|
julho 24, 2018
Jac Leirner aborda uso de drogas em exposição e critica ativismo nas artes por Marcos Augusto Gonçalves, Folha de S. Paulo
Jac Leirner aborda uso de drogas em exposição e critica ativismo nas artes
Matéria de Marcos Augusto Gonçalves originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 22 de julho de 2018.
Artista mostra obras criadas sob efeito de cocaína e diz que galerias estão 'abrindo as pernas' para o mercado
Jac Leirner - Adição, Fortes D’Aloia & Gabriel | Galeria, São Paulo, SP - 29/05/2018 a 28/07/2018
[RESUMO] Jac Leirner, que mostra trabalhos criados durante noites de consumo de cocaína em 2010, afirma que as instituições artísticas ‘estão abrindo seus espaços e suas pernas para o mercado’ e critica o ativismo na arte, que considera insuportável.
Uma pedra de cocaína vai se desgastando e assumindo a forma de cabeças, rodas, esferas, cones, corações. Raspada compulsivamente, reduz-se a esculturas minúsculas que são associadas a objetos da intimidade doméstica em cenas fotografadas. Uma moeda, um cristal de rocha, uma nota de dólar, um estilete, um lápis do MoMa, um lenço branco de papel rosado de sangue.
Jac Leirner não gosta de trabalhar com fotografia. "Não me identifico com a linguagem fotográfica", diz. Mas usou uma câmera para registrar três noites brancas em 2010. Três noites de uso da droga, três noites de compulsões, três noites em que o espírito da arte também se manifestou, em estreita conexão com os caminhos e descaminhos da vida.
"A urgência do artista fez com que eu fizesse as esculturinhas. Não era para ser mostrado, era uma necessidade de transformar, mas percebi nas fotos uma força plástica", diz ela, enquanto percorremos as obras expostas nas paredes da Fortes, D'Aloia & Gabriel, em São Paulo. O título da mostra —Adição— é uma dupla referência. Remete diretamente ao processo de dependência química, que afligiu a artista, e a um procedimento da modernidade que ganha contornos particulares em sua trajetória: o acúmulo de objetos ordinários, retirados da vida cotidiana, para a construção de obras de arte.
Em 1982, com 21 anos, Jac expôs "Inacabável (Roda sobre Roda)", trabalho construído pelo empilhamento, em torno de um eixo, de formas circulares de diversos materiais, como vidro, plástico, madeira e feltro —um processo que reapareceu em diversas séries subsequentes, como as antológicas "Os Cem", "Pulmão" e "Nomes", todas da década de 1980.
Na primeira, ela criou obras com formas e significados variados a partir da reunião de notas de 100; em "Pulmão", a matéria-prima foi um conjunto de 1.200 maços de Marlboro; em "Nomes", o ponto de partida são sacolas plásticas subtraídas do território aditivo do consumo —inclusive o de arte.
Na mostra, que pode ser vista em São Paulo até o próximo dia 28, as fotografias —publicadas em sua totalidade num livro— são apresentadas justapostas em peças horizontais, que sugerem pequenas narrativas dramáticas ou cinematográficas, com títulos como "Macbeth", "Oh Yes, Yes" ou "Round Ones". Dispostas em igual sentido, outras obras agrupam, segundo critérios cromáticos, elementos do universo da maconha, como embalagens de papel para enrolar cigarros.
Vistas à distância, essas réguas de madeira que servem de base para as fotografias e os invólucros de seda evocam a representação gráfica de velocidade presente em HQs e desenhos animados —e também a aceleração provocada pelo consumo de cocaína.
Completa a mostra uma instalação feita de sobras de cigarros de maconha, as baganas, perpassadas por fios e obsessivamente ordenadas por tamanho, das menores para as maiores.
"É claro que nesse processo não pude deixar de pensar na experiência de outros artistas", diz Jac. "Como fazer uma escultura de cocaína e não pensar em Hélio Oiticica? Como usar maconha e não pensar em poetas como Baudelaire ou Fernando Pessoa, nos 'Paraísos Artificiais', no 'Opiário', no absinto?".
No mesmo endereço da exposição, na esquina da rua Fradique Coutinho com a Purpurina, na Vila Madalena, funcionou a lendária galeria Camargo Vilaça, fundada em 1992, da qual a Fortes, D' Aloia & Gabriel (que também já foi Fortes Vilaça) é uma espécie de herdeira e continuadora, já com longo e estabelecido percurso próprio.
Marcantônio Vilaça (1962-2000), o fundador da Camargo Vilaça, morreu prematuramente, mas viveu o bastante para ajudar a impulsionar no cenário nacional e internacional a obra de jovens artistas que despontaram a partir dos anos 80, como Beatriz Milhazes, Vik Muniz, Ernesto Neto —e a própria Jac Leirner, que trabalhou com o marchand numa fase em que já havia mostrado trabalhos no exterior.
Nos 26 anos que nos separam da fundação da galeria, muita coisa aconteceu no meio das artes, no Brasil e no exterior. A relativa estabilidade e crescimento econômico do país, progressivamente integrado aos fluxos da globalização, aproximou a cena artística brasileira do circuito internacional, que por sua vez passou por um processo quase que desenfreado de ampliação mercadológica e institucional.
Jac, testemunha desse processo, presenciou um movimento de forte expansão e alta rotatividade de curadores, assistentes e diretores no mundo de museus, galerias, coleções e instituições.
"Hoje as instituições de arte viraram quase que uma peste", afirma. "Todos os multimilionários têm seus museus particulares, por diversos motivos: tributários, financeiros e até mesmo por amor à arte. E está acontecendo uma grande expansão na Ásia, em especial na China, para onde já foram as grandes galerias do Ocidente."
Nos anos 1980, museus e organizações similares, que em geral privilegiavam acervos e exposições de artistas históricos, passaram a acolher de maneira mais ampla a arte contemporânea. "Foi uma novidade", lembra Jac, "mas agora o que está acontecendo é que as instituições estão abrindo seus espaços e suas pernas para o mercado. O mercado está dentro das instituições."
A artista vê na cena atual uma espécie de "grande maçaroca", causada pela diluição de fronteiras e inversão de papéis.
"Feiras algumas vezes exibem arte de ponta, enquanto galerias em certos casos fazem o papel de instituições e mostram obras que aparentemente são invendáveis; fazem também exposições de artistas com trabalhos muito engajados, que parecem ir contra o mercado, mas que acabam finalmente sendo absorvidos, porque o mercado absorve tudo, seja uma nuvem, uma ideia, uma lágrima ou um som", diz Jac.
"É lógico que muitos artistas ficam fora disso. Eles não têm galerias para representá-los em feiras e não entram nesses museus. Ficam no underground, fora do circuito. E temos hoje também essas artes insuportáveis, como arte de rua, arte feminista, arte desse pessoal ativista."
Na onda emergente dos movimentos identitários e da polarização ideológica, a seara cultural, em suas diversas frentes, passou nos últimos anos a conviver com uma proliferação de produções que muitas vezes extraem seu interesse antes de causas e reivindicações do que da imaginação ou da potência da linguagem artística.
"Outro dia me perguntaram se a arte 'resiste'. Eu respondi que ela existe, ela não resiste. Não tem essa de resistência. Esse ativismo é um uso da arte que a denigre e rouba", critica Jac.
"Não é só política, mas todos esses grandes temas, como economia, violência, gênero... São assuntos muito importantes, mais importantes até do que a arte, que devem ser tratados com respeito e conhecimento. Mas não é na arte que isso vai ser resolvido. A arte incorpora tudo isso, mas ela incorpora de forma presencial. Ela apresenta, ela não representa. Ela é a economia, ela é o gênero, ela é a política, não é que ela fale de."
Jac continua: "A arte é tomada de empréstimo para cumprir uma função que, no fundo, não tem. Se transforma em ilustração. Passa a ilustrar esses outros assuntos."
Assuntos que com frequência vêm se impondo em curadorias e exposições em prejuízo de um aprofundamento da poética da arte. "Esses museus e essas grandes mostras estão servindo muitas vezes a essas questões e temas, trazendo grandes públicos interessados neles. Claro que a arte desdobra ideias, desdobra emoções e desdobra história. Mas essa arte como ilustração não desdobra nada, ela apenas ilustra qualquer coisa."
Marcos Augusto Gonçalves é repórter especial da Folha, editor da série de cadernos temáticos "E agora, Brasil?" e autor de "1922 - A Semana que não Terminou". Foi editor da Ilustrada e da Ilustríssima.
julho 15, 2018
Secretário de Cultura fala sobre a polêmica do Parque Lage e é rebatido, Veja Rio
Secretário de Cultura fala sobre a polêmica do Parque Lage e é rebatido
Matéria originalmente publicada na revista Veja Rio em 13 de julho de 2018
Leandro Monteiro questiona destino de recursos e assessoria responde: "De transparência, a associação não tem medo"
Após toda a polêmica dos últimos dias envolvendo a exoneração do economista Fabio Szwarcwald da direção da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV), o secretário estadual de Cultura Leandro Monteiro finalmente se pronunciou sobre o caso. Em entrevista para o jornal O Globo, ele explicou o motivo: aparentemente haveria um conflito de posicionamentos em relação aos recursos obtidos com o aluguel do Parque Lage para eventos privados, que atualmente são revertidos diretamente para a Associação de Amigos da Escola de Artes Visuais (Ameav). “Há um entendimento dos órgãos estaduais de que este procedimento não deve ser feito assim. Estes aluguéis deveriam ser pagos ao Estado, para que depois estes recursos sejam repassados ao Parque Lage”, disse ele ao veículo.
Em uma nota à imprensa, a assessoria do conselho da Ameav explica que os envolvidos emprestam seu tempo, sem qualquer retorno financeiro, para salvar a instituição de um “fim melancólico” a que estaria destinada por conta da crise. “O admirável trabalho de gestão de Fabio Swarcwald à frente da EAV, combinado com a credibilidade e respeitabilidade da administração da AMEAV, permitiu que se arrecadassem doações que permitiram que a EAV voltasse a dar bolsas de estudo, reformasse as cavalariças (que estão como novas), organizasse a mostra Queermuseu no Rio de Janeiro e voltasse a ter o merecido destaque no cenário nacional. É curioso, portanto, que o Secretário de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, com tantos problemas de gestão que há de ter em outras searas, volte seus olhos com cupidez para talvez o único equipamento que poderia ser considerado bem-sucedido em sua gestão, exatamente pelo fato de suas receitas e despesas estarem longe do caixa do Estado. As contas da AMEAV são enviadas de forma detalhada à Secretaria de Cultura, mensalmente, na forma do Acordo de Cooperação. Para que não pairem quaisquer dúvidas, a AMEAV está contratando uma auditoria completa de suas finanças e fará publicar em seu site todas as contas enviadas ao Estado”, afirma. A nota termina dizendo que a associação não teme a transparência.
julho 12, 2018
Diretora indicada desiste de assumir Parque Lage, e Secretaria recua de exoneração, O Globo
Diretora indicada desiste de assumir Parque Lage, e Secretaria recua de exoneração
Matéria originalmente publicada no jornal O Globo em 12 de julho de 2018.
Após repercussão na classe artística, Fabio Szwarcwald segue no cargo
RIO — Após o anúncio da exoneração de Fabio Szwarcwald da direção do Parque Lage, nesta quarta-feira, a diretora indicada pela Secretaria de Cultura, Dinah Guimaraens, anunciou nesta quinta a sua desistência em assumir a função na instituição.
Segundo nota enviada pela Secretaria, a desistência se deu pela impossibilidade de a arquiteta e antropóloga conciliar a direção do Parque Lage com sua condição de funcionária da Universidade Federal Fluminense.
Nesta quinta, o Movimento #342Artes enviou a Leandro Monteiro uma carta manifestando preocupação com o afastamento de Szwarcwald, como noticiou o colunista do GLOBO Ancelmo Gois. A carta lembrava que Szwarcwald foi o responsável, ao lado da empresária Paula Lavigne e de um grupo representativo de artistas, críticos, curadores e pesquisadores, pela campanha de financiamento coletivo que assegurou a realização da exposição “Queermuseu” no Rio, e solicitava o cancelamento da exoneração.
Diante do impasse e da repercussão do caso entre a classe artística, o secretário de Cultura, Leandro Monteiro, anunciou, por meio de nota, a permanência de Szwarcwald à frente da Escola de Artes Visuais.
LEIA MAIS: Fabio Szwarcwald é exonerado da Escola de Artes Visuais do Parque Lage
'Foi uma surpresa total', diz Fabio Szwarcwald, exonerado da EAV do Parque Lage
ENTENDA O CASO
Há um ano e quatro meses à frente da EAV do Parque Lage, Fabio Szwarcwald foi informado nesta quarta por sua secretária que sua exoneração havia sido publicada no Diário Oficial. Segundo o secretário de Cultura, Leandro Monteiro, a decisão se deu por "motivos administrativos". Szwarcwald disse ter sido pego de surpresa, sem ter sido procurado anteriormente por Monteiro ou pelo deputado estadual André Lazaroni (MDB), antigo secretário de Cultura, que o indicou para a direção do Parque Lage.
— Não tenho ideia do motivo, uma vez que a Secretaria acompanhava de perto o trabalho e apoiava a gestão do Parque Lage e a realização da exposição ("Queermuseu"). Saí do mercado financeiro para ganhar um décimo do que ganhava por entender que poderia dar uma contribuição à cidade. Fiz muito além do que me foi pedido. Em um ano e quatro meses conseguimos transformar o Parque Lage em uma referência em gestão, sem precisar recorrer apenas à dotação econômica do Estado, em um momento de crise nas finanças — afirmou Szwarcwald ao GLOBO nesta quarta-feira.
LEIA MAIS: Análise: Afinal, o que é a exposição 'Queermuseu'?
Financiamento coletivo para a montagem de 'Queermuseu' permite também melhorias do Parque Lage
A pouco mais de um mês da abertura da "Queermuseu" na EAV, a mudança na direção da instituição lançou dúvidas sobre a realização da exposição, que tem abertura prevista para 18 de agosto. Cancelada no Santander Cultural, em Porto Alegre (RS), em setembro do ano passado, e proibida pelo prefeito do Rio, Marcelo Crivella, de ser remontada no Museu de Arte do Rio (MAR), a mostra foi viabilizada na EAV por meio de uma campanha recorde de financiamento coletivo, que arrecadou R$ 1,08 milhão, com doações realizadas por 1.677 colaboradores, vendas de obras doadas por 70 artistas e ingressos para show de Caetano Veloso.
— Já estamos com o calendário de coleta das obras fechado, temos toda uma agenda com os convidados que participarão do ciclo de palestras, não dá para mudar nada na logística a esta altura. Seria uma volta à estaca zero. Se o catálogo não for para a gráfica na próxima segunda-feira, ele não ficará pronto a tempo da abertura — destacou nesta quarta Gaundêncio Fidélis, curador da 'Queermuseu'.
LEIA TAMBÉM: Parque Lage dá a volta por cima e volta a conceder bolsas
Lisette Lagnado deixa a curadoria da Escola de Artes Visuais do Parque Lage
Contudo, tanto o secretário Leandro Monteiro quanto o deputado André Lazaroni garantiram a realização da mostra no prazo estipulado.
— A exposição foi planejada na época em que eu era secretário. Sofri pressão, sim, de políticos evangélicos. Mas nunca foi cogitado cancelá-la, assim como está fora de cogitação cancelá-la agora — afirmou na quarta Lazaroni.
A mudança na direção da EAV repercutiu na classe artística, e muitos nomes que colaboraram com o leilão beneficente para a "Queermuseu" manifestaram sua surpresa diante da decisão.
— Foi uma enorme surpresa esta substituição súbita, fico muito desconfiado. Não posso avaliar o trabalho da Dinah, que nem conheço, assim como suas propostas. Mas a EAV é um patrimônio cultural da sociedade carioca, e precisamos pensar como gerir um lugar tão importante. Acho que, para não dependermos de governos que mudam de quatro em quatro anos, o diretor da escola deveria ser escolhido por um conselho formado por artistas. Se não, ficamos à mercê de um secretário que nem o aval da classe artística tem — comentou o artista plástico Ernesto Neto.
Na carta encaminhada pelo Movimento #342Artes a Leandro Monteiro, artistas ressaltavam "alarme" e "indisposição" com a substituição do cargo, "tão estratégico para cultura e educação, sem qualquer debate prévio, aberto e transparente, com os diversos segmentos e agentes das artes e das culturas". No documento, também manifestavam preocupação com o destino da "Queermuseu".
"O valor arrecadado para 'Queermuseu' só poderá ser, de fato e de direito, destinado ao projeto global esmiuçado no processo de captação, com a Associação de Amigos da EAV responsável não apenas pela execução orçamentária, como também pela prestação de contas transparente e pública, realizada no fim do processo. O dinheiro, que foi doado por várias frentes da iniciativa privada, tinha este destino nominado e específico", ressalta um trechos da carta.
Com a desistência de Dinah Guimaraens em assumir a função, o secretário decidiu voltar atrás e reconduzir Szwarcwald à direção da EAV nesta quinta-feira.
LEIA ABAIXO A NOTA DA SEC NA ÍNTEGRA
"Após inúmeras manifestações favoráveis vindas principalmente da classe artística, e da recusa momentânea da Sra Dinah Guimaraens, o secretário de cultura do Estado Leandro Monteiro optou por reconsiderar o ato de exoneração do Sr. Fabio do cargo de diretor do Parque Lage.
'Infelizmente não poderei aceitar a indicação por parte da secretaria de cultura para o cargo por ser funcionária pública federal com dedicação exclusiva à universidade federal fluminense. Agradeço tal indicação e espero colaborar com a secretaria em outros projetos culturais futuros' — Dinah Guimaraens
'Fiquei honrado com as manifestações favoráveis e agradeço a reconsideração do secretário Leandro Monteiro, que vem fazendo uma bela gestão. Agora é tocar o 'Queermuseu' que está confirmado para o mês que vem e olhar para frente. Só tenho a agradecer' — Fabio Szwarcwlad."
Fabio Szwarcwald é exonerado da Escola de Artes Visuais do Parque Lage por Paula Autran e Nelson Gobbi, O Globo
Fabio Szwarcwald é exonerado da Escola de Artes Visuais do Parque Lage
Matéria de Paula Autran e Nelson Gobbi originalmente publicada no jornal O Globo em 11 de julho de 2018.
Em seu lugar, assume a arquiteta Dinah Guimaraens. A mostra 'Queermuseu' está mantida, segundo secretário estadual de Cultura
RIO — O diretor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Fabio Szwarcwald, foi exonerado do cargo nesta quarta-feira. Colecionador de arte contemporânea e atuante no mercado financeiro, Szwarcwald foi escolhido para assumir o cargo pelo então secretário estadual de Cultura, André Lazaroni, em março de 2017.
Em seu lugar, de acordo com o Diário Oficial do Estado do Rio, assume Dinah Guimaraens, que é arquiteta e urbanista. Técnica em museus desde 1983, Dinah é ex-vice-diretora do Museu Nacional de Belas Artes do Rio e foi arquiteta e antropóloga do Instituto Nacional do Folclore — Museu Edison Carneiro.
LEIA MAIS: Diretora indicada desiste de assumir Parque Lage, e Secretaria recua de exoneração
'Foi uma surpresa total', diz Fabio Szwarcwald sobre exoneração
Segundo o secretário de Cultura, Leandro Monteiro, a exoneração foi por “motivos administrativos”. Ele garante que a exposição “Queermuseu”, marcada para 18 de agosto, está mantida. Após ser censurada em Porto Alegre, a mostra foi vetada no Museu de Arte do Rio (MAR) pelo prefeito Marcelo Crivella, no ano passado, e acabou custeada por uma campanha de financiamento coletivo recorde para acontecer no Parque Lage. Com arrecadação de R$ 1,08 milhão, a campanha teve também doações realizadas por 1.677 colaboradores, vendas de obras doadas por 70 artistas e ingressos para show de Caetano Veloso.
LEIA MAIS: Análise: Afinal, o que é a exposição 'Queermuseu'?
Financiamento coletivo para a montagem de 'Queermuseu' permite também melhorias do Parque Lage
— A gente lutou muito para trazer a “Queer”. Isso começou quando eu ainda era subsecretário do Lazaroni. Foi ele quem me pediu para ligar para o Fábio e começar esta movimentação para trazê-la — diz Monteiro.
— A exposição foi planejada na época em que eu era secretário. Sofri pressão, sim, de políticos evangélicos. Mas nunca foi cogitado cancelá-la, assim como está fora de cogitação cancelá-la agora — acrescenta o deputado André Lazaroni (MDB).
Ainda que o secretário de Cultura garanta a montagem da “Queermuseu” no prazo, tanto o ex-diretor da EAV quanto Gaudêncio Fidélis, curador da exposição, têm dúvidas sobre a sua realização neste contexto. Fidélis, que afirma não ter sido procurado por ninguém da Secretaria, teme que a etapa final da produção seja prejudicada com a mudança.
— A exposição já passou por muitas coisas neste caminho, mas eu realmente não imaginava que uma mudança desta grandiosidade pudesse acontecer a quase um mês do seu início — destaca o curador. — Já estamos com o calendário de coleta das obras fechado, temos toda uma agenda com os convidados que participarão do ciclo de palestras, não dá para mudar nada na logística a esta altura. Seria uma volta à estaca zero. Se o catálogo não for para a gráfica na próxima segunda-feira, ele não ficará pronto a tempo da abertura.
LEIA TAMBÉM: Parque Lage dá a volta por cima e volta a conceder bolsas
Lisette Lagnado deixa a curadoria da Escola de Artes Visuais do Parque Lage
Para Fidélis, caso a mudança inviabilize a montagem, será um novo episódio de censura à “Queermuseu”:
— Há várias maneiras de se fazer censura, pode ser explícita como o Santander Cultural fez em Porto Alegre ou como a proibição do Crivella para a montagem da mostra no MAR. Me recuso a acreditar que a Secretaria de Cultura pudesse fazer algo para inviabilizar a exposição, até porque há uma responsabilidade não só com o dinheiro do contribuinte quanto de quem participou da campanha. Mas caso algo aconteça, com o histórico da mostra, certamente seria um novo episódio de censura.
DINAH GUIMARAENS NÃO RETORNOU PEDIDO DE ENTREVISTA
Graduada pela Universidade Santa Úrsula, com mestrado em Antropologia Social e em História Antiga e Medieval, além de doutorado e pós-doutorado em Antropologia, Dinah publicou, com Lauro Cavalcanti, "Arquitetura Kitsch Suburbana e Rural" (1979, 2006) e "Arquitetura de Motéis Cariocas: Espaço e Organização Social" (1980, 2007). Também organizou os livros "Estética Transcultural na Universidade Latino-Americana" (2016) e "Museu de Artes e Origens: Mapa das Culturas Vivas Guaranis" (2003).
Procurada pela reportagem, ela não retornou os pedidos de entrevista. (colaborou Berenice Seara, do "Extra")
'Foi uma surpresa total', diz Fabio Szwarcwald, exonerado da EAV do Parque Lage por Nelson Gobbi, O Globo
'Foi uma surpresa total', diz Fabio Szwarcwald, exonerado da EAV do Parque Lage
Matéria de Nelson Gobbi originalmente publicada no jornal O Globo em 11 de julho de 2018
Ex-diretor da escola disse que soube da demissão por uma de suas funcionárias
RIO — A exoneração da direção da Escola de Artes Visuais do Parque Lage pegou Fabio Szwarcwald de surpresa. Ele soube da demissão por sua secretária, que leu a decisão publicada no Diário Oficial do Estado do Rio desta quarta-feira.
LEIA MAIS: Diretora indicada desiste de assumir Parque Lage, e Secretaria recua de exoneração
Arquiteta Dinah Guimaraes assume direção da EAV no lugar de Szwarcwald
— Não recebi nenhuma comunicação do Leandro ou do Lazaroni, foi uma surpresa total, ainda mais a quase um mês da abertura da exposição ("Queermuseu", cancelada em Porto Alegre e custeada, no Rio, após campanha de financiamento coletivo) — comenta Szwarcwald. — Não tenho ideia do motivo, uma vez que a Secretaria acompanhava de perto o trabalho e apoiava a gestão do Parque Lage e a realização da exposição. Saí do mercado financeiro para ganhar um décimo do que ganhava por entender que poderia dar uma contribuição à cidade. Fiz muito além do que me foi pedido. Em um ano e quatro meses conseguimos transformar o Parque Lage em uma referência em gestão, sem precisar recorrer apenas à dotação econômica do Estado, em um momento de crise nas finanças.
LEIA MAIS: Análise: Afinal, o que é a exposição 'Queermuseu'?
Financiamento coletivo para a montagem de 'Queermuseu' permite também melhorias do Parque Lage
O ex-diretor da instituição garante sempre ter mantido bom trânsito com o atual e o antigo secretário, e não imagina que a decisão possa passar por algum incômodo em relação à projeção que a realização da exposição no Parque Lage possa ter lhe trazido:
— Sendo franco, minha atuação estava focada em criar um modelo de gestão para o Parque Lage. Nos últimos meses estava trabalhando dez horas por dia para resolver questões relacionadas à “Queer” e à EAV, temos uma série de outros projetos aqui dentro. E nunca deixamos de destacar o papel da Secretaria dentro deste processo. Se houve algum incômodo pela minha atuação, isso nunca me foi passado.
MANIFESTAÇÕES DE APOIO
Durante as horas em que recebeu O GLOBO no Parque Lage, nesta quarta-feira, Fabio Szwarcwald recebeu ligações e manifestações de apoio de conselheiros da instituição e de artistas. Um deles, Ernesto Neto, foi um dos que doaram obras para a realização da “Queermuseu”, em março deste ano:
— Foi uma enorme surpresa esta substituição súbita, fico muito desconfiado. Não posso avaliar o trabalho da Dinah, que nem conheço, assim como suas propostas. Mas a EAV é um patrimônio cultural da sociedade carioca, e precisamos pensar como gerir um lugar tão importante. Acho que, para não dependermos de governos que mudam de quatro em quatro anos, o diretor da escola deveria ser escolhido por um conselho formado por artistas. Se não, ficamos à mercê de um secretário que nem o aval da classe artística tem.
A reportagem solicitou entrevista com Dinah Guimaraens, mas não obteve retorno.
julho 9, 2018
Pinacoteca vai além dos muros para incluir moradores de rua por Thiago Amâncio, Folha de S. Paulo
Pinacoteca vai além dos muros para incluir moradores de rua
Matéria de Thiago Amâncio originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 8 de julho de 2018.
Museu de SP faz oficinas de arte e distribui ingressos à população do entorno
Do lado de dentro da Estação Pinacoteca, no centro de São Paulo, a exposição "Emannuel Nassar: 81-18" fazia uma retrospectiva da obra do artista plástico paraense e reunia numa tarde de junho de admiradores do pintor até excursões de estudantes mais interessados em um dia fora da escola que nas obras de arte.
Do lado de fora, moradores de rua limpavam a calçada e cuidavam das cerca de dez barracas erguidas sob a marquise do museu, que fica a 300 metros da cracolândia, local de uso e venda livre de drogas no centro da cidade, que vem sendo palco de ofensiva da PM e da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo.
Virgílio Dagoberto Rosa, 18 de seus 49 anos na rua, conta que já dormiu muito naquela calçada de onde no passado funcionava o Dops, equipamento de repressão da ditadura militar. "Eu pensava em entrar para conhecer, porque eu sou curioso, gosto de conhecer as coisas. Mas só passava na minha mente", conta ele.
Hoje, continua frequentando o local. Mas da porta para dentro. "Aí cumpri o desejo do meu coração e conheci."
Ele participa do Extramuros, uma ação educativa da Pinacoteca que realiza oficinas de produção artística com moradores de rua e os leva para dentro do museu.
O mesmo pensava Ernande José dos Santos, 54, na rua desde que deixou a prisão em 2012. "Olhava [a Pinacoteca] com outros olhos, com interesse de pedir dinheiro", diz. "E ficava reparando naquele lustre bonito", afirma, sobre uma peça na entrada do prédio principal da instituição, em frente à estação da Luz.
O Extramuros acontece há 11 anos e leva para o museu pessoas que não costumam frequentar esses espaços. Além das atividades guiadas, há também a distribuição de entradas para que a população de rua possa entrar no espaço quando quiser.
"Muitas vezes o público fica incomodado, mas visibilidade é o primeiro passo para dignidade humana, introduzir essas pessoas sistematicamente no museu dando-lhes voz", diz Mila Chiovatto, do núcleo educativo da Pinacoteca.
"Nos museus que eu já fui visitar tinha banheiro para usar, exposições e esculturas para olhar e muitas informações a respeito de muitos assuntos, e água para beber (...)", escreveu Tamara Gomes da Silva em um poema feito em uma oficina de texto em 2013.
Quem destaca o texto é Chiovatto. "Veja como eles percebem o museu. É um espaço com obras de arte, mas também com disponibilidade de água e banheiro", diz. Ela recorda-se também um debate sobre cidade feito com o público, em que um dos temas discutidos foi onde havia bons lugares para dormir.
"A proposta não é só trazê-los para ver a grande, boa e bela arte, mas também dar voz, dignidade e autoestima", diz.
É aí que entram as oficinas, coordenadas pelo artista e educador Augusto Sampaio, com moradores de rua na Casa de Oração do Povo da Rua e com idosos no lar de internação Sítio das Alamedas. De 15 a 20 pessoas frequentam as atividades semanais.
Já fizeram xilogravuras e estampas em tecidos e expuseram na Pinacoteca, em praças e no interior de SP. Neste ano, pediram que a produção fosse divulgada nas ruas que conhecem bem. Por isso, trabalham com cartazes e colagens.
Virgílio mostra à reportagem dois desses trabalhos: um representa o centro de SP. Outro, um carro, com o título "Eu Virgílio para casa".
Ele vive na rua desde que se viciou em crack após o fim de seu casamento, há 18 anos, e sonha em voltar para os filhos. Está há seis meses sem a droga. "Tô sem meus remédios, tenho que voltar a fazer o tratamento. Hoje tô com vontade de usar, sim. Mas tô me segurando", confessa.
Ernande mostra três cartazes. Um traz uma tartaruga, com o título "Devagar". Outro, uma balança, com um coração e um explosivo, representa a Justiça. O terceiro, uma máscara usada pelo assassino do filme "Pânico". Ele passou a maior parte da vida na cadeia, onde aprendeu o trabalho manual: fazia crochê com linha de blusa de lã desmanchada e agulha improvisada com escova de dente raspada. Com a costura que pretende sair da rua —vende um boné de crochê a R$ 50.
Ainda é dependente de crack, mas diz que a oficina é fundamental para que reduza o uso. "Isso aqui tem me tirado um pouco da minha drogadição. Na minha sobriedade, eu consigo fazer artesanato com as mãos. Se eu tiver bêbado ou drogado, já não faço."
A motivação é citada por diferentes artistas com quem a reportagem conversou.
"A elaboração do trabalho plástico é intrinsecamente terapêutica", diz Sampaio. "Nós não temos um objetivo terapêutico, não é um trabalho de arteterapia, de ocupação de tempo com uma tarefa artesanal, mas as consequências são as mais insuspeitadas".
"Você se dispor a pensar linguagem a partir da sua percepção, da sua história, do seu conhecimento, é algo que não tem contraindicação, só faz bem. E proporciona coisas inusitadas", conclui.
Os grafites de São Paulo inspiram a obra de Hugo Ramos, 57. Os cartazes têm tons escuros de azul e roxo, e mostram a noite e o mar. De Florianópolis e surfista, morou 25 anos na Europa, fabricando pranchas.
Está nas ruas desde que foi deportado, em 2012. Pretende fazer dinheiro com estampas de roupas após fazer uma oficina no Senai —já estudou também marcenaria.
Intitulou um trabalho como "Luar", "já aconteceu muito comigo de dormir debaixo de árvore, vendo a lua", diz, e chama outro, mais abstrato, de "Fragmentos": "São os fragmentos da minha vida, os pedaços que devem estar por aí".
julho 4, 2018
Na contramão de ritmo voraz do cotidiano, obras de Bill Viola valorizam instantes por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Na contramão de ritmo voraz do cotidiano, obras de Bill Viola valorizam instantes
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 29 de abril de 2018.
Mostra inaugural do Sesc Avenida Paulista reúne 12 trabalhos recentes do artista pioneiro da videoarte
Há pelo menos duas décadas, o pioneiro da videoarte Bill Viola, 67, vem desacelerando o tempo em suas obras. Enquanto o padrão da vida cotidiana é cada vez mais ditado pelo ritmo voraz e inebriante da velocidade da tecnologia, os trabalhos do budista confesso apontam como cada instante conta e merece atenção.
É com Viola que o Sesc Avenida Paulista inaugura sua nova unidade, uma mostra que apresenta 12 trabalhos recentes do artista, criados a partir do ano 2000, desde “O Quinteto dos Silenciosos” até um de seus trabalhos mais recentes, a instalação “Mártires”, uma das duas peças vistas de forma permanente na catedral de St Paul, em Londres.
"Mártires”, de 2014, no Sesc, é vista no que Kira Perov, mulher de Viola e curadora da mostra com Juliana Braga de Mattos e Sandra Leibovici, chama de “estudo”, uma versão menor da videoinstalação, mas não menos impactante.
Nela, quatro pessoas passam por algum tipo de provação, seja uma tempestade de vento, seja uma violenta enxurrada. São os tempos das adversidades, que parecem se espalhar em todas as partes do mundo. Como nas demais obras da exposição, o tempo desacelerado serve de elemento dramático, em uma coreografia precisa de corpos lentos, ao mesmo tempo em que funciona como elemento detonador de reflexão.
É exatamente essa a estratégia que se vê no díptico “Homem em Busca de Imortalidade/Mulher em Busca de Eternidade”, projeções de duas pessoas idosas nuas, que se investigam com fachos de luz de faroletes, observando a passagem do tempo no próprio corpo. Projetadas em granito preto, como se fossem lápides, as imagens apontam para o fim inevitável de toda vida, uma ironia ao nome da obra.
A obra mais impactante da exposição, no entanto, é “Nascimento Invertido” (2014), pela dimensão que ocupa quase todo o pé-direito duplo do andar. Nela, um homem submete-se a correntes de distintos líquidos, de leite a um óleo escuro e viscoso como petróleo.
Mas a mostra não contém apenas infortúnios.
Em “Capelas de Ações Frustradas e Gestos fúteis” e “Estudo para o Caminho” ações se repetem de forma infinita, como as pessoas que atravessam a floresta na segunda obra, como a indicar que intempéries fazem parte de qualquer caminho. O importante é seguir adiante, sugere o artista, otimismo mais que necessário nos dias de hoje.
Bill Viola - Visões do tempo, Sesc Avenida Paulista, São Paulo, SP - 01/05/2018 a 09/09/2018