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maio 29, 2019
Mostra na Pinacoteca revela projeto indigenista de Ernesto Neto por Fabio Cypriano, Arte!Brasileiros
Mostra na Pinacoteca revela projeto indigenista de Ernesto Neto
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na revista Arte!Brasileiros em 27 de maio de 2019.
"Poucos artistas conseguem atualizar a radicalidade da produção artística brasileira, onde o corpo fazia parte da obra, nos anos 1960 e 1970, como Neto", escreve Fabio Cypriano sobre a mostra "Sopro"
Poucos artistas conseguem atualizar a radicalidade da produção artística brasileira, onde o corpo fazia parte da obra, nos anos 1960 e 1970, como Ernesto Neto. É o que se pode comprovar na mostra Sopro, em cartaz na Pinacoteca do Estado até 15 de julho. Em suas obras e de forma original, Neto consegue reunir tanto as propostas de vivências coletivas de Hélio Oiticica (1937 – 1990) em seus Penetráveis, quando buscava criar espaços de convivência, quanto às ativações do corpo por meio de experiências com diferentes materiais, como propunha Lygia Clark (1920 – 1988) em seus Objetos Relacionais.
Contudo, enquanto há 50 anos essas práticas buscavam reformular as bases da arte, Neto, já livre deste fardo, vem trabalhando em uma agenda mais atual e necessária: um “projeto de indigenização da vida”, na definição de Els Lagrou, antropóloga e professora da UFRJ, no catálogo da mostra.
Na Pinacoteca, essa prática se consubstancia na instalação do octógono, que acolhe cinco ativações participativas abertos ao público ao longo do período expositivo. As próximas ocorrem no próximo sábado, dia 1 de junho, e depois nos dias 29 de junho e 13 de julho.
A relação do artista com a questão indígena vem sendo tema de debates, nos últimos anos, especialmente quando de sua participação na Bienal de Veneza, há dois anos. As polêmicas se resumem na questão: Qual a legitimidade de um artista branco apropriar-se do discurso de outras povos e culturas? Entender o lugar de fala é, atualmente, um dos desafios de qualquer tipo de discurso que busca “representar” o outro. Sem dúvida é um tanto estranho quando artistas se autorretratam como índios e vendem ou expõem essas pinturas sem qualquer compromisso maior com a questão. Estamos aí no terreno da mera representação, e foi exatamente contra esse tipo de postura que Oiticica e Clark se rebelaram.
Desde 2013, contudo, Neto tem se envolvido com o povo huni kuin, no Acre, de forma engajada, participando de seus rituais e os incorporando a suas mostras, no Brasil e no exterior, como ocorreu em Veneza.
Na Pinacoteca, essa participação ocorre no octógono, nas ativações em torno de um grande tronco “que precisa ser curado” e, para tanto, vai sendo engolido por um imenso pingente.
“Somos filhos de três continentes, mas sabemos de um, só nos ensinam um, só valorizamos um”, escreve Neto nas paredes da mostra, explicitando o deslumbre com a cultura europeia dos “toscos brasileiros”, como brilhantemente definiu Christian Dunker em texto para ARTE!Brasileiros.
“Chegou a hora de ouvir a espiritualidade de nossa terra, de nossas plantas, rios e árvores, chegou a vez de ouvir”, defende o artista. É aqui que se explicita o tal projeto de indigenização, já que os chamados povos das florestas buscam a qualidade intrinsicamente relacional de todo ser, humano e não humano, o que Lagrou define como “estética relacional ameríndia”.
“Chegou a hora de ouvir pajés, babalorixás, yalorixas”, prega Neto, e a programação das ativações abrange essas vozes silenciadas na história do Brasil, mas que nas últimas décadas vem conquistando espaço. Estarem agora na Pinacoteca é não só uma proposição do artista, mas consequência da luta que esses povos vêm empreitando. Sopro, no entanto, vai muito além do octógono e, nos diversos espaços onde ela ocorre, revela-se como faz sentido na carreira de Neto a poética que ele defende agora.
Essa sintonia com uma cosmogonia indigenista, onde humano e não humano são vistos como parte de um todo, afinal é central em suas diversas instalações, que pedem a presença do outro, que contaminam o ambiente com odores, que propiciam o encontro, que tocam, acariciam e envolvem.
O plasticismo que se vê nas obras dos anos dos anos 1980 à primeira década do século 21 é deslumbrante: nas formas, nos materiais, nos volumes e nas dimensões. Há uma estruturação orgânica em sua linguagem confortável a todos sentidos, o que é até raro em arte contemporânea. Mas a potência máxima chega agora nesse “projeto indigenista”, politizando de vez o que era discreto, e transformando Ernesto Neto em uma espécie de xamã nos tempos da cólera.
maio 25, 2019
Sob as lentes de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca por Marcos Grinspum Ferraz, Arte!Brasileiros
Sob as lentes de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca
Matéria de Marcos Grinspum Ferraz originalmente publicada na revista Arte!Brasileiros em 2 de abril de 2019.
Com um trabalho audiovisual multidisciplinar, produzido em universos ao mesmo tempo marginalizados e pop de diferentes cidades do mundo, dupla ganha destaque e vai representar o Brasil na Bienal de Veneza
Entre o primeiro trabalho realizado conjuntamente e os dias atuais passaram-se apenas seis anos. Neste período prolífico, Bárbara Wagner, 38, e Benjamin de Burca, 43, realizaram cerca de dez grandes projetos – entre séries fotográficas, videoinstalações e curtas-metragens musicais – e com eles estiveram presentes em uma série de bienais, exposições e festivais ao redor do mundo. Percorreram espaços dos universos da arte e do cinema e, neste 2019, foram premiados no Festival de Berlim com o curta RISE (2018). Agora, se preparam para representar o Brasil na 58ª Bienal de Veneza com o inédito Swinguerra, filmado em Recife.
Em uma sequência produtiva quase sem respiros desde 2013, a dupla desenvolveu uma linha de pesquisa coerente e sólida tanto nas temáticas tratadas quanto na criação de uma linguagem e estética autorais – mesmo com as nuances e peculiaridades de cada projeto. Mas, segundo eles mesmos, poucas vezes pararam para analisar este conjunto da obra. “Tenho começado a pensar nisso só recentemente. Até pouco tempo a gente não conseguia ver um corpo, porque produzimos muita coisa em pouco tempo. Agora que acumulamos alguns trabalhos a gente consegue olhar para trás e perceber mais claramente as relações entre eles”, diz Wagner, que ao lado de De Burca conversou por mais de uma hora com a ARTE!Brasileiros.
Especialmente nos projetos filmicos, que agora chegam a sete, a dupla apresenta obras audiovisuais concebidas em conjunto com seus protagonistas, que misturam documentário e ficção, realidade e imaginação, e que levantam debates sobre o uso do corpo, a indústria musical, os diálogos e conflitos entre cultura pop e manifestações tradicionais e sobre as ideias de bom e mau gosto. Temáticas tratadas de modo multidisciplinar em trabalhos que retratam personagens de universos marginalizados e como eles próprios se autorrepresentam e se apresentam ao mundo – dos músicos de brega e dançarinos de frevo de Recife aos rappers de Toronto; dos cantores do schlager de Münster aos oradores evangélicos da Zona da Mata pernambucana.
“Por um lado, são manifestações que parecem marginais, mas na vida real elas são muito centrais na cultura. O schlager é o gênero mais consumido na Alemanha, o hip hop é um fenômeno mundial e o brega é muito popular aqui no Nordeste”, afirma De Burca. “Acho que a gente procura entender esses fenômenos que parecem marginalizados, mas que na verdade têm um nervo central na nossa experiência de cultura”, completa Wagner. “Eles bebem o tempo inteiro dessa produção cultural central, ao mesmo tempo não precisam dela, não são dependentes do mainstream e dos meios de comunicação convencionais. São grupos que encontram saídas para sua própria existência, dentro desse universo de trocas entre centro e periferia”.
Neste sentido, Wagner e De Burca questionam a noção, em voga em setores do ativismo político e em áreas das ciências sociais, de “dar voz” às minorias e aos marginalizados. Para a dupla, esses grupos têm voz própria, “sabem muito bem como se apresentar”, e o trabalho trata muito mais de ouvir essas vozes ou, ainda, criar juntos outras vozes possíveis. “Então a gente sempre se pergunta qual pode ser a nossa contribuição. O registro que a gente faz em audiovisual tem que ir para um outro lugar, que vem do encontro, do diálogo entre as nossas vontades de observar, de compreender e de questionar e a vontade artística deles, das pessoas com quem a gente colabora”, diz Wagner.
O que resulta, portanto, vem de um fazer compartilhado que chega a algo novo. De algum modo remete a filmes etnoficcionais de Jean Rouch, que criava narrativas junto aos protagonistas, ao mesmo tempo que transparece menos improvisação que os trabalhos do francês. Para a dupla, o trabalho conjunto começa no planejamento e no roteiro, segue na filmagem, e continua, posteriormente, em toda a carreira da obra. “A gente mantém contato com todo mundo que a gente trabalhou desde o primeiro filme até hoje, e eles sempre sabem onde os filmes estão circulando”.
Da Europa para o Brasil
Wagner e De Burca já desenvolviam trabalhos autorais quando se conheceram na Europa, no fim de 2009, na época em que a artista realizava seu mestrado em Artes Visuais na Holanda. Wagner, nascida em Brasília e formada em jornalismo em Recife, aprofundava uma pesquisa principalmente fotográfica, já centrada em questões do corpo e nos campos da cultura pop e da tradição. Benjamin, nascido em Munique (Alemanha), com graduação e pós-graduação em Artes concluídas em Glasgow (Escócia) e Belfast (Irlanda do Norte), tinha um trabalho focado principalmente em colagens, fotografias e pintura.
A primeira obra feita em parceria começou a ganhar forma quando os dois se mudaram para a capital pernambucana no fim de 2012, em “um período muito interessante para se observar o que era a representação de uma nova classe média no Brasil”. Edifício Recife (2013), uma série fotográfica acompanhada de pequenas entrevistas, analisa “a relação entre as esculturas de prédios nobres de Recife e os porteiros destes edifícios”. Apesar de não ser centrada em questões musicais ou do corpo, o trabalho já apresentava várias das temáticas desenvolvidas posteriormente pela dupla, como o contraste entre classes sociais e o uso do espaço urbano.
No mesmo ano surgiu a primeira obra audiovisual, Cinéma Casino (2013), uma investigação sobre o gênero musical maloya entre as novas gerações na Ilha da Reunião. Comissionado para a 4a Bienal do Oceano Índico, o trabalho foi filmado no departamento ultramarino francês, localizado próximo à África, e coloca em perspectiva sonoridades e danças locais – tanto vertentes tradicionais ligadas à cultura crioula e à resistência anticolonial quanto manifestações contemporâneas alinhadas à indústria de consumo. “A gente estava interessado em entender como é que os corpos desses jovens, bastantes influenciados pela cultura pop, transitam entre a tradição e o contemporâneo”, comenta a artista.
Foi essa mesma linha de pesquisa, transportada para outro território e contexto, que resultou no curta Faz que Vai (2015), trabalho feito em Recife após a produção de dois outros projetos: Desenho Canteiro (2014), uma vídeo-colagem sobre o mercado imobiliário; e Como se Fosse Verdade (2015), um híbrido de série fotográfica e instalação realizado no terminal de ônibus de Cidade Tiradentes, em São Paulo. Faz que Vai, filmado com quatro dançarinos de frevo, levanta também questões de gênero, que percorrem outros trabalhos da dupla.
“No caso dos filmes a gente entendeu que a música é o elemento que constitui uma espécie de fundamento para as práticas que pesquisamos. Seja de dança, dos videoclipes, da canção. É a performance de forma geral ligada às indústrias da música que estão no limite entre a tradição e o pop”, diz Wagner. “São jovens que têm pela primeira vez a possibilidade de trabalhar com arte, e o corpo é um elemento central nisso. Ele é o instrumento de trabalho nessa cultura do espetáculo”.
Democratização e mundo da arte
Convidados para a 32a Bienal de São Paulo, com curadoria de Jochen Volz, a dupla produziu Estás Vendo Coisas (2016) também em Recife, deslocando-se do universo do frevo para o dos jovens cantores de brega em boates e nas gravações de videoclipes. Considerando que passaram 900 mil pessoas pela Bienal, foi ali que se deu o momento de maior visibilidade para o trabalho dos artistas. Wagner confessa: “Foi muito emocionante ver como as pessoas se relacionam com o trabalho. Pessoas com idades e repertórios diferentes, com compreensões distintas do que é um trabalho artístico”.
Segundo ela, foi um momento interessante também para ver como o trabalho repercutia no próprio mundo da arte, com educadores, com o circuito comercial, com curadores independentes ou com a direção de instituições. “A gente está sempre testando, porque cada instância dessas tem suas especificidades. E por ter esse trabalho híbrido, é muito bom poder mostrar o RISE, por exemplo, tanto em uma galeria privada de São Paulo (Fortes D’Aloia & Gabriel) quanto no festival de Berlim. É interessante testar os cruzamentos dessas esferas, os pontos de interseção”.
O curta feito no ano após a bienal, Bye Bye Deutschland! (2017), realizado para o festival Skulptur Projekte de Münster, acompanha um casal de cantores de schlager, gênero musical popular na Alemanha e em países do norte europeu marcado por letras e melodias sentimentais. “E também tinha muito a ver com essa questão de bom gosto e mau gosto. Artistas alemães contemporâneos torcem o nariz para o schlager, então a gente querer falar sobre esse gênero foi uma surpresa, até mesmo para o Skulptur Projekte. Mas, para nós, era o único caminho possível. Um trabalho em Münster tinha que ser sobre isso”, explica Wagner.
Essa surpresa de que fala a artista levanta também um estranhamento quando se pensa no grande reconhecimento que a dupla alcançou em meios onde os gêneros musicais de que tratam são normalmente considerados ruins. “Os circuitos da arte e do cinema são muito elitistas. Mas o que eu sinto é que de algum modo os nossos trabalhos comunicam algo, até para além da nossa intenção, que interessa as pessoas. Mas é difícil explicar, nós mesmo estamos sempre tentando entender.”
A reação mais polêmica veio com o curta Terremoto Santo, de 2017 – ano em que Wagner foi vencedora do Prêmio PIPA –, que apresenta o universo evangélico da Zona da Mata pernambucana a partir de uma gravadora de música gospel da cidade de Palmares. Ao criar no filme uma atmosfera ao mesmo tempo real e fantasiosa, em que, em dado momento, a câmera treme simulando um terremoto – em diálogo com a música que está sendo cantada –, a dupla incomodou parte da comunidade artística. “Até hoje a recepção é dividida. Tem gente que acha que o filme é propaganda conservadora dos evangélicos, outros acham que a gente pode ter até debochado deles”, ela comenta. O curioso, segundo De Burca, é que os trechos que soam mais ficcionais nos filmes são sempre concebidos nos processos de criação com os próprios personagens, a partir de coisas que existem em suas vidas.
“Na prática artística desses grupos, sejam cantores, dançarinos, produtores musicais do brega, do schlager, do gospel ou da swingueira, essa fantasia é muito presente. Não há limites entre ficção e realidade. Entrar e sair do espetáculo é uma prática que eles manejam muito bem, e o limite entre uma coisa e outra fica muito fluido”, diz Wagner. “Acho que o cinema permite o manejo entre essas narrativas e, para nós, borrar esses limites é importante até mesmo para suspender o julgamento sobre o que se está vendo.” Fazer a câmera tremer no momento do “terremoto”, seria como “fazer tremer” qualquer tipo de leitura fácil sobre o trabalho da dupla. “A gente não tem nenhum pudor em levar às últimas consequências essa ideia de que um filme pode falar da realidade, mas ao mesmo tempo ser completamente fantasioso. Queremos criar fissuras”.
RISE (2018), curta que venceu o Audi Short Film Award na Berlinale deste ano, dá continuidade à essa ideia. Filmado em uma estação de metrô recém-inaugurada na periferia de Toronto, o trabalho foi realizado com integrantes do grupo Reaching Intelligent Souls Everywhere, que reúne jovens rappers, poetas e cantores afrodescendentes da cidade. O curta, que foi comissionado pela AGYU (Art Gallery of York University), chama atenção, talvez de modo ainda mais acentuado que outros filmes, para o extremo cuidado técnico e estético que percorre a produção da dupla – que sempre trabalha com o diretor de fotografia Pedro Sotero (parceiro de filmes de Kleber Mendonça). “Acho que se não fosse esse rigor do cinema, com alta qualidade de som e imagem, a gente perderia todo o nosso esforço em promover uma relação empática com o conteúdo do trabalho”, afirma Wagner.
Swinguerra, que está em fase de pós-produção, é o trabalho que representará o Brasil na 58a Bienal de Veneza, comissionado para tal a partir da escolha de Gabriel Pérez-Barreiro. O novo filme apresenta três grupos: os de swingueira, que se reúnem em quadras de escolas públicas de Recife e preparam coreografias para socializar e competir entre si; os dançarinos de brega funk, que derivam da swingueira, mas trabalham comercialmente em palcos de boates e em shows de MC’s; e os do chamado passinho do maloka, adolescentes que criam danças e coreografias para se divertir e divulgar no Instagram: “Da quadra, para o palco, para o Instagram. No filme nós cruzamos essas expressões, seus códigos, corpos e gestos”.
Em uma prática multidisciplinar, que mistura cinema, artes visuais, performance, música, dança e antropologia, no qual o fazer é compartilhado e onde surgem questões de gênero, raça, classe e indústria cultural, Bárbara Wagner e Benjamin de Burca têm consciência da responsabilidade política de seus trabalhos, especialmente no contexto atual brasileiro. “Esse lugar em que ao invés de ‘dar voz’ procura-se ouvir, ou falar junto, é possivelmente um lugar de resistência. Porque isso mostra como esses grupos que a gente encontra, esses artistas, criam suas próprias saídas para resistir no mundo. E trabalhar junto com eles é, portanto, participar da construção destas formas de resistência”.
Art in the open: the joys of Jupiter Artland sculpture park by Phoebe Taplin, The Guardian
Art in the open: the joys of Jupiter Artland sculpture park
Matéria de Phoebe Taplin originalmente publicada no jornal The Guardian em 17 de maio de 2019.
The innovative sculpture park near Edinburgh is reopening for summer, marking its second decade with new commissions and an art and music festival
You imagine what you desire,” reads an arty light sculpture in the grounds of Jupiter Artland. It’s my first visit to this privately owned sculpture park five miles west of Edinburgh and I’m feeling rather overwhelmed – Jupiter is a destination that challenges easy definitions. It has more than 100 acres of fields and woods, with views across rolling countryside to the Pentland hills, and dozens of permanent installations. Several of these artworks incorporate small buildings, islands or terraced slopes.
On a hilltop stands a huge, nebulous, humanoid steel sculpture by Anthony Gormley. From it I can see as far as the Forth Bridges. There’s also a terrifying caged hole by Anish Kapoor called Suck, but my favourite work is Stone Coppice by Andy Goldsworthy, where quarried boulders nest in the branches of growing coppiced trees. Wandering through another part of the estate, I see Goldsworthy has fixed harvested branches from the coppicing upright inside a stone-walled shed to create a linked work, Coppice Room.
There are also temporary exhibitions, galleries, a new cafe, workshops, festivals, even a swimming pool. The illuminated quote, borrowed from George Bernard Shaw, is the characteristic work of Glasgow-based artist Nathan Coley. It seems to capture something of the ambition and creativity on display here. Shortlisted for the Artfund’s 2016 Museum of the Year award, alongside the V&A and others, Jupiter is now a big-league player.
The owners and creators of Jupiter Artland live in Bonnington House, a Jacobean manor at the centre of the site. Former sculptor Nicky Wilson is the artistic power behind the project. Her husband Robert chairs several charities and runs natural medicine company Nelsons (which makes Rescue Remedy, among other things). The couple bought Bonnington House in 1999 and have opened the grounds to the public every summer since 2009. US landscape architect Charles Jencks was one of the first artists they commissioned and his giant Cells of Life, reflected in a series of lakes, took eight years to build.
Jupiter Artland reopens and is starting its second decade with a new five-star rating from VisitScotland. Talk-of-the-town restaurant Fhior, on Edinburgh’s Broughton Street, is providing “hyper-seasonal” cakes and sandwiches for Jupiter’s restaurant, Café Party, where the walls were painted with vivid murals in 2017 by Swiss artist Nicolas Party.
Jupiter is one of those places where “enchanted” doesn’t feel like a cliche. My bus from Edinburgh stops outside an animal feed depot on the B7015 (25 minutes from the city centre on the number X23 or X27) and I walk through gates studded with knots of silver nails into a world of flowering woods and twisted rhododendrons. Birds are singing in the trees and a baby rabbit hurries into a nearby hedge. Further in, I can make out works such as Phyllida Barlow’s industrial-looking Quarry (2018), framing a changeable sky and leafy beech branches. Nearby, Anya Gallacio has sunk a crystal-walled cell into the forest floor.
Female artists are well-represented at Jupiter. From a lawn near the studios, Helen Chadwick’s Piss Flowers sprout like strange white mushrooms. I enjoy a sneak preview of this year’s major new installation: Gateway is an organically shaped swimming pool designed by Joana Vasconcelos, with hand-painted Portuguese tiles, a topiary garden and a mirror-faced pool room. Visitors can book a swim there in August.
Jupiter has been part of Edinburgh’s summer art festival for several years. This year, for the first time, it is also part of August’s main Edinburgh International Festival. The Trisha Brown Dance Company will perform on a series of rafts on Jupiter Artland’s lakes, and its late summer exhibition (Time, Space, Gravity, 27 July-29 September) is a retrospective of the choreographer’s work.
For 2019’s early summer exhibition, Brazilian artist Daniel Lie is combining natural materials from around the estate to create a living installation (The Negative Years, 18 May-14 July). Sheep’s wool hangs in wreaths, mirroring the plasterwork on the ceiling above. Pots made with clay from the riverbed will be full of fermenting plants. Growing fungi and decaying flowers will create what Lie, reverently sprinkling mushroom spores into straw, tells me will be “a non-verbal show about smells, atmosphere, feelings and emotions, where other living beings guide the way”. Lie values these biodegradable resources and hopes to heat the studios using energy produced by decomposition.
The summer’s cutting-edge creativity climaxes in a festival, Jupiter Rising (23-25 August, £80.54 including camping). It expects to welcome 700 people for a weekend of art, film and music, with late-night dancing in the woods and bell tents in the wildflower meadows available for hire.
It’s not only artwork and events that are on a large scale here; Jupiter Artland’s educational plans are also ambitious. Its mission is to provide a free school visit for every child in Scotland. Tens of thousands of students have already visited, from under-fives in bobble hats to earnest groups of performance artists. In a book celebrating the 10th anniversary, Gormley writes that Jupiter Artland is “an experiment in human relations and human imagination: a workshop for the spirit, the body and the mind”.
Open daily 18 May-30 September, 10am-5pm, adult £9, child (4-16) £5, 10% off online, jupiterartland.org
maio 12, 2019
IMS tem novo Diretor Artístico
IMS tem novo Diretor Artístico
Nota originalmente publicada no IMS em 10 de maio de 2019.
O português João Fernandes, subdiretor do Museu Reina Sofía, de Madri, será o novo Diretor Artístico do Instituto Moreira Salles a partir de 18 de agosto. Há seis anos ocupando o mesmo cargo na instituição espanhola – uma das mais importantes e originais do mundo –, Fernandes projetou-se no cenário internacional das artes como curador (entre 1996 e 2002) e diretor (de 2003 a 2012) do Museu de Serralves, na cidade do Porto, contribuindo decisivamente para transformar o magnífico espaço cultural do norte de Portugal num marcante endereço de arte contemporânea da Europa.
O IMS considera um privilégio tê-lo como sucessor de Lorenzo Mammì, outro talento de prestígio no métier, que precisou retomar suas atividades acadêmicas na USP em outubro do ano passado, quando desligou-se das funções que exercia no IMS.
Substituto à altura
Em 2018, ao elencar as 100 pessoas mais “poderosas” na cena das artes mundo afora, a revista ArtForum, incluiu na lista o nome de João Fernandes, junto com Manuel Borja-Villel, o diretor do Reina Sofía. Segundo a publicação, os dois são comandantes de um museu “radical”, que não cedeu à tentação de realizar grandes exposições blockbusters em favor de uma arte mais criativa e insinuante. Citava, a propósito, exposições que marcaram os últimos 12 meses no museu de Madri, como o Dada Russo e as mostras sobre Fernando Pessoa e Artur Barrio, as duas últimas com curadoria de Fernandes. Com Pessoa, ele conseguiu uma prodigiosa conexão entre literatura e arte. Em 2018, o Reina Sofía recebeu mais de 3,8 milhões de visitantes.
No portfólio do Museu de Serralves, estão exposições coletivas como Perspectivas: alternativa zero e Raymond Roussel ou Às armas cidadãos! E, entre mostras de artistas, destacam-se as de Dara Birnbaum, Tacita Dean, Paula Rego, a dos brasileiros Lygia Pape, Cildo Meireles e Antonio Manuel, além de Grazia Toderi e Douglas Gordon. Fernandes também organizou as exposições de Cildo e Antonio Manuel no Reina Sofía.
Nascido em 1964 em Bragança, o novo Diretor Artístico do IMS fez sua trajetória acadêmica na Universidade do Porto, onde licenciou-se em línguas e literaturas modernas. Na mesma cidade, iniciou-se no meio artístico.
Nas programações que desenvolveu para instituições que dirigiu ou ajudou a comandar, procurou cruzar artes visuais com artes performáticas e o cinema, trabalhando com compositores, músicos, coreógrafos e dançarinos, entre eles Laurie Anderson, Trisha Brown, Lia Rodrigues, Cecil Taylor e Arto Lindsay.
Foi membro de diversos organismos consultivos de museus internacionais e participou de vários júris, como o de exames da École Nationale Supérieure des Beaux-Arts de Paris. É atualmente membro do Comitê Cientifico do Museu de Arte Contemporânea de Trento e Rovereto – Mart (Itália).
João Fernandes conhece bastante bem a arte brasileira moderna e contemporânea. Tem por aqui laços com críticos e artistas. Reverencia e louva a diversidade cultural do país como fonte de uma vitalidade que considera rara e relevante.
Bem-vindo.
Bienal de Veneza começa com ruína de um mundo tomado por polarização e conservadorismo por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Bienal de Veneza começa com ruína de um mundo tomado por polarização e conservadorismo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 8 de maio de 2019.
Evento italiano parece moldado pela reação dos artistas às fake news, contra o populismo
A carcaça corroída de um barco de pesca alçado sobre vigas metálicas no pátio do Arsenale, antiga fábrica de navios de guerra, já viralizou como a imagem síntese da Bienal de Veneza mesmo antes de sua abertura para o público, neste fim de semana.
O trabalho do artista suíço Christoph Büchel foi deslocar os destroços da embarcação que afundou há quatro anos no Mediterrâneo, provocando a morte de mais de mil imigrantes que tentavam chegar à costa italiana, para o jardim da maior mostra de arte contemporânea do planeta, uma espécie de cavalo de Troia a invadir a Europa num momento de convulsão no mundo.
Esses restos metálicos, fotografados à exaustão pelo "jet-set" da arte que circula pelas galerias do Arsenale e pelos pavilhões dos Giardini, dá o tom sinistro desta 58ª edição da mostra italiana. Ralph Rugoff, o americano à frente do evento, escolheu um eufemístico “Que Você Viva em Tempos Interessantes” como nome de sua seleção de artistas.
Interessantes, turbulentos, polêmicos e raivosos, qualquer um acrescentaria. À primeira vista, sua exposição que reúne 79 artistas, a maioria deles mulheres, algo inédito na história do evento, é uma grande apologia da ruína em que se transformou um mundo tomado por debates cada vez mais polarizados e o levante de um conservadorismo que não esconde suas tintas agressivas.
“Os discursos estão tão polarizados em tantos países que parece que aqueles com uma opinião diferente vivem num mundo paralelo. Enquanto isso, plataformas como o Twitter se tornaram um canal de notícias”, diz Rugoff. “A arte nesse momento se tornou um reduto de discursos mais ambíguos, multifacetados, um experimento que nos deixa fazer novas associações e ver como nossa visão de mundo é fragmentada. Os artistas nos pedem que pensemos de jeitos distintos, que defendamos ideias opostas ao mesmo tempo. Não há uma verdade simples.”
Toda a mostra, aliás, insiste nessa ideia. Na esteira de outras exposições dessa natureza, como a Bienal de Charjah aberta em março, o evento italiano também parece moldado pela reação dos artistas à era das fake news, sendo apelidada por uns como a Bienal contra o populismo. Em tempos de brexit, Bolsonaro, Trump e a escalada da retórica neofascista na própria Itália, artistas tentam refletir nos seus trabalhos o que entendem como distorção violenta da realidade.
Rugoff, talvez atropelado ele mesmo pela overdose de informações do momento atual preferiu não pensar a exposição em torno de um tema central. Tudo, no caso, tem vez nos pavilhões, gerando uma cacofonia às vezes predatória em que um trabalho distorce a leitura do outro. Isso quando o ritmo não é quebrado pela montagem, com paredes de madeira que isolam uma ala da outra, talvez uma alusão a discursos fragmentados ou falas atravessadas.
“Não existe um tema, mas há 'leitmotifs'”, diz Rugoff. “Entre eles muralhas, barreiras de toda sorte, duplicidade e realidades espelhadas, máscaras e histórias escondidas, além da relação entre humanos com a tecnologia, que parece se estreitar cada vez mais.”
Uma ala importante de sua Bienal de Veneza, de fato, reúne uma série de obras em realidade artificial, além de animações em 3D e trabalhos com personagens criados por máquinas que reagem ao espectador, das fantasmagóricas animações do britânico Ed Atkins às flores tecnicolor da alemã Hito Steyerl, passando pelas criaturas assustadoras do americano Ian Cheng e do canadense Jon Rafman.
Além da mostra principal, que vai até novembro na cidade italiana, 90 países têm representações oficiais nesta Bienal de Veneza. O Brasil, com um pavilhão próprio nos Giardini, leva obras da dupla de artistas Bárbara Wagner e Benjamin de Burca.
maio 2, 2019
Artista investiga memória no espaço público com monumentos depredados por Clara Balbi, Folha de S. Paulo
Artista investiga memória no espaço público com monumentos depredados
Matéria de Clara Balbi originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 2 de maio de 2019.
Giselle Beiguelman apresenta duas instalações sobre o tema no Museu da Cidade
“São Paulo é um palimpsesto”, diz a artista Giselle Beiguelman, referindo-se à prática, muito comum na Idade Média, de reutilizar papiros e pergaminhos através da raspagem de seus textos originais.
No topo da escadaria do Beco do Pinto, no centro paulistano —ele próprio um local fundamental na história da urbanização da cidade, mas pouco lembrado—, ela encara os pedestais de pedra empilhadas que compõem Monumento Nenhum, uma das instalações que apresenta no local e em seu vizinho, o Solar da Marquesa de Santos, a partir de sábado (4).
Encontrados no depósito do Departamento de Patrimônio Histórico, no Canindé, na zona norte, e replicados de forma idêntica no Beco —razão pela qual Beiguelman apelidou as peças de “ready-mades do esquecimento”—, a maioria dos fragmentos tem procedência desconhecida.
Algumas das peças conseguiram ser, no entanto, rastreados pela artista, que também é professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Uma das colunas tombadas fazia parte do Monumento aos Heróis da Aviação, no Hipódromo da Mooca; no topo de uma pilha de pedras, um pedestal no formato de patas de cavalo pertencente ao Monumento ao Duque de Caxias, da praça Princesa Isabel, na República, voou longe depois que militares revoltosos dinamitaram a estátua assinada por Victor Brecheret.
As trôpegas colunas que resultam do amontoado de peças desaparecidas, roubadas e atacadas, representam, segundo Beiguelman, uma metáfora contundente da relação da capital paulista com seu patrimônio histórico e cultural.
A instalação dá sequência a uma pesquisa que a artista iniciou em 2014. Na época, por ocasião da 3ª Bienal da Bahia, ela realizou uma intervenção no Arquivo Público do estado. No ano seguinte, o convite veio do Arquivo Histórico municipal paulistano. O resultado foi “Memória da Amnésia”, instalação na qual a artista tombou sobre o chão do arquivo cerca de dez monumentos, alguns há oitenta anos fora do espaço público.
“Queria entender como funciona o circuito da memória pública. Quem decide o que deve, quando e como deve ser esquecido?”, questiona a artista, lembrando que mesmo a gestão pública na área é recente. O Departamento de Patrimônio Histórico paulistano, por exemplo, surgiu nos anos 1970; a Comissão de Monumentos, há menos de 20 anos.
Os dois espaços onde Beiguelman apresenta as instalações estão ligados à questão. Ambos pertencem ao Museu da Cidade, circuito de 12 prédios históricos administrados pela Secretaria Municipal de Cultura. O beco, que ligava o largo da Sé às margens do Rio Tamanduateí na São Paulo no século 18, não funciona como passagem desde 1834, quando a Marquesa de Santos comprou o imóvel ao lado. Hoje, duas grades impedem a entrada de pedestres pela base da escadaria, na rua Doutor Bitencourt Rodrigues.
Nomeado em fevereiro diretor do Museu da Cidade, Marcos Cartum afirma que a ideia é, no futuro, reabrir o beco, uma vez resolvidas as questões de segurança. “O museu tem como missão principal devolver à população consciência sobre a nossa história. Isso significa não só mostrar o material do calçamento original”, diz, apontando para os buracos no chão onde se vê o antigo revestimento da escadaria, “como também recuperar a função original desses locais”.
Beiguelman concorda. “A cidade hoje expulsa as pessoas de seus espaços, não só pela questão da violência, como pela própria arquitetura”, diz. “Restaurar essa memória é uma maneira de instigar os corpos a reocuparem os lugares públicos.”
A desconexão entre esses espaços e os habitantes aparece de forma ainda mais clara em Chacina da Luz, instalação que a artista apresenta no Solar da Marquesa de Santos. Nela, os destroços de oito estátuas neoclássicas que circundavam o lago Cruz de Malta, no parque da Luz, são deitadas em uma colcha cinza, em um cenário digno da série televisiva CSI. Os monumentos foram empurrados por vândalos há três anos atrás.
“Usei a palavra ‘Chacina’ porque foi um ato muito violento”, explica Beiguelman. “É uma consequência dessa percepção do espaço público como coisa de ninguém, e não de todos.”
A cena evoca a destruição do Museu Nacional do Rio de Janeiro, em setembro de 2018, ou, mais recentemente, o incêndio da Notre-Dame, em Paris. Beiguelman —que discorre sobre o assunto em um dos capítulos do livro “Memória da Amnésia”, que lança pelas edições Sesc este mês— acredita, no entanto, que os dois eventos têm naturezas fundamentalmente distintas.
“As imagens televisionadas do Museu Nacional em chamas são um ‘memoricídio’, um emblema dessa política institucionalizada de esquecimento brasileira”, afirma. “Não somos capazes de criar ruínas, resultado nostálgico da ação do tempo. Só temos escombros.”
Rosana Paulino: 'Arte negra não é moda, não é onda. É o Brasil' por Nelson Gobbi, O Globo
Rosana Paulino: 'Arte negra não é moda, não é onda. É o Brasil'
Entrevista de Nelson Gobbi originalmente publicada no jornal O Globo em 27 de abril de 2019.
Com exposição em cartaz no Museu de Arte do Rio, a artista paulistana conta como busca combater séculos de preconceito com suas obras multifacetadas
RIO - Artista com sólida formação acadêmica — é doutora em artes visuais pela USP — a paulistana Rosana Paulino despontou nos anos 1990 com uma das principais vozes a abordar questões raciais e de gênero. Sua obra é pouco vista por aqui, mas uma exposição recém-inaugurada no Museu de Arte do Rio (MAR) compensa com louvor a lacuna. Rosana Paulino: a costura da memória, retrospectiva com curadoria de Valéria Piccoli e Pedro Nery, chega à cidade após três meses em cartaz na Pinacoteca, em São Paulo. Maior exposição da sua carreira, a mostra reúne 140 obras produzidas em 25 anos, que abordam temas como memória, racismo institucional e a construção de narrativas pela ciência.
Muitas delas foram realizadas a partir de referências pessoais, como “Parede da memória”, composta de 1,5 mil patuás produzidos a partir de 11 retratos de família. Já séries como “Tecido social” (2010) e “Assentamento” (2013) evidenciam a imposição de uma relação social pretensamente harmoniosa nas costuras (ou suturas) entre tecidos, sem que se encaixem. Nesta entrevista, Rosana fala da conquista de feminismo e a normatização do preconceito: “É o que justifica um corpo negro levar 80 tiros e sociedade não fazer nada”.
Como a ciência surge em algumas de suas obras?
Para começar, eu cursei Artes Visuais na USP, mas cheguei a passar para Biologia na Unicamp. A mostra traz uma abordagem lúdica da ciência, na série “Tecelãs”, na qual os elementos da biologia aparecem em seres imaginários. E tem um olhar sobre a ciência e tecnologia como instrumentos de controle, em séries como “Assentamento” e “História natural?”
Por que, nestas últimas, usar imagens do século XIX?
Quero expor o “racismo científico”, teses de superioridade racial e pseudociências, como a craniometria, que animalizaram o corpo negro e tiraram sua dignidade, moldaram a sociedade brasileira. Elas levaram à ideia de trazer imigrantes europeus para embranquecer a população. É isso que justifica um corpo negro levar 80 tiros e sociedade não fazer absolutamente nada. Isso foi naturalizado.
Como chegou aos resultados?
Foram cinco anos para encontrar a impressão ideal para os textos e as fotos do livro de “História natural?”. Usei uma impressora de tecido e uma prensa, tecnologias com séculos de diferença. Essa é uma história suja, borrada, não queria que as letras estivessem nítidas, certinhas. O Brasil e a América Latina foram um imenso laboratório, onde foram testadas todos os aspectos da colonização, depois aplicados na partilha da África.
Suas obras destacam outra camada deste debate: o papel da mulher negra na sociedade brasileira.
Sim. Obras como “Tecido social”, que não estava na Pinacoteca, associam através de imagens essa passagem da mulher escravizada para a empregada doméstica, das amas de leite para as babás. No começo da minha carreira, quando perguntavam se meu trabalho era feminista, eu respondia que era “feminino”. Só depois entendi que, na época, não conseguia me encontrar dentro da perspectiva do feminismo branco.
O feminismo negro abriu novas possibilidades?
A internet foi uma dádiva neste sentido, antes ninguém tinha interesse em discutir a respeito. Muita gente insiste que isso não é necessário, que pode dividir o movimento. Mas aí estamos falando de um feminismo para quem, para 10% das mulheres?
Pode dar um exemplo das diferentes demandas?
Uma reivindicação do feminismo clássico, o direito ao trabalho, nunca foi uma questão para a mulher negra. Nós trabalhamos desde sempre, é isso ou morrer de fome. Minha mãe foi empregada doméstica em Perdizes, no bairro da PUC de São Paulo, um dos berços do feminismo em São Paulo. Na época, muitas daquelas mulheres só puderam ser feministas porque tinha alguém limpando a sua casa, cuidando dos seus filhos.
Recentemente, a produção de artistas negros conquistou espaço em instituições e galerias. Como foi ver essa mudança?
Fiquei praticamente dez anos fazendo arte contemporânea sozinha, sem outros artistas negros, nos anos 1990. Existia um gap de 20 anos sem que outras pessoas furassem essa bolha. Tinha o Emanoel Araújo, que poderia ser meu pai; o Abdias do Nascimento, que poderia ser meu avô. A Sônia Gomes estava em Minas , o Ayrson Heráclito, na Bahia; não tinham furado a bolha também. Era muito diferente de hoje.
E houve, de fato, uma conquista de espaço?
Sim, melhorou bastante, mas ainda estamos longe do ideal. É uma questão matemática: se 55% da população se define como não branca e uma exposição com 30 obras tem só duas de artistas negros, alguma coisa está errada. Durante muito tempo, as artes visuais viveram numa torre de marfim, de costas para o país e olhando para o Atlântico — o do Norte, não o Atlântico Negro. Mas não dá mais para negar essa produção, quem fizer isso vai ficar com seu acervo defasado.
O que levou a essa mudança?
Internamente, houve uma cobrança dos próprios artistas por este espaço. Mas também houve uma pressão externa, de instituições, curadores, universidades, que queriam ver esta produção. Havia uma hierarquização do conhecimento: passei minha vida acadêmica, da graduação ao doutorado, sem uma única aula de arte negra, indígena, latino-americana. Só que não dá mais para fingir que a sociedade não mudou.
Essa mudança chegou a ser considerada um ‘boom’ da arte negra. O que acha?
É mais uma narrativa criada para desvalorizar estes discursos que conquistaram espaço. Não é uma onda, não é “boom”, não é moda, isso é o Brasil. Se alguém ainda não tinha percebido, nosso país é assim. E não vai voltar atrás.