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agosto 26, 2018
Feminina e historiográfica por Paula Alzugaray, revista seLecT
Feminina e historiográfica
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista seLecT em 20 de agosto de 2018.
Focadas na produção feminina latino-americana, curadoras de Mulheres Radicais constroem capítulo omitido da história da arte
Entre os nove temas abordados na exposição Mulheres Radicais: Arte Latino-Americana, 1960-1985, um deles refere-se especificamente aos “feminismos”. Esta seção inclui obras de artistas que se definiram como feministas e ativaram essa condição em seus trabalhos documentando demonstrações ou criando uma iconografia radical do feminismo. Entre elas destacam-se as mexicanas Yolanda Andrade, Maris Bustamante, Ana Victoria Jiménez, Jesusa Rodríguez e Monica Mayer, pois, segundo a curadoria, o México foi o único país latino-americano a ter um movimento artístico feminista organizado no período abarcado pela exposição. Engrossam o coro das feministas assumidas a brasileira Josely Carvalho, a argentina Maria Luisa Bemberg e a colombiana Patricia Restrepo. Inegável, porém, que questões relativas à afirmação e à radicalidade da mulher perpassam os cerca de 280 trabalhos de 120 artistas reunidas na importante mostra que ocupa a Pinacoteca do Estado de São Paulo, depois de passar pelo Hammer Museum, de Los Angeles, e pelo Brooklyn Museum, de Nova York.
“Todas essas vozes que estão aqui são individualmente muito interessantes. Mas como grande voz coletiva demonstram uma contribuição inescapável à ideia de que foram partícipes da construção das linguagens da contemporaneidade. E o fizeram, em grande medida, falando do corpo”, diz a curadora Cecilia Fajardo-Hill à seLecT. “Este é o feminismo da exposição. Nosso feminismo é defender que a mulher deve ser respeitada, tem de ter o seu lugar na história.”
As curadoras Cecilia Fajardo-Hill e Andrea Giunta afirmam que a contribuição de sua pesquisa é historiográfica. Ao mostrar, por exemplo, que as artistas foram pioneiras em experimentar com vídeo, fotografia, performance e fotoperformance nos anos 1960, elas escrevem um capítulo omitido da história da arte. “Temos de ter consciência que a arte contemporânea ainda é muito patriarcal, a igualdade da mulher e do homem na arte não aconteceu”, diz Andrea Giunta à seLecT.
Outro papel da exposição é apontar, em obras dos anos 1960, 70 e 80, temas que não tinham uma representação na arte. Por exemplo experiências do corpo da mulher, como a menstruação, a gravidez, o erotismo – abordado de maneira poética, política ou radical por artistas surpreendentes, como a argentina Liliana Maresca.
Os efeitos da exposição nos contextos por onde passou já se fazem notar. Cursos em universidades, novas pesquisas acadêmicas e até aquisições a coleções de grandes museus. A Tate Modern, de Londres, demonstrou interesse pelas artistas paraguaias. “Por isso é tão importante que o catálogo seja um livro com muita investigação, para ser um terreno para estudantes seguirem investigando”, diz Andrea Giunta. “Uma exposição não muda as coisas. Uma exposição é uma sinalização, um início. Há que seguir trabalhando.”
Um claro sinal de que a pesquisa continua e é permeável a novos contextos é a assimilação de quatros novas artistas brasileiras e uma mexicana à montagem da mostra na Pinacoteca, que também agrega Valéria Piccoli na curadoria.
agosto 21, 2018
TJ-RJ derruba liminar que proibia a entrada de menores de 14 anos na exposição 'Queermuseu', G1
TJ-RJ derruba liminar que proibia a entrada de menores de 14 anos na exposição 'Queermuseu'
Matéria originalmente publicada no portal G1 em 21 de agosto de 2018.
Mostra foi reaberta neste sábado (18) no Rio, após polêmica no Rio Grande do Sul e veto de Crivella à apresentação em instalações da Prefeitura.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) revogou, nesta terça-feira (21), a decisão do juiz Pedro Henrique Alves, da 1º Vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Rio, que proibia a entrada de menores de 14 anos na exposição "Queermuseu - Cartografia da diferença na arte brasileira", em cartaz nas Cavalariças da Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage desde sábado (18).
A decisão de voltar a permitir a entrada de menores de 14 anos foi tomada pelo desembargador Fernando Foch, da 3ª Câmara Cível.
O juiz Pedro Henrique havia proibido, por meio de liminar, a entrada de menores de 14 anos, ainda que acompanhados dos pais. Jovens de 14 e 15 anos podiam entrar na companhia dos responsáveis. Logo em seguida, advogados da EAV entraram com um agravo de instrumento contra a liminar, o que gerou a decisão do desembargador.
"Conseguimos, mais uma vez, derrubar a onda de censura que assola nosso país. Vou trazer meus filhos de 8 e 10 anos hoje mesmo à exposição”, comemora Fabio Szwarcwald, diretor da EAV.
A petição que gerou a proibição foi feita pelo deputado Márcio Pacheco (PSC), que também apresentou representação no Ministério Público no dia 11 de julho, pedindo que nenhum espaço público do estado do Rio de Janeiro recebesse a exposição e que também não fosse utilizada verba pública para a montagem da mostra.
"Acredito que o conteúdo da exposição não é adequado para menores de 18 anos, mas acolho a decisão da justiça. Além da questão do incentivo à pedofilia e zoofilia, claramente visível nas obras, também há peças que ofendem a fé e os símbolos religiosos", argumentou o parlamentar, em um comunicado.
A decisão da 1º Vara da Infância proíbe que menores de 14 acessem o conteúdo da exposição, além de determinar a proibição de venda de bebida alcoólica para menores de 18 anos, sob pena de multa de R$ 50 mil por dia para os organizadores.
No último dia 30, a EAV Parque Lage informou que não impediria o acesso de crianças de qualquer idade à exposição no Rio. A organização do evento iria destacar o seguinte anúncio na entrada da mostra:
"Esta exposição contém imagens que podem estar em desacordo com determinadas crenças, sensibilidades ou visões de mundo. Recomendamos aos pais ou responsáveis que tenham isso em mente, antes de decidir sobre o ingresso de seus filhos e/ou aqueles que estejam sob sua guarda."
Cancelamento no Rio Grande do Sul e veto de Crivella
Alvo de protestos no Rio Grande do Sul, onde foi cancelada, a mostra também teve sua exibição vetada no Museu de Arte do Rio, em outubro.
Na época de seu cancelamento em Porto Alegre, a mostra recebeu ataques em redes sociais de pessoas e movimentos que classificaram o conteúdo como um "incentivo à pedofilia, zoofilia e contra os bons costumes". O Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul, porém, recomendou ao Santander Cultural a "imediata reabertura" da exposição, por entender que não haver crime de qualquer espécie na montagem da exposição.
Depois de ter sua exibição no Santander Cultural, em Porto Alegre, cancelada em meio a protestos e ataques em redes sociais, a exposição originalmente chegaria ao Rio no Museu de Arte do Rio, em outubro. Entretanto, as negociações para trazer a mostra também foram encerradas pelo Conselho Municipal do Museu de Arte do Rio (Conmar), após veto da Prefeitura do Rio.
O prefeito Marcelo Crivella (PRB), em entrevistas e mensagens em redes sociais, já havia se manifestado publicamente contra e disse que não permitiria a mostra.
"Aqui no Rio a gente não quer essa exposição. Saiu no jornal que ia ser no MAR. Só se for no fundo do mar, porque no Museu de Arte do Rio, não", disse Crivella, na época do cancelamento.
Serviço
A exposição Queermuseu pode ser visitada na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no bairro Jardim Botânico, Zona Sul do Rio até o dia 16 de Setembro.
O horário de visitação será de segunda a sexta, das 12h às 20h. Aos sábados e domingos, das 10h às 17h. Entrada gratuita.
Falta queer em ‘Queermuseu’ por Daniela Name, O Globo
Falta queer em ‘Queermuseu’
Crítica de Daniela Name originalmente publicada no jornal O Globo em 19 de agosto de 2018.
Abordagem dispersa em múltiplos aspectos desvia a curadoria de seu eixo central
A abertura de “Queermuseu – Cartografias da diferença” entra para a história como o momento em que a Escola de Artes Visuais do Parque Lage e a população do Rio de Janeiro se levantaram contra a censura e a onda de intolerância que açoda o país. O financiamento coletivo para realizar o projeto, depois de sua proibição em setembro do ano passado no Santander Cultural, em Porto Alegre, afirma a liberdade de expressão e o poder transformador e questionador da arte. Não é um feito irrelevante. Também é importante pensar que a EAV e o grupo 342 Artes, líderes da campanha que viabilizou a exposição, trouxeram ao meio da arte contemporânea brasileira, combalido por anos de apatia, um senso de coletividade e projeto comum, grande legado da empreitada.
À parte isso, a arte é, acima de todas as bandeiras e causas, um campo de conhecimento atravessado por sua capacidade de transcendência. Pode partir dos prazeres e das dores do mundo, mas sua imensa força mobilizadora vem justamente da capacidade de ultrapassá-los. Uma exposição é um acontecimento que se dá em determinados tempo e espaço. A coragem da EAV ao abrigar “Queermuseu” nos oferece a oportunidade de avaliarmos este projeto artístico para além de sua superexposição midiática. Há 24 anos, quando em 1984 o Parque Lage sediou uma coletiva histórica – “Como vai você, Geração 80?”, que plasmou as contradições da Anistia brasileira –, a crítica de arte foi engolfada pelos holofotes da polêmica e se absteve de realizar o seu trabalho. Não é saudável que isso ocorra novamente.
A primeira sensação para quem entra no Parque Lage é a de que “Queermuseu” chega ao Rio dividida em dois universos distintos: as Cavalariças, que sediam a exposição original assinada por Gaudêncio Fidélis; e o palácio principal da escola, onde acontecem as ações concebidas pelo curador da EAV, Ulisses Carrilho. Durante a abertura, ficaram bastante claras as diferenças de conceito e capacidade de mobilização entre estes dois segmentos quase contraditórios, que, no entanto, convivem sob o mesmo título.
Nas Cavalariças, a exposição, com 214 obras e 82 artistas, é bastante prejudicada por três problemas. O primeiro, e menos grave, é espacial: apesar de reformadas e adequadas à museologia, as Cavalariças não comportam tamanha quantidade de trabalhos. A sensação visual é a de um abarrotado gabinete de curiosidades, sem que haja espaço para o visitante ser envolvido diretamente por cada obra. Há peças posicionadas muito acima do campo de visão e paredes cheias a ponto de causar um curto-circuito perceptivo.
A descompensação espacial fica clara na montagem de “Cena de interior II” (1994), de Adriana Varejão, pintura magistral que foi o alvo preferido dos fundamentalistas de internet. Por tudo que significa para a história recente da arte brasileira e por todos os ataques sofridos, a obra merecia frontalidade e destaque. Mas fica apertada no canto final de uma parede do primeiro módulo da exposição, sem trabalhos ao redor estabelecendo com ela uma interlocução potente. Ainda no campo da montagem, mas extrapolando para uma questão conceitual, as vestes de “Eu e tu” (1967), trabalho importantíssimo de Lygia Clark, são apresentadas em manequins, revelando uma incompreensão por parte da curadoria de que este trabalho não é formado por objetos, e sim por experiências. “Eu e tu” só se configura como obra quando vestido/usado pelo público, e o adequado seria oferecer as roupas em mesas ou cabides. Diante de uma impossibilidade, abrir mão da obra é sempre melhor do que atacá-la com uma montagem que a contradiz.
O segundo problema de “Queermuseu” é ainda parecer uma exposição diretamente ligada à história da arte em Porto Alegre, com os outros trabalhos orbitando em torno deste eixo principal. Isso apesar de, em meio à polêmica, ser anunciada como “a primeira exposição no Brasil pensada fora do eixo heteronormativo” pelo curador Gaudêncio Fidélis. Seria possível preservar toda a lista de nomes no projeto original para o Santander Cultural, mas aproveitar o tempo de reflexão entre setembro e agora para rever o número de trabalhos de cada um. Há exageros, por exemplo, na presença dos gaúchos Fernando Baril e Telmo Lanes. Baril, autor do Cristo/Shiva que causou furor na web, é um virtuose técnico que traz temas supostamente polêmicos para a atmosfera de um surrealismo tardio. Já Lanes, que fez parte do importante grupo Nervo Óptico nos anos 1970, comparece à exposição com trabalhos recentes que não fazem jus à sua relevância para a história da arte gaúcha.
O excesso de uns aponta para a ausência de outros: fazem falta, no conjunto da exposição, artistas que abordaram diretamente corpo e/ou gênero e/ou sexualidade, caso de Márcia X, Victor Arruda, Alex Vallauri e Letícia Parente. Hélio Oiticica, sobretudo o das obras sobre sua relação com o contraventor Cara de Cavalo, também poderia ter sido considerado. Mas a maior ausência é a de artistas trans e de trabalhos que apresentem os estados de fluidez e metamorfose de gênero de forma direta e visceral. A mostra ganharia muito se fosse apresentada a partir de pessoas que vivenciam o queer em seus corpos e suas biografias.
Mesmo no que diz respeito a ótimos artistas na seleção, a escolha das obras acaba por ter menos força do que poderia. É o caso, por exemplo, de Efrain Almeida e Rodolpho Parigi, dois criadores que, por motivos distintos, estão afinados com o debate sobre o “queer”. Parigi é autor do personagem artístico Fancy Violence, espelho para a fluidez sexual e as travessias de gênero que marcam nosso tempo. Na exposição, em vez da presença corporal e performática deste alterego do artista, opta-se por pintura. Já Efrain, um grande sintetizador da arte contemporânea com os saberes populares brasileiros, aparece na exposição com a escultura “Mulato”. É um trabalho contundente, que tangencia a importante questão racial do país, mas passa ao largo do problema central que a mostra deveria apresentar.
E é aí que se chega à terceira e maior falha da exposição nas Cavalariças. Falta “queer” ao “Queermuseu”, e entregar uma exposição que espelhasse o tema prometido no conjunto de obras e na presença plural de criadores era o mínimo que se esperava do curador. As ausências soam tão incongruentes quanto algumas presenças. A despeito da enorme qualidade das obras, o que estão fazendo na exposição o vídeo “Ilhas”, de Maurício Ianês e a dupla de desenhos “Galáxias”, de Montez Magno? Na leitura dos textos escritos para o catálogo do Santander, Fidélis aborda um escopo de questões que vai do conceito de informe ao passado colonial brasileiro. E é esta abordagem dispersa em tão múltiplos aspectos que desvia a curadoria de seu eixo central, tornando-o vazio.
Há uma indução do público a uma leitura superficial e gestáltica de alguns trabalhos. É o caso do “Retrato de Rodolfo Jozetti” (1928), de Portinari, e “Amnésia” (2015), de Flavio Cerqueira. A pintura de Portinari, que retrata um importante médico integralista gaúcho como um dândi, é levada a um encaixe no campo “queer”, como se o gesto dos corpos tivesse um glossário, um gabarito. Já a escultura de Cerqueira, exposto no momento também na exposição “Histórias afro-atlânticas”, no Masp, apresenta um menino de feições negras, vertendo um balde de tinta branca sobre a própria cabeça. Na mostra paulista, o que se destaca no trabalho é sua relação com o passado colonial; no Parque Lage, a tinta branca pode virar sêmen no diálogo com as obras vizinhas, atando o público a uma primeira camada de interpretação, aquela restrita às questões formais.
A ausência de uma pujança “queer” nas Cavalariças é parcialmente compensada pelo projeto educativo de Ulisses Carrilho. Foi na área do educativo que o Coletivo Seus Putos realizou, durante a abertura, a ação “Trouxamuseu (Ou Museu dos Trouxa)”, divulgando depois um texto nas redes sociais. Ele pergunta: “A exposição conta com artistas de renome como Adriana Varejão, Cândido Portinari, Alfredo Volpi, e até Guignard. Aí você pensa que Queer é esse, não é mesmo?”. É uma angústia procedente. Mas o texto vai além, mostrando como as pesquisas acadêmicas têm se apropriado do universo queer e transformado em fetiche a complexidade de uma população que é alvo de preconceitos e violência no Brasil. “Pensar o Queermuseu é entender também como um curador pensa e define seus termos. Gaudêncio Fidelis define travesti como ‘um homem que se veste como mulher, que se sente mulher’. Talvez isso concretize algumas das críticas a esse espaço supostamente dissidente: como as pessoas trans são taxonomizadas, quem as classifica e como aparecem dentro do discurso queer”.
Sábado, na inauguração, a falta de criadores e criadoras trans e o esvaziamento temático da mostra principal teve como contraste as ações no palácio: um conjunto de boas performances e um Sarau Queer trouxeram pulsação, libido e frescor ao dia no Parque Lage. Talvez seja este outro “Queermuseu”, aquele organizado por Carrilho para o educativo da EAV, aquele capaz de abarcar a complexidade que se deseja em um projeto como este. A mediação da mostra foi entregue ao universo LGBTQI+, e é formada por gays, lésbicas, não binários e pessoas que fizeram a transição de gênero. Eles recebem o público exibindo em seus corpos indisciplina do desejo e a indeterminação da existência – aquilo que nos faz humanos. A indisciplina é, aliás, o mote do projeto educativo, o que soa bastante adequado para um lugar que é, acima de tudo, uma escola.
Ainda no segmento educativo, uma boa exposição documental tem a companhia de quatro trabalhos de Matheusa, artista não binária assassinada recentemente no subúrbio do Rio apenas por ser quem era. Uma presença-ausência dolorida e mobilizadora. Também serão importantíssimos os debates que a EAV vai realizar enquanto “Queermuseu” estiver em cartaz. Eles poderão aquecer a discussão que a mostra nas Cavalariças perdeu a oportunidade de realizar profundamente.
Cotação: Regular
* Daniela Name é crítica de arte
agosto 10, 2018
Artistas negros ocupam museus e levantam debate sobre diversidade por Nelson Gobbi, O Globo
Artistas negros ocupam museus e levantam debate sobre diversidade
Matéria de Nelson Gobbi originalmente publicada no jornal O Globo em 10 de agosto de 2018.
Sonia Gomes e Jaime Lauriano abrem individuais no MAC de Niterói neste sábado
RIO — À primeira vista, as obras de Sonia Gomes e Jaime Lauriano que integram suas individuais no Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Niterói, com abertura amanhã, às 14h, não abordam temáticas relacionadas à cor da pele de seus autores.
NOS EUA: Iniciativas levam mais diversidade a quadros de museus
No entanto, à medida em que se desvelam as camadas dos trabalhos, questões como racismo estrutural, violência urbana, repressão e representatividade vêm à tona. As obras de ambos recriam materiais relacionando memória afetiva à história da população negra no Brasil. Seja nas esculturas e instalações da mineira Sonia a partir de tecidos e recortes de roupas e bordados, que integram a mostra “A vida renasce, sempre”, com trabalhos dos últimos 20 anos; ou nas miniaturas de veículos militares feitas pelo paulistano Lauriano utilizando em sua fundição cápsulas deflagradas pela PM do Rio, na exposição “Brinquedo de furar moletom”.
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Representantes de duas gerações da produção contemporânea nacional (ele tem 33 anos, ela, 70), os dois evidenciam um movimento de abertura de instituições e do mercado à obra de artistas afrodescendentes, no país e no exterior. O tema da representatividade foi central em 2018, em eventos como a 11ª Bienal do Mercosul, encerrada em junho, em Porto Alegre, ou a coletiva “Histórias Afro-atlânticas”, em cartaz no Museu de Arte de São Paulo (Masp) — em ambas, havia obras da dupla. Agora, os dois se reencontram no MAC, uma das instituições que buscam ampliar o espaço para esta produção: antes, o museu só havia sediado duas individuais de artistas negros em seus 20 anos: o britânico Isaac Julien, em 2016, e o baiano Ayrson Heráclito, este ano.
— Há quem aponte essa maior presença de negros em instituições como uma tendência, pois ela tem se intensificado nos últimos cinco anos. Isso é a consolidação de um movimento que já acontece, no mínimo, há um século na arte brasileira — ressalta Lauriano. — Pensando até na proporção dos negros na população, se a presença institucional não era evidente, algo estava bem errado.
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Artista da Rocinha desponta no mercado ao retratar cotidiano da favela
Única representante brasileira na mostra principal da Bienal de Veneza de 2015, Sonia reflete sobre as várias camadas de preconceito que sofreu ao ganhar, agora, sua primeira individual em um museu brasileiro.
‘Pela proporção dos negros na população, se essa presença não era evidente é porque algo estava errado’ - Jaime Lauriano, artista visual
— O preconceito contra o negro é tão forte no Brasil, que ser mulher, para mim, acaba virando algo mais leve. Por muito tempo, só os brancos e ricos faziam arte, o que os negros faziam era considerado artesanato ou “arte popular”. Agora vejo as instituições abrindo as portas não como concessão, mas por ser impossível negar a a qualidade destes trabalhos — observa Sonia. — Quando fui convidada para a Bienal de Veneza, senti uma responsabilidade gigantesca. Fiz uma imersão de quatro meses trabalhando, mal dormia, sabia que não podia errar. Era preciso me afirmar naquele espaço, até para que outros artistas negros se espelhassem, vissem que era possível.
Curador do MAC com o mexicano Pablo León de la Barra, Raphael Fonseca acredita ser um dever institucional rever suas atuações para promover este reconhecimento, ainda que tardio:
— Além de questionar onde estão os artistas negros, precisamos perguntar onde estão os curadores negros, os galeristas negros. Podemos estender essas questões a indígenas, mulheres, trans. Temos de utilizar ferramentas que não tínhamos há 15 anos para ampliar essa pesquisa.
‘Antes só os brancos e ricos faziam arte, o que os negros faziam era artesanato ou 'arte popular'’ - Sonia Gomes, artista visual
Crítico e curador, Paulo Herkenhoff está trabalhando em um livro sobre a história dos negros nas artes visuais do Brasil. Ele acredita que o movimento, ainda que tardio, possa lançar novo olhar sobre a produção brasileira:
— As instituições tentam, ainda que timidamente, fechar estas lacunas. Além de ampliar a presença desses artistas, é preciso observar a diversidade regional.
Idealizador do Museu Afro Brasil, que completa 15 anos de atividades em 2019, o artista e curador Emanoel Araújo espera que a representatividade se mantenha para além das mostras e debates relacionados aos 130 anos da Lei Áurea, em 2018:
— Torço para que as obras destes artistas não fiquem momentaneamente nestas instituições, mas que passem a integrar os acervos dos museus. É necessário a construção de uma memória.
“A vida renasce, sempre” e “Brinquedo de furar moletom”
Onde: MAC — Mirante da Boa Viagem, s/nº, Niterói (2620-2400). Quando: Ter. a dom., das 10h às 18h. Abertura amanhã. Até 25/11. Quanto: R$ 10. Classificação: Livre.
agosto 9, 2018
Obra de Diego Bresani é vetada em exposição do prêmio Transborda por Nahima Maciel, Correio Braziliense
Obra de Diego Bresani é vetada em exposição do prêmio Transborda
Matéria de Nahima Maciel originalmente publicada no jornal Correio Braziliense em 4 de agosto de 2018.
O trabalho faz referência a Jair Bolsonaro e a Caixa, que recebe a exposição, decidiu vetá-lo
A obra My sweet president, escolhida pelo júri do Transborda Brasília – Prêmio de Arte Contemporânea para integrar exposição em cartaz na Caixa Cultural a partir de terça (07/08), foi vetada e não estará na exposição. Segundo o artista, a Caixa alegou que, como se trata de ano eleitoral, fica impossível, pela legislação, exibir obras que façam referências a candidatos à presidência da República. My sweet president tem Jair Bolsonaro (PSL) como foco. No ano passado, a revista Isto É publicou uma foto que Diego Bresani fez do presidenciável. O filho do candidato não gostou da imagem e reclamou nas redes sociais. Disse onde o artista morava e quem ele era.
Bresani passou então a receber dezenas de ameaças nas redes sociais e tirou os prints de tela de cada uma. Depois, organizou tudo por temas. Há desde comentários homofóbicos e sobre esquerdopatia até ameaças de morte. Com as imagens, ele criou a obra My sweet president, um políptico gigante com as mensagens ampliadas para que o público possa ler de longe. “É para termos a noção do tamanho de um ataque de ódio”, explica. “E do lado dos prints, tem a foto do Bolsonaro.” O artista ficou três dias trancado em casa com medo das ameaças, já que seu endereço e telefone foram divulgados nas redes sociais. “A Caixa justificou que é período eleitoral. Eu propus tirar a foto do Bolsonaro e deixar as ameaças. Eles não deixaram. Vetaram”, explica.
O júri formado por Marília Panitz (DF), Guga Carvalho (PI), Clarissa Diniz (PE/RJ), Agnaldo Farias (SP) e Lisette Lagnado (SP) analisou a obra e a considerou de boa qualidade ao ponto de estar entre os 12 selecionados do prêmio. Marcada para abrir na terça (7/08), a exposição na Caixa deve ficar sem a obra de Bresani, mas ela continua a concorrer ao prêmio. “Estamos aguardando o posicionamento oficial da Caixa sobre a possibilidade de a obra ser exibida. Houve uma consulta ao departamento jurídico, já que a exposição coincide com o período eleitoral e a obra inclui a imagem de um candidato. Até que a Caixa se posicione, optamos por não instalar o trabalho. Contudo, o trabalho, entrando ou não na exposição, faz parte do Transborda, foi selecionado pelo júri e segue concorrendo ao prêmio. A exposição é uma parte do projeto, mas não é todo ele”, avisa Virgínia Manfrinato, idealizadora do Transborda. Na terça (07/08), às 18h, os membros do júri participam de uma conversa aberta ao público. Por enquanto, a Caixa não se pronunciou sobre o veto à obra.
Mostra dos artistas selecionados para o Transborda Brasília – Prêmio de Arte Contemporânea 2018
Abertura na terça (07/08), às 19h na Galeria Acervo da Caixa Cultural (SBS, quadra 4, lotes 3/4 - Asa Sul, anexo à matriz da CAIXA). Visitação até 9 de outubro, de terça a domingo, das 9h às 21h.
Uma entrevista divertida com Antonio Dias, em Milão, 1990 por Marcos Augusto Gonçalves, Folha de S. Paulo
Uma entrevista divertida com Antonio Dias, em Milão, 1990
Entrevista de Marcos Augusto Gonçalves originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 8 de agosto de 2018.
Conheci Antonio Dias em 1990, em Milão, quando fui correspondente da Folha na Itália. Ele tinha 46 anos e eu 34 (bem, hoje posso dizer que éramos jovens!). Naquela época mantinha seu apartamento na rua Fratelli Bronzetti mas estava com um pé em Colônia, cidade que andava movimentada e atraía muitos artistas .
Ficamos amigos e continuamos nos encontrando ao longo desses anos. Sua morte e uma troca de mensagens com Lica Cecato, que foi sua mulher, me lembraram de uma entrevista que fizemos em seu apartamento milanês, em finais de 1990.
A parte mais legal foi um divertido “pinga-fogo” com perguntas e respostas curtas sobre arte e vida. Ele gostou quando viu. Reproduzo aqui.
PESSOAL E INTRANSFERÍVEL
Vício: “Fumar”
Comida: “Italiana e japonesa”
Restaurante: “Trattoria da Davide, no corso Garibaldi, em Milão”.
Costureiros: “Jeans, Armani e Lagerfeld”
Bebida: “Superalcoólicas”
Mineral com gás ou sem gás? “Água só de coco”
Rio ou São Paulo: “Os dois, com todas as diferenças”.
Milão ou Paris? “Milão e Colônia para trabalhar. Paris para passear”.
País a conhecer: “Toda a Ásia”
Rua: “Riachuelo, no Rio”.
Cor: “Cinza grafite e vermelho”
Collor: “O moço que eliminou as instituições culturais no Brasil”.
Ginástica: “Na cama”
Esporte: “Vide ginástica”
A pé ou de trem? “A pé. Adoro andar. Seria capaz de caminhar 24 horas sobre 24 horas, exceto, claro, durante as horas de ginástica”
Avião ou bicicleta? “Avião, sempre. Bicicleta, nunca”
Por que usa óculos: “Tenho tudo, astigmatismo, miopia, um pouco de vista cansada e glaucoma”
ARTE
Pincel ou brocha? “Brocha. E velha”
Começa a pintar de cima para baixo ou de baixo para cima? “Depende de onde estou”
Tela: “Belga, de linho, com preparação a gesso. Na falta, qualquer pano, depois de preparado”
Duchamp ou Picabia? “Os dois. Um diverte, outro faz pensar”
Picasso ou Mondrian? “Nenhum dos dois. Um diverte, outro faz pensar”
Salvador Dali: “Gosto, por incrível que pareça”
Crítico nota 10: No Brasil, Paulo Sérgio Duarte e Ronaldo Brito
Transvanguarda: “Um momento fraco”
Neo-conceitual: “Neo-déjà vu”
Performáticos: “Bom para ‘night’ de periferia”
Matéricos: “Consultar livros sobre o informal e o tachismo”
Vídeo: “Arte do futuro”
Cinema italiano: “Arte do passado”
Vernissage: “Estou aprendendo a evitar. É como ir à missa”
Bardi: “Bar de quem?”
Arte: “Imagina!”
Artista: Vivo, Jannins Kounelis. Morto, Joseph Beuys
Fotografia: Miguel Rio Branco
Galeria Alaska ou galeria Vitório Emanuele? “Não gosto muito de galerias”
Marchand nota dez: No Rio, Jean Bolghici; em São Paulo, Luisa Strina; em Badenweiler, Luise Krohn, que já fez 81 anos”
Marchand nota zero: “Giorgio Marconi, em Milão”
Verde: “Óxido de cobre ou folhagem”
Vermelho: “Naphthol Crimson”
Rosa: “Só Luxemburgo”
A melhor revista de arte: “Parkett, da Suíça”
A pior revista de arte: “Todas a pagamento. Serve também para o Brasil”
O colecionador: “Certamente não é o especulador”
Cores e sons: Gosto mais de música do que de artes plásticas”
Preto e Branco ou cores: “Sempre senti uma dimensão gráfica em meu trabalho, em termos de polarização, entre branco e preto. Ultimamente a cor está me chamando a atenção”
CANÇÃO DO EXÍLIO
Cinema: “O antigo Rian, em Copacabana”
Amigos de outros tempos: Roberto Magalhães, Jorge Mautner, José Agripino de Paula, José Resende, Wesley Duke Lee e Rogério Duarte
Por que saiu do Brasil? “Achava que era mais seguro”
Música brasileira: “Quase todo mundo. Cartola, Walter Franco, Itamar Assunção, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Hermeto Paschoal”
Marca de cigarro: Hollywood
PREFERÊNCIAS
Costura ou cultura? “Cultura”
Beatles ou Stones? “Os dois”
Mick Jagger ou Keith Richards? “Os dois juntos”
Secretária ou secretária eletrônica? “Secretária eletrônica”
Gabeira ou Cohn-Bendit? “Rude Dutchke”
O melhor do Brasil: “Só música”
O pior do Brasil: “Buracos nas ruas e assaltos”
Palavra escrita: “Os concretos e Octavio Paz”
Jorge Amado: “Vide entrevista dado no Brasil por Achille Bonito Oliva”
O chato: “Seria uma lista muito grande”
O burro: “Maior ainda”
Atriz predileta: Fanny Ardant
Ator predileto: Paulo César Pereio
Filme inesquecível: “’Le Chien Andalou’ (O Cão Andaluz), de Bunuel”
Diretor de cinema preferido: Glauber Rocha e Jean-Luc Godard
Jornal que lê quando está na Itália: “Depende, mas em geral são todos muito chatos”
Revistas semanais: “As internacionais. ‘Time’, ‘Newsweek’, ‘Nouvel Observateur’”
Lugar preferido em Milão: “Piazza Vetra, na região das colunas de São Lourenço. É um lugar belíssimo. Pena que tenha virado ponto de tráfico de drogas”
Taxas ameaçam apagão nas artes, barrando mostras de Van Gogh, Picasso e Warhol por Isabella Menon e Pedro Diniz, Folha de S. Paulo
Taxas ameaçam apagão nas artes, barrando mostras de Van Gogh, Picasso e Warhol
Matéria de Isabella Menon e Pedro Diniz originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 9 de agosto de 2018.
Segundo autoridades da arte, Brasil pode volta à periferia do mercado de arte internacional se aeroportos não cederem
Entre uma garfada e outra no salmão servido num jantar em Amsterdã, o diretor do Museu Van Gogh, Axel Rüger, enrubescia em silêncio ao ouvir do repórter o assunto “exposição no Brasil”.
Uma das pessoas mais influentes na arte, Rüger parece descrente que a mostra do impressionista planejada para daqui a cinco anos no Masp saia do papel.
Mesmo com a boa vontade dos dois lados da negociação para montar a maior mostra do holandês no Brasil, todos estão de mãos atadas.
Uma nova interpretação por parte das concessionárias dos aeroportos de que obras de arte não têm valor cívico-cultural para a nação e que, por isso, precisariam ser sobretaxadas no armazenamento, ameaça não só a vinda de Van Gogh, último e mais vistoso capítulo da batalha travada desde a última SP-Arte, em abril, mas de todas as exposições estrangeiras marcadas para os próximos cinco anos.
Não é a primeira vez que Van Gogh quase chega a São Paulo. O Instituto Tomie Ohtake previa para 2019 uma mostra do artista, porém, o valor que seria desembolsado pelo empréstimo das telas não coube no orçamento. Agora, com as novas taxas cobradas pelos aeroportos que recebem a maior parte das obras importadas, o caro virou exorbitante.
Guarulhos, em São Paulo, Viracopos, em Campinas, e Galeão, no Rio de Janeiro, passaram a cobrar uma taxa de 0,75% sobre o valor da obra —antes, cobravam R$ 0,15 pelo quilo da peça guardada. A mudança ocorreu após o reajuste das tabelas de preço estipuladas pelo governo, em 2017.
De uma hora para a outra, as concessionárias entenderam que obras de arte não se encaixam numa tabela que prevê taxa pequena para eventos científicos, filantrópicos, esportivos e cívico-culturais, segmento no qual a arte sempre esteve. Ela passou, então, a se enquadrar em tabelas onerosas.
Esse modelo de cobrança, segundo diretores de museus e centro culturais, fará o Brasil voltar à periferia do circuito.
O presidente do Masp, Heitor Martins, calcula que, se trouxesse as 25 obras de Van Gogh que deseja para a mostra de 2023, teria de pagar R$ 28 milhões — o custo anual de operação do museu — só para guardar essas peças avaliadas em R$ 3,75 bilhões. Na regra antiga, gastaria R$ 5.000.
Martins diz ainda que outra mostra, a da alemã Gego, em 2021, pode não acontecer devido ao imbróglio, que vem obrigando instituições a recorrerem à Justiça para cumprir acordos com estrangeiros.
“O país vai na contramão da história e, colocando esses obstáculos, só reforça seu isolamento cultural”, desabafa.
Outra mostra com 300 obras de nomes como Picasso, Rembrandt e Warhol no Tomie Ohtake foi adiada.
As peças viriam do Albertina, museu de Viena forçado a rever sua programação por causa do Brasil.
Ricardo Ohtake, diretor da instituição, conta que entrará com uma liminar para não pagar R$ 350 mil por armazenagem, valor pedido pela nova taxação. Com esse documento, o custo cairá para R$ 800.
“É uma vergonha para o país. Trocamos seis vezes o plano alegando problemas técnicos. Quando expliquei que era por causa das taxas, [os austríacos] gargalharam, achando que estava escondendo algo.” Se as regras não mudarem, ele diz, “é melhor todos os museus fecharem as portas”.
Não sem antes sofrer saias justas, como a que o Instituto Moreira Salles passou ao trazer as imagens do fotógrafo Irving Penn do Metropolitan.
Ao chegarem, o museu foi taxado em R$ 82 mil. O único jeito de se livrar da tarifa era esperar uma liminar. Para isso, as obras dormiriam no aeroporto, o que foi vetado pelo museu nova-iorquino. Na segunda leva de fotografias, com o mandado de segurança, a remessa saiu por R$ 220.
A Bienal de São Paulo, no entanto, deixou que as primeiras obras a chegar para sua próxima edição ficassem no aeroporto. Era isso ou teria de arcar com R$ 720 mil em vez dos R$ 2.200 pagos após liminar.
“O novo aeroporto internacional do Brasil será o do Chile ou o da Argentina”, diz o produtor Marcello Dantas. Visando driblar as altas taxas que poderiam ser cobradas pelas obras do artista Ai Weiwei, alvo de uma retrospectiva na Oca, em outubro, as peças virão do Chile de caminhão.
Mas o problema está longe do fim. Há dois dias, diretores da concessionária GRU Airport se reuniram com Marcio Candido, despachante especializado em logística de transporte de bens de culturais, para discutir uma saída.
“Eles dizem que cívico-cultural é um evento relacionado à pátria”, diz Candido. Dessa forma, insistem que obras não têm “valor patriótico” e que a Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac, precisa esclarecer o termo “cívico-cultural”.
Mas assessores dessa agência do governo dizem que não cabe ao órgão interpretar a expressão. Em nota, o GRU Airport afirmou que "não há tabela específica que trate de armazenamento de obras de arte em aeroportos, e que houve um enquadramento adequado das cargas que devem ser beneficiadas por uma tabela específica". Segundo a Secretaria da Aviação Civil, destrinchar essas dúvidas pode demorar até um ano.
O Ministério da Cultura e o Ministério dos Transportes criaram um grupo para discutir o tema. O ministro da Cultura, Sergio Sá Leitão, teme que o impasse contamine projetos na Lei Rouanet.
“Estaríamos subsidiando as receitas das concessionárias com os recursos dos contribuintes”, afirma o ministro.
A produtora cultural Ana Helena Curti também participou das primeiras reuniões em Brasília. Ela chama de loucura o entendimento de que exposições não seriam cívico-culturais. “Se a cultura do país não é cívica, o que pode ser?”
Na visão dela, “a arte briga contra o tempo, porque conseguir liminares é caro e produtores pequenos não aguentariam os custos do trâmite”.
Também enfrentando dificuldades financeiras, concessionárias, como a de Viracopos, que entrou com pedido de recuperação judicial, continuam cobrando altas taxas. A empresa entende que exposições têm fins lucrativos por cobrar entrada do público.
A Rio Galeão, por sua vez, afirma respeitar o entendimento sobre o que é evento cultural, por isso, não cobrou a taxa maior pelas obras da mostra “100 Anos de Arte Belga”, em junho. Porém, as da SP-Arte, em abril, foram consideradas pela empresa como objetos de cunho comercial.
Sob condição de anonimato, uma funcionária disse que, se Van Gogh baixasse no Rio, passaria pagando a menor taxa.
Leia na íntegra o posicionamento do GRU Airport:
"O GRU Airport esclarece que não há qualquer tabela específica que trate de armazenamento de obras de arte em aeroportos e que não houve alteração de interpretação de tabelas de armazenamento previstas no Contrato de Concessão, mas sim, o enquadramento adequado das cargas que devem ser beneficiadas por uma tabela específica –tarifa incidente sobre o peso da mercadoria (Tabela 9), aplicável a casos excepcionais, isto é, que atendam cumulativamente a 2 requisitos: (i) ingressem no País em regime de admissão temporária (regime que é autorizado pela Receita Federal e exige que a carga retorne ao exterior após um prazo específico) e (ii) destinem-se a eventos de natureza científica, esportiva, filantrópica ou cívico-cultural. As tarifas previstas na Tabela 9 são substancialmente baixas e devem ser aplicadas nas situações excepcionais definidas no Contrato de Concessão, nos termos da política pública que as instituiu. Esse entendimento já foi, inclusive, corroborado pela ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil). Veja Ofício anexo. A regra tarifária prevista no Contrato de Concessão para importação e armazenamento de qualquer bem é um percentual do valor do bem. Isso porque o risco associado ao armazenamento está diretamente ligado ao seu valor, cabendo observar que, em caso de dano ou avaria a uma obra de arte durante o período de armazenagem (em que o aeroporto se torna fiel depositário daquela obra) existe a possibilidade do importador ser ressarcido por sua própria seguradora, mas esta terá o direito de acionar o aeroporto pelos prejuízos sofridos (ação de regresso). Em outras palavras, o risco e o custo são do aeroporto. É importante ressaltar que o aeroporto não é a única alternativa para desembaraço e armazenamento de cargas. O importador tem a alternativa de fazê-los em um EADI (Estação Aduaneira do Interior)."