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junho 11, 2010
Herdeiros da arte, Folha de S. Paulo
Matéria originalmente publicada no Editoriais do Jornal Folha de S. Paulo em 7 de junho de 2010.
Descendentes de um grande escritor brasileiro já desaparecido tentaram evitar que uma publicação veiculasse fotografia do pai com um determinado tipo de gravata. Consideravam que o autor só poderia aparecer com o modelo borboleta, seu predileto.
O episódio é apenas um exemplo dos excessos cometidos por famílias na suposta tentativa de proteger a imagem de seus famosos parentes mortos. Há muitos casos análogos, que envolvem, além da imagem e do nome, o direito de relatar fatos biográficos, criticar e reproduzir obras em meios como livros, revistas e catálogos.
Ambições pecuniárias, leis problemáticas e decisões judiciais infelizes conspiram para conferir aos herdeiros um poder desmedido sobre bens que possuem evidente dimensão pública.
O episódio mais recente envolveu a Bienal de São Paulo e a associação O Mundo de Lygia Clark, dirigida pelo filho da pintora. Diante de imposições, os responsáveis preferiram retirar a artista da mostra.
"Queriam até controlar quem poderia escrever sobre ela", afirmou o curador Agnaldo Farias.
A associação argumenta que tem custos e precisa cobri-los. Ainda que fosse assim (e que se precise avançar em políticas públicas de aquisição de acervos na área das artes visuais), o argumento não bastaria para impedir a presença de obras da artista na Bienal, a reedição de um livro e o uso de seu nome numa exposição com depoimentos em vídeo acerca de seu trabalho.
Em breve o Ministério da Cultura levará a consulta pública a revisão da Lei de Direito Autoral. É provável que aspectos relativos às novas tecnologias dominem o debate -mas isso não deveria impedir que se criassem regras para reequilibrar as relações entre direitos de herdeiros e o caráter público do patrimônio cultural.
junho 9, 2010
Artista mostra videogame da guerra por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 8 de junho de 2010
Obra de Harun Farocki, que está na próxima Bienal, usa animações feitas pelo Exército para treinar soldados
Alemão visitou bases militares nos EUA para mostrar como desenhos preparam homens para antes e depois da guerra
Não é pura a guerra. Harun Farocki entende isso e opera no abismo entre estratégia militar e a realidade áspera do sangue derramado.
Nas últimas quatro décadas, esse alemão disseca imagens de conflitos pelo mundo, da queda da ditadura romena à atual guerra no Iraque. Em quase cem filmes e vídeos, buscou construir uma espécie de anatomia da memória bélica.
"Jogos Sérios", a obra que traz para a próxima Bienal de São Paulo, em setembro, mostra que essa memória se torna cada vez mais virtual.
Farocki escancara as animações usadas pelo Exército norte-americano no treinamento de soldados antes do embarque rumo ao Iraque.
São as mesmas imagens -Bagdá em chamas e poças de sangue feitas de pixels- usadas para a terapia dos homens na volta para a casa.
"Mostro esses dois usos da imagem, do preparo para a guerra ao tratamento do trauma", diz Farocki, em entrevista à Folha. "Esse exercício com a imagem digital dá a entender como se constrói a memória da guerra."
Também aponta para uma transição na natureza da imagem no mundo atual.
Em contraponto à película granulada da Guerra do Vietnã e o verde brilhante e macabro da visão noturna da Guerra do Golfo, o teatro iraquiano será lembrado como fabricação edulcorada.
STATUS DA ANIMAÇÃO
"Mudou o status da animação", afirma Farocki. "Está mais poderosa do que a reprodução fotográfica, uma tendência nova e estranha."
Na visão de guerra dos bastidores do confronto, a paisagem iraquiana surge achatada, sem relevo. Homens de carne viram fantoches de entranhas eletrônicas, numa anestesia generalizada que transforma os inimigos em alvos abstratos.
"Essas criaturas representam humanos", descreve Farocki. "Mas essa é uma imagem tecnológica, o soldado está no comando do jogo, não importa se leva um tiro ou não, está no comando."
Talvez porque a câmera tenha saído de cena, a vida tenha perdido valor na guerra virtual, longe da carnificina palpável de tempos atrás.
"É muito diferente de reconstruir a história a partir de imagens filmadas", diz Farocki. "É como um videogame, e o Pentágono alimenta a indústria, não esconde isso."
No plano político, esses desenhos animados também desequilibram opiniões.
Enquanto soldados americanos e britânicos aparecem como bonequinhos digitalizados, homens do outro lado do front surgem em toda a crueza de barbas e turbantes nos noticiários da televisão.
"Isso joga sempre as pessoas para um lado do conflito", diz Farocki. "É como ver uma briga de armas de fogo contra um arco e flecha."
IMPUREZA DO REAL
Na comparação entre possibilidades tecnológicas e realidade, Farocki arquitetou outra obra. Jogou lado a lado imagens da trajetória imaginada de um míssil e fotografias feitas por uma câmera presa ao corpo do projétil.
É o que ele chama de comparação entre "guerra pura" e a "impureza do real". "Estou interessado em imagens operacionais", diz Farocki. "Coisas nada estéticas, que sejam pura comunicação."
E na "estética terrorista" de Farocki, a imagem se torna política quando prazer visual encosta na dor. Não é a vítima do napalm, a garotinha eternizada na fotografia.
No lugar dela, é a imagem do laboratório estéril, onde fazem o veneno, que aparece noutra obra do artista. Seco, desvela a fábrica do horror com a mesma pegada minimalista, clínica com que documentou esse videogame pop da guerra no Iraque.
Artistas não podem ser aprisionados por herdeiros em redomas privadas por Marcos Augusto Gonçalves, Folha de S. Paulo
Matéria de Marcos Augusto Gonçalves originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 4 de junho de 2010.
É preciso que se encontre um equilíbrio entre os poderes que herdeiros exercem sobre as obras e os direitos legados por parentes mortos e a dimensão pública da cultura, da arte e do artista.
Do modo como está, crescem as barreiras e os empecilhos para a circulação, interpretação crítica e reavaliação de bens culturais.
Em boa medida, a causa desses problemas está na perspectiva de ganhos materiais por parte de herdeiros. Isso não acontece apenas no território da arte.
São conhecidos os problemas que famílias podem criar para a veiculação de livros históricos e biografias acerca de parentes mortos.
O que muitas vezes se apresenta como intuito de proteger uma reputação não passa de disfarce para o propósito de ganhar dinheiro.
Nas artes plásticas, por características do mercado, que pode levar preços a alturas vertiginosas, a motivação material mal se disfarça. Pessoas famosas não podem ser aprisionadas em redomas privadas por filhos ou netos.
A tentativa de fazê-lo, mesmo que amparada em leis, ignora a intenção original do artista de se fazer figura pública e de divulgar sua obra -que do ponto de vista cultural se torna patrimônio de todos. Tudo tem limite.
"Cobramos para manter a obra", diz filho de Clark por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Materia de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 4 de junho de 2010.
Lygia Clark (1920-1988) foi uma das artistas mais experimentais do século 20, rompendo totalmente com o objeto. As imposições da associação dirigida por seu filho Álvaro Clark não seriam uma contradição a isso?
"Minha mãe nasceu rica, casou com homem rico e, na separação, recebeu 86 apartamentos, que ela foi vendendo um a um, para fazer a obra dela. Só não morreu pobre porque eu ajudei. Muitas vezes não comemos goiabada com queijo porque ela não tinha dinheiro para a feira. A gente cobra porque é preciso, para manter a obra dela", diz Álvaro Clark.
Há dez anos, segundo ele, um "Bicho" era vendido por US$ 3.500 (R$ 6.400). "Na semana passada, ele foi vendido por US$ 584 mil (R$ 1 milhão), graças ao nosso trabalho, que incluiu uma limpeza no mercado".
Já sobre a Bienal, ele diz que suas exigências nunca foram questionadas pelo curador Moacir dos Anjos.
"Ele apenas pediu a redução de custos. O que eu não queria era que a Suely Rolnik escrevesse sobre a Lygia, pois ela está organizando essas exposições no Nordeste sem sequer nos consultar. Ela não pode usar o nome de Lygia Clark porque a lei não permite. O trabalho dela é bom, mas ela não pode usar o que é nosso", diz Clark. Rolnik não quis se manifestar.
Quanto ao livro de Maria Alice Milliet, Clark diz que a editora não pediu licença para publicação: "Pedimos R$ 120 por imagem, mas esse valor cai de acordo com a quantidade. Tem muita gente falando sobre a associação que não se interessa em perguntar a verdade".
Lygia Clark à distância por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 4 de junho de 2010
Nova edição de uma tese sobre a obra da artista e um projeto com entrevistas sofrem com custos impostos por sua família
Não é apenas da 29ª Bienal de São Paulo que Lygia Clark foi retirada por desacordo com a associação O Mundo de Lygia Clark, dirigida por Álvaro Clark, filho da artista.
Uma mostra no Centro Cultural Banco do Nordeste, em Fortaleza, com curadoria de Suely Rolnik, que apresentou, de 17/4 a 7/5 passado, 20 depoimentos sobre Clark, parte de sua antológica mostra na Pinacoteca, em 2006, não pôde exibir sequer o nome da artista.
Os depoimentos colhidos por Rolnik abordavam a obra de Clark por meio de pessoas que passaram por seu set terapêutico, entre eles Jards Macalé e Caetano Veloso.
A mostra de 2006, "Lygia Clark: da Obra ao Acontecimento", foi considerada internacionalmente uma das melhores formas de exibir essas práticas experimentais.
Em Fortaleza, a exposição teria apenas os vídeos, mas, para que o nome da artista constasse dos folhetos, anúncios na internet e textos de parede, a associação cobrou cerca de R$ 40 mil.
"Esse valor é alto por incluir uma multa, já que nem fomos procurados sobre essa mostra", diz Álvaro Clark.
"Realmente, isso não pode continuar, várias famílias estão causando prejuízo para a obra dos artistas, como também ocorre com Volpi e Goeldi", diz Ricardo Resende, consultor do projeto Leonilson e diretor do Centro de Artes Visuais da Funarte.
REFORMA DA LEI
Segundo Resende, a Funarte irá criar um edital para ajudar famílias de artistas a cuidar do patrimônio herdado, mas com alguma forma de restrição ao poder excessivo dessas famílias. "Na nova lei de direito autoral, há um grupo de trabalho que busca repensar essa questão", afirma o diretor.
"A lei brasileira é nosso maior problema, pois, da forma como as coisas estão ocorrendo, parece que não se quer que a cultura tenha um canal de fruição", diz Maria Alice Milliet, curadora da Fundação Nemirovsky.
Seu livro "Lygia Clark: Obra Trajeto", de 1992, está esgotado há mais de dez anos e não teve nova edição por conta dos custos que a associação impôs à Edusp.
"Essa foi minha dissertação de mestrado, primeiro livro sobre Clark, lançada por uma editora universitária, portanto, sem fins lucrativos", conta Milliet. "Mas os custos impostos pela família da artista inviabilizaram uma segunda edição."
Na 29ª Bienal, Clark participaria com "Caminhando", uma de suas obras mais importantes e, ao mesmo tempo, de execução mais simples: precisa de rolo de papel e tesoura para ser realizada.
"A ausência do trabalho só vai levantar mais curiosidade. Será a política do evento", disse a curadora convidada Yuko Hasegawa, num debate anteontem.
junho 7, 2010
Tempo em foco por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 7 de junho de 2010
Para pensar os conceitos de efêmero e permanente, PhotoEspaña 2010, festival que se consolida cada vez mais na Europa, começa amanhã com 69 mostras em Madri, Cuenca e Lisboa, além das oficinas
O festival nasceu PhotoEspaña nasceu como um disparador para que a Espanha começasse a marcar seu espaço no território da fotografia. Acima, obra de Helen Levitt (Estate of Helen Levitt/Divulgação).
"É fácil reconhecer que uma das qualidades mais indiscutíveis da fotografia é sua capacidade de induzir e conferir interesse aos assuntos mais inesperados", define o moçambicano Sérgio Mah, diretor artístico do PhotoEspaña, o festival internacional do gênero fotográfico que vem cada vez mais se tornando uma referência no cenário europeu, ao lado dos franceses de Arles e de Perpignan. Conhecido apenas pelas iniciais PHE, o evento, em sua 13.ª edição, dá o início oficial de suas atividades amanhã e se estende até 25 de julho, promovendo 69 mostras, debates, oficinas e leituras de portfólios nas cidades espanholas de Madri e Cuenca e, pelo terceiro ano, também incluindo Lisboa (Portugal), que abriga no Museu Coleção Berardo exposição da nova-iorquina Collier Schorr.
"O diferencial em seu modelo foi a história de que é um festival em Madri e, por isso, espalhado em infinitas programações, diferentemente de outros em cidades pequenas, onde todos os participantes, de uma forma ou de outra, se esbarram pelas ruas ou nas programações", diz o fotógrafo brasileiro Pio Figueiroa, do coletivo paulistano Cia de Foto, selecionados para o PHE 10. O festival espanhol, por exemplo, se espraia por espaços importantes da capital, como o Museu Reina Sofia, a Casa de Américas, o Real Jardim Botânico, o Matadero Madrid e o Instituto Cervantes. E ainda consegue oferecer exposições de peso, como a mostra que apresentará antologia da produção da americana Helen Levitt (1913-2009) "suprema fotógrafa-poeta das ruas e da gente de Nova York", como definiu o crítico Adam Gopnick - é sua a imagem, feita em 1940, que ilustra acima esta página -, ou do húngaro László Moholy-Nagy (1895-1946), um vanguardista, professor da Bauhaus.
Território. Para voltar um pouco na história, o PhotoEspaña foi criado na década de 1990, quando Madri ainda era quase que uma capital provinciana em termos de fotografia, com poucos espaços expositivos dedicado ao gênero e ínfima inserção de obras fotográficas nos acervos de suas instituições. O festival nasceu, assim, como um disparador para que a Espanha começasse a marcar seu espaço no território da fotografia. Por trás do evento está a La Fabrica, editora e galeria centrada no gênero fotográfico, mas também o aporte do governo espanhol e de patrocinadores, numa maneira de internacionalizar o festival tal é o objetivo da diretora-geral do PHE, a francesa Claude Bussac.
Outro destaque. No Museu Reina Sofia estará a coletiva 'Manhattan: Uso Misto', com imagens da década de 1970. Obras de Gordon Matta-Clark e Zoe Leonard. Foto: Divulgação
O PhotoEspaña tem como característica convidar um curador para que ele faça um projeto linear de três edições seguidas do evento. Este é o último ano de Sérgio Mah como diretor artístico do PHE. O moçambicano tem apreço por temas simples, que conseguem aglutinar estrelas da fotografia e uma gama de questões - em 2008, o mote escolhido por ele foi Lugar; em 2009, Cotidiano; e agora é a vez do Tempo.
Singularidade. "Foi uma sequência de três temas muito abrangentes mas decisivos para refletir a pertinência e a singularidade do fotográfico na cultura contemporânea, não só em termos estéticos e conceituais, como em termos ontológicos e políticos", diz Mah, em entrevista por e-mail ao Estado.
"Por outro lado, procurei promover um entendimento do fotográfico muito para além da fotografia porque, atualmente, o cinema, a escultura, a pintura são também formas de conceber e experienciar o fotográfico", continua ele, exemplificando que na edição passada um dos destaques do festival foi a mostra de fotos pintadas do artista alemão Gerhard Ricther. Outro ponto central de sua curadoria é um interesse pela década de 1970, marcada por mudanças sociais e políticas e, ainda, época de aproximação entre os chamados "fotógrafos-artistas" e os "artistas que utilizam a fotografia", como define Mah.
Fotografia ganha espaço no museu por Thiago Corrêa, Diario de Pernambuco.com.br
Matéria de Thiago Corrêa originalmente publicada no caderno Viver do Diario de Pernambuco.com.br em 7 de junho de 2010
Mamam tem programadas duas exposições para o segundo semestre; no mês passado, criou um Clube de Colecionadores para estimular esta arte
A nova fase do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam), reinaugurado em março, vai ser marcada por uma reaproximação do espaço com a fotografia. Para o segundo semestre já estão programadas duas grandes exposições que envolvem a arte fotográfica no museu. A primeira abre em outubro e vai integrar a programação de comemoração ao centenário de nascimento de Lula Cardoso Ayres. "É uma mostra inédita, Lula tem uma produção grande na fotografia, mas pouca gente conhece esse trabalho", adianta a diretora do Mamam, Beth da Matta.
Em dezembro, entra em cartaz a exposição E.CO - Encuentro de Colectivos Fotográficos Euroamericanos, que reúne produções de coletivos de fotografia de 20 países da Europa e da América Latina. A mostra traz os trabalhos selecionados para integrar a edição do ano passado, exibida em Madri (Espanha). Do Brasil, estão os coletivos Cia de Foto e Garapa. "Esse é um dos principais eventos de fotografia do mundo e o resultado de 2009 vai circular por mais de nove países. É uma mostra grande, vai ocupar todo o museu", observa Beth da Matta. Antes de Recife, a E.CO passa por São Paulo.
As exposições de Lula Cardoso Ayres e da E.CO seguem uma tendência que foi iniciada mês passado com o lançamento do Clube de Colecionadores de Fotografia. A proposta é semelhante ao projeto desenvolvido há mais de dez anos do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e também praticado pelo MoMA de NovaYork. "Ao assumir o Mamam, comecei a observar as outras instituições. Minha preocupação era manter o que já tinha e abrir novas possibilidades de financiamento para o museu. Pegamos o molde do MAM e adaptamos à nossa realidade", recorda a diretora.
A cada ano serão selecionados cinco artistas, que vão ceder uma obra para integrar o acervo do museu. As fotos serão reproduzidas em 30 cópias assinadas e numeradas para serem destinadas aos membros do clube. Para garantir uma das 30 vagas do grupo, os interessados precisam pagar uma anuidade de R$ 2.500 (à vista) ou seis parcelasde R$ 420. Ao término da temporada, os sócios do clube terão fotografias de cada um dos artistas. Segundo a diretora, metade das vagas do clube já foram preenchidas.
"A ideia é estimular a prática do colecionismo, queremos reforçar o trabalho com a fotografia. Temos um acervo contemporâneo importante. Com o clube vamos poder financiar a aquisição de novas obras", explica Beth. A curadoria é do fotógrafo Alexandre Belém e da antropóloga Georgia Quintas, além da própria diretora do Mamam. Na temporada 2010 foram selecionados os fotógrafos Claudia Jaguaribe (RJ), Tiago Santana (CE), Rodrigo Braga (AM) e os pernambucanos Ricardo Labastier e Alcir Lacerda.
Fernanda Gomes ganha repercussão internacional transformando restos em poesia por Suzana Velasco, O Globo
Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada no segundo caderno do jornal O Globo em 7 de junho de 2010
O corredor de entrada do apartamento de Fernanda Gomes se estreita com a pilha de gavetas e caixas que ela acha em caçambas pela rua. A maior parte da sala é ocupada por pedaços de madeira pendurados; paus que, unidos, viram uma escada; pregos nas paredes. Um dos quartos guarda - e esconde - de casca de ovo a folha de ouro, passando por linhas de costura, moedas, colheres, papéis de cigarro e papéis de seda, clipes, fios de cabelo, copos quebrados, caixinhas de fósforo, pedras, ímãs.
- Tem gente que adora este quarto, mas tem gente que não consegue ficar muito tempo aqui - conta ela.
Fernanda é artista plástica. E o quarto repleto de objetos é um de seus dois ateliês. O cômodo ao lado é o outro, que ela chama de ateliê de pintura, com tintas quase sempre na mesma cor: branco. Fernanda acumula, mas para fazer desaparecer.
- Eu me lembro de uma exposição no MAM em que a Fernanda usou uns sabonetes gastos, já quase transparentes - conta a crítica de arte Ligia Canongia, que escreveu sobre algumas das primeiras mostras da artista, na virada para os anos 90. - O trabalho dela é sempre muito delicado, quase desaparece para o olhar. Você precisa ficar atento, aguçar sua percepção, para identificar onde a obra acontece. E tudo é muito calcado na experiência do objeto vivido, já desgastado, com as marcas do tempo, as sujeiras.
E sempre foi assim, desde que, dividindo-se entre o trabalho como designer profissional e as experiências artísticas - que ainda não tinham esse nome -, Fernanda sentiu que precisava, como ela diz, "se desfazer" dos objetos que materializavam essas experiências. Em 1988, mandou uma proposta para o Projeto Macunaíma, da Funarte, e foi aceita. Era sua primeira exposição, e sua primeira individual. Fernanda não parou mais de acumular e se desfazer.