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Como atiçar a brasa

 


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fevereiro 26, 2020

Mulheres são a grande maioria na nova Bienal do Mercosul por Luiz Antônio Araujo, Folha de S. Paulo

Mulheres são a grande maioria na nova Bienal do Mercosul

Matéria de Luiz Antônio Araujo originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 17 de fevereiro de 2020.

Elas são 80% do total de artistas com obras no evento em Porto Alegre, que destaca nomes africanos e latinos

A 12ª Bienal do Mercosul começa em 16 de abril em Porto Alegre sob a marca da produção artística feminina. Com o tema Feminino(s), Visualidades, Ações, Afetos, a mostra terá obras de 75 artistas de 27 países — 80% são mulheres.

Serão 182 peças em exposição. O fio condutor da mostra é a arte das mulheres e de todos os gêneros, para além do binômio masculino-feminino. De acordo com a curadora-geral, Andrea Giunta, a intenção é aproximar do público obras e manifestações pouco valorizadas nos circuitos latino-americanos de arte contemporânea.

“Estamos em um momento em que as mulheres buscam ativamente sua representação em diversos campos. As mulheres, as sensibilidades femininas, as sensibilidades não binárias. A Bienal quer ser o fórum em que distintas vozes se expressem”, afirma Giunta, que é historiadora da arte latino-americana e professora da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires.

A modesta participação de mulheres em exposições e acervos é preocupação cada vez maior entre artistas e curadores. Um dos focos da Bienal é chamar a atenção para a arte de artistas africanas e latinas.
 
“Essa arte está acontecendo, queremos expô-la. As artistas mulheres afrolatino-americanas estão realizando uma obra absolutamente sofisticada que o público tem o direito de conhecer. As exposições não são feitas para mostrar sempre o mesmo, mas para permitir conhecer mais”, afirma Giunta.

A equipe de curadores é composta ainda pela polonesa Dorota Biczel, professora visitante de história da arte na Universidade de Houston (Estados Unidos), e pelos brasileiros Fabiana Lopes, curadora independente radicada em Nova York, e Igor Simões, professor de história da arte da Universidade do Estado do Rio Grande do Sul (Uergs). 

Outra das preocupações do grupo é valorizar técnicas como tecelagem, tapeçaria e artesanato, associadas às “artes do feminino”. “Muitas das obras se vinculam ao têxtil em um sentido tradicional. Têxteis antigos que são reapropriados por artistas contemporâneos que revisam seus significados tradicionais, pequenos tapetes realizados com patchwork, tecidos realizados com tramas recobertas, vestidos e bordados”, diz a curadora-geral. 

Tecido como metáfora, frisa. “O central não é a técnica, mas a metáfora, tudo que a noção de tecido envolve. Interessa-nos o sentido social do tecido e as formas de abordá-lo.”

Em 2017, Porto Alegre foi palco do fechamento da exposição Queermuseu —que valorizava obras de temática gay e queer—, por pressão de grupos conservadores. Giunta diz, porém, que a 12ª Bienal não é uma resposta ao fechamento da exibição.

Atenta ao debate sobre política cultural no Brasil, a curadora rechaça a ideia de “arte heroica” proposta pelo ex-secretário especial da Cultura Roberto Alvim, demitido depois de parafrasear um discurso do ideólogo nazista Joseph Goebbels.

“Ninguém, no mundo da cultura, está de acordo com essas ideias. Sobretudo porque remetem a discursos de um passado que nunca mais queremos que se repita. Remetem aos anos em que se proibiram e queimaram livros e obras de arte. As obras de artistas como Picasso, Chagall, Kandinsky ou Klee foram eliminadas nos museus da Alemanha. Hoje esses artistas são centrais na história da arte moderna”, diz Giunta.

Em 11 edições na capital gaúcha, o evento já registrou 6 milhões de visitas. O desejo dos organizadores da 12ª Bienal é também de envolver o público além das exposições. 

Com inspiração no romance “Um Defeito de Cor”, da escritora Ana Maria Gonçalves, o curador educativo Igor Simões propôs a criação do Território Kehinde, série de debates e rodas de conversa gratuitas realizadas em outubro e novembro em Porto Alegre, Caxias do Sul e Pelotas.

Posted by Patricia Canetti at 12:08 PM

A obra de Anna Bella Geiger e o colapso do autorretrato tradicional por Tadeu Chiarelli, Arte!Brasileiros

A obra de Anna Bella Geiger e o colapso do autorretrato tradicional

Crítica de Tadeu Chiarelli originalmente publicada na revista Arte!Brasileiros em 29 de janeiro de 2020.

Reflexões a partir do contato direto com a mostra individual "Brasil nativo, Brasil Alienígena", que ocupa o Masp e o Sesc Avenida Paulista

O mérito da mostra Brasil nativo, Brasil Alienígena, de Anna Bella Geiger, simultaneamente no MASP e no Sesc Avenida Paulista, é recolocar no debate público a obra de uma das mais importantes artistas brasileiras, explicitando a coerência e a pertinência de seu percurso voltado sempre para a questão identitária.

De fato, é a problemática identitária (em sua acepção mais alargada) o que, a meu ver, caracteriza melhor a obra da artista que, embora tenha sido vista por muitos como fragmentária, a mostra do MASP/Sesc acertadamente a configura (de forma consciente ou não) como um território único, mesmo que conflagrado. Nele, as questões ligadas à identidade se digladiam e se superam para ressurgirem mais tarde em novas batalhas, convulsionando o próprio território criado pela artista (as metáforas bélicas aqui usadas estão de acordo com parte da iconografia de Anna Bella).

Gostei da maneira sóbria com que as obras foram dispostas por salas, deixando claro para o público a permanência dessa questão em todos os encaminhamentos que a artista concedeu ao seu trabalho, mostrando, inclusive, momentos em que ela, de fato, marcou a arte brasileira, afirmando um caminho distante da herança concreta/neoconcreta — sem dúvida um norte, mas não o único — a ser considerado como legítimo. Anna Bella é uma das poucas artistas brasileiras com reconhecimento local e internacional, cuja poética não se constituiu como continuidade daquelas correntes e cujas características tão destacadas, dificultam mesmo aqueles que querem alinhar sua obra à “continuidade” do neoconcretismo durante a década de 1960.

O interesse da obra de Anna Bella é que ela se desenvolve autônoma, dialogando aqui e ali com produções de alguns de seus colegas (sobretudo nos anos 1960), porém, mais a partir de influxos exteriores[1] do que locais. Com origem na abstração lírica (ou “expressiva”), a singularidade de sua obra se dá sobretudo por sua inadequação a grupos e mesmo a demandas de mercado.

Acima me utilizei de metáforas ligadas à localização (“um território”, “um norte”) e essa atitude não foi gratuita, pois se adequa ao aspecto peculiar da produção de Anna que marca, desde os anos 1970, um lugar específico de onde ela fala: ela é uma artista branca, descendente europeus, vivendo e trabalhando no Rio de Janeiro, Brasil.

Visitando a mostra, percebe-se a artista trabalhando com a sua localização e seu lugar de ação e, para isso, fazendo uso de uma série de meios, como a fotografia, a gravura, o vídeo, a instalação, entre outros e, como método, em grande parte dos trabalhos, a cartografia.

É desestruturando essa linguagem técnica e científica que Anna representará a si e a sua circunstância como instrumento para a sua própria localização no espaço (e no tempo) na busca contínua do entendimento sobre aquele lugar que pode ser (ou vir a ser) seu local de ação perante a realidade e a realidade da arte.

Mas não é apenas por meio da desestruturação da cartografia que Anna Bella desenvolve a afirmação de seu lugar no mundo, como artista e mulher latino-americana. Ela se vale também de determinados procedimentos para minar outros discursos também já firmados pela tradição, utilizando-os para dar continuidade ao trabalho de demarcar o seu lugar de luta.

Ante a abrangência de todos esses aspectos que a retrospectiva de Geiger nos traz, optei por me deter em alguns poucos trabalhos em que ela desestrutura o conceito tradicional do autorretrato a partir de procedimentos paródicos e/ou alegóricos. O interesse por esse setor de sua obra surgiu, por um lado, pela pertinência dessa sua produção que, a partir sobretudo dos anos 1970, dialoga com trabalhos de outras artistas que discutem a identidade da mulher a partir não mais, ou não mais apenas, de trabalhos voltados para a “expressão” de um sujeito autocentrado, mas de um ser que se forma a partir do embate com o mundo (como exemplo, a norte-americana Cindy Sherman que, naqueles anos apresentava a si mesma desdobrada em estereótipos de mulher vindos do cinema norte-americano). Por outro lado, os autorretratos de Anna Bella, junto daqueles de outros poucos artistas que também naquele período desenvolveram trabalhos do mesmo tipo no Brasil (refiro-me aqui a Carlos Zilio e Gabriel Borba, entre outros), darão início a um tipo de produção local, em que os artistas passarão a usar o próprio corpo não mais como marca de uma individualidade intransponível, mas como elemento para a discussão sobre a subjetividade contemporânea, marcada pelo embate com a sociedade, a tradição, a indústria cultural etc.

***

Foi uma ideia feliz a dos curadores da mostra apresentarem, junto a trabalhos mais conhecidos de Anna Bella, obras menos conhecidas, porém não menos importantes, dada sua significação no quadro da arte brasileira. Me detenho aqui em uma parede da exposição onde se encontram três autorretratos de Anna Bella, um de 1951 (Col. G.Chatteaubriand/MAM-Rio), os outros, respectivamente dos anos 1960 e 2003 (ambos da coleção da artista).

Na primeira, um grafite e carvão sobre papel, é notório o desejo da artista em adequar sua imagem à tradição do autorretrato: o tronco e o rosto são descritos de maneira sintética, com ênfase nos olhos, com as pupilas voltadas para a direita, meio inquietas e desconfortáveis. Essa adaptação do próprio corpo às estruturas da retratística tradicional, a ênfase à “expressividade” do olhar (olhos, as “janelas da alma”), atestam que, ainda em seu processo de formação, Anna Bella encarnava a visão que a sociedade ocidental construiu para a autoimagem do artista. Na obra, não se percebe apenas uma adequação, mas uma crença nesse constructo (apesar do desconforto aparente da modelo).

Anna Bella dá sinais de deslocar-se dessa tradição, quando, cerca de uma década depois, propõe um autorretrato que, na verdade, já se assume como um readymade modificado: originariamente uma fotografia analógica de seu rosto, agora processada via computador. Nada nessa peça exala a aura do artista: nada da expressividade do gesto autoral, do olhar denso. Esse autorretrato é manipulação e deslocamento puros.

Já em Monalisa, um backlight, a imagem da artista é apresentada como paródia e como alegoria. Simula, em termos jocosos, a Mona Lisa de Leonardo (e a paródia dessa obra, realizada por Marcel Duchamp no início do século passado) e, ao mesmo tempo, funciona como um complexo comentário sobre o sistema de arte no Brasil. Ao emparedar a própria imagem entre um cartaz (onde se lê, “Anna Bella Geiger” e mais abaixo, “Photo Rubber”) e, no último plano, uma foto da favela de Santo Amaro, no Rio de Janeiro[2], Anna Bella ironiza a si mesma, tomando-se como uma “photo rubber stamp” do circuito de arte, sobrepondo-se à realidade social de sua cidade natal.

Com o conjunto formado por essas três obras, o visitante é levado a entender o percurso de Anna Bella, tanto dentro da tradição dos autorretratos quanto da própria história da arte recente: o respeito inicial à tradição se abre para as novas tecnologias e a instrumentalização irônica da própria imagem para a produção de obras que desmentem aquele respeito inicial.

***

Brasil nativo/Brasil alienígena – obra de 1976/77 que empresta o título à exposição – é formado por nove pares de cartões-postais. Cada par, por sua vez, conta com um cartão-postal representando indígenas brasileiros em diversas ações, e por um segundo cartão em que a artista reproduz a cena presente no primeiro, usando a sua própria imagem e, em alguns casos, também figuras do seu convívio.

Não é à toa que essa obra marcou um ponto de desvio na arte brasileira. Em primeiro lugar, porque ela se configura como uma ação de apropriação, no caso, de cartões-postais industrializados representando indígenas em situações estereotipadas. Raras vezes, no país, um/a artista teria se apropriado de objetos reais como elemento constitutivo do trabalho[3].

Por sua vez, os cartões produzidos pela artista para acompanharem aqueles apropriados representavam Anna Bella tentando canhestramente se adequar aos estereótipos dos indígenas, construídos há décadas, e reforçados pela indústria cultural local, alinhada à ditadura civil-militar que então governava o país. Ou seja, Anna Bella não se apresentava mais como um sujeito que cria a realidade, no sentido romântico do artista como demiurgo, mas como um indivíduo que edita o próprio real existente, conferindo-lhe outros significados. E, para tanto, não se vexa em usar a própria imagem para alcançar seus propósitos que estão longe de buscar a expressão de seu “eu profundo”.

Daí, então, a ressonância de sentidos possíveis de Brasil nativo/Brasil alienígena: o que significa ser brasileira ou brasileiro? Como se adequar às simulações de brasilidade, tendo como parâmetros as figuras idealizadas dos indígenas que, naquele tempo (como hoje) sofrem as agruras do extermínio? Por outro lado, o conceito de autorretrato que, se por ventura, ainda pudesse existir naqueles cartões-postais produzidos por Anna Bella apresenta-se totalmente corrompido ou colapsado, dado que ela, criticamente, simulava se adequar a um conjunto iconográfico (e comportamental) que não fazia parte de sua experiência imediata.

***

A dimensão crítica de Brasil nativo/Brasil alienígena, ao ironizar os estereótipos de brasilidade muito divulgados naquele período pesado da história do país, funcionava como uma pá de cal jogada sobre eles. A partir de Brasil nativo/Brasil alienígena, pensar a questão identitária no Brasil ganhava outra complexidade, ao mesmo tempo em que o próprio conceito de autorretrato dava sinais de que deveria ser repensado e refeito.

Ao mesmo tempo, é interessante sublinhar como Brasil nativo/Brasil alienígena pode ser entendida como a busca de Anna Bella por uma localização física e simbólica, a partir da constatação do que a artista não era, em relação à sociedade em que estava inserida.

***

Ainda naquela década, mas pouco antes da obra tratada acima, entre vídeos, gravuras e fotografias expostas no MASP, encontram-se duas séries de fotomontagens em xerox, ambas de 1975. Em Diário de um artista brasileiro[4], Anna Bella atesta sua inadaptabilidade como mulher e artista dentro de um determinado segmento, o circuito de arte dominado por homens brancos. Ela insere retratos seus em fotos de artistas plásticos célebres, apropriadas de revistas.

Registre-se como a inadequação simbólica de uma artista latino-americana àquele universo, explicita-se na própria inadequação proposital de seus retratos inseridos nas fotos protagonizadas por Matisse e outros, numa conjugação perfeita (diga-se) entre a formalização dos trabalhos da série e a intenção que a motivou[5].

Na série Arte e decoração, retratos recortados de Anna Bella, sempre vestida de preto (apenas suas sandálias eram brancas, em contrastes com as meias, também pretas), foram colados em fotos retratando ambientes glamurosos, em que as obras de arte eram apresentadas como símbolos de prestígio, como mercadorias de luxo. Esta série enfatiza também a inadequação da artista àquele tipo de lugar proposto para a arte pelos meios de comunicação de massa, lugar que ela demonstrava também não querer pertencer.

***

O visitante que se dispuser a percorrer a exposição com certeza encontrará vários outros trabalhos de Anna Bella, em que ela demonstra ser a desestruturação do conceito tradicional de autorretrato, uma de suas estratégias principais para a constituição de sua obra que, como mencionado no início desses comentários, configura-se como um território de conflagração de temas identitários.

A exposição traz outros segmentos desse mesmo território, também fundamentais para a compreensão geral da obra dessa artista? É claro que traz. Para satisfazer a curiosidade, é preciso visitá-la, entrando em contato direto com a obra dessa que é uma das mais importantes artistas brasileiras.

NOTAS

[1] – A pop art, o happening, a performance, a arte conceitual etc.

[2] – Sobre o assunto, ler “Anna Bella Geiger: vísceras, mapas e retratos”, de Tomás Toledo. In Museu de Arte de São Paulo e Serviço Social do Comércio. Anna Bella Geiger: Brasil nativo/Brasil alienígena. São Paulo: MASP, Edições Sesc, 2019, pág. 26.

[3] – Na mesma época, outros artistas no Brasil também realizavam operações ligadas à apropriação, ao deslocamento de imagens e à construção de cenas. Além de Anna Bella e dos já citados Carlos Zilio e Gabriel Borba, seria interessante ter em mente também algumas das produções de Aloísio Magalhães, Regina Silveira e Nelson Leirner.

[4] – Interessante Anna Bella nomear a série reforçando o gênero masculino da palavra “artista”. Uma alusão irônica ao fato de que ser artista naquela época significava ser homem, ou um ato falho? Uma questão a ser analisada em outra oportunidade.

[5] – As fotocolagens que deram origens às fotomontagens foram produzidas em uma máquina reprogrática cujos resultados eram muito discutíveis do ponto de vista técnico, fazendo com que as imagens resultantes não primassem pela boa visualização. Junte-se a este fato, aquele da proposital inadequação dos retratos da artista inseridos nas fotografias dos artistas célebres.

Posted by Patricia Canetti at 11:49 AM

fevereiro 18, 2020

Novo diretor do MAM, Fabio Szwarcwald quer reativar Bloco Escola e ampliar público do museu por Nelson Gobbi, O Globo

Novo diretor do MAM, Fabio Szwarcwald quer reativar Bloco Escola e ampliar público do museu

Matéria de Nelson Gobbi originalmente publicada no jornal O Globo em 17 de fevereiro de 2020.

Com 40 mil visitantes por ano, instituição quer se espelhar no Masp, que recebeu mais de 700 mil pessoas em 2019

RIO — Quase três meses depois de sua exoneração da direção da Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, em novembro do ano passado, pelo então secretário de Cultura, Ruan Lira, Fabio Szwarcwald vê um novo horizonte da janela de sua sala, no terceiro andar do Museu de Arte Moderna do Rio. Para além das embarcações ancoradas na Marina da Glória, o novo diretor executivo do MAM, que assumiu o cargo em 13 de janeiro, mira a experiência de outras instituições, dentro e fora do Brasil, para aumentar a frequência e superar o episódio da polêmica venda da a tela “Nº 16” (1950), de Jackson Pollock. O administrador e colecionador também tenta implementar no MAM ações bem-sucedidas nos dois anos e oito meses que ficou à frente da EAV, como o foco na captação junto a parceiros e empresas privadas e o investimento na formação, com oferta de bolsas de estudo.
 
— O MAM tem um histórico na formação de artistas que queremos retomar, inclusive com a volta do Bloco Escola. O projeto do Reidy parte dele, a ideia era museu e escola funcionando juntos — comenta Szwarcwald. — Com o Bloco Escola, o museu volta a ser um espaço de vanguarda, e atrai um público que está fora daqui.

Ana Paula Oliveira cria um delicado equilíbrio de forças em sua primeira individual no Rio

O projeto de reativação do espaço prevê uma parceria com o Capacete, a residência artística mais tradicional da cidade, com mais de 20 anos de atividades. Entre as alterações que o diretor pretende executar a curto prazo, estão uma área de convivência no hall do Bloco de Exposições, mudanças no café e na loja, e uma área voltada às crianças. Szwarcwald também planeja um quiosque do museu no vizinho Santos Dumont e, no futuro, colocar carrinhos entre o aeroporto e o MAM.

— Temos uma posição privilegiadíssima, estamos entre o Centro e a Zona Sul, e a cinco minutos de um aeroporto por onde passam nove milhões de pessoas por ano. No tempo de espera de um voo é possível visitar o museu — frisa o diretor. — Temos que nos comparar com instituições como o Masp, que recebeu 700 mil pessoas ano passado, ou a Pinacoteca, que tem média de 500 mil visitantes. O MAM tem média de 40 mil vistantes anuais, quase o que a EAV recebe por mês. Com o acervo que temos, podemos trazer muito mais gente para cá.

Orçamento de R$ 10 milhões

Para colocar os planos em prática e realizar as reformas estruturais que o museu precisa, Szwarcwald conta com a rentabilidade do fundo criado com a venda do Pollock, em fevereiro do ano passado — o museu e a casa de leilões Phillips não revelam o valor, mas estima-se que a tela tenha sido negociada por US$ 13 milhões de dólares, quase metade do valor pedido inicialmente, de US$ 25 milhões.

Do valor aproximado de R$ 10 milhões para orçamento do MAM para 2020, entre R$ 6 milhões e R$ 7 milhões vêm do fundo da venda. Com despesas na casa de R$ 9 milhões anuais, a captação de recursos ganha importância ainda maior. Numa reunião na semana passada, o diretor conseguiu R$ 2 milhões com a PetraGold, divididos entre 2020 e 2021.

— Temos um plano anual aprovado na Rouanet de R$ 17 milhões, até agora foram captados quase R$ 3 milhões. Estou na rua atrás destes outros R$ 14 milhões, mas antes é preciso investir no museu para conquistar a confiança dos patrocinadores — destaca.

Dentre seus objetivos, o fundo também prevê aquisições de obras para o acervo do museu — além da própria coleção, o MAM mantém outras duas, a Gilberto Chateaubriand e a Joaquim Paiva, dedicada à fotografia.

— Temos 16 mil obras, e recebemos muitas ofertas de doação de artistas e galerias, pelo fato de o MAM ser uma referência internacional. Não temos espaço físico para receber tantas doações, e as despesas de conservação são altas — observa Szwarcwald. — Preencher as lacunas da coleção não é a preocupação imediata. Para projetos específicos, podemos trabalhar em parceria com outras instituições e coleções. O MAM não vai deixar de receber mais gente porque não tem um Picasso. É uma programação forte, um bom projeto educativo, uma Cinemateca vibrante que vão ampliar nosso público.

Posted by Patricia Canetti at 9:46 AM

fevereiro 11, 2020

Fernanda Gomes: rigor e dispersão por Leandro Muniz, seLecT

Fernanda Gomes: rigor e dispersão

Crítica por Leandro Muniz originalmente publicada na revista seLecT em 10 de janeiro de 2020.

Exposição da artista na Pinacoteca reúne obras de mais de quatro décadas apresentadas em um embaralhamento entre presente e passado

Fernanda Gomes produz objetos com uma paleta em que predominam os tons de branco e o cru da madeira. Ela recolhe materiais do seu cotidiano ou nas caçambas do entorno de seu apartamento, que organiza em composições simples, a partir de procedimentos como empilhar, colar e suspender. Outros objetos são projetados, como duas colheres presas pelas hastes, que parecem ter sido encontradas no lixo, embora sejam feitas de prata. O rigor na construção de cada uma das peças guarda uma abertura para arranjos provisórios e decisões rápidas, que resultam em uma obra eminentemente processual, já que vida cotidiana e arte, exposição e experimentação não se distinguem. Não há hierarquia entre meios e fins.

Sua individual na Pinacoteca de São Paulo leva adiante essa dinâmica, sendo o resultado de mais uma série de interações entre a artista, as obras e as especificidades do espaço ao longo de três semanas de montagem, como um ateliê temporário. A exposição reúne peças realizadas ao longo de mais de quatro décadas, mas seria um paradoxo chamar de retrospectiva um projeto no qual o tempo cronológico não existe, embaralhado continuamente. Os trabalhos não estão identificados com legendas e vários, na verdade, nunca haviam sido mostrados.

No texto do catálogo, o curador José Augusto Ribeiro analisa a inserção de Fernanda no circuito internacional da arte nos anos 1980, em meio a uma série de expectativas de “brasilidade” que o debate multiculturalista num incipiente sistema globalizado criava. Para o curador, a obra de Fernanda não responde a esses clichês ou a uma genealogia imediata da arte brasileira. Ainda que marcada por signos de classe – os resíduos da obra são ligados ao universo burguês, a uma vida de classe média, como os restos dos tacos dos apartamentos de Copacabana, rolhas de vinho ou páginas de livros em francês – há um sujeito anônimo e reflexivo que permeia os trabalhos.

Os paralelepípedos e quadriláteros pintados de branco ou feitos de madeira crua rebatem na própria arquitetura da instituição, gerando múltiplas narrativas e discussões em cada uma dessas pequenas mônadas e na posição reflexiva que assumem sobre o próprio espaço em que estão localizadas. O chão de madeira da Pinacoteca e os recortes de uma sala para a outra parecem o espaço ideal para a apresentação de um trabalho com essa natureza. Nas salas do meio uma concentração maior de objetos nos faz ver os diversos quadros estabelecidos pelas passagens de um lugar a outro. Não como uma mera crítica ao “cubo branco”, mas como uma ampliação da percepção daquele espaço, que passa-se a ver como não neutro, na medida em que as falhas das paredes, as variações tonais e as mudanças de luz são temas centrais do trabalho.

A concentração no centro também leva a pensar numa organização do espaço como círculos concêntricos, nos quais vemos o que enquadra o nosso olhar. Um espaço dentro do espaço. Essa reflexão sobre o local e suas relações internas, longe de gerar uma aridez tautológica, faz pensar sobre a lógica de museus e da própria arte, suas convenções e histórias, que ora são reiteradas – como nos plintos empilhados, nas embalagens de obras ou nas caixas de acrílico – ora desconstruídas, quando embaralha-se o que é pessoal e coletivo, íntimo e público.

Na obra de Gomes, há um sentido de educação estética, na medida em que as variações dos tantos brancos, das tantas cores ditas cruas, ou dos elementos do espaço que muitas vezes passam despercebidos tornam-se protagonistas, como as luzes e suas variações, os cantos ou os espaços de passagem. Uma pilha de moedas num canto do rodapé ou uma trama de fio dental suspensa em um ponto da sala, modificam o espaço e chamam nossa atenção sobre ele na mesma medida que mesas de formatos irregulares, ainda que geométricas, ou uma sala de paredes falsas construída para um corpo só. O que poderia ser monótono, no entanto, é marcado por dinâmicas e uma série de momentos inesperados.

Não há limites claros entre o que é ou não trabalho, tanto na exposição, quanto na gênese dos objetos individualmente. Se em um instante, sob determinada luz, a certa distância, um arranjo de restos de madeira parece incrivelmente potente, no fim da exposição ele pode ser descartado ou simplesmente reproduzido depois.

Este pensamento que indistingue processo e resultado e não cria hierarquias entre dentro e fora, também é reproduzido no catálogo da mostra. Desenhado pela própria artista, ele replica o modus operandi de Gomes, misturando fotos do ateliê, cor e preto e branco, passagens entre páginas vazias, imagens de trabalhos isolados e registros de exposições diversas, para além da representação bidimensional – impossível – da experiência no espaço da Pinacoteca.

Uma noção de prática, mais do que de produção, permeia os espaços criados por Gomes, nos quais o tempo parece mais alargado, mais poroso e ramificado. A suposta dispersão do conjunto guarda extremo rigor na articulação interna de cada peça e sua relação com o entorno. Isso não significa mudez, um espaço fora da sociabilidade e da comunicação, ou mesmo uma aparente recusa de temas sociais urgentes. Esses objetos não respondem às urgências da vida social e política para nos colocar imersos em uma experiência de presença física e mental radicais.

Serviço
Fernanda Gomes
Até 24/2/2020
Pinacoteca
Praça da Luz, 2
pinacoteca.org.br

Posted by Patricia Canetti at 6:08 AM

Retrospectiva leva 50 obras de Fernanda Gomes à Pinacoteca de SP por Maria Hirszman, Arte!Brasileiros

Retrospectiva leva 50 obras de Fernanda Gomes à Pinacoteca de SP

Crítica de Maria Hirszman originalmente publicada na revista Arte!Brasileiros em 30 de novembro de 2019.

O trabalho de Fernanda Gomes possui a curiosa característica de não submeter-se à lógica do excesso da imagem

As sete salas climatizadas da Pinacoteca do Estado, usualmente reservadas para mostras de caráter histórico, transformaram-se nas últimas três semanas em um espaço experimental potente, tomado em seu conjunto por uma série de intervenções da artista carioca Fernanda Gomes. O resultado é uma exposição que aponta simultaneamente para o passado e para o futuro: ao mesmo que resume uma trajetória bem-sucedida que se estende por mais de três décadas, aponta também para a persistência e radicalização de um caminho ousado, de investigação dos limites da ação artística, de incorporação e subversão de elementos e procedimentos mais próximos da vida cotidiana do que do universo hermético da arte. “A arte existe antes que se possa nomear arte”, defende ela.

Assemelhando-se a um quebra-cabeças composto por diferentes peças reunidas ao longo do tempo (o trabalho mais antigo data de 1973, quando Fernanda tinha apenas 12 anos) que se articulam por meio de um pensamento semelhante, a exposição desafia o olhar do público. E o incita a descobrir relações pouco prováveis, diferenças sutis, conexões raras entre elementos na maioria das vezes banais.

Algumas características são marcantes em sua produção: a escala, normalmente diminuta ou reduzida a um tamanho confortável, íntimo; o uso exclusivo do branco, em suas mais variadas tonalidades, e das cores naturais da madeira; a reapropriação e reconfiguração de elementos de descarte; uma tendência quase obsessiva de procurar configurações geométricas, equilíbrios instáveis ou associações improváveis entre esses componentes; e uma tendência permanente ao enxugamento, à redução, a um tipo de articulação que valoriza o que há de mais singelo nas coisas. Há uma economia, uma resistência do precário e do sintético, em todos os sentidos.

A combinação desses elementos – ao qual se soma uma dose de bom humor e um meticuloso trabalho com a luz – acaba por abrir novos caminhos de pensamento visual, que assusta aquele espectador que procura uma chave racional para a compreensão do que têm diante dos olhos, ao mesmo tempo que fascina o público infantil. “Ficamos reféns da palavra como possibilidade de expressão”, explica ela. Além de resistir a uma exigência de uma lógica discursiva (não à toa nem o conjunto da exposição nem as obras individuais têm títulos), o trabalho de Fernanda Gomes possui a curiosa característica de não submeter-se à lógica do excesso da imagem, que parece dominar a produção contemporânea. Fotografá-lo é tarefa difícil para a própria autora, demonstrando a importância da relação direta entre público e obra.

Fernanda Gomes, Pinacoteca de São Paulo - 01/12/2019 a 24/02/2020

Posted by Patricia Canetti at 6:00 AM

Sem identificar obras, artista propõe retrospectiva diferente na Pinacoteca por Clara Balbi, Folha de S. Paulo

Sem identificar obras, artista propõe retrospectiva diferente na Pinacoteca

Matéria de Clara Balbi originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 29 de novembro de 2019.

Fernanda Gomes revê 30 anos de produção que quer ensinar pessoas a ver

Apesar de integrar um programa da Pinacoteca dedicado a nomes que expandiram o conceito de escultura —uma seleção que foi dos seres maleáveis e teias de crochê de Ernesto Neto a Marepe—, é difícil classificar dessa forma os trabalhos que Fernanda Gomes exibe no museu agora.

Suas peças têm um caráter instalativo e se relacionam de maneira íntima com o espaço que ocupam e entre si.

Também parece estranho chamar o conjunto que se estende por sete salas do museu de retrospectiva.

Apesar de reunir obras dos 30 anos de carreira da carioca —uma monotipia que ela fez em 1973, aos 12 anos, se infiltra entre elas—, elas não têm plaquinhas de identificação ou títulos, uma prática que Gomes adota desde o início de sua trajetória.

O que vemos no museu são, assim, conjuntos de obras fragmentárias, peças que são ora objetos garimpados (bancos, louças, pedras), ora "assemblages" delicadas, sempre em tons de branco e da madeira natural de que são feitas.

Amontoados no centro do grande corredor que corresponde ao espaço expositivo, os itens se tornam cada vez mais rarefeitos à medida que se caminha em direção aos cantos.

Muitos deles foram produzidos ao longo dos 21 dias em que a artista se instalou no museu, sobre cavaletes que devem continuar numa sala mesmo depois da abertura.

Uma rebeldia sutil que pode ajudar a entender sua obra.

Contemporânea da chamada Geração 80, de artistas que, como Beatriz Milhazes, Daniel Senise e Leda Catunda, retomaram uma pintura gestual, expressiva, depois do reinado da arte conceitual, a carioca diz se sentir mais próxima da linguagem das décadas anteriores, de Artur Barrio e de Cildo Meireles.

Sua produção vai na contramão de espetacularização e excesso. Caminha em direção a uma economia de gestos e de materiais que o crítico Paulo Venâncio definiu como "design às avessas", uma recusa ao mesmo tempo do consumismo e do apelo pop.

Isso, aliado ao caráter conceitual do trabalho, pode ajudar a explicar a circulação limitada de Gomes no Brasil.

Embora tenha participado de mostras importantes aqui e lá fora, entre elas a Bienal de Veneza, e tenha sido tema de publicações como Art News e Artforum, ela diz expôr pouco fora do Rio de Janeiro, onde mora, e São Paulo, local da galeria que a representa, a Luisa Strina. Nos últimos anos, sua obra tem circulado sobretudo na Europa.

"Meus interesses estão cada vez mais anacrônicos", diz. "Hoje as pessoas veem o que querem ver, e não o que estão vendo. Se há uma tomada numa sala de exposição, fingem não vê-la. Eu não consigo."

Se transformar essa percepção não é exatamente um objetivo de Gomes no ateliê —"no pico da criação, você não pensa em nada", diz— sua obra convida os visitantes a explorarem os cantos, descobrirem variações de luz, traçarem relações.

"Tudo é exercício. Se nos dedicarmos a ver, vemos melhor."

Fernanda Gomes, Pinacoteca de São Paulo - 01/12/2019 a 24/02/2020

Posted by Patricia Canetti at 5:51 AM

Fernanda Gomes abre ateliê e conta detalhes da retrospectiva na Pinacoteca por Ana Luiza Cardoso, Casa Vogue

Fernanda Gomes abre ateliê e conta detalhes da retrospectiva na Pinacoteca

Matéria de Ana Luiza Cardoso originalmente publicada na revista Casa Vogue em 15 de novembro de 2019.

Às vésperas de inaugurar uma grande retrospectiva na Pinacoteca de São Paulo, a artista carioca abre as portas de sua casa-ateliê no Rio de Janeiro

Com vista para um paredão rochoso coberto de musgos e bromélias, o lar de Fernanda Gomes, em Copacabana, é mais uma de suas obras de arte. A luz invade os cômodos e reflete em esculturas e objetos espalhados pelas paredes e outras superfícies. Cores palpitantes, só na cozinha, entre os alimentos. De resto, predomina o branco e suas nuances, obsessão presente no trabalho da artista há 30 anos. “É uma espécie de... não sei explicar. É uma inclinação muito forte num determinado universo de cores”, justifica.

“Mas você sabe por quê?”. “Não, não sei. Eu poderia explicar de várias maneiras, mas nada que eu explique vai explicar, é como o amor”.

A partir do dia 30 deste mês, 50 obras da carioca – todas sem nome, como ela sempre fez – estarão distribuídas por sete salas da Pinacoteca de São Paulo, em uma retrospectiva de sua carreira, com curadoria de José Augusto Ribeiro. Até 24 de fevereiro de 2020, poderão ser vistas peças nascidas a partir de materiais familiares, de uso cotidiano, como gesso, madeira e vidro. Para tanto, Fernanda ficará três semanas no museu, transformado em ateliê durante a montagem, como é a sua casa do Rio de Janeiro, onde foi feita esta sessão de fotos.

Nascida em 1960, e formada pela Escola Superior de Desenho Industrial, Fernanda nunca pensou em ser artista. Queria jornalismo. “Eu fazia arte para mim. Eu era designer, tinha uma profissão decente”, ri de si mesma. “Existe uma espécie de indiferença, cinismo, resignação, todo um baú de tristezas que estamos sentindo e que, para mim, a melhor maneira, mais positiva, real, de lidar com elas é fazer o que estou fazendo. Me dá um sentimento muito bom”, explica. “Quando faço uma exposição, todo o resto da vida deixa de existir. Tenho momentos de êxtase e outros de ‘Por que estou fazendo isso, meu Deus?’”, conta. “Você precisa ter o entusiasmo mais rasgado e a autocrítica mais feroz. Os dois extremos são necessários para mim.”

A proposta para a exibição na Pinacoteca surgiu há dois anos. Ela rascunhou ideias, manteve e descartou outras tantas. Revirou gavetas e encontrou trabalhos de décadas atrás, inéditos. Na mostra, pretende ainda emprestar obras de diferentes coleções. Criará novas também, como fez recentemente em uma exposição no museu Secession, em Viena, no qual optou por chegar de mãos vazias.

“Você não levou nada. Não ficou ansiosa?”. “Ansiosa? Eu fico ansiosa normalmente, não fico mais ansiosa por causa disso, pelo contrário.”

Na Áustria, se viu feliz ao deparar com três espaços vazios, onde poderia criar do zero, e também por ter se livrado dos trâmites de transporte das obras para a Europa. “É caríssimo, um nível de burocracia insano, pegada de carbono nem se fala, e não acho divertido”, argumenta. “Eu não estou morta, né? Estou mais viva do que nunca.”

Em São Paulo, pretende erguer uma estrutura de três metros, num espaço com iluminação específica, contendo partes de outra obra exibida anos atrás. “Acho importante pensar o processo sem desperdícios, aquele trabalho foi feito para ser reutilizado muitas vezes.” Fernanda também deve apresentar esferas de cravo e linha, uma extensão de papéis de cigarros justapostos e algumas esculturas cinéticas.

Suas peças minimalistas, de traços delicados, podem ser apreciadas por qualquer um, garante ela. “Ninguém precisa falar nada, o discurso verbal é totalmente paralelo, ele não toca a obra, nem as minhas palavras tocam o que eu faço”, diz. “Confie no que está vendo, não peça para ninguém dizer o que é. Existe uma conexão possível, direta, imediata entre um observador e um objeto. E isso é uma comunicação muito preciosa que está sendo perdida”, resume.

Fernanda Gomes, Pinacoteca de São Paulo - 01/12/2019 a 24/02/2020

Posted by Patricia Canetti at 5:42 AM

fevereiro 6, 2020

Histories’ Mysteries: In São Paulo, Curator Adriano Pedrosa Has Started a Revolution—Within a Museum’s Walls by Maximilíano Durón, Artnews

Histories’ Mysteries: In São Paulo, Curator Adriano Pedrosa Has Started a Revolution—Within a Museum’s Walls

Article by Maximilíano Durón originally published on Artnews website on 5th February, 2020.

The Museu de Arte de São Paulo (MASP) is located in the heart of Brazil’s most populous city on one of its busiest streets, Avenida Paulista, which takes its name from the term for the city’s residents. More important, the thoroughfare is home to much of São Paulo’s financial industry, and as such it has been the site of social and political actions since the early 20th century. When MASP opened to the public in April 1969, with a building designed by pioneering architect Lina Bo Bardi, it quickly became an architectural icon of Brazilian modernism—and a backdrop for Paulistas protesting all manner of things.

Recently, though, there has been a revolution going on within the museum’s walls. In 2014 the museum appointed a new artistic director, Adriano Pedrosa, a closely watched curator who had worked on some of the world’s most important exhibitions, including the 1998 and 2006 editions of the Bienal de São Paulo and the 2011 Istanbul Biennial.

Shortly before joining MASP, Pedrosa had organized, with frequent collaborator Lilia K. Moritz Schwarcz, an exhibition at São Paulo’s Instituto Tomie Ohtake called “Histórias Mestiças.” Mestizaje describes the mixing of races in the New World colonies of Spain and Portugal; Pedrosa and Schwarcz were using it as a lens through which to examine Brazil’s history—from onetime colony to empire to republic to dictatorship to today—and see it as far more than a single narrative that privileges the stories of wealthy white men.

Pedrosa brought the “Histórias” series to MASP, and has used it to turn the museum from a sleepy, somewhat provincial, institution to what Bay Area–based art historian and MASP adjunct curator Julia Bryan-Wilson calls “the most progressive and dynamic museum in the world right now.”

To fully grasp the impact of “Histórias,” it helps to know the history of MASP. In the years following World War II, Brazil’s economy was growing rapidly, and one of the country’s richest and most influential men, media mogul Assis Chateaubriand, set out to create a museum the country could be proud of. He amassed what became the largest and arguably the finest collection of European art in the entire southern hemisphere, and in 1947, with Italian art critic Pietro Maria Bardi, who had relocated to Brazil at Chateaubriand’s invitation, established what would become MASP.

Prior to Pedrosa’s arrival in 2014, MASP’s artistic directors didn’t seem to know quite what to do with the museum’s vast holdings of 17th-, 18th-, and 19th-century European art. Pedrosa took the collection as a challenge; he became interested in placing these works in dialogue with objects that are typically considered less valuable. Pedrosa found special resonance in the Portuguese word histórias itself, which as in other Romance languages, implies more than just a textbook retelling of past events. Together, these seemingly disparate objects might just create a new history, he said, that is less focused on chronology and “more open, plural, speculative, and perhaps in a way more marginal.”

“The political dimension of this is very much present,” Pedrosa said. “We are always questioning who is telling and writing these histories around Brazil, often white histories, and how can we offer juxtapositions or contrasts that question these hierarchies.”

Before bringing his collaborative “Histórias” exhibitions into MASP’s programming, Pedrosa rehung the museum’s permanent collection, restoring Bo Bardi’s original vision of exhibiting paintings on crystal easels installed in the galleries like sculptures that can be approached from various angles. “Histórias” would establish a research topic, and all the museum’s programming for the year would revolve around it.

“A different kind of curator, who might share Adriano’s political vision, could come in and say, ‘Who cares about all these dead white male Europeans? They’re irrelevant,’” Bryan-Wilson said. “But one of the things that’s genius about what he’s doing is: how can we activate the collection precisely in the service of queer histories, of Afro-Atlantic histories, of women’s histories, etc.? What can we do to use those objects as a way to reframe them that surrounds them in a totally new context?”

Pedrosa mounted the first “Histórias” exhibition in 2016, under the theme “Histories of Childhood,” and went on to explore Sexuality (2017), Afro-Atlantic (2018), and Women (2019). Upcoming are Dance (2020), Indigeneity (2021), Brazil (2022), Nature (2023), Sexual Diversity (2024), and Delirious Histories (2025). (In November the forthcoming “Histórias indigenas” won a share of the $250,000 Sotheby’s Prize in support of research for the exhibition.)

“At the museum, we are trying to address certain themes that are urgent right now and have become even more urgent in the last few months,” Pedrosa said this past September, pointing to the political tumult in Brazilian politics that has seen a public resurgence of racist, anti-black and anti-indigenous, sexist, and homophobic sentiments.

That sense of urgency has brought in a wider diversity of visitors. “Because MASP is located in the heart of São Paulo, we thought it would be good to have this idea to organize the whole program at MASP around the different histories throughout Brazil,” said Moritz Schwarcz, who is adjunct curator at MASP and a professor at the University of São Paulo. “The idea was to invite all kinds of Brazilians to enter the museum and to recognize themselves inside the museum. The idea was to change the identity of the museum.”

Pedrosa has encouraged thinking outside the box, and the juxtapositions can be jarring. As part of this year’s “Histórias das Mulheres” exhibition, which looked at artistic practices by women prior to 1900, Bryan-Wilson placed textiles on the same level as paintings: Punjabi and Uzbekistani fabrics are next to an undated oil painting by the obscure Chilean artist Celia Castro del Fierro, who is considered the country’s first professional female artist, and began studying at Santiago’s Academy of Painting in 1877. Elsewhere are works by Rosa Bonheur, Artemisia Gentileschi, Judith Leyster, Mary Cassatt, Vigée Le Brun, and Berthe Morisot, with pieces by similarly underknown artists and woven work from Pennsylvania, the Philippines, and pre-Columbian peoples living in the Andes. “To take women’s making seriously, we had to get rid of the category of fine art, which is just a category that to me is not interesting to uphold in the space of the museum anymore,” she said.

But perhaps the most groundbreaking of the “Histórias” exhibitions was 2018’s “Histórias Afro-Atlánticas.” Co-organized with the Instituto Tomie Ohtake, the exhibition included some 400 works and is accompanied by a 400-page catalogue in English and Portuguese. Placing Brazil as a central point within the Transatlantic Slave Trade, the exhibition looked at a broad range of histories and artistic practices from the 16th century to the present that centers on the lives of enslaved people and their descendants.

The section titled “Emancipations” brought contemporary work in a range of mediums by black artists like Kara Walker, Hank Willis Thomas, Glenn Ligon, Cameron Rowland, and Paulo Nazareth into dialogue with unsettling 19th-century paintings by Europeans like Augustus Earle, Alphonse Garreau, Samuel Raven, Jean-Baptiste Debret, and Thomas Jones Barker. The section also included historical documents: sketches of slave ships, racist drawings, engravings of lynchings, a receipt for the sale of a slave. In “Afro-Atlantic Modernisms,” paintings by Wifredo Lam, Rubem Valentim, and Howardena Pindell shared a wall; nearby were pieces by Americans Alma Thomas, Norman Lewis, Nigerian Uche Okeke, South African Ernest Mancoba, and Sudanese painter Ibrahim El-Salahi.

“I don’t think anyone in the United States could have done that show,” said Mari Carmen Ramírez, who is curator of Latin American art at the Museum of Fine Arts, Houston, and has plans to bring the “Histórias Afro-Atlánticas” exhibition to Houston.

The show held special significance in Brazil, which was the destination of about 40 percent of all people brought over from Africa and forced into slavery for more than 300 years. Over 50 percent of Brazil’s current population identifies as black or pardo (mixed race).

“It was a political statement—an act of resistance,” Moritz Schwarcz said of the exhibition. “The museum has a very important place in this context. Art can be a starting place for resistance.”

A version of this article appeared in the Winter 2020 issue of ARTnews, under the title “Histories’ Mysteries.”

Posted by Patricia Canetti at 1:20 PM