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maio 30, 2018
Itaú Cultural distribui R$ 15,5 milhões entre 109 projetos no Rumos 2018 por Alessandro Giannini, O Globo
Itaú Cultural distribui R$ 15,5 milhões entre 109 projetos no Rumos 2018
Matéria de Alessandro Giannini originalmente publicada no jornal O Globo em 28 de maio de 2018.
Pela primeira vez, todos os estados tiveram propostas contempladas
SÃO PAULO — O Itaú Cultural anunciou nesta segunda-feira o resultado do Projeto Rumos 2017-2018, edital de fomento à cultura da instituição, que este ano vai distribuir R$ 15.550.000 entre 109 projetos selecionados. De acordo com os organizadores, foram contabilizadas 12.616 inscrições de todos os estados da União e do Distrito Federal.
— É um pequeno aumento no valor distribuído em relação ao ano passado — disse o diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron, fazendo referência ao valor distribuído pelo edital em 2017, R$ 15 milhões.
De acordo com os organizadores, é a primeira vez que todos os estados foram contemplados no resultado. Outra novidade é a inversão na concentração de projetos por região. Proporcionalmente, Norte e Nordeste tiveram mais aprovações em relação aos inscritos do que nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
— Esse é o resultado de um trabalho que começamos a fazer identificando onde havia menos inscrições e fazendo uma escuta maior nos estados através de emissários do projeto Rumos -- explicou Saron.
Também no plano temático foram apontadas algumas tendências. Há um aumento no número de projetos que abordam temas como a negritude, LGBTQIA+, questões indígenas e a mulher.
Dois projetos tiveram orçamento mais barato, recebendo cerca de R$ 12 mil cada um: "Literatura a Caminho" e "Acervo Digital do Serviluz". O primeiro, de Aldenor da Silva Pimentel, de Boa Vista, busca promover encontros entre escritores locais e estudantes do ensino médio para incentivar a leitura e o gosto pela literatura. O segundo, de Priscilla Alves de Sousa, de Fortaleza, tem como proposta reunir a memória de Serviluz, bairro popular que enfrenta uma forte especulação imobiliária na capital cearense.
O orçamento mais alto de todos é de R$ 362 mil: "Memórias afro-atlânticas: As gravações de Lorenzo Turner na Bahia (1940-1941)". Proposto por Cassio Leonardo Nobre de Souza Lima, o projeto tem como objetivo divulgar os acervos sonoros inéditos de pesquisas sobre a musicalidade e a diversidade no candomblé da Bahia realizadas entre 1940-1941 pelo linguista negro norte-americano Lorenzo Dow Turner.
maio 13, 2018
Ache um bilionário para chamar de seu, ensinam banqueiros a galeristas por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Ache um bilionário para chamar de seu, ensinam banqueiros a galeristas
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 4 de maio de 2018.
Maior parte do dinheiro emprestado com obras de arte como garantia foi para colecionadores
“Encontre um bilionário para chamar de seu, um bilionário querendo se sentir jovem e cool.” Quem dizia isso não era um consultor de aspirantes a socialite, mas um banqueiro falando para uma plateia de galeristas estudiosos que lotaram um salão de baile do Upper East Side nova-iorquino para tentar entender números do mercado de arte.
No encontro organizado pela Tefaf, a feira holandesa que duas vezes por ano invade Nova York com suntuosos arranjos de tulipas e obras de milhões e milhões de dólares, economistas explicavam como quase todo o dinheiro emprestado no mundo que tem obras de arte como garantia foi parar no bolso dos colecionadores e não das galerias.
Dos cerca de R$ 71 bilhões em empréstimos ao mundo da arte no ano passado, R$ 60 bilhões foram para colecionadores que deram algumas obras de arte ou seus acervos inteiros como garantia do negócio.
Isso quer dizer que galerias ainda são vistas pelos bancos como negócios arriscados e sem planejamento, refletindo as práticas históricas desse meio que preza segredos e despreza transparência.
“Galeristas precisam parar de pensar nesse negócio como faziam no século 19, em que uma venda se dava num aperto de mão”, dizia Evan Beard, executivo do Bank of America, responsável por empréstimos a colecionadores. “Vocês precisam se ver mais como empresas de verdade, com uma estrutura financeira e planos reais de negócios.”
Ele explica que o motivo pelo qual o dinheiro está concentrado nas mãos dos colecionadores é que eles lidam melhor com os bancos e têm outros investimentos além de seus acervos, mas que é cada vez mais comum usar obras de arte para bancar suas aventuras financeiras extravagantes.
“Um dos meus clientes queria comprar o passe de uma estrela do basquete”, diz Beard. “Então você vai ver nas quadras da NBA um cara que recebe um salário só porque alguém tem uns Picassos guardados em algum lugar por aí.”
Enquanto poucos galeristas –e 90% desses vivem e trabalham nos Estados Unidos, o maior mercado de arte do mundo– conseguem convencer os bancos a entrarem nesse tipo de negociação, a situação vem se transformando.
“Galerias de arte são as novas boates e restaurantes badalados”, diz Tim Schneider, que mediava o debate. “É o novo jeito de ser reconhecido.”
Na visão dele, e de outros especialistas, galeristas sem traquejo no mercado financeiro vão precisar zerar o atrito entre o mundo opaco e colorido dos ateliês e o mundo preto no branco das finanças se quiserem sobreviver em economias cada vez mais imprevisíveis.
Daí a ideia de encontrar um bilionário para chamar de seu. “Essa é a melhor coisa que um jovem galerista pode fazer, achar um parceiro para bancar a operação e dar mais peso para a coisa”, diz Beard. “Todas as galerias do Upper East Side fizeram isso. Esses bilionários adoram os coquetéis e adoram saber do último pintor barroco que virou moda.”
Mas o affair com as finanças também implica abrir o jogo. Bancos, na visão desses especialistas, vão querer saber cada vez mais sobre a origem e autenticidade das obras, o que vai exigir total transparência das galerias que ainda não deixaram o que veem como escuridão do modelo passadista que ainda rege esse mundo.
Um exemplo dessa tendência são as medidas contra lavagem de dinheiro no mercado da arte recém-adotadas na União Europeia, um modelo que legisladores americanos também já vêm estudando.
“É muito difícil convencer um banco que uma obra de arte que não existe ou que desaparece com o tempo tem algum valor”, diz Beard. “Mas já estamos chegando lá no mundo financeiro. Já investimos em ideias e conceitos, porque sabemos que é a influência de uma obra que determina o seu valor na praça.”
maio 8, 2018
Feiras de arte refletem aquecimento do mercado latino-americano por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Feiras de arte refletem aquecimento do mercado latino-americano
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 7 de maio de 2018
Eventos aconteceram sob calor atípico em Nova York
Nas mãos dos colecionadores, qualquer pedacinho de papel virava um leque improvisado, enquanto o lounge dos VIPs se enchia de galeristas alegres com as vendas do momento buscando refresco em taças de vinho rosé.
Nunca pareceu tão tropical a ilha de Randalls, uma tripa de terra no meio do rio East, em Nova York, onde a feira Frieze monta uma série de tendas brancas cheias de arte contemporânea para seduzir os compradores mais influentes da maior cidade americana.
“Esse calor atrapalhou um pouco”, dizia Pedro Mendes, um dos donos da galeria paulistana Mendes Wood DM, fritando sob o teto de plástico do evento. “Mas a energia foi boa.”
Energia, no caso, que se traduz em dólares. Nas primeiras horas da Frieze, que encabeçou uma lista de outras feiras espalhadas por toda Nova York ao longo da semana passada, a sua galeria já tinha vendido algumas peças da artista Patrícia Leite e arrancado elogios rasgados de críticos.
Talvez fosse só essa primavera de calor atípico —termômetros em Manhattan marcaram até 33ºC— falando, mas todos os olhos da ilha de Randalls e do Upper East Side, o bairro favorito dos colecionadores, pareciam grudados nos nomes latino-americanos.
E o fato de o MoMA realizar agora uma retrospectiva da modernista Tarsila do Amaral e o Museu do Brooklyn exibir “Mulheres Radicais”, mostra só de artistas mulheres da América Latina que chega em agosto à Pinacoteca paulistana, só turbina a sensação de euforia nesse mercado.
Muitas galerias da feira surfaram na onda dessa última mostra, entre elas a americana Lelong, que representava ali as cubanas Ana Mendieta e Zilia Sánchez, e a suíça Peter Kilchmann, com pinturas da colombiana Beatriz González.
Essa também foi a deixa, aliás, para que alguns dos galeristas por ali arriscassem nomes de fora do cânone, como a galeria Marilia Razuk, de São Paulo, que levou obras do artista naïf Mestre Didi à Frieze, e a aposta da Fortes, D’Aloia & Gabriel, também paulistana, em Ivens Machado, um artista morto há três anos não muito conhecido no cenário global.
“Neste ano todos nós sentimos uma recuperação boa, mas não são fogos de artifício”, dizia a galerista Marcia Fortes. “Não é um momento de ‘hype’ vazio, é um momento de fazer o que você sabe fazer.”
Nesse sentido, Fortes lembra que Machado, “um artista que teve uma vida institucional enorme, mas que morreu sem poder pagar sua conta de luz”, pode ser um nome no valor certo para colecionadores atrás de obras-primas ainda longe de preços exorbitantes.
Mas quem não se espantava com os cifrões tinha todo um universo deles para explorar na Tefaf, feira rival que recria em pleno Upper East Side corredores acarpetados e arranjos de tulipas suspensos do teto de sua matriz na cidadezinha holandesa de Maastricht.
“É uma feira que vende obras raras, com preços mais altos mesmo”, dizia Antônia Bergamin, dona de metade da paulistana Bergamin & Gomide. “Está cheia de pequenos achados, de joias e raridades.”
Entre as tais raridades, um quadro de Tarsila da década de 1920, à venda ali pelo equivalente a R$ 12,3 milhões, um pequeno “Bicho”, escultura de metal articulado criada por Lygia Clark, com etiqueta de R$ 4,8 milhões, e um delicado relevo de madeira de Sergio Camargo, por R$ 2,5 milhões.
Mas os verdadeiros trabalhos arrasa-quarteirão desse concretista, morto aos 60, em 1990, estavam ali ao lado na nova-iorquina Sean Kelly, galeria que aproveitou para abrir em seu espaço no Chelsea a primeira mostra individual do artista nos Estados Unidos em paralelo às feiras.
Lá estava um grande relevo de madeira, as famosas composições lembrando florestas de toquinhos que ele plantava sobre a superfície da tela, à venda por R$ 7,7 milhões, valor idêntico a seu recorde em leilão, mas que passaria fácil dessa marca caso os toquinhos ali fossem bem menores.
“O mercado tem essas regras esquisitérrimas. Quanto menor o toquinho, mais alto o valor”, dizia Jones Bergamin, dono da Bolsa de Arte, a maior casa de leilões do Brasil, durante passeio pela Tefaf. “Mas ninguém pediria menos por uma obra desse quilate.”
Kelly, o galerista americano, concordava. “Os preços de Sergio Camargo estão se fortalecendo muito bem, mas ele ainda não está no nível de um artista americano da mesma importância que ele tem”, dizia ele. “Há muito espaço para uma valorização da sua obra.” A uruguaia Sur tinha obras de Volpi e de Oiticica —de R$ 400 mil a R$ 3,5 milhões.
O mobiliário moderno brasileiro também parece passar por essa inflação. Na Nilufar, uma galeria de Milão, uma cadeira de Joaquim Tenreiro custava quase R$ 1,5 milhão, um dos carrinhos de bebidas de Jorge Zalszupin passava de R$ 500 mil e uma banqueta de Lina Bo Bardi valia R$ 165 mil.
Fora das feiras, o mercado reflete essa ebulição. A galeria Kurimanzutto, uma das maiores do México, seguiu o embalo e abriu uma sede em Manhattan, quase vizinha da filial nova-iorquina da Mendes Wood DM, poucas quadras ao sul do espaço da também paulistana Nara Roesler por aqui.
Na abertura da casa mexicana, colecionadores e curadores combatiam o calor tomando drinques coloridos enquanto desviavam das obras penduradas do teto pelo artista Abraham Cruzvillegas, uma explosão de objetos rosa-choque no fervo primaveril.
OUTRAS FEIRAS DE PRIMAVERA NA CIDADE
O Pioneer Works, galpão que abriga ateliês de artistas no Brooklyn, recebe o 1-54, evento especializado em arte contempo-rânea africana.
Também no Brooklyn, a The Other Art Fair reúne artistas vendendo seus próprios trabalhos, e a Moniker se dedica à arte de rua.
No Lower East Side, a Fridge Art Fair ainda faz uma seleção de artistas emergentes com preços mais em conta que os medalhões da Frieze.
Do brega ao gospel, Bárbara Wagner investiga as relações entre a cultura popular e os corpos por Nelson Gobbi, O Globo
Do brega ao gospel, Bárbara Wagner investiga as relações entre a cultura popular e os corpos
Matéria de Nelson Gobbi originalmente publicada no jornal O Globo em 7 de maio de 2018.
Com duas mostras no Rio, vencedora do Pipa desenvolve residência artística em Toronto
O ritmo pode ser o frevo, o funk ostentação, o brega pernambucano ou o gospel. Mas o olhar de Bárbara Wagner mantém-se firme nas relações entre a produção cultural e o corpo, que norteiam sua pesquisa artística em meios como a fotografia, o audiovisual ou a videoarte. Vencedora do Prêmio Pipa 2018, a brasiliense radicada no Recife vem chamando a atenção da crítica, do público e do mercado com imagens que desvendam universos desconhecidos da maioria do público — ao menos na densidade que suas obras apontam.
O público carioca pode conferir alguns exemplos desta abordagem em duas exposições. Em cartaz até 22 de julho no Instituto Moreira Salles, a coletiva “Corpo a corpo” traz a série fotográfica “À procura do 5º elemento” (2016), na qual Bárbara acompanhou os bastidores da indústria do videoclipes de funk de São Paulo e Recife, e “Terremoto santo”, (2017) curta realizado em parceria com o alemão Benjamin de Burca, que registra a performance de jovens cantores de música evangélica. Já a Escola de Artes Visuais do Parque Lage exibe, até 27 de maio, o curta “Estás vendo coisas”, também em parceria com Benjamin, sobre o universo do brega na capital pernambucana.
— Foi o brega que me levou ao gospel, ainda que para a maioria das pessoas os dois não tenham nenhuma relação. São dois gêneros independentes, que cresceram à margem do mercado, e mobilizam um número enorme de jovens por todo o país — compara Bárbara. — Ainda que sejam produções culturais igualmente periféricas, sinto que há um incômodo maior do público em relação ao universo evangélico. A ascensão social do gospel é muito parecida com a do funk ostentação, outro gênero com que trabalhei.
Atualmente, Bárbara está em Toronto, em uma residência artística de três meses, associada ao Prêmio Pipa, desenvolvendo uma pesquisa junto a grupos de poetas de spoken words formados na periferia da cidade por descendentes de imigrantes caribenhos e de países africanos. Novamente na companhia de Benjamin de Burca, a brasiliense documenta como a poesia, por vezes mesclada ao hip hop, se torna elemento de integração em uma vizinhança antes turbulenta. O resultado será um curta, que será exibido em julho no Front International, a primeira edição da Trienal de Cleveland, nos EUA.
— É um fenômeno cultural que acontece em um bairro periférico chamado Scarborough, que reúne a primeira geração de canadenses filhos de imigrantes caribenhos e africanos, que chegaram ao país na década de 1990 — conta Bárbara. — Estes conjuntos habitacionais ficaram marcados brigas entre grupos rivais, já que a convivência entre diferentes culturas não aconteceu de forma natural. É curioso, porque os textos são meio educativos, contrários ao que a gente se acostumou no hip hop, já que esses jovens não querem ser estigmatizados pela violência.
Em ascensão nas artes visuais brasileiras, Bárbara reconhece elementos que destacam a sua obra, a exemplo da junção da luz natural e artificial nas fotos. Mas a brasiliense vê o reconhecimento como consequência do processo de criação, e não como meta:
— É gratificante construir uma metodologia particular, mas ao mesmo tempo qualquer coisa facilmente identificável pode virar um problema, pelo risco da repetição. O mais desafiador do trabalho artístico, esteja ele dentro no mercado ou não, é criar uma assinatura que venha da consistência das obras, com todas as características distintas de cada uma delas.
SERVIÇO
“Corpo a corpo”
Onde: IMS — Rio Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea (3284-7400).
Quando: Ter. a dom., das 11h às 20h. Até 22/7.
Quanto: Grátis. Classificação: Livre.
“Estás vendo coisas”
Onde: EAV — Rua Jardim Botânico, 414 (3257-1800).
Quando: Seg. a dom., das 10h às 17h. Até 27/5.
Quanto: Grátis. Classificação: Livre
maio 2, 2018
Inhotim e governo de Minas assinam acordo para transferência de 20 obras de arte por Carolina Linhares, Folha de S. Paulo
Inhotim e governo de Minas assinam acordo para transferência de 20 obras de arte
Matéria de Carolina Linhares originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 30 de abril de 2018.
Bens não poderão ser vendidos e continuarão expostos e sob responsabilidade do museu
O empresário Bernardo de Mello Paz, criador do Instituto Inhotim, e o governo de Minas Gerais assinaram um acordo na última sexta-feira (27) para que a propriedade de 20 obras de arte do acervo sejam transferidas ao estado como forma de quitar dívidas. O termo ainda precisa ser homologado pela Justiça para ter efeito.
O acordo inclui quatro obras de Adriana Varejão, como "Celacanto Provoca Maremoto", painel que imita azulejos portugueses, e a escultura de azulejo “Linda do Rosário”. Também há a instalação “Desvio para o Vermelho” e a escultura de mesas e cadeiras “Inmensa”, ambas de Cildo Meireles e outras duas obras do artista.
A lista traz ainda a escultura de ferro “Gigante Dobrada”, de Amílcar de Castro, a escultura com vigas “Beam Drop Inhotim”, de Chris Burden, e o “Sonic Pavillion”, de Doug Aitken, de onde se ouve o som que vem da Terra.
Segundo o acordo, as obras não poderão ser vendidas pelo estado e permanecerão expostas no Instituto Inhotim, a quem caberá a guarda, manutenção, conservação e preservação dos bens. Assim como fez Paz com as obras de sua propriedade, o estado deverá ceder o patrimônio ao museu a título de comodato.
O objetivo do acerto não é o valor financeiro das obras, mas assegurar que o museu a céu aberto, considerado referência internacional, continue funcionando em Minas por muito tempo.
As obras foram oferecidas por Paz como forma de quitar dívidas de ICMS das suas empresas de mineração que se arrastam por mais de 25 anos. O débito foi calculado em R$ 471,6 milhões e era considerado de difícil recuperação pelo estado.
O empresário, porém, aderiu ao Plano de Regularização de Créditos Tributários, lei estadual aprovada ano passado que dá desconto aos devedores e permite o pagamento com obras de arte. Com a redução, a dívida total de dez empresas de Paz, que integram o Grupo Itaminas de mineração, cai para R$ 111,8 milhões.
O valor das obras, contudo, ainda não foi estabelecido. O governo e Paz têm agora 60 dias para apresentar um laudo cada com a avaliação de especialistas. A Justiça, no processo de homologação, também deve contratar peritos e estabelecer um preço. O menor dos três montantes é que será levado em conta, diz o acordo.
Caso o valor das obras seja menor que a dívida, Paz deverá pagar o que faltar, inclusive por meio de mais obras de arte. Mas, se o montante superar o débito, o que é mais provável, ele renuncia ao excedente. Numa estimativa inicial, o empresário colocou em US$ 128,7 milhões (cerca de R$ 450 milhões) o preço das 20 obras.
PERENIZAÇÃO
A proposta de transferência das obras, feita em novembro pelo empresário, resultou num acordo formal que também amplia a participação do governo na gestão do Inhotim. O estado terá um representante no Conselho de Administração do instituto.
O acordo determina que, sem a permissão do estado, o instituto não pode se desfazer de obras de arte ou de paisagismo, realizar fusões ou cisões, nem vender, alugar, transferir ou ceder seus terrenos. O museu também renuncia a indenizações e não pode se opor em caso de tombamento pelo governo mineiro.
A preservação do Inhotim foi condição imposta pelas secretarias de Cultura e Turismo para a celebração do acordo, firmado também pelas pastas de Planejamento e Fazenda. O museu em Brumadinho (MG), a 55 km de Belo Horizonte, é o segundo atrativo mais visitado em Minas.
Além das dívidas de Paz, sua idade avançada e sua condenação na Justiça lançavam incertezas sobre o futuro do Inhotim. Ele renunciou à presidência do instituto em novembro.
“Houve a necessidade de Paz de resolver um problema e o estado não poderia cometer a irresponsabilidade de deixar esse patrimônio sair de Minas”, diz o secretário de Turismo, Gustavo Arrais.
“Foi o Inhotim que realmente colocou Minas no cardápio do turismo mundial. Seria uma perda artística, cultural, histórica e turística irreparável. É fonte de geração de renda, emprego e prosperidade”, completa.
O secretário da Cultura, Angelo Oswaldo, afirma que o estado e o próprio empresário já tinham o propósito de evitar a venda do que considera o principal museu de Minas e perenizá-lo. “Qualquer país do mundo daria tudo pra ter Inhotim. Foi uma realização singular do governo entregar a Minas para sempre esse grande centro artístico e botânico.”
Os secretários mencionaram também que o estado ainda guarda o trauma de ter perdido o "Painel Tiradentes", de Candido Portinari, vendido por particulares ao governo de São Paulo em 1975, e não quer ter outra baixa cultural. Antes exposto no Colégio de Cataguases (MG), hoje o painel encontra-se no Memorial da América Latina, na capital paulista.
O diretor-executivo do Instituto Inhotim, Antonio Grassi, considerou o acordo uma vitória. "Dá ainda mais segurança para a preservação do projeto Inhotim e mostra o reconhecimento do estado sobre a importância do museu para inserir Minas Gerais no cenário internacional", afirmou em nota.
"O acordo garantirá a perenização do relevante acervo artístico em exposição no Inhotim, uma vez que as obras permanecerão no museu a título de comodato, sem possibilidade de serem removidas ou vendidas."
O acordo prevê, inclusive, que o estado fique com todas as obras em caso de dissolução do instituto. O termo ainda será submetido à avaliação do Ministério Público.
Além das empresas de Paz, ele próprio e o instituto são partes do acerto. Foi determinado ainda que o Grupo Itaminas deve manter os pagamentos de impostos em dia sob pena de multa de 100%.
Paz foi condenado pela Justiça Federal a nove anos e três meses de prisão por lavagem de dinheiro em setembro passado devido a transferências feitas de um fundo em paraíso fiscal às suas empresas.
A defesa recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, onde o processo está pronto para o voto do relator. “Recorremos por considerar a decisão injusta e fruto de equivocada interpretação do processo”, afirma o advogado Marcelo Leonardo.
INHOTIM
Todo o acervo do Inhotim é avaliado em US$ 1,5 bilhão. Em 2008, o museu foi transformado em uma organização não governamental do tipo Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), com contas dissociadas das empresas de Paz.
Em fevereiro passado, o empresário doou ao instituto todas as edificações e terrenos que formam o museu de cerca de 140 hectares. Em dez anos de existência, quase 2,7 milhões de pessoas visitaram o espaço com 23 galerias, 1.300 obras de arte e jardins com 4.500 espécies.
Além de investimentos de Paz e da verba de visitação, o Inhotim é financiado pelo governo de Minas e pela Lei Rouanet.
Lista de obras que serão transferidas ao estado de Minas Gerais
Celacanto Provoca Maremoto (2004-2008) - Adriana Varejão
Carnívoras (2008) - Adriana Varejão
O Colecionador (2008) - Adriana Varejão
Linda do Rosário (2004) - Adriana Varejão
Gigante Dobrada (2001) - Amílcar de Castro
Através (1983-1989) - Cildo Meireles
Desvio para o Vermelho (1970-1996) - Cildo Meireles
Inmensa (1982-2002) - Cildo Meireles
Glove Trotter (1991) - Cildo Meireles
Beam Drop Inhotim (2008) - Chris Burden
Samson (1985) - Chris Burden
Beehive Bunker (2006) - Chris Burden
Bisected Triangle, Interior Curve (2002) - Dan Graham
Xadrez de Chão (2004-2007) - Delson Uchôa
Correnteza (1994-2007) - Delson Uchôa
Entre o Céu e a Terra (2007) - Delson Uchôa
Portal 1 (Realidades Mistas) (2006-2007) - Delson Uchôa
Neither (2004) - Doris Salcedo
Sonic Pavilion (2009) - Doug Aitken
De Lama Lâmina (2004) - Matthew Barney