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outubro 23, 2017
Universidade interfere em desenho de mulheres nuas e artista cearense retira obra da exposição por Rubens Rodrigues, O Povo
Universidade interfere em desenho de mulheres nuas e artista cearense retira obra da exposição
Matéria de Rubens Rodrigues originalmente publicada no jornal O Povo em 17 de outubro de 2017.
O curador Ivo Mesquita selecionou 18 artistas cearenses para a XIX Unifor Plástica. No entanto, a edição que tem como tema "Uma constelação para Sérvulo Esmeraldo" foi aberta na noite desta terça-feira, 17, na Universidade de Fortaleza (Unifor), com uma ausência. Convidada para expor o trabalho "Todas as Coisas Dignas de Serem Lembradas", a artista Simone Barreto afirma que dois de seus 33 desenhos que abordam o corpo da mulher, desejo e sexualidade foram censurados. Ela optou por retirar da exposição toda a obra.
Em entrevista ao O POVO Online, Simone conta que montou a vitrine com seus trabalhos no último sábado, 14. No domingo, 15, ainda segundo a artista, representantes da Universidade teriam pedido que ela sinalizasse a classificação indicativa da obra. No dia seguinte, no entanto, lhe foi pedido que os dois desenhos fossem retirados ou trocados por outros. Em uma das figuras em questão, duas mulheres fazem sexo. Na outra, uma delas está com tinta vermelha simbolizando a menstruação. Simone recusou mudar os desenhos, justificando que a obra não faria sentido montada de outra forma.
"Eles disseram que eu poderia escolher outro desenho, virar a página. Para eles é muito simples, mas esse é o objeto do meu trabalho", afirma. "É sobre esse corpo negligenciado que todo mundo já vira a página todos os dias. É um corpo que não pode ser visto, não pode ser debatido. Não é a mulher idealizada e objetificada pelo homem. É um corpo que tem sangue, pelo e cicatriz".
Nesta manhã, 17, Simone diz que encontrou a vitrine onde seus cadernos estavam dispostos em local "escondido". "Eles disseram que os cadernos só ficariam lá se eu tirasse os desenhos. E o pior: eles cobriram. Deixaram só a cabeça de fora", relata.
Simone diz que a Universidade "interferiu diretamente" na obra. "Faculdade e museu são lugares de pensamento crítico, de discussão e arte", continua. "Mas disseram que a universidade é um lugar que recebe crianças, tirando o corpo de discussão". Ainda nesta noite, durante abertura da mostra, um grupo protestou contra a situação. Pelo menos dois artistas retiraram suas obras também em protesto.
Contatado, o curador Ivo Mesquita diz que acompanhou as "negociações" e que a decisão foi da Universidade. "Eu só posso lamentar essa situação desagradável". Ivo pediu para que a reportagem retornasse o contato uma hora depois, mas as ligações não foram mais atendidas. O curador é ex-diretor do Museu de Arte Moderna (MAM) na capital paulista e, em Fortaleza, fez a curadoria das primeiras mostras do Museu da Fotografia.
O POVO Online pediu para falar com dirigentes da Unifor que acompanham o evento, mas a assessoria de imprensa informou que só responderia por nota. Não houve retorno até a publicação desta matéria.
outubro 19, 2017
Mostra no Masp sobre sexualidade reforça que censura é inaceitável por Heitor Martins, Folha de S. Paulo
Mostra no Masp sobre sexualidade reforça que censura é inaceitável
Opinião de Heitor Martins originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 17 de outubro de 2017.
Sexo faz parte integral de nossas vidas; sem ele sequer existiríamos. Por isso mesmo, a sexualidade, nas suas mais diversas manifestações, tem desde sempre ocupado um lugar central no imaginário coletivo e na produção artística. "Histórias da Sexualidade", exposição que o Masp abrirá na próxima sexta-feira (20) para o público, traz amplo recorte dessa produção, com o objetivo de promover um debate sério, maduro e inclusivo, cruzando temporalidades, suportes e geografias.
A presente exposição é fruto de intenso trabalho em torno das várias histórias que o Brasil tem para contar.
Em 2016 inauguramos "Histórias da Infância", e nos últimos dois anos viemos trabalhando no atual projeto que foi antecedido por dois seminários internacionais sobre essas questões e que contou com a participação de especialistas e do público geral.
A exposição também se insere no contexto mais amplo da programação do museu, que neste ano vem tratando do tema da sexualidade com mostras de Toulouse-Lautrec, Miguel Rio Branco, Teresinha Soares, Wanda Pimentel, Tunga, Guerrilla Girls, Pedro Correa de Araújo e Tracey Moffat.
"Histórias da Sexualidade" inclui mais de 250 obras, reunidas em núcleos temáticos e não cronológicos, sendo muitas delas pinturas fundamentais de nosso acervo: Degas, Manet, Ingres, Poussin, Picasso, Gauguin, Renoir, Perugino, Suzanne Valadon, Victor Meirelles.
Também traz trabalhos de artistas como Adriana Varejão, Ana Mendieta, Balthus, Egon Schiele, Francis Bacon, Jac Leirner, Mapplethorpe, Louise Bourgeois, Marta Minujin, Valie Export e Rego Monteiro.
Ainda que concebida em 2015, "Histórias da Sexualidade" não poderia ser mais atual. Episódios recentes, não só no Brasil mas em todo o mundo, trouxeram à tona –por meio de embates públicos, protestos e violentas manifestações nas mídias sociais– questões relativas à sexualidade e acerca dos limites entre direitos individuais e liberdade de expressão.
Não existem verdades absolutas. As fronteiras do que é moralmente aceitável deslocam-se a toda hora e no decorrer da história.
Esculturas clássicas, hoje consideradas símbolos da arte europeia, não poucas vezes tiveram seus sexos tapados por folhas de parreira e outros subterfúgios. Também os costumes variam entre culturas e civilizações.
Em várias nações europeias, a nudez é exposta em parques, praias e lugares públicos; a poligamia é aceita em países islâmicos; prostituição é prática legal em algumas nações e condenada em outras; há países onde o aborto é livre e outros onde não é. Até mesmo o conceito de criança mudou ao longo do tempo, assim como sua especificação etária.
O único dado absoluto, do qual não podemos abrir mão, é o respeito ao outro e o necessário diálogo.
É preciso criar condições para que todos nós –cada um com suas crenças, práticas, orientações políticas e sexualidades– possamos viver de forma harmoniosa e escutando uns aos outros.
Por isso mesmo, a radicalização, a intolerância, o cerceamento da liberdade de expressão, não devem e não podem ser aceitos. O Masp, um museu diverso, inclusivo e plural, tem por missão estabelecer, de maneira crítica e criativa, diálogos entre passado e presente, culturas e territórios, a partir das artes visuais.
"Histórias de Sexualidade" objetiva justamente promover, por meio da arte, um debate consistente e sólido a partir de um número muito significativo de obras –arte pré-colombiana, asiática, africana, europeia e latino-americana, pinturas e esculturas, vídeos e fotografias, assim como documentos e publicações "" que fazem parte deste catálogo de nuanças e diferenças, mas também de tudo que nos une e nos faz, cada um à sua maneira, humanos.
HEITOR MARTINS é diretor presidente do Masp e ex-presidente da Fundação Bienal
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HISTÓRIAS DA SEXUALIDADE
QUANDO de 20 de outubro de 2017 a 14 de fevereiro de 2018; ter. a dom. das 10h às 18h; qui., das 10h às 20h
ONDE Masp (av. Paulista, 1.578); tel (11) 3149-5959
QUANTO R$ 30 (inteira)
CLASSIFICAÇÃO 18 anos
Carta-manifesto pela Democracia
PELA DEMOCRACIA
Carta-manifesto produzida a partir de mobilização iniciada por artistas e críticos de arte, e que teve a adesão de diversos setores da sociedade civil – professores, advogados, engenheiros, psicanalistas, sociólogos, historiadores, cineastas, escritores, arquitetos, designers, jornalistas, fotógrafos, médicos, membros de movimentos sociais, etc.- para fazer frente a onda ultra conservadora que ameaça os direitos individuais, civis e sociais neste pais.
CARTA-MANIFESTO PELA DEMOCRACIA
Somos artistas, intelectuais e profissionais de várias áreas, que temos nos manifestado conjuntamente pela defesa da democracia desde 2015 e que, agora, nos colocamos ao lado das recentes iniciativas contra o recrudescimento da onda de ódio, intolerância e violência à livre expressão nas artes e na educação. Ódio, intolerância e violência que já vêm sendo impressos há tempos contra mulheres, homossexuais, negros e índios.
Somos radicalmente a favor da liberdade de expressão e circulação de ideias, crenças, informações e expressões artísticas. E evidentemente, acreditamos no livre debate de todas essas expressões.
Achamos, todavia, que é preciso nomear os focos de ataque às liberdades. Ficou evidente que militantes de direita, segmentos de igrejas neopentecostais, alguns políticos de grande responsabilidade pública – e sem espírito republicano –, membros da burocracia de estado no judiciário, da polícia e do Ministério Público estão atuando em conjunto contra produções e instituições artísticas. Eles censuram exposições, assediam os visitantes e funcionários dos museus e usam de redes sociais para detratar e ultrajar pessoas das quais discordam. Arrogantes, tais fundamentalistas evitam a leitura mais atenta dos trabalhos e saem à caça de indícios de indecência, leviandade, pornografia e heresia. Não há debate intelectual, não há questionamento, só violência e intolerância.
Foi assim que milícias reacionárias e antidemocráticas conseguiram provocar de maneira abrupta o encerramento da exposição Queermuseu, no Santander Cultural, de Porto Alegre (RS). Em setembro, a polícia retirou a pintura Pedofilia, de Alessandra Cunha, do Museu de Arte Contemporânea de Campo Grande (MS); depois a justiça proibiu a apresentação da peça O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, no Sesc de Jundiaí (SP). Vale lembrar ainda que as mesmas milícias iniciaram uma campanha contra o Panorama da Arte Brasileira do MAM-SP, por conta da performance La Bête, de Wagner Schwartz, com apoio irresponsável do prefeito de São Paulo, João Doria. E uma horda de fanáticos liderados pelo deputado João Leite tentou invadir o Palácio das Artes, em Belo Horizonte (MG), e destruir a produção de Pedro Moraleida.
Acreditamos também que não se trata de um ataque específico à produção artística. Mas trata-se de um fenômeno que começou a brotar em 2010 como oposição ao Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3); e que cresceu e foi adubado durante o processo de deposição da presidenta eleita Dilma Rousseff.
É óbvio que nem todos que foram a favor do impeachment sejam dessa linhagem antidemocrática. Mas estavam lá em peso os ativistas e agentes públicos arquiconservadores constrangendo pessoas de pensamento diverso. Eles que distribuíram adesivos para serem colados em tampas de tanque de combustível com a figura da presidenta em um contexto sexista, misógino e constrangedor; eles que atacaram políticos e militantes de esquerda em aviões, restaurantes e até em ambientes sensíveis como hospitais e velórios, eles que bateram e ameaçaram quem se vestia de vermelho.
Depois de consumado o impeachment – bem nomeado, um golpe parlamentar com a compra de votos de deputados capitaneada por Eduardo Cunha – passaram a subtrair ou tentar retirar um número significativo de conquistas obtidas pelos brasileiros a partir da Constituição de 1988. É assim que estão dia a dia limitando os direitos individuais, civis e sociais no Brasil, precarizando as condições de trabalho, ameaçando a liberdade de ensino nas escolas, a proteção ao meio-ambiente, a união de pessoas do mesmo sexo etc. Esse é o conjunto da obra que resulta do golpe de Estado.
Agora, o que necessitamos é ampliar ao máximo, acima de opções partidárias, ideológicas e religiosas, todas as forças democráticas para fazer frente, nas ruas, nas casas legislativas, nos tribunais e nos meios de comunicação disponíveis, às ameaças concretas às liberdades e conquistas sociais. Propomos a articulação de grupos, entre amigos e familiares, entre colegas de profissão para a organização de atos públicos e de ação nas redes sociais para defender e aprofundar o direito a um ambiente de livre circulação de ideias, e denunciar aqueles que querem ver o Brasil sem democracia.
Essa carta manifesto é uma resposta à escalada da extrema direita contra os direitos individuais, civis e sociais.
Quem quiser, pode aderir pelo liberdadedemocratica1@gmail.com inserindo seu nome e profissão.
Ver as 694 Assinaturas (atualizado em 19/10, 14h10)
outubro 10, 2017
Ovo da serpente por Paula Alzugaray, seLecT
Ovo da serpente
Artigo de Paula Alzugaray originalmente publicado na revista seLecT em 6 de outubro de 2017.
Entidades e personalidades se mobilizam contra violenta onda de distorção e desqualificação de instituições e atividades artísticas e culturais no Brasil
O Ovo da Serpente, clássico de Ingmar Bergman de 1977 sobre o levante de intolerância que antecedeu a ascensão do nazismo, está na pauta do dia. O avanço da ultradireita nas eleições na Alemanha colocou o mundo em estado de alerta, mas focos de medo e conflito estão disseminados por todas as partes. No Brasil, o mapa da adversidade se adensou nas últimas semanas com uma sucessão de perigosas tentativas de cerceamento, constrangimento, desqualificação e proibição de exposições de arte e ações culturais.
No início de setembro, integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) viralizaram imagens e agrediram visitantes da exposição “Queermuseu”, alegando apologia à pedofilia e à zoofilia. As intimidações levaram ao encerramento da exposição no Santander Cultural de Porto Alegre. Uma semana depois, o espetáculo “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu” não pode ser encenado no Sesc Jundiaí em razão de uma liminar judicial que determinou que a peça atentaria contra a dignidade da fé cristã. Em São Paulo, colaboradores e visitantes do Museu de Arte Moderna (MAM) vem sendo alvo de ofensas, agressões verbais e físicas, desde que foi divulgado em redes sociais a gravação de um trecho da performance “La Bête”, em que uma criança e sua mãe tocam a mão e o tornozelo de um artista, que está nu. A nudez, comunicada previamente ao público, não carregava conotações sexuais. Mas, descontextualizado, o vídeo é instrumentalizado em um campanha de difamação do museu e difusão do ódio.
Com um histórico de excelência na educação cultural do público leigo da arte contemporânea, o MAM vem exercendo com responsabilidade a atividade pedagógica que cabe a um museu. Desde a sexta 29, quando sofreu o primeiro ataque, sua equipe dedica-se incansavelmente a dialogar e prestar esclarecimentos a quem a obra possa ter ofendido. A iniciativa conta com o apoio da maior parte das instituições culturais brasileiras, como a Fundação Bienal, o Goethe-Institut, a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu de Arte do Rio, etc. Além disso, psicólogos consultados afirmam que a divulgação do vídeo nas redes sociais é muito mais agressiva à criança do que a sua presença na performance artística.
A difamação também foi o objetivo de vídeo produzido por organização ultraconservadora que circulou na internet, distorcendo o sentido de obras da Trienal Frestas 2017. Em agosto, a exposição já havia sofrido um ataque moralista contra o grafite “Femme Maison”, da artista e ativista carioca Panmela Castro, cuja obra discute questões relativas aos direitos da mulher. “O Sesc Sorocaba, contudo, tem se mantido firme no propósito de oferecer uma programação cultural de qualidade acompanhada de mediação e diálogo com o público e a sociedade. Recebi o apoio integral a meu projeto original”, diz Daniela Labra, curadora da Trienal do Sesc Sorocaba, à seLecT.
A viralização de conteúdos manipulados é hoje uma arma letal de disseminação do obscurantismo e da ignorância. “Temos aqui, de um lado, um grupo irracional, que é minoria, e que não quer o diálogo, e uma maioria que está sendo impactada pelas informações”, diz Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, à seLecT. “A origem desta crise é o comportamento gerado pelos algoritmos. Com o advento das redes sociais e a dinâmica imposta pelos algoritmos – que colocam em contato apenas aqueles que se afinam entre si – aquilo que eu coloco passa a ser uma verdade absoluta”, continua ele. “Mas os algoritmos estão atravessando a rua e os museus tem que dialogar com isso. O que aconteceu com o Santander e o MAM tem que usado como aprendizado a todos nós”.
Qual o papel dos museus em um país que não prioriza a educação, e que (desin)forma cidadãos avessos ao diálogo? Embora estejam sob a mira de ataques de virulência imprecedente, cabe aos museus e aos agentes culturais a mediação de conflitos e a atuação em torno das grandes questões que incomodam a sociedade. Este é o parecer do ICOM Brasil (Internacional Council of Museums), expresso em um manifesto em favor da liberdade de expressão e em respeito à toda forma de diversidade humana. O mesmo manifesto pontua ainda que “repudia a decisão do Banco Santander de interromper a exposição ‘Diferenças da Arte no Mundo Contemporâneo’”.
“Os pareceres do Ministério Público comprovaram aquilo que nós acreditávamos: as obras da exposição ‘Queermuseu’ não fazem qualquer apologia à pedofilia ou a zoofilia”, disse Marcos Madureira, vice-presidente de comunicação e marketing do Santander, à seLecT. A instituição, no entanto, não pretende voltar atrás na decisão de não reabrir a exposição, que afinal tornou-se a caixa de pandora da violência à cultura.
“A liberdade é o maior valor da democracia. Agredir funcionários do MAM-SP ou ameaçar destruir a exposição é inaceitável. A arte deve ser livre. Cabe aos gestores informar sobre o conteúdo do que apresentam. E o MAM-SP fez isso”, disse André Sturm, Secretário Municipal de Cultura de São Paulo à seLecT, em clara divergência de opinião com governantes das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Mas divergência não é problema. A diversidade de opinião deve ser cultuada para o amadurecimento da vida social. “A palavra que temos que pensar frente a manifestações raivosas e obscurantistas é responsabilidade. A arte não é o problema. Ela traz a solução”, diz Juliana Braga, gerente de Artes Visuais e Tecnologia do Sesc São Paulo, ao anunciar a suspensão da liminar que proibia a exibição do espetáculo “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”, na terça feira 3.
Enquanto isso, em Paris, o Museu D’Orsay e o Museu da Orangerie retomaram uma campanha de comunicação que em 2015 viralizou positivamente, mostrando a tela “Femme Nue Couchée”, realizada em 1907 por Renoir, com a aplicação do texto: “Tragam seus filhos para ver gente nua”. O debate a respeito da boa aplicação do estatuto da criança e do adolescente (ECA), do fortalecimento da liberdade de expressão e do comportamento da sociedade sob a influência dos algoritmos é o grande desafio que a sociedade brasileira tem hoje.
outubro 2, 2017
Abaixo-assinado: Profissionais das instituições culturais do Brasil e seus públicos se posicionam, Avaaz.org
Carta pública de diretores, curadores e profissionais dos museus e das instituições culturais brasileiras
Por que isto é importante: Para mobilizar a sociedade em defesa da arte, dos museus e das instituições culturais, em prol do respeito mútuo, da diversidade e da educação.
Assine este abaixo-assinado no Avaaz.org
Curadores e diretores de museus e instituições culturais brasileiras, em consonância com os princípios constitucionais de direito à diversidade, à liberdade de expressão e à prática democrática da cidadania, vêm em conjunto manifestar o mais absoluto repúdio pelas ações orquestradas contra espaços institucionais de arte, assim como a toda e qualquer tentativa de cercear, constranger, desqualificar ou proibir as legítimas atividades artísticas que se desenvolvem no Brasil, construídas responsavelmente pelas instituições culturais.
São notoriamente falsas as alegações de incitação à pedofilia e de apologia ao sexo nas obras ou nas exposições que têm sido objeto dessas ações.
Porque lidam com o universo do simbólico, do imaginário e do discurso, as práticas artísticas e culturais são fundamentais para o presente e para o futuro de sociedades calcadas na diversidade, no respeito e na educação. Limitar e impedir artistas, curadores e instituições é uma clara política de retrocesso face ao processo histórico que implantou um estado democrático de direito no Brasil.
Como bem definiu Mário Pedrosa, a arte "é o exercício experimental da liberdade" e é dentro de sua prática que resistiremos a esse trágico e obscuro momento no que se refere ao respeito mútuo e à garantia da liberdade de expressão.
Assine este abaixo-assinado no Avaaz.org
Adriano Pedrosa, diretor artístico do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, MASP – São Paulo
Agnaldo Farias, curador geral do Museu Oscar Niemeyer, MON – Curitiba
Ana Pato, curadora do 20 o Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil – São Paulo
Ana Paula Cavalcanti Simioni, docente e pesquisadora do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, IEB-USP – São Paulo
Ângela Mascelani, curadora do Museu Casa do Pontal – Rio de Janeiro
Antônio Grassi, diretor executivo de INHOTIM, Brumadinho – Minas Gerais
Áurea Vieira, gerente de relações internacionais do Sesc São Paulo – São Paulo
Beatriz Lemos, curadora do 20 o Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil – São Paulo Benjamin Seroussi, diretor executivo da Casa do Povo – São Paulo
Bernardo de Souza, diretor do Museu Iberê Camargo – Porto Alegre
Beth da Matta, diretora do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, MAMAM – Recife
Bitu Cassundé, curador do Museu de Arte Contemporânea do Ceará, MAC-CE – Fortaleza
Carlos Alberto Gouvêa Chateaubriand, presidente do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, MAM-RJ – Rio de Janeiro
Carlos Barmak, coordenador educativo do Museu da Casa Brasileira – São Paulo
Carlos Gradim, diretor presidente do Instituto Odeon/Museu de Arte do Rio - MAR – Rio de Janeiro
Carlos Roberto Brandão, diretor do Museu de Arte Contemporânea da USP, MAC-USP – São Paulo
Carolina Vieira, coordenadora do Programa de Formação Básica de Artes Visuais do Porto Iracema das Artes – Fortaleza
Cauê Alves, curador do Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia - MuBE – São Paulo
Clarissa Diniz, curadora do Museu de Arte do Rio, MAR – Rio de Janeiro
Cláudia Saldanha, diretora do Centro Cultural Paço Imperial – Rio de Janeiro
Cristina Freire, docente e curadora Museu de Arte Contemporânea da USP, MAC-USP – São Paulo
Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo – São Paulo
Denise Grinspum, coordenadora da área de educação do Instituto Moreira Salles, IMS – Rio de Janeiro e São Paulo
Diego Matos, curador do 20 o Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil – São Paulo
Eliana Souza Silva, Centro de Artes da Maré – Rio de Janeiro
Emanoel Araújo, diretor curador do Museu Afro Brasil, São Paulo – São Paulo
Ennio Candotti, diretor geral do Museu da Amazônia, Musa – Rio de Janeiro
Evandro Salles, diretor cultural do Museu de Arte do Rio, MAR – Rio de Janeiro
Fernanda Lopes, curadora assistente do Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro, MAM-RJ - Rio de Janeiro Fernando Cocchiarale, curador de artes visuais do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, MAM-RJ - Rio de Janeiro
Flávio Pinheiro, superintendente-executivo do Instituto Moreira Salles, IMS – Rio de Janeiro e São Paulo
Gabriel Bogosian, curador adjunto do Galpão Videobrasil – São Paulo
Gabriel Pérez-Barreiro, curador da 33 a Bienal de São Paulo – São Paulo
Gaudêncio Fidélis, curador de Queermuseu - cartografias da diferença na arte brasileira - Porto Alegre
Hugo Sukman, curador da nova sede do Museu da Imagem e do Som, MIS-RJ – Rio de Janeiro
Janaina Melo, gerente de educação do Museu de Arte do Rio, MAR – Rio de Janeiro
João Carlos de Figueiredo Ferraz, presidente da Fundação Bienal e do Instituto Figueiredo Ferraz – São Paulo
João Laia, curador do 20 o Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil – São Paulo
Jorge Schwartz, diretor do Museu Lasar Segall / Ibram / MinC – São Paulo
Josué Mattos, curador do Museu de Arte de Santa Catarina – Florianópolis
Juliana Braga de Mattos, gerente de artes visuais do Sesc São Paulo – São Paulo
Júlio Martins, curador residente do Museu de Arte do Espírito Santo, MAES - Vitória
Justo Werlang, diretor Presidente da Fundação Iberê Camargo – Porto Alegre
Lenora Pedroso, diretora do Museu de Arte Contemporânea do Paraná, MAC-PR – Curitiba
Lidia Goldenstein, vice-presidente da Fundação Bienal – São Paulo
Lisette Lagnado, curadora de ensino e programas públicos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage – Rio de Janeiro
Lucas Pessôa, diretor financeiro e de operações, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, MASP – São Paulo
Luciana Guimarães, superintendente da Fundação Bienal São Paulo – São Paulo
Luiz Alberto Oliveira, curador geral do Museu do Amanhã – Rio de Janeiro Luiz Camillo Osório, curador do 35º Panorama da Arte Brasileira – Brasil por Multiplicação
Luiz Pizarro, curador de educação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, MAM-RJ – Rio de Janeiro
Luiza Mello, Galpão Bela Maré – Rio de Janeiro
Marcello Dantas, curador Japan House – São Paulo
Marcelo Campos, curador associado do Museu de Arte do Rio - MAR e diretor do Departamento Cultural da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ – Rio de Janeiro
Marcelo Velloso, diretor do Museu de Arte Contemporânea de Niterói - MAC- Niterói
Marcio Doctors, curador da Casa Museu Eva Klabin, CMEK – Rio de Janeiro
Marisa Mokarzel, conselheira curatorial do Museu da Universidade Federal do Pará, MUFPA – Belém
Milene Chiovatto, presidente do Comitê de Educação e Ação Cultural do Conselho Internacional de Museus, CECA/ICOM
Moacir dos Anjos, pesquisador e curador da Fundação Joaquim Nabuco - FUNDAJ – Recife
Orlando Maneschy, curador etc da coleção Amazoniana de arte da UFPA – Belém
Pablo León de La Barra, curador-chefe do Museu de Arte Contemporânea de Niterói - MAC-Niterói
Paulo Linhares, presidente do Instituto Dragão do MAR – Fortaleza
Paulo Miyada, curador do Instituto Tomie Ohtake – São Paulo
Priscila Arantes, diretora Artística e curadora do Paço das Artes – São Paulo
Raphael Fonseca, curador do Museu de Arte Contemporânea de Niterói - MAC-Niterói
Raquel Fernandes, diretora do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, MBRAC – Rio de Janeiro
Renan Andrade, diretor do Museu de Arte do Espírito Santo – MAES – Vitória
Ricardo Ohtake, presidente do Instituto Tomie Ohtake – São Paulo
Ricardo Resende, curador do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea,
MBRAC – Rio de Janeiro Solange Farkas, diretora e curadora da Associação Cultural Videobrasil |Galpão VB – São Paulo
Wagner Barja, diretor do Museu Nacional da República – Brasília
Xico Chaves, diretor do Centro de Artes Visuais - CEAVFunarte
Zivé Giudice, diretor do Museu de Arte Moderna da Bahia – Salvador
Assine este abaixo-assinado no Avaaz.org
ATUALIZADO EM 06/10/2017
Análise: Má interpretação da arte gera equívocos que duram séculos por Antônio Gonçalves Filho, O Estado de S.Paulo
Má interpretação da arte gera equívocos que duram séculos
Análise de Antônio Gonçalves Filho originalmente publicada no jornal O Estado de S.Paulo em 30 de setembro de 2017.
A performance de Wagner Schwartz, La Bête, parte de uma ideia simples – ser o simulacro de um ‘bicho’ – para criticar o sistema de comercialização da arte
Há quase meio século, em 1970, no auge da ditadura militar, o artista português Antonio Manuel, radicado no Brasil, fez uma performance no Museu de Arte Moderna do Rio (MAM/RJ), exatamente como a da noite de terça-feira, 26, quando o coreógrafo Wagner Schwartz abriu a 35.ª edição do Panorama da Arte Brasileira no MAM/SP.
As propostas das duas performances eram diferentes, mas o objetivo era o mesmo: fazer uma crítica à repressão que conduz a interpretações equivocadas da arte. Há um evidente retrocesso quando a sociedade, 47 anos depois da performance no MAM carioca, ainda considera escandalosa a nudez artística.
Evoque-se que o Brasil tinha três anos quando Michelangelo concebeu o Tondo Doni (Uffizi), uma pintura tão enigmática que tomou os últimos anos de vida do crítico americano Leo Steinberg. O ensaísta escandalizou os puritanos ao chamar a atenção para a presença de grupos de homossexuais nus no mesmo espaço em que posa a Sagrada Família. Se Michelangelo vivesse hoje, certamente o Tondo Doni não existiria. Nem a Capela Sistina. Ou mesmo seu Davi. Quem perderia com isso seria a própria sociedade.
A performance de Wagner Schwartz, La Bête, parte de uma ideia simples – ser o simulacro de um ‘bicho’ (peça de metal articulada) de Lygia Clark – para criticar o sistema de comercialização da arte, que supervaloriza o objeto e despreza o artista. Um ‘bicho’ de Lygia Clark pode atingir hoje US$ 2 milhões.
Os museus não deixam o público sequer tocar no objeto, o que contraria a intenção original de Lygia Clark. Assim, Schwartz resolveu se expor ao público no lugar do ‘bicho’, sujeitando-se à manipulação. Não houve nenhum apelo à pedofilia, como sugerem os gritos histéricos na internet. A sala do MAM estava sinalizada sobre o conteúdo da exposição. Muitos museus fazem isso. No Masp, a sala do fotógrafo Miguel Rio Branco traz a mesma advertência. Entra quem quer. Entende quem for capaz.
Graças a Leo Steinberg, hoje sabemos que a “ostentatio genitalia” (a genitália do bambino e dos gays atrás dele) do Tondo Doni era uma apresentação da teologia encarnacional. Se o crítico fosse um moralista, permaneceríamos todos na ignorância.
Promotoria investiga vídeo em que criança interage com artista nu por Isabella Menon e Rafael Gregorio, Folha de S. Paulo
Promotoria investiga vídeo em que criança interage com artista nu
Matéria de Isabella Menon e Rafael Gregorio originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 29 de setembro de 2017.
A interação, na última terça (26), entre uma criança e um artista nu no MAM (Museu de Arte Moderna) de São Paulo resultou em inquérito e em protesto na frente do museu, localizado no parque Ibirapuera.
O Ministério Público de São Paulo abriu investigação para apurar se houve crime ou violações ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) por parte da instituição, do artista ou da mãe da menina.
Citando a Constituição e o ECA, o órgão solicita informações ao MAM e demanda um parecer à seção do Ministério da Justiça responsável pelas classificações indicativas.
O documento pede ainda documentos à Secretaria Estadual de Cultura.
Por fim, ordena que os sites YouTube e Facebook retirem do ar vídeos da performance –inclusive links de notícias que reproduzam cenas da apresentação.
Imagens publicadas no YouTube e em redes sociais mostram quando uma menina é estimulada pela mãe a interagir com o artista Wagner Schwartz. Agachada, ela se movimenta ao lado dele e toca sua perna e sua mão durante a apresentação da performance "La Bête".
O coreógrafo realizou o trabalho na abertura da exposição "Brasil em Multiplicação". Nela, seu corpo pode ser tocado pelo público, como se movimentasse a obra "Bicho", de Lygia Clark.
Para Antonio Carlos Malheiros, 66, desembargador do Tribunal de Justiça de SP, houve potencial desrespeito ao ECA, mas falar em pedofilia parece exagerado.
"Não percebo intenção de levar a criança a ter atitudes sexuais com um adulto", diz Malheiros. "Mas", ressalva, "a presença de menores é contraproducente; a gente nunca sabe como aquilo vai afetar a cabeça da criança".
O MAM afirma que havia sinalização alertando sobre nudez e diz que "o trabalho não tem conteúdo erótico". O museu ressaltou ainda que a criança estava com a mãe e lamentou "manifestações de ódio e de intimidação".
Na internet, porém, a obra –e, em particular, sua apresentação a crianças– foi vista como incitação à pedofilia.
A hashtag #pedofilianao earte foi uma das mais populares ao longo do dia, embutida em posts como "um pedreiro olhar para mulheres é assédio, induzir meninas a tocar um estranho nu não".
Na tarde desta sexta (29), a onda extrapolou as redes: cerca de 20 pessoas fizeram protesto na frente do MAM.
Gritando palavras de guerra, o grupo cobrou posicionamento de governantes e acusou o museu de incitar pedofilia. Os manifestantes protestaram ainda contra o uso de "verbas públicas" na exposição –a performance tem parte dos recursos captados via Lei Rouanet.
"Trata-se basicamente de uma criança tocando um homem pelado, e chamam isso de arte", afirmou Kim Kataguiri, coordenador do Movimento Brasil Livre, em vídeo publicado no Facebook.
"Não se trata de ideologia, se trata de bom senso de não colocar uma criança perto de um homem pelado, não usar dinheiro público para atentar contra os valores da sociedade brasileira."
Procurado pela Folha, o curador do museu, Felipe Chaimovich, afirmou que a exposição não será fechada e que a performance "não tinha nenhum caráter erótico".
OUTROS CASOS
A polêmica em torno da performance no MAM vem na sequência do fechamento da mostra "Queermuseu", pelo Santander Cultural, em Porto Alegre, após campanha bem-sucedida de boicote à exposição promovida por grupos conservadores.
Em Campo Grande (MS), um delegado da Polícia Civil ordenou o confisco de um quadro em uma mostra.
Em Jundiaí (SP), um juiz proibiu a apresentação de uma peça que tem uma atriz transgênero no papel de Jesus.
Nesta quinta (28), em recomendação endereçada ao Santander Cultural, o Ministério Público Federal do RS afirmou que o fechamento de uma exposição remete a "situações perigosas da história, como o período nazista".
O MPF recomendou "a imediata reabertura da exposição", sob pena de "adoção das medidas judiciais cabíveis".
O Santander reafirmou que a mostra não será reaberta.
Embora ressalte que é preciso "ter proporcionalidade quanto tratamos de crianças", o desembargador Malheiros afirma que "essa sequência de campanhas só pode ser censura".
Museu em SP é acusado de pedofilia após performance com nudez, Folha de S. Paulo
Museu em SP é acusado de pedofilia após performance com nudez
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 28 de setembro de 2017.
Uma performance realizada durante a abertura do 35º Panorama da Arte Brasileira no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo, na terça-feira (26), está sendo acusada de incitação à pedofilia por internautas que se manifestaram nas redes sociais do museu.
A polêmica surgiu após fotos e vídeos da apresentação viralizarem na internet. Nelas, o coreógrafo carioca Wagner Schwartz apresenta "La Bête", em que seu corpo nu pode ser manipulado pelo público. A performance evoca um "Bicho", obra manipulável da artista Lygia Clark (1920-1988).
Na ocasião, uma criança que estava entre os espectadores interagiu com o artista, tocando em sua perna e em sua mão.
Em nota de esclarecimento publicada na página do Facebook do museu, os organizadores afirmam que a sala da apresentação estava sinalizada sobre o conteúdo de nudez e que "o trabalho não tem conteúdo erótico".
A instituição também afirma que a criança estava acompanhada de sua mãe.
A mesma performance havia sido apresentada nos dias 19 e 20 de agosto no Instituto Goethe, em Salvador.