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dezembro 15, 2020
O espetáculo deve continuar? por Fabio Cypriano, Arte!Brasileiros
O espetáculo deve continuar?
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na revista Arte!Brasileiros em 20 de outubro de 2020.
Passaram-se sete meses de pandemia e a pergunta é: faz sentido a reabertura dos museus sem algum tipo de reflexão sobre essa pausa forçada?
Escrevo este texto fora de São Paulo, onde estou passando a pandemia, um tanto abismado com as imagens nas redes sociais da reabertura das instituições de arte na capital.
Muitos artistas, intelectuais, curadores e até galeristas escreveram nos últimos meses que após esse momento o sistema da arte precisaria mudar, que chegava o momento de desacelerar o circuito, que era hora de se atentar para novas questões que se impunham dentro do contexto de crise sanitária.
Nas imagens que vejo, nada mudou. Seguem as mostras que estavam em processo de montagem no mês de março, às vésperas da abertura da feira SP-Arte, um ponto de inflexão no calendário de museus e galerias, quando a tendência ao espetáculo e à opulência costuma crescer sem pruridos.
Passaram-se sete meses e minha questão é: faz sentido a reabertura dos museus sem algum tipo de reflexão sobre essa pausa forçada? Afinal, durante esse período nada menos que 150 mil mortes ocorreram e seguem ocorrendo no país pela falta de um governo sensato, a Amazônia e o Pantanal estão em processo de destruição, negras e negros estão sendo assassinados brutalmente e manifestações contundentes sendo realizadas pelo mundo afora, e o fascismo cresce em popularidade no país.
Nesse contexto, as instituições de arte reabrem como se nada estivesse acontecendo e mantêm a mesma programação de março de 2020? Esses sete meses nos perpassaram como anos e suas consequências ainda são difíceis de prever, mas além do óbvio cuidado com higiene e formas de evitar a contaminação, essas instituições não conseguem ir além de “o espetáculo precisa continuar”?
Amigos que foram ver as mostras em cartaz, testemunharam que não há – seja na Pinacoteca, no Museu de Arte Moderna de SP ou no MASP, por exemplo – nenhum tipo de posicionamento sobre o momento atual. A lógica do cubo branco, que isolou o espaço expositivo do mundo ao redor, teria agora sido incorporada como política institucional de negacionismo do contexto?
Durante o VI Seminário Internacional que ARTE!Brasileiros organizou no início de outubro, totalmente pensado frente às questões urgentes deste tempo difícil, Ailton Krenak foi direto em um recado ao circuito da arte: “É como se a ideia das nossas bienais de arte, das nossas galerias estivessem todas ficado no passado, vencidas pelo tempo, pela urgência de uma nova mentalidade, de nós os humanos aprendermos a pisar com cuidado, a pisar suavemente na Terra profundamente marcadas pelas nossas pegadas, que nos puseram no limiar desse Antropoceno.”
Onde está a sensibilidade das gestões desses museus para encarar uma nova mentalidade?
“Desverticalizar” o museu por Fabio Cypriano, Arte!Brasileiros
“Desverticalizar” o museu
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na revista Arte!Brasileiros em 30 de outubro de 2020.
Keyna Eleison e Pablo Lafuente assumem a direção artística do Museu de Arte Moderna do Rio e, em dupla, defendem para a instituição uma lógica marcada pela diversidade e negociação
Desde o dia 1º de setembro passado, o Museu de Arte Moderna do Rio (MAM Rio) tem à frente uma nova direção artística, escolhida a partir de um edital público, em um exercício de transparência raro no cenário nacional. A proposta veio do diretor executivo do museu, Fabio Szwarcwald, que assumiu o posto no início do ano.
Essa nova direção artística carrega ainda outra novidade: a gestão exercida por uma dupla, a brasileira Keyna Eleison e o espanhol Pablo Lafuente, que vive no Brasil há sete anos, desde que fez parte da equipe curatorial da 31ª Bienal de São Paulo, intitulada Como (…) coisas que não existem. Em comum, ambos passaram “pelas várias posições que envolvem a prática da arte: escrita, curadoria, gestão, educação”, como definiu Lafuente durante entrevista virtual concedida à arte!brasileiros no início de outubro. Entusiasmados na nova função, respondiam com humor e se revezando, em uma sintonia característica de casal novo.
Durante a ditadura militar, o MAM carioca protagonizou alguns dos momentos mais marcantes da história da arte no Brasil, como na mostra Nova Objetividade, em 1967, onde Hélio Oiticica apresentou seu penetrável Tropicália, e nos Domingos da Criação, encontros promovidos por Frederico Morais com artistas experimentais na área externas do museu, em 1971. Desde então, contudo, a instituição foi se fechando e há muito deixou de ser referência, desafio que se impõe à dupla. “Nós compartilhamos essa leitura sobre a potência histórica e, em nosso projeto, discutimos o que pode ser um processo de abertura do MAM”, conta Eleison.
“O MAM, mesmo antes do Frederico Morais, começa em um prédio que era o Bloco Escola (inaugurado em 1958) e só depois vem o Bloco de Exposições (1967). Então, ele já começa com práticas outras como a pedagogia, que faz parte da criação, e resulta em processos de exposição, que por sua vez resultam em projetos pedagógicos, tudo isso acompanhado da Cinemateca, um arquivo que se conserva e se exibe. Essa conjunção de práticas é fundamental para a história do MAM”, explica Lafuente. Para ele, isso representa “uma complexidade orgânica, onde todos os processos se alimentam uns aos outros, sem que nenhum deles seja o centro”.
Levando em conta essa contextualização, a nova gestão chega cumprindo a agenda deixada pelos antecessores. “A gente tem um legado institucional para celebrar. E a palavra é mesmo essa, porque é comum que, quando entra uma nova direção, a antiga seja demonizada. Não é nesse sentido que queremos trabalhar. Então será a partir de julho do próximo ano que teremos uma contundência maior”, conta Eleison. Fernando Cocchiarale e Fernanda Lopes deixam a curadoria em outubro e uma nova vaga se abre e será preenchida por concurso.
Mas, se do ponto de vista da programação a proposta da dupla só será mesmo mais visível em 2021, há um componente de gestão distinto, como afirma Lafuente, que já será exercido agora: “O MAM não tinha direção artística. Tinha curadoria, curadoria da cinemateca. Entramos com a responsabilidade de criar uma identidade de projeto artístico para essa diversidade de ações.”
Assim, para além da própria programação, há uma nova atitude a ser revista no museu criada a partir da gestão compartilhada. “A dupla é importante para nós porque cria uma diversidade obrigatoriamente. Não tem como duas pessoas terem um olhar idêntico. A gente coincide em muitas perspectivas, mas também diverge em apreciações e histórias. A diversidade é constitutiva e a negociação também”, segue Lafuente.
No projeto vencedor apresentado à comissão de seleção para a diretoria artística do museu, com 38 páginas, o trabalho em dupla é colocado em uma contextualização histórica: “Diretorias duplas não são novidade em contextos artísticos ou em cenários não artísticos. Um dos princípios operativos do Partido Verde alemão é o Doppelspitze, que determina que todas as diretorias devem estar formadas por duas pessoas, uma de gênero feminino e outra masculino”.
Propor novas formas de gerir instituições de arte é essencial no contexto brasileiro, marcado em geral por uma grande centralização e personalização, já a partir de suas presidências, como ocorreu no MAM paulista durante a gestão de Milú Villela, que permaneceu no poder por nada menos que 24 anos, de 1995 a 2019, com poderes absolutos.
Nova ordem
“Queremos entender o MAM como uma estrutura só, o que é o nosso maior jogo dentro da instituição”, conta Eleison, que é completada por Lafuente: “A gente está criando corpos de decisão mais extensos; não é apenas a pessoa que está na gerência de educação e participação que vai decidir isoladamente qual será o programa público, mas ela vai ativar outras áreas de dentro e mesmo de fora do museu.”
Com isso, para se pensar como um museu deve atuar agora, a nova gestão busca exercitar isso na administração da própria instituição, criando relações mais horizontais? “Estamos tentando trabalhar desverticalizando o museu. Acho melhor a expressão desverticalizar do que horizontalizar, porque o próprio termo horizontal não procede no dia a dia. Afinal, nós continuamos sendo os diretores artísticos, há gerentes, têm nomeações que são importantes para serem dadas e responsabilizadas, e tem salários também”, define Eleison.
“A gente tem que negociar nossas propostas com diferentes equipes, somos responsáveis por um grupo grande, e têm outras gerências que não são nossas. Então temos uma proposta que tem que ser negociada por quem está aqui”, conta Lafuente.
Com isso, eles esperam socializar, com públicos internos e externos, as decisões, tanto artísticas como de gestão. E ao dar visibilidade esses processos podem ser monitorados e avaliados. “Queremos forçar a estrutura para ver até onde ela pode chegar, repetir por repetir não faz sentido”, diz Lafuente. No projeto apresentado há um cronograma detalhado de como se dará o processo de tomada de decisões no museu, que inclui reuniões semanais e quinzenais das equipes.
Entre as ações que devem marcar a gestão está a própria utilização do edifício icônico projetado por Affonso Eduardo Reidy (1909-1964). “Recuperar a visão do prédio é fundamental, já que é um museu que se pensa estruturalmente aberto. O Reidy tem um texto muito bonito sobre a luz que entra pelas janelas, de como ela cria uma experiência sensorial que enriquece qualquer experiência das obras de arte. Isso na história da arte é polêmico, pois escapa do cubo branco. E ao longo dos anos foram sendo dispostas paredes na frente das janelas para que a luz, o sol, as árvores e as pedras gigantes da Baía de Guanabara não entrassem. A gente quer recuperar isso física e simbolicamente, que o externo influencie o interno”, conta Lafuente.
Outro eixo que a dupla pretende implementar é abrir a instituição para aquilo que não está lá – objetos, saberes, pessoas – poder entrar, como diz Eleison: “É uma gestão de questionamento institucional muito forte. Uma das grandes questões é não só olhar para a inexistência de corpos, inteligências e objetos dentro das coleções, mas quando elas entram, como elas o fazem. Enquanto mulher preta me interessa um tipo de pesquisa sobre as pessoas que não foram colocadas aqui, o porquê elas não foram colocadas aqui e o que elas estavam fazendo”.
Com isso, o MAM Rio pode exercer uma relação mais autêntica com a produção que agora vem ocupando outras instituições, como a feminina, a negra, a indígena ou a queer – mas de forma um tanto estatística, como para cumprir uma agenda, sem, contudo, criar vínculos efetivos. “Nós não queremos trabalhar com a ideia de convite, porque quando há convite, está claro que o convidado não é daquele lugar. E nós queremos muito questionar a ideia do exótico, porque o que se chama de exótico é formativo da nossa estrutura”, conclui a diretora.
dezembro 11, 2020
Obituaries: Aldo Tambellini, Avant-Garde Filmmaker and Video Artist, Dies at 90 by J. Hoberman, New York Times
Aldo Tambellini, Avant-Garde Filmmaker and Video Artist, Dies at 90
Obituário escrito por J. Hoberman originalmente publicado no jornal New York Times em 12 de novembro de 2020.
A fixture of the Lower East Side’s ’60s art scene, he had an abiding interest in black. “‘Black,’” he wrote, “is not the opposite of white; it is a state of being.”
Aldo Tambellini, a sculptor turned avant-garde filmmaker, pioneer video artist and veteran practitioner of multimedia installations, died on Thursday in Cambridge, Mass. He was 90.
Anna Salamone, his partner and only immediate survivor, said he had died of complications following surgery at Spaulding Hospital.
Mr. Tambellini was notable for his community-based sense of cultural production, particularly during his years as an artist-activist on Manhattan’s Lower East Side. He was even more famous for his career-long interest in the color (or noncolor) black.
“It is striking that one of the true pioneers of video has seemed to base his entire production on a rejection of the centrality of light,” a critic observed in the magazine Artforum on the occasion of Mr. Tambellini’s 2012 retrospective at the Tate Modern in London. But for Mr. Tambellini, black was something more illuminating than the absence of light.
“‘Black’ is the expansion of consciousness in all directions,” he wrote in a 1967 manifesto, “Black Is the Awareness of a New Reality,” republished 42 years later in a catalog for his retrospective at the Pierre Menard Gallery in Cambridge, Mass. “I see ‘Black’ very clearly as the beginning of all things; and in the beginning it was ‘Black’ before the beginning. There was ‘Black’ before there was light in the whole universe. There is ‘Black’ inside the womb before the child is born. ‘Black’ is not the opposite of white; it is a state of being. We come from this womb. We come from this planet enveloped by ‘Black.’”
Mr. Tambellini also liked to dress in black. John G. Hanhardt, a former film and video curator for the Whitney Museum of American Art in New York, described him as “charismatic” and “a really important figure in the late 1960s.”
Mr. Hanhardt recalled that he had included the Tambellini video piece “Black Spiral” in a 1994 Whitney show marking the 25th anniversary of “TV as a Creative Medium,” the historic 1969 exhibition at the Howard Wise Gallery in Manhattan. At that time, Mr. Hanhardt said, Mr. Tambellini was living in Massachusetts and no longer “a presence” in the art world.
Aldo Tambellini was born in Syracuse, N.Y., on April 20, 1930, the second son of John and Gina (Puccinelli) Tambellini. His father, a hotel waiter, was born in Brazil, where his father, an Italian immigrant, had established a coffee plantation. Mr. Tambellini’s mother had immigrated to the United States from a village in Tuscany.
His parents separated when Aldo was a baby, and he was sent to live with relatives in Italy amid the trauma of World War II. After the war, Mr. Tambellini returned to the United States with his mother. He studied art at Syracuse University and the University of Notre Dame before moving to the Lower East Side in 1959.
There, he began making sculptures using detritus harvested from demolished buildings. He considered his storefront studio a community space and developed an empty lot as an ad hoc sculpture garden. Though he rejected any connection with the established art world, Mr. Tambellini was associated with a number of Lower East Side artist groups, including the Center, which he founded, the Umbra poetry collective and the NO! art movement. He would later be affiliated with the European group ZERO.
Like many artists of the 1960s, Mr. Tambellini was influenced by the writings of the media theorist Marshall McLuhan, emblazoning one painting with the slogan “We are the primitives of a new era,” a nod to McLuhan. He began projecting handmade slides he called lumagrams on the sides of buildings, and he made movies, largely without a camera, that involved painting on or scratching the film emulsion. Screened as an example of psychedelic cinema, the experimental film “Black Is” was described by Dan Sullivan in The New York Times as “a dazzling succession of black-on-white and white-on-black splotches, dots, zigzags and starbursts.”
In 1966, Mr. Tambellini and his wife at the time, Elsa Tambellini, opened the Gate, a 200-seat theater at Second Avenue and 10th Street in the heart of the East Village. (The couple separated in the early 1970s.) Among the work screened there were early films by Brian De Palma, Jack Smith’s “No President” and Robert Downey’s absurd comedy “Chafed Elbows,” which ran for six months — sometimes shown on a double bill with Kenneth Anger’s “Scorpio Rising” — becoming something of an underground blockbuster.
The Gate also presented plays by, among others, LeRoi Jones (later known as Amiri Baraka). And on weekend midnights it provided a venue for “When Queens Collide” and other cross-dressing spectacles by Charles Ludlam’s Ridiculous Theatrical Company.
The Gate was itself a notable environment. Describing “the theaters of the underground” in Artforum, the critic and painter Manny Farber wrote that the Gate “starts as an entrance to an old apartment house, moves through a 1920s marble hallway, and engulfs the customer in a black chamber.”
“God help him,” he added. “The big sensation here is the ancient unreliable floor, which, like the ceiling in this blitzed miniature cathedral, is indescribable. Sometimes, the shredded carpeting, with its patches of masking tape, feels as spongy and sandy as the beach at Waikiki.”
Mr. Tambellini orchestrated what he called “electromedia” shows that involved slides, films, stroboscopic lights, dance, recorded sound and live music. In 1967, he and the German kinetic artist Otto Piene opened a second theater, the Black Gate, in an upstairs loft. This became a showcase for avant-garde artists like Yayoi Kusama, Nam June Paik and Charlotte Moorman.
Mr. Tambellini’s own pieces could be quite dramatic. Reporting in The Times on the electromedia event “Black Zero,” which had its premiere at the Brooklyn Academy of Music in 1968, Grace Glueck wrote that “Mr. Tambellini’s work got off to a slow start, but turned out to be something of a stunner.” The piece began with a taped voice indicting racial injustice in America and “gradually built up visual and aural imagery — sound, word, music, lights and slide projections — to a shattering crescendo.”
Toward the end, Ms. Glueck wrote, “a huge black balloon began to swell.”
“As it reached the bursting point," she continued, “something unplanned happened. It broke from its mooring and floated threateningly out over the audience, at whose hands it was finally exploded.”
Her review concluded that “as a symbolic comment on the explosive racial situation in this country, Mr. Tambellini’s work was a painfully literal experience. On another level, as well, it was a highly effective piece of abstract theater.”
Mr. Tambellini began working with video technology in the late 1960s. Along with Mr. Paik and Mr. Piene, he was one of the first video artists to have his pieces shown in a New York gallery and broadcast on television. While “Black TV” (1968) compressed two years of television news reports into a nine-and-a-half-minute barrage of sound and image, Mr. Tambellini also made more straightforward recordings. In 1971, he documented the meetings and activities of the Italian-American Civil Rights League, including the Columbus Circle rally in which the league’s founder, Joseph A. Colombo Sr., was assassinated.
Mr. Tambellini left New York in the mid-1970s, joining Mr. Piene as a fellow at the Center for Advanced Visual Studies at the Massachusetts Institute of Technology in Cambridge, Mass. He described his work there as “developing the concept of Communicationsphere, working with interactive telecommunications systems, primarily slow scan television and two-way cable TV.”
Mr. Tambellini’s early work was rediscovered in his later years and embraced by the art world he had largely disdained as commercial, retrograde and elitist. In 2009, “Black Zero” was recreated as part of the New York City performance biennial Performa. In 2013, a year after his career retrospective at the Tate Modern in London, he had an extensive one-man show at the James Cohan Gallery in Manhattan. In 2015, he was invited to exhibit a new installation in the Italian Pavilion at the 2015 Venice Biennale.
That same year, one of his more contemplative video pieces, the multichannel “Atlantic in Brooklyn,” dating from the early 1970s and consisting of footage that Mr. Tambellini had shot from his studio window overlooking the future site of the Barclays Center, was digitally remastered and reinstalled in a Brooklyn gallery. Reviewing the piece in The Times, Martha Schwendener wrote that “for New York audiences, ‘Atlantic in Brooklyn’ is an essential chapter in local and cinema history.”
The same could be said for Mr. Tambellini’s artistic career.
Alex Traub contributed reporting.
A version of this article appears in print on Nov. 14, 2020, Section B, Page 12 of the New York edition with the headline: Aldo Tambellini, Avant-Garde Filmmaker and Video Artist, Dies at 90.
Morre aos 90 anos Aldo Tambellini, artista radical obcecado com a cor preta, Folha de S. Paulo
Morre aos 90 anos Aldo Tambellini, artista radical obcecado com a cor preta
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 13 de novembro de 2020.
Militante antirracista ficou famoso a partir dos anos 1960 por experimentações em vídeo e fotografia
Veja obras de Aldo Tambellini na matéria da Folha
Artista radical que realizou diversos trabalhos sobre o preto, Aldo Tambellini morreu nesta quinta (12) nos Estados Unidos, aos 90 anos.
Segundo sua mulher, Anna Salamone, a morte foi em decorrência de complicações após uma cirurgia no hospital Spaulding, em Cambridge, no estado de Massachussetts.
O artista estava internado desde o início de outubro, segundo Adriano Casanova, da galeria paulistana Casanova, que atualmente exibe uma mostra online de Tambellini, a última exposição a abrir enquanto ele ainda estava vivo.
O artista ítalo-americano ficou famoso a partir da década de 1960 por suas experimentações em vídeo e fotografia. Naqueles anos, Tambellini começou a intervir sobre o filme fotográfico, riscando e pintando o negativo, além de mergulhar o material em ácido.
Trabalho em vídeo de Aldo Tambellini, com o próprio artista representado na imagem - Aldo Tambellini Foundation / galeria Casa Nova
Ele também realizou uma série na qual punha negativos virgens em frente à televisão e ligava e desligava o monitor rapidamente, de forma a obter a queima do filme, gerando fotografias feitas sem câmera.
Um tema recorrente em seu trabalho é o preto. “O preto é, na verdade, o começo de tudo”, escreveu. Viria a usar o conceito de maneira ampla, em referência ao movimento black power, que apoiava, à matéria negra da física, ao preto do negativo fotográfico e ao negro do desconhecido da exploração espacial.
Essa obsessão se materializou numa leva de filmes curtos, alguns abstratos e frenéticos e outros mais concretos —nestes, retratou a vida de comunidades negras dos Estados Unidos e a Segunda Guerra.
Poeta, performer e ativista antirracismo, Tambellini nasceu em Siracusa, no estado de Nova York, em 1930, sendo levado com a família para a Itália quando era bebê.
Precoce, foi matriculado numa escola de arte aos dez anos. Aos 13, sobreviveu aos bombardeios da Segunda Guerra que destruíram o bairro onde morava e mataram mais de 20 vizinhos.
Depois do episódio, voltou para os Estados Unidos, onde estudou pintura e escultura antes de enveredar pela pesquisa com arte multimídia e performance.
Tambellini passou por um resgate na última década, ganhando exposições no MoMA, em Nova York, e uma sala na Tate, em Londres, além de ter sido escalado para a Bienal de Veneza de 2015.
Artista Aldo Tambellini usou só preto em obras radicais que celebram a negritude por João Perassolo, Folha de S. Paulo
Artista Aldo Tambellini usou só preto em obras radicais que celebram a negritude
Matéria de João Perassolo originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 4 de novembro de 2020.
Filho de pai brasileiro e mãe italiana sobreviveu à Segunda Guerra e criou imagens com ácido em negativos fotográficos
“Quão brasileiro você pode se tornar?” Esta foi a pergunta que Aldo Tambellini escreveu no verso de um cartão-postal durante o período em que morou na capital paulista, no início da década de 1980.
Depois de participar da 17ª edição da Bienal de São Paulo, o artista ítalo-americano ficou hospedado na cidade por cerca de nove meses para tentar encontrar seu avô paterno, um ex-plantador de café.
Filho de pai brasileiro com mãe italiana, Tambellini não foi bem-sucedido na busca, mas isso não o impediu de transformar sua jornada numa série de intervenções em cartões-postais de São Paulo —sobre fotografias aéreas da cidade, colou selos, borboletas e até recortes de jornal. Enviou tudo para a sua namorada na época, que estava nos Estados Unidos, com curtas mensagens poéticas.
Um apanhado desses cartões-colagens está reunido até dezembro na exposição virtual “No Princípio Tudo Era Negro”, no site da galeria paulistana Casanova. Em vídeos, fotos, colagens, poemas, áudios e o registro de uma performance, a mostra faz uma breve retrospectiva da obra do artista, que deixou sua marca de experimentalismo na fotografia e na videoarte e também direcionou seu olhar para a vida de comunidades negras.
Na década de 1960, Tambellini começou a intervir sobre o filme fotográfico, riscando e pintando o negativo, além de mergulhar o material em ácido. O resultado —a série “Lumagrams”— são abstrações onde se veem manchas escuras sobre papel branco, em imagens que lembram buracos negros ou células humanas vistas no microscópio.
Outro trabalho de estética semelhante são os “Videograms”, em que o artista punha negativos virgens em frente à televisão e ligava e desligava o monitor rapidamente, de forma a obter a queima do filme, gerando fotografias feitas sem câmera.
Poeta, performer e ativista antirracismo, Tambellini nasceu em Siracusa, no estado de Nova York, em 1930, sendo levado com a família para a Itália quando era bebê.
Precoce, foi matriculado numa escola de arte aos dez anos. Aos 13, sobreviveu aos bombardeios da Segunda Guerra que destruíram o bairro onde morava e mataram mais de 20 vizinhos. Depois do episódio, voltou para os Estados Unidos, onde estudou pintura e escultura antes de enveredar pela pesquisa com arte multimídia e performance.
Um tema recorrente em seu trabalho é o preto. “O preto é, na verdade, o começo de tudo”, escreveu. Viria a usar o conceito de maneira ampla, em referência ao movimento black power, que apoiava, à matéria negra da física, ao preto do negativo fotográfico e ao negro do desconhecido da exploração espacial.
Essa obsessão se materializou numa leva de filmes curtos, alguns abstratos e frenéticos e outros mais concretos —nestes, retratou a vida de comunidades negras dos Estados Unidos e a Segunda Guerra.
Tambellini, hoje com 90 anos, passou por um resgate na última década, ganhando exposições no MoMA, em Nova York, e uma sala na Tate, em Londres, além de ter sido escalado para a Bienal de Veneza de 2015.
Segundo a organizadora da mostra, Jane de Almeida, esse interesse se deve à contemporaneidade de sua obra, inovadora no uso de materiais, apta a construir narrativas com imagens abstratas e sensível a questões sociais como o racismo e os horrores da guerra.
No Princípio Tudo Era Negro
* Quando até 23 de dezembro
* Preço grátis
* Autor Aldo Tambellini
* Link: https://online.casanovaarte.com
dezembro 10, 2020
No apagar das luzes de 2020, Ancine desfere novo golpe no cinema por Jotabê Medeiros, Farofafá
No apagar das luzes de 2020, Ancine desfere novo golpe no cinema
Matéria de Jotabê Medeiros originalmente publicada no blog Farofafá, da Carta Capital, em 9 de dezembro de 2020.
Em reunião extraordinária de sua diretoria colegiada, neste dia 8, terça-feira, a Agência Nacional de Cinema (Ancine) colocou mais uma pá de cal naquilo que ainda havia de sadio nas estruturas do audiovisual brasileiro.
Primeiro, a agência decidiu cancelar os saldos das chamadas públicas Fluxo Contínuo TV 2018 (um edital de R$ 251 milhões de reais), Fluxo Contínuo Comercialização 2018 (de R$ 28 milhões), Prodav 13/2016 (R$ 14 milhões) e Chamada Fluxo Coprodução Internacional 2019 (R$ 39 milhões), além das chamadas públicas ANCINE/FSA n.º 01/2016 e n.º 01/2017. Na prática, isso configura um calote em compromissos assumidos publicamente com centenas de produtores – o saldo financeiro desses editais permanece no Fundo Setorial do Audiovisual, mas a tendência atual da Ancine, nociva ao setor, é fazê-lo sumir nas entranhas do Tesouro, afastando da atividade.
A diretoria da Ancine também resolveu extinguir o regulamento geral do Programa de Desenvolvimento do Audiovisual (Prodav), decidindo que, a partir de agora, as normas, diretrizes e critérios sejam definidos em CADA edital. A tendência é criar casuísmos a partir de regulamentos distintos, feitos ao sabor de cada nova seleção, tornando o processo ainda mais lento e burocratizado.
Outra paulada: a Lei de Orçamento Anual (LOA) prevê arrecadação do setor de R$ 695 milhões em 2021, mas a Ancine definiu um orçamento de cerca de R$ 410 milhões (um quarto desse valor destinado a linhas de empréstimo). Sumiram 285 milhões sem explicação. E a agência autorizou apenas o lançamento de chamadas públicas para financiar produções cinematográficas voltadas à ocupação do mercado de salas de exibição, desenvolvimento de jogos eletrônicos multiplataforma e séries de animação para TV, não incluindo TV que não seja animação, coproduções internacionais, distribuição e arranjos regionais. Isso pode resultar numa nova quebradeira de produtoras.
A diretoria também resolveu adiar por tempo indeterminado a decisão sobre a cota de tela para 2021. O diretor-presidente substituto, Alex Braga, alegou ser melhor observar o comportamento do mercado de exibição (que está paralisado) nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2021 para decidir a partir das bilheterias; o pastor Edilásio Barra, o Tutuca, falou em recomendação da Procuradoria Federal para adiar; já Vinicius Clay se manifestou favorável a manter os parâmetros de 2020,”com a redução da variedade de títulos e o cálculo proporcional das obrigações pelo período de vigência da obrigação no ano de 2021, considerando que esta, ao passo que viabiliza o cumprimento do comando legal, preserva a salvaguarda à produção cinematográfica nacional e não parece representar um ônus excessivo aos exibidores, nesse momento excepcional”. Venceu o adiamento.
Manuel Borja-Villel: “Hay algo muy importante en el arte, que es el afecto” por Juan Cruz, El País
Manuel Borja-Villel: “Hay algo muy importante en el arte, que es el afecto”
Entrevista de Juan Cruz originalmente publicada no jornal El País em 6 de dezembro de 2020.
Para el director del museo Reina Sofía, “el capitalismo es una máquina: cuando pones la mano te la corta”
Manuel Borja-Villel (Burriana, 63 años), director desde hace casi 13 años del museo Reina Sofía, trabaja al lado del Guernica, el cuadro principal de la metáfora de ruina civil del siglo XX, y ahora reflexiona aquí sobre las ruinas que deja la pandemia del siglo XXI. Camina, actúa y habla como si estuviera impulsado por una urgencia; atropella las palabras como si se le acabaran de despertar las ideas. Con el mismo arrojo, escribió en este tiempo una carta llena de rabia y esplendor a una supuesta artista joven a la que le advierte, como en la entrevista, de que hay algo más importante que el arte, el afecto. Como si se despojara de sus distintos ropajes administrativos dejó al aire sus sentimientos. De eso, y del tiempo que nos han quitado, hablamos en su despacho, que a veces está iluminado y a veces, como la vida actual, él mismo deja en penumbra.
Pregunta. ¿Cómo surgió esa carta?
Respuesta. Es como un exabrupto, algo que va en una botella, a ver si alguien la recibe en el mar. Hemos estado aislados y solos. Me fijé, para escribir la carta, en la obra de Michael Asher, que refleja la situación de los nuevos colonialismos, y se centra en las comunidades mayas de Guatemala. Cuando fuimos con ellos a trabajar comprobamos que allí la palabra arte no existe. Para ellos lo que sería arte está relacionado con la ecología, tiene que ver con los rituales, con tocarse, con la caricia… Cuando recoges lo que hacen estás ejerciendo una especie de nuevo colonialismo. Durante la pandemia, de repente, me di cuenta de que las cosas habían cambiado y de que este artista lo refleja. De ahí parte la carta.
P. Y en seguida se pregunta usted contra quién luchamos esta batalla.
R. Desde 2008 el sistema capitalista vive una crisis. Cuando esto se produce parece que hay una vuelta de tuerca en la precarización del sector cultural. Lo que ha habido ahora es una catástrofe y también un cambio de paradigma. Las grandes catástrofes no sabes nunca de dónde vienen. No sobrevive el más fuerte, pues este está preparado para lo que se sabe que viene. De modo que en circunstancias como las actuales puede ser el débil el que salga adelante. Lo importante es la pluralidad, la complejidad. Un mundo no basado en la creación, en el conocimiento, está condenado a no sobrevivir. Lo que la covid nos está enseñando es que la cultura no va a poder ser esa cultura homogénea, a mantenerse en una esfera de control, en la centralidad ilustrada de una élite. Hay una cosa muy importante en el arte, que es el afecto. El conocimiento artístico es de piel, es físico… Es como lo que les pasa a los niños: cada vez que aprenden es con error o con dolor, no lo olvidan nunca. Lo que aprendemos ahora no lo aprendemos con esa intensidad física. En esta época covid la función cultural va a tener mucha importancia. En mitad de un camino de éxito, en el que todas las ciudades competían por tener más museos, más bibliotecas y más nobeles, y al final todos teníamos de todo, se nos había olvidado el arte. Yo creo que eso nos enseña la pandemia.
P. ¿Qué tendremos si teníamos todo y ahora no tenemos nada?
R. Lo primero, los cuidados respecto a las otras especies. No sé si lo tendremos, pero lo deberíamos tener. Otra cosa: que nos devuelvan el tiempo. El tiempo nos lo han quitado, no nos pertenece este tiempo de sobreproducción, de no parar de hacer cosas, de visitar cosas sin cesar. Yo creo que habrá que pasar de visitar a ver cosas. Hay cosas que forman parte del ser humano: el viaje, la movilidad, el vivir juntos… Nos las han quitado, no porque las hayan secuestrado, que a veces también… El viaje del conocimiento nos lo han quitado porque los viajes se han convertido en una industria donde lo importante es cómo te mueves y no a quién conoces. En la época de las grandes migraciones, no nos preocupamos por lo que ocurre en África. Nos hemos olvidado de lo principal: de los derechos humanos, de la hospitalidad, que se ha convertido en todo lo contrario: tú recibes a la gente, pero le exiges que sea como tú. Cuando el Reina Sofía empezó se criticó muchísimo que fuese antes un hospital, que oliera a cloroformo y a enfermo, cuando, se decía, el arte es glamur… Y, curiosamente, que haya sido hospital tiene más ahora sentido que nunca, por lo de los cuidados: vamos a ser una sociedad enferma y el arte es terapéutico.
P. ¿Así serán los museos?
R. Los museos deberían ser de algún modo las iglesias, los monasterios de la Edad Media: lugares donde todo se puede reflejar, tanto a nivel estructural como interno, cuando te censuran o te obligan a tener éxito, a que siempre haya los mismos nombres.
P. ¿Cómo va a afectar a lo expuesto, a lo pintado, a lo que se conserva?
R. Cuando se acabó la primera fase de la cuarentena y se decía que había que cambiar se supo que todos los cruceros ya estaban reservados. O sea que la capacidad del ser humano de cometer el mismo error dos veces es infinita… Decía Immanuel Wallerstein que el capitalismo es una máquina, y cuando esta está en marcha si pones la mano te la corta. De hecho la historia de la izquierda es una historia melancólica porque está hecha de derrotas, solo que son derrotas que te llevan a otra cosa. Pero, de repente, lo que parecía imposible ha ocurrido: el sistema se ha parado, y solo puedes meter la mano para sacar alguna cosa. Ahora se ha parado, pero puede ser que vuelva a ser igual, aunque eso no me gustaría. ¿Qué cosas no serán iguales? Este modelo de museos competitivos, egoístas, donde cada uno busca lo suyo. Esto nos pasa a todos: no les explicas a otros lo que haces para que no te roben la idea… ¡Si todos somos ladrones! A nivel de cultura, llega un momento en que te crees que esto lo has hecho tú, pero resulta que ya estaba ahí. Esta competitividad tiene más que ver con la comunicación que con la creatividad, y es algo que me parece que se va a acabar. Y se va a acabar porque hemos descubierto que dar enriquece, y que el dar te hace sentirte bien.
P. Dice en su libro Campos magnéticos (Arcadia, Barcelona 2020) que “a veces las ruinas son hermosas”. ¿Qué ruinas estamos heredando?
R. Me gusta mucho Marcel Broodthaers, artista de la segunda mitad del siglo XX. Cuando tenía 40 años era un poeta, se dedicaba a hacer fábulas de animales y no vendía nada. Era 1964 y él dice: “No he servido para nada en mi vida. Voy a hacer una exposición”. Y decide que quiere ser artista. Entiende que el arte es un mundo de conquista, como si siempre jugases en campo contrario, con unos instrumentos que no son los tuyos, que te vienen dados especialmente en una época que él ya intuía, que es la de la sociedad del espectáculo, donde todo es susceptible de ser transformado en una marca. Así que hace poemas en plástico, poemas que nadie puede leer, y luego trabaja en una estructura de ruinas de la cultura moderna que ha desaparecido. Es lo que hacemos con la cultura: trabajar sobre ruinas como fantasmas. Esa pervivencia, esa ruina, ese fantasma, es algo que puede ser transformado, no nos lo puede quitar nadie. Y esa es una de las responsabilidades que tienen los museos, los intelectuales, los escritores, imaginar qué hacen con las ruinas.
P. Se refiere usted en su carta (y en su libro) a que la esencia de un país debería ser la hospitalidad, la puerta abierta. ¿A qué huele la esencia de este país en este momento?
R. Pues no sé si huele a lo contrario: a puerta cerrada. No sé si debería oler más a puerta abierta.
dezembro 9, 2020
Mulheres negras na curadoria de museus rejeitam visão eurocêntrica da arte por Gabriela Teixeira, Revista Claudia
Mulheres negras na curadoria de museus rejeitam visão eurocêntrica da arte
Entrevista de Gabriela Teixeira originalmente publicada na revista Claudia em 27 de novembro de 2020.
As curadoras Diane Lima e Keyna Eleison discorrem sobre a importância e os impactos do olhar racializado na construção e difusão da arte nacional
Diante de uma obra de arte, é comum questionar: “O que pretendia o artista ao criá-la?”. Mas tão intrigante e influente quanto essa pergunta é pensar nas intenções de quem escolheu o trabalho para integrar a exposição.
Por muito tempo, museus e galerias espelharam visões elitizadas, constituindo redutos da cultura brasileira com base em narrativas que excluíam o que não era interessante para quem ocupava o topo da hierarquia social.
Raras eram as ocasiões em que se propunham a abrir espaços para outras visões e, quando o faziam, apenas reforçavam estereótipos criados por uma visão eurocêntrica. Aliás, o uso do pretérito engana. A arte das instituições ainda segue fortemente influenciada por pensamentos que não refletem a pluralidade brasileira.
Alterar essa realidade depende, em parte, de mudanças realizadas de dentro para fora. Elas acontecem também graças aos esforços de mulheres como a carioca Keyna Eleison, que há três meses assumiu a direção artística do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio), e a baiana Diane Lima, curadora independente responsável pela mostra Como Colocar Ar nas Palavras, em cartaz na Galeria Leme, em São Paulo. Não é uma jornada fácil, como contam, mas que se faz possível com assertividade, troca de conhecimentos e uma dose de sabedoria ancestral.
Considerando não apenas a montagem das exposições mas também o papel das instituições e seu contexto na arte nacional, qual o papel do curador?
Keyna Um dos meus papéis na curadoria é abrir o campo do que pode ser essa prática. A atuação curatorial ocorre não só dentro da exposição mas também sobre uma linha de pensamento a ser desenvolvida, como formas de pesquisar trabalhos de arte, de incluir nesse campo o que já chamamos de arte e o que passaremos a chamar.
Diane Estamos em um momento em que a função da curadoria é posta em xeque tanto no sentido de sua autoridade quanto no da sua pretensa ingenuidade, pois entende-se que há uma intencionalidade na função. É uma profissão que cria discursos e, portanto, noções de verdadeiro e falso, possibilidades de visibilizar ou invisibilizar pensamentos, pessoas e histórias.
Acho que a função da curadoria tem se aproximado do grande público, saindo desses bastidores, por não estar somente atrelada a produzir exposições. Existe uma ligação com projetos educativos, geração de conhecimentos, acompanhamento artístico, funções muitas vezes pouco conhecidas ou debatidas, mas que são tão importantes quanto a exposição em si.
A arte e os museus são ainda espaços muito dominados pela figura e pelo olhar masculino e branco. Qual a importância da presença de pessoas negras, especialmente de mulheres negras nos bastidores?
Keyna Quando entramos com esses olhares de presença, contundência e estudo feminilizado e racializado, colocamos o olhar branco e masculinizado como algo setorizado. A presença de curadoras e artistas não instrumentalizadas, que estão ali para algo mais do que decorar ou falar que há uma mulher preta, torna as coisas mais elucidadas, em seus lugares. Elas se inserem como agentes de desenvolvimento, de criação e participação, mas também de observação.
Diane Quando Keyna assumiu o MAM, passamos a ter a representação de uma mulher negra não apenas à frente de um museu, mas em um campo de conhecimento sendo articulado na estrutura dessa instituição. Isso muda tudo.
O que fazemos é criar perspectivas sobre um acervo que muitas vezes nos deixou de fora, colocá-lo em xeque e contrapor mundos distintos. Nossa presença é importante porque vivemos em um mundo democrático e se faz necessário compreender que a pluralidade cultural do Brasil existe; logo, devemos nos sentir pertencentes geograficamente, como povo e sociedade.
Qual tem sido o ônus e o bônus de adentrar esses espaços para levar questões, artistas e obras racializadas?
Keyna Os desafios são constantes, mas existe uma inteligência herdada das mulheres pretas, para quem isso não é algo novo. É quase o ar que respiramos, está dentro da nossa intelectualidade. É importante entendermos que o cotidiano estrutural pode ser mudado, desenvolvido por meio de microimplosões, e que estamos nesses lugares para observar e apontar questões.
Há um discurso que se constrói apenas com nossa presença. Observar acervos estabelecidos com outras perspectivas é crucial – em vez de trazer os saberes afrodiaspóricos para uma visão eurocêntrica, entender que ela, por mais importante que seja, tem limite.
Diane Penso que o desafio é existir fazendo o que fazemos. Muitas de nós, antes de sermos curadoras, éramos gestoras, educadoras, comunicólogas, antropólogas, historiadoras… Mas não curadoras, e há um motivo para isso. É uma função de poder que exige negociação para chegar até ela.
Para mim, tem sido importante a possibilidade de permanecer nesse espaço. Sabemos que curadora independente no Brasil é, muitas vezes, sinônimo de desempregada. E a maior felicidade é quando, de fato, conseguimos romper as fronteiras dos estereótipos raciais que a nossa iconografia e historiografia produziram.
Reivindicar o título de curadora pode ser um processo longo quando, por tanto tempo, o racismo criou uma exclusão desse lugar. Como vocês lidam com isso?
Keyna Falo bastante sobre isso porque, em comparação com parceiras e parceiros brancos e não brancos, me assumir como curadora foi algo tardio. Estava sempre no campo da arte e da cultura, desenvolvendo linhas de pensamento, fazendo pesquisa e até algumas exposições, mas não conseguia me sentir encaixada em nenhum desses lugares específicos. Falar que eu era curadora era um espelho que me era negado estruturalmente. Quando me nomeei, foi quase um estalo. Essa posição ainda me é muito cara.
Diane Por muito tempo, demoramos a conquistar palavras que conseguissem nos ajudar a dar nomes a violências e nos tirar do lugar de subalternidade. A curadoria também me é uma palavra cara, porque é um rótulo novo. Não acho que podemos abandonar algo que ainda está em construção, pois talvez não tenhamos experiência suficiente nessa estrutura, tempo para reconhecê-la e implodi-la por dentro.
Talvez, daqui a dez anos, voltaremos a essa pergunta e eu direi que não quero mais saber desse negócio de ser curadora. Por enquanto, deixo para as pessoas que podem fazer isso. O processo de autodefinição é importante, pois, quando nos estabelecemos no mundo, ele nos reconhece como participantes de um sistema, uma cultura, uma comunidade.
“É importante entendermos que o cotidiano estrutural pode ser mudado e que estamos nesses lugares para observar e apontar questões”
Keyna Eleison
Quando se trata de investimento, a cultura no Brasil vive na corda bamba. Com a pandemia, essa fragilidade se acentuou. A falta de verbas pode afetar a aquisição e a inserção de obras produzidas por artistas mulheres, artistas negros, minorias?
Keyna Existe uma real política de esvaziamento, na qual a aquisição e acepção estão cada vez mais elitizadas. Porém, também temos desenvolvido formas inteligentes de lidar com essa questão. Começamos a perceber outras possibilidades de criar modos e meios de observar, exibir, comprar e vender trabalhos. Não sou a pessoa mais otimista, claro. Temos que estruturar muitas questões antes de qualquer coisa.
Diane Até porque esse desmanche e precariedade, para nós, remonta a outros tempos. Essas estratégias às quais a Keyna se refere são ancestrais, vêm das nossas religiões de matriz africana e dos nossos modos de resistência e sobrevivência em diáspora, das lutas dos movimentos sociais há 50 anos. Elas estão sendo ressignificadas e revisitadas agora, de modo que possamos atravessar a pandemia. Contudo, esse processo de precarização não é exatamente novo; ele apenas se adensou.
Pensando no futuro, como esperam que as transformações que estão sendo feitas por vocês e seus colegas impactem as próximas gerações de artistas, de curadores negros e também o público?
Diane Tem uma fala do Amiri Baraka, poeta e ativista estadunidense, que diz que o passado está sempre no futuro. E o cantor Tiganá Santana completa afirmando que ancestral é aquele que se faz em vida. Acho que nossas presenças são desejos e sonhos dos nossos antepassados transformados em presente, que também já são futuro de certa forma.
Espero que estejamos conseguindo não só caminhar por esses tempos mas também afetá-los, de modo que outros tempos sejam possíveis. E que minimizemos a visão elitista que existe sobre artes visuais no Brasil. Para mim, isso não tem a ver com incapacidade de fruição, de entendimento.
Esse é um discurso nocivo. Pensando na maior democratização, espero que possamos contar nossas histórias, que não são de minorias, mas de maiorias, amplificá-las e fazer da potência que essas artes são um lugar de comunicação, pertencimento e de futuros.
dezembro 7, 2020
Pastor vai assumir diretoria no Iphan que cuida do patrimônio imaterial brasileiro por Victor Farias e Giuliana de Toledo, O Globo
Pastor vai assumir diretoria no Iphan que cuida do patrimônio imaterial brasileiro
Matéria de Victor Farias e Giuliana de Toledo originalmente publicada no jornal O Globo em 4 de dezembro de 2020.
Tassos Lycurgo é advogado, professor na pós-graduação de design da UFRN e tem curso de liderança avançada, ministério pastoral e estudos bíblicos
BRASÍLIA — Uma das diretorias mais importantes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) terá novo diretor. No lugar de Hermano Fabrício Oliveira Guanais e Queiroz, mestre em Preservação do Patrimônio Cultural, a diretoria do Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI) deve ser comandada pelo pastor Tassos Lycurgo.
A nomeação de Lycurgo ainda não foi oficializada no Diário Oficial da União (DOU), mas a cessão dele ao Iphan pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) foi publicada no DOU hoje. Atualmente, Lycurgo é professor da pós-graduação em Design da UFRN.
Lembre: Iphan tem nova presidente, após cargo ficar vago durante cinco meses
Além de lecionar, Lycurgo afirma em seu currículo que é advogado, pós-doutor em apologética cristã e sociologia jurídica, doutor em educação, mestre em filosofia analítica e especialista em direito. Ele diz também que tem curso de liderança avançada, ministério pastoral e estudos bíblicos.
Em um de seus sites, o pastor diz que é presidente do Ministério da Defesa da Fé, igreja em Natal (RN), que tem como missão "apresentar de maneira científica, histórica e filosófica razões para seguir Jesus Cristo". Nas redes sociais, Lycurgo trata de assuntos existenciais e também posta mensagens cristãs.
"O rio só busca o profundo - o mar é consequência.(Assim deve ser nossa caminhada com Deus!)", escreveu no Instagram na semana passada.
Veja: Parado desde 2019, Conselho Superior do Cinema passará a ser comandado por Mario Frias
O Iphan confirmou ao GLOBO que o pastor deve ser nomeado para a diretoria de Patrimônio Imaterial. Funcionários do setor já haviam sido avisados sobre a mudança. Eles temem que a saída de um nome com formação técnica na área e a chegada de alguém sem experiência possa prejudicar os trabalhos do órgão.
Entre outras funções, o DPI propõe diretrizes e critérios para a preservação e difusão do patrimônio imaterial brasileiro, em conjunto com as Superintendências Estaduais, além de gerenciar programas, projetos e ações nas áreas de identificação, de registro, acompanhamento e valorização do patrimônio imaterial.
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