocamos idéias e nos vemos conectados de alguma maneira. São conexões vivas postas diante da vida”, concluiu.

Posted by Fábio Tremonte at 5:33 PM | Comentários (1)

Mostra expõe ousadia tropical em Madri por Fábio Cypriano, Folha de S. Paulo

Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 12 de junho de 2010

Mostra expõe ousadia tropical em Madri

"Desvios da Deriva" traz visão alternativa de brasileiros e chilenos à arquitetura modernista e racionalista

"Eu era arquiteto e mudei para a arquitetura da imaginação", conta o artista Roberto Matta (1911-2002), num depoimento em vídeo, incluído na mostra "Desvios da Deriva. Experiências, Travessias e Morfologias", com curadoria da brasileira Lisette Lagnado, no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofía, em Madri, em cartaz até 23 de agosto.

A tensão entre a prática da arquitetura e uma visão tão criativa que se torna mera utopia marca a exposição através de dois grupos de artistas-arquitetos: os brasileiros Lina Bo Bardi, Flávio de Carvalho e Sérgio Bernadores, e os chilenos que, além de Matta, são representados por Juan Borchers e o grupo da Escola de Valparaíso.

A sessão chilena tem curadoria de Maria Berrios. Pontua ainda a mostra uma série de desenhos feitos pelo arquiteto francês Le Corbusier (1887-1965), quando passou pelo Brasil em 1936. Le Corbusier é visto na mostra como uma figura visionária, no sentido da busca de uma arquitetura não apenas marcadas pelas linhas racionais, mas também por uma visão orgânica da construção e da busca do diálogo com o contexto.

Além de ter influenciado grande parte da arquitetura brasileira, por conta de suas constantes visitas ao país, na mostra explicitado por seus desenhos apresentados numa conferência em 1936, Le Corbusier ainda abrigou Matta em seu escritório.

DESTAQUES
Construída por meio de elegantes estantes, em vez de paredes, a cenografia da exposição, assinada pela arquiteta Aurora Herrera em parceria com Lisette Lagnado, é marcada pela transparência, já que todos os móveis são vazados.

O grande destaque da encenação da mostra, contudo, é um dispositivo criado pela artista francesa Dominique Gonzalez-Foester, pelo qual o famoso conjunto de saia e blusa New Look para Verão, de Flávio de Carvalho, desfila pela exposição pendurado em um cabide.

Com cerca de 200 obras, entre maquetes, desenhos e documentos, "Desvios da Deriva" apresenta uma visão de alternativas, no Brasil e no Chile, ao modernismo racionalista, ao mostrar que a utopia nos trópicos não era uma meta distante, mas consistia na concepção de projetos que respeitavam o ambiente e a escala humana.

Nesse sentido, Bo Bardi se converte num dos grandes ícones da exposição, por viabilizar projetos inovadores como o Masp, a restauração do Museu de Arte Moderna da Bahia e o Sesc Pompeia.
E Flávio de Carvalho, que na mostra do MAM de São Paulo parecia tão pacato, surge de fato como o "revolucionário romântico", apelido pelo qual era chamado por Le Corbusier.

Posted by Fábio Tremonte at 2:58 PM

Ela está no meio de nós por Michele Rolim, Jornal do Comércio

Matéria de Michele Rolim originalmente publicada no Caderno Panorama do Jornal do Comércio em 14 de junho de 2010

“O que podemos ser se não percebemos o que nos cerca?” O questionamento é do artista plástico gaúcho André Venzon, e diz muito sobre as suas obras e seu mais recente trabalho, Faces perdidas. Nele, Venzon apropria-se de imagens tradicionais da história da arte, como Davi, de Michelangelo e A última ceia, de Leonardo da Vinci, subtraindo suas faces, mas deixando à mostra o tapume. O autor elimina-lhes o rosto, mas não a carga simbólica, evocada pela memória e pela permanência dos corpos e molduras. “Tudo tem uma face: a cidade, as coisas e nós mesmos. A intenção é refletir que a arte está no meio de nós, inclusive na forma de tapumes”, destaca.

Este trabalho, exposto até o dia 26 de julho no StudioClio (José do Patrocínio, 698), sob curadoria de Blanca Brites e Leandro Selister, dá continuidade às produções anteriores de Venzon, também voltadas a jogos de ocultamento da cabeça. “Essas faces perdidas oferecem desde um exercício de recordação e de imaginação em relação ao que permanece da imagem, bem como a tipos de associação que podemos imaginar sobre o lugar do tapume nestas obras”, enfatiza o artista, destacando o papel deste material (o tapume), como um elemento identificador de seus trabalhos. “Ele representa um índice de urbanidade e relaciona nosso corpo com a cidade em que vivemos”, revela.

Segundo Venzon, os espaços urbanos são considerados matéria-prima para a realização de suas obras. Tanto que, esses lugares despontam em vários trabalhos do artista que, na década de 1990, chegou a estudar arquitetura e urbanismo, embora sem concluir. “Esta experiência no curso foi fundamental para lançar mão de projetos artísticos com embasamento técnico-construtivo”, diz, ele, citando o monumento em homenagem aos 100 anos da imigração judaica organizada para o Brasil, (localizado na avenida Osvaldo Aranha, no parque Redenção). Ele representa uma das pilastras do antigo cinema Baltimore, destruído no ano em que se comemorava o centenário, que serviu de lugar para o primeiro núcleo escolar israelita e círculo social. “Quis fazer este duplo resgate de lugares, e como me disse o músico Álvaro Santi, ‘quisesse dizer que nada está perdido para sempre’, e isto me marcou muito”, conta.

Além dos cenários urbanos, a religiosidade também está presente na obra do autor. Nesta série, foram escolhidas imagens religiosas impressas. “Minha religião é a arte. O sagrado faz parte da minha vida. Acompanho a procissão de Navegantes em Porto Alegre há muitos anos e faço isso pela convicção de que este percurso, seja ele por terra ou por água, é um desenho simbólico capaz de transformar a paisagem da cidade não por um dia, mas por todo o tempo”, destaca Venzon, que diz buscar inspiração no trabalho do argentino Antonio Berni.

O artista ocupou a presidência da Associação Chico Lisboa até inicio deste mês (agora a presidente é Vera Pellin). No momento, dedica-se a projetos pessoais - o principal voltado para grandes pinturas projetadas, cujo título será O importante é não parar. A 72 Ny Gallery é um outro projeto audacioso do autor. “Queremos criar com isto um espaço de conexão artística entre Porto Alegre e Nova Iorque, mas estamos apenas começando”, e completa: “O principal é estar sempre aberto para novos projetos e confesso que os sociais e coletivos são os que mais me atraem”.

Posted by Fábio Tremonte at 2:51 PM

Mulher Aranha por Nina Gazire, Istoé

Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 7 de junho de 2010

Conheça a história da escultura mais famosa da artista Louise Bourgeois

Louise Bourgeois foi uma das maiores artistas do último século. Nos seus 60 anos de carreira esteve ligada a diferentes escolas artísticas, sendo o Surrealismo o estilo pelo qual ficou mais conhecida. Quando sua morte foi anunciada nesta última segunda-feira, muitos brasileiros se lembraram de uma de suas esculturas mais famosas, a “Aranha”, que se encontra na marquise do Museu de Arte Moderna em São Paulo (MAM-SP). A escultura está exposta em regime de comodato no museu e na realidade, pertence ao acervo do Banco Itaú. Esteve exposta pela primeira vez no Brasil na 28ª edição da Bienal de São Paulo em 1998. Sua aquisição foi feita em 1999 pelo então presidente do Itaú, Olavo Setúbal em um leilão de arte internacional. Segundo a assessoria de imprensa do Itaú, a escultura foi cedida ao MAM-SP e teve o espaço de vidro construído especialmente para sua exibição. Mas essa “Aranha” não é a única: existem outras pertencentes a diferentes acervos espalhados pelo mundo, o que faz certamente da série “Aranhas” o conjunto de trabalhos mais famosos da artista.

A artista começou a produzir essas esculturas em meados da década de 1990. Uma das primeiras foi criada junto a um projeto que desenvolvia para a Tate Gallery, em Londres, no período de 1999 a 2000. Em seguida, uma aranha menor foi colocada na Rockefeller Plaza, em Nova York, e desde então, elas ganharam outros lugares do mundo, como o museu Guggenheim de Bilbao e o L´Hermitage de São Petersburgo. Podemos encontrar as “Aranhas” de Louise ainda em Seoul, La Havana e claro, no Brasil. Mas qual é a verdadeira história por trás das esculturas aracnídeas de Louise Bourgeois? Não são simples aranhas apenas. Chamadas de “Maman”, elas representavam, segundo Louise, uma metáfora para a atividade artística. Mas o fazer artístico para Louise também estava intimamente ligado a sua visão freudiana do processo de criação. Pelo menos, foi isso que alegou ao dizer que em seu caso, a vida do artista era a negação do sexo. “A arte vem da incapacidade de seduzir. Sou incapaz de me fazer amada. A equação é na verdade sexo e assassinato, sexo e morte”, afirmou certa vez.

Posted by Fábio Tremonte at 2:40 PM

Duas artistas em fogo cruzado por Paula Alzugaray, Istoé

Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 03 de junho de 2010

A brasileira Dora Longo Bahia e a paquistanesa Farida Batool falam sobre o tema da violência em sua arte

Dora Longo Bahia

Não é a guerra particular do morro carioca que povoa as imagens da exposição “Trash Metal”, de Dora Longo Bahia – na galeria Vermelho, em São Paulo, até sábado 12 –, mas cenas de conflitos distantes do Brasil: no Iraque, Afeganistão, Paquistão e Israel.
A artista argumenta que a violência da guerra nos é mais íntima do que parece, mesmo que entre na vida dos brasileiros pelos games ou pela televisão.

ISTOÉ – Você já trabalhou com duas dimensões de violência, vistas pelo filtro da mídia: a violência doméstica e a violência de guerra. Que relação há entre elas?
Dora Longo Bahia – Quando eu trabalhava com violência doméstica, pegava fotos e textos do “Notícias Populares” (jornal do Grupo Folha que circulou até 2001 e explorava manchetes de sexo e violência) sobre mulheres espancadas e pensava no limite entre uma relação íntima e uma notícia em coluna policial. Mas eu não queria falar de um drama pessoal. Mais do que sobre uma pessoa específica, eu queria falar sobre a questão do limite, dar ao conflito doméstico uma dimensão universal. Agora, na série da guerra, pela agressividade do suporte – o ferro-velho que é enferrujado, pesado, corta o dedo –, eu procuro trazer a violência para perto, fazer com que as pessoas se sintam fisicamente próximas ao conflito.

ISTOÉ – Você não trata esses conflitos como regionais, mas universais?
Dora – Exatamente. Senão, entramos em temas nacionalistas. Não dá para pensar que um problema só pode ser abordado por quem vive esse problema: que só um negro pode falar sobre racismo.

ISTOÉ – Por que você opta sempre pela apropriação de imagens da mídia?
Dora – Tudo é mediado, vivemos uma vida mediada. É claro que, se você vai para um campo de batalha ou se passa por uma grande tragédia, você tem um vislumbre do real. Senão, está imerso num mundo da imagem, da ficção. A nossa realidade é totalmente fictícia. Tudo se dirige a conduzir o comportamento das pessoas: as risadas de um sit­com fazem ver aquilo como uma comédia e, quando abre o jornal, você é induzido a ver heroísmo em imagens de guerra.

ISTOÉ – A técnica que você escolhe, o “escalpo”, também é sugestiva da violência?
Dora – O escalpo é uma pintura sem corpo, que é arrancada de seu corpo original e colocada sobre outro corpo. Geralmente esse outro corpo sobre o qual eu trabalho é podre, precário: é o jornal, o papelão, são madeiras de tapume, placas de fibrocimento, que são supertóxicas. Agora estou aplicando a pintura sobre o ferro-velho. Originalmente, o escalpo vem dos índios americanos, os moicanos. Eles arrancavam o couro cabeludo do inimigo como troféu.

Farida Batool

As tensas relações entre o Paquistão e a Índia são uma constante nos trabalhos de Farida Batool, artista paquistanesa que esteve no Brasil em maio para o 5º Seminário Antídoto, no Itaú Cultural, em debate sobre a produção cultural em zonas de conflito. Sua imagem mais famosa mescla as fotografias de uma menina pulando corda e um prédio destruído por um atentado terrorista em Lahore, em 2006.

ISTOÉ – Além de artista, você leciona em zonas de conflito. Como é a relação entre a arte e as realidades políticas da Índia e do Paquistão?
Farida Batool – Trabalho com refugiados que vivem em abrigos, pessoas que foram deslocadas violentamente de suas realidades cotidianas. Utilizo a arte como uma forma de enfrentamento. Essas pessoas precisam expressar seus sentimentos em relação às terríveis situações vividas, e não de uma imposição ao esquecimento do trauma. Utilizo a arte como forma de linguagem, mesmo que as pessoas não tenham um entendimento do termo arte. É algo catártico. Além disso, realizo um trabalho de documentação das zonas de conflito do Paquistão. Meu objetivo é dar espaço a diferentes vozes e constituir uma experiência estético-política.

ISTOÉ – Você realizou trabalhos com mulheres de áreas rurais e desenvolveu o minidocumentário “The Clash of Masculinities” para a BBC online. Por que a questão do gênero?
Farida – Somente uma mulher levanta questões sobre essas diferenças que lhe dizem respeito. Os homens paquistaneses passam por essa crise da masculinidade que tem muito a ver com as questões colocadas pelo feminismo. No Paquistão, a dificuldade de liberdade pesa muito mais sobre as mulheres. Às vezes, sinto inveja dos homens, inveja de coisas básicas, como poder andar na rua ou sentar em um parque sozinha. Ao mesmo tempo, os homens do Paquistão têm um problema muito pior do que o meu, que é ter de administrar esse ideal massacrante de uma masculinidade perfeita.

ISTOÉ – Por que a escolha pela técnica da impressão lenticular?
Farida – É o meio mais apropriado para a transmissão de minhas ideias. Meu trabalho “Nai Reesan Shehr Lahore Diyan” (foto), além de dar a impressão dos movimentos da menina pulando corda à medida que a pessoa modifica sua posição ao redor da imagem, também coloca em questão as ambiguidades do desastre que está ao fundo da imagem. É uma mensagem que significa que, mesmo em um ambiente de guerra, temos a possibilidade de paz. Essas dualidades aparecem em meus trabalhos de maneira geral. A impressão lenticular permite essa leitura dupla através do antagonismo entre inércia e movimento.

Posted by Fábio Tremonte at 2:29 PM

Samplers de pinturas por Paula Alzugaray, Istoé

Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 11 de junho de 2010

Entre o entusiasmo pela cultura popular de Robert Rauschenberg e o expressionismo abstrato limpinho de Barnett Newman, Henrique Oliveira fica com o primeiro. “Penso o meu trabalho como um desenho animado pintado por um expressionista abstrato”, afirma Oliveira, jovem talento que inaugura no sábado 12 sua primeira individual no Rio de Janeiro, composta de sete pinturas sobre tela e uma de suas pinturas tridimensionais em madeira e grande formato que, por onde passa, chama a atenção de público e crítica. Em setembro uma dessas peças integrará a 29ª Bienal de São Paulo.

Quando começou a pintar, aos 20 e poucos anos, Oliveira era um típico garoto que gostava dos Beatles, dos Rolling Stones, da menos óbvia banda Primus, de HQ, grafite e tatuagem.

Seu repertório ampliou quando conheceu alguns dos protagonistas do expressionismo abstrato nacional e internacional, como Anselm Kiefer, Willem De Kooning, Iberê Camargo, Flavio Shiró e Nuno Ramos. Do encontro dessas referências, ao longo de dez anos de trabalho, surge uma obra vigorosa que mostra mais transpiração do que inspiração e funciona como uma espécie de action painting (técnica de pintura gestual) em madeira.

“Xilempasto” (2010) (foto) é um desses trabalhos de matriz assumidamente expressionista feitos com lascas de madeira. Com 4 m x 2.7 m, a obra é a ampliação de um pequeno segmento de uma tela do pintor alemão Frank Auerbach: os volumes de madeira corresponderiam às camadas de tinta a óleo. “É como fazer um sampler de todos esses pintores”, define Oliveira, comparando sua atividade pictórica à música, sem receios nem pudores de evocar tanto a história quanto a contemporaneidade da arte.

Posted by Fábio Tremonte at 2:24 PM

Manifesto a céu aberto por Paula Alzugaray, Istoé

Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 11 de junho de 2010

Mostra em Porto Alegre reúne Robert Smithson e outros 15 protagonistas da arte conceitual e land art internacional

“O confinamento da cultura acontece quando um curador impõe seus limites em uma exibição de arte, em vez de dar ao artista seus próprios limites.” Com essa frase, trecho de um artigo para a revista “Artforum” de 1972, o artista americano Robert Smithson expõe o projeto de sua “land art”: a libertação da arte do espaço “neutro” da galeria e o reconhecimento das estruturas geológicas da Terra como uma forma de arte monumental que não cabe em museus. Exemplo disso é o seu trabalho mais famoso, “Spiral Jetty”, escultura em espiral feita com terra e pedras dentro de um lago de sal de Utah. Seguindo a cartilha de Smithson, o Projeto Areal foi criado pelos professores e artistas André Severo e Maria Helena Bernardes, em 2000, a partir de uma série de ações artísticas realizadas em diferentes lugares do Rio Grande do Sul.

Land art, performances e intervenções urbanas são termos que podem descrever algumas dessas ações, como por exemplo o trabalho “Migração”, de André Severo, que durante um ano viajou coletando diferentes amostras de solo e, posteriormente, enterrou-as em seu ateliê, numa espécie de performance ritualística. O Projeto Areal pretende uma arte para além do horizonte institucional, inspirado por toda uma geração de artistas das décadas de 1960 e 1970 que, em suas mais diferentes expressões, lutou para estabelecer uma revolução no campo estético que ampliasse o entendimento da arte. Para comemorar dez anos de atividades, a dupla de artistas celebra os seus mestres inspiradores na exposição “Horizonte Expandido”.

Com parcerias de nove importantes coleções internacionais, como a Fundación Cisneros, a Electronic Arts Intermix e o colecionador James Cohan, a exposição reúne 72 videorregistros e fotografias de trabalhos de 16 artistas. Smithson, Marina Abramovic, Nancy Holt, Bruce Nauman, Allan Kaprow e Vito Acconci são alguns dos grandes nomes da mostra, que acertou ao criar um espaço de exibição livre de amarras pedagógicas curatoriais, obedecendo à tradição romântica – no bom sentido – dos artistas apresentados. “A exposição não aceita os mediadores tradicionais.

Não há textos explicativos nem linearidade para se entender os trabalhos. Queríamos mostrar como o Areal foi afetado por essa subjetividades”, explica Maria Helena, que optou por uma apresentação nada ortodoxa de Allan Kaprow, ao reencenar sua performance “Fall”. “Não queríamos mostrar o Kaprow museológico, mas o artista que propôs atividades que pudessem ser realizadas por qualquer um”, comentam os curadores. “Muitos dos artistas que integram essa mostra trazem esse convite do ‘faça-você-mesmo’ para o público”, afirma André Severo.

Posted by Fábio Tremonte at 2:18 PM

Trocando o pincel pelo mouse por Astier Basílio, Jornal da Paraíba

Matéria de Astier Basílio originalmente publicada no Caderno Vida & Arte do Jornal da Paraíba em 10 de junho de 2010

Qual é a imagem que se tem de um artista plástico em atividade? Palheta, tubos de tinta, potes com terebentina, óleo de linhaça, panos, lápis. Com as novas tecnologias, a tela de pano pode ser substituída pela tela do computador e o pincel, pelo mouse. Uma mostra de como as novas gerações lidam com as ferramentas de que dispõem pode ser vista hoje, na galeria Archidy Picado, em João Pessoa, na mostra coletiva ‘Entre 6’.

Ao todo, são em torno de 17 trabalhos expostos em mídias diversas: tela, vídeo, desenho, fotografia, pintura. Os trabalhos são assinados pelos jovens artistas visuais Andrei Thomaz, de Porto Alegre; Rodrigo Mogiz e Elton Lúcio, de Belo Horizonte; Bruno Vieira, de Recife; Flávio Lamenha, de São Paulo; e Thiago Martins de Melo, de São Luís.

A mostra foi selecionada pelo edital de ocupação da galeria Archidy Picado, da Fundação Espaço Cultural. Segundo Sidney Azevedo, coordenador de artes visuais daquela instituição, o grupo se reuniu porque partilha de afinidades comuns. “Eles não têm curadoria. São artistas independentes que fazem uma pintura que não é de cavalete, trabalhando com a pintura no campo expandido da arte contemporânea”.

De um modo geral, os artistas desta mostra retrabalham conceitos e manipulam signos. É o caso das fotografias aplicadas sobre persianas de Bruno Vieira, em que um elemento utilitário, a persiana, funde-se com o artístico em uma combinação repleta de significados. Por falar em criatividade, chama a atenção a maneira como Flávio Lamenha se coloca como personagem, reduplicando sua persona em um jogo teatral de paródias irônicas, como pode ser visto em Ceia, releitura da famosa obra de Leonardo da Vinci.

As misturas dão o tom das peças de Rodrigo Moriz nas quais se misturam desenho, bordado e pintura para dar moldura ao universo da obra de Guimarães Rosa. Utilizando a técnica de óleo sobre papel, Elton Lúcio vai explorando as linhas, pontos de fuga e perspectiva, além de inserir um sujeito em meio às suas pesquisas dos contornos.

Posted by Fábio Tremonte at 2:12 PM