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julho 26, 2017
'A arte está parada', diz crítica Aracy Amaral, agora alvo de mostra em SP por Silas Martí, Folha de S. Paulo
'A arte está parada', diz crítica Aracy Amaral, agora alvo de mostra em SP
Entrevista de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de s. Paulo em 25 de julho de 2017.
Aracy Amaral não queria aparecer. Quando soube que montariam uma mostra em sua homenagem, pediu que adiassem a ideia até depois que ela morresse. Acabou cedendo, mas tentou fugir de entrevistas e retratos, dificultando a vida dos organizadores que tiveram de fazer o máximo com material mínimo.
Mas mesmo o mínimo, no caso livros e pesquisas realizados ao longo das últimas seis décadas por essa que se firmou como uma das críticas e curadoras mais relevantes nas artes visuais do país, já se revela monumental na exposição agora no Itaú Cultural.
Uma das raras mulheres ativas num meio então dominado pelos homens, Amaral, 87, esteve à frente da Pinacoteca nos anos 1970 e do Museu de Arte Contemporânea da USP na década seguinte.
Biografou Tarsila do Amaral ainda viva e fez estudos de fôlego sobre assuntos tão díspares quanto a influência da poesia modernista francesa nas vanguardas nacionais e o impacto da matriz arquitetônica hispânica no casario colonial do interior paulista.
Também documentou momentos de efervescência na arte do país, como o auge do construtivismo e o surgimento dos primeiros experimentos com a videoarte, em mostras que se tornaram clássicas.
Fora dos holofotes desde que organizou, há dois anos, uma radical edição do Panorama da Arte Brasileira, mostra do Museu de Arte Moderna paulistano em que contrastou artefatos indígenas com peças de artistas contemporâneos, Amaral diz estar perdendo o interesse nas obras realizadas agora e que pretende voltar seu olhar a manifestações de arte popular, longe do circuito, na visão dela, cada vez mais vápido dos museus e galerias do establishment.
Na entrevista a seguir, Amaral detalha sua desilusão com a arte da atualidade e comenta a onda de mostras em torno de críticos e curadores.
Folha - Você já havia criticado artistas contemporâneos do país por certa alienação em relação à política. Sua opinião mudou? Ou o que pensa do estado da arte brasileira agora?
Aracy Amaral - Temos artistas interessantes, mas você não vê nenhuma manifestação vibrante. Sinto uma fadiga no ar, seja nas obras dos artistas, seja nas manifestações dos intelectuais. A arte está muito parada. É mais vivo o que acontece no noticiário do que aquilo que os artistas podem fazer. O grito é abafado pelas redes sociais.
Há uma descrença, um descaso. Não sinto nenhuma combatividade apesar do momento violento que estamos vivendo, de princípios que estão caindo por terra. Há um sentimento de perplexidade diante desse turbilhão, uma perplexidade que paralisa, e ninguém sabe o que fazer.
Uma exceção a essa paralisia não seria a exposição agora no Instituto Tomie Ohtake, que convocou artistas a defender um rapaz que acreditam ter sido preso nas manifestações de junho só por ser negro?
Os artistas estão ali dizendo que são solidários, mas é como um abaixo-assinado. Ninguém sai na rua para gritar pelo menino. É uma representatividade fria, então é muito mais um abaixo-assinado, não é um grito junto.
Meses atrás, o museu Reina Sofía, em Madri, abriu uma mostra dedicada ao crítico Mário Pedrosa. O que acha desse movimento do circuito em reconhecer também o papel do crítico e do curador?
Esse termo "curador" surge com essa aura toda na década de 1980. Fiz uma palestra no MoMA, em 1988, que falava da ideia do curador como estrela, dessa alteração da persona do curador. Mas eu me vejo mais como uma pesquisadora. Adoro descobrir coisas, ir atrás de uma pessoa, que depois me leva a outra, que me leva a descobrir o que eu estava querendo. Isso é do meu temperamento.
Mário Pedrosa foi um modelo?
Ele foi o maior crítico de arte brasileira de todos os tempos. Foi excepcional porque nunca abriu mão de uma preocupação com a realidade, oscilando entre a política e a arte. Não era um crítico do Terceiro Mundo, ele dialogava com os críticos da Alemanha, da França, dos Estados Unidos. Tinha um domínio da realidade desses países.
O que você acredita ter mudado na atividade da curadoria e da crítica de lá para cá?
Na minha geração, a gente ia mais para a rua, frequentava os ateliês e as casas dos artistas. A gente ouvia mais o artista e expunha mais o artista sem essa intromissão, sem instrumentalizar o artista a serviço do discurso do curador. Você como crítico explicita seu pensamento por meio do texto, não da exposição.
Hoje tudo está mais circunscrito. Quem é da imprensa fica como imprensa, quem está na universidade fica na academia, fica circunscrito às fontes bibliográficas, não vai nunca à fonte primária.
Sua pesquisa sobre Tarsila do Amaral, aliás, sem dúvida teve outro impacto pelo acesso que você teve a ela ainda viva.
Digo sempre que penso o contrário de Ruy Castro, que diz que se recusa a fazer biografia de gente viva. Foi muito bom fazer uma biografia com a Tarsila ainda viva. Ia à casa dela uma vez por semana e depois ia conversar com todo mundo que tinha pertencido àquele seu círculo. Morria de medo que essas pessoas morressem antes que pudesse falar com elas.
Você chegou a sentir dificuldades por ser uma mulher circulando entre tantos homens que dominavam a crítica?
Sempre houve mais homens do que mulheres. É um problema geracional. Já me fizeram muito essa pergunta, talvez por causa dessa onda de feminismo nas novas gerações, mas nunca senti nenhum preconceito. Havia uma certa surpresa, mas eu sempre fui acolhida.
O fato de a gente ser mulher também ajuda a conseguir confidências e depoimentos com mais facilidade.
Você esteve à frente da Pinacoteca no auge da ditadura. O regime dificultou seu trabalho?
Nunca tive ressalvas à minha gestão. Todos entenderam que trazia público à Pinacoteca, que estava abrindo um espaço que estava parado.
Que previsão você faz em relação ao futuro da arte do país?
Primeiro precisamos perguntar para onde vai o Brasil. O pior pode acontecer, mas vamos pensar que o melhor pode acontecer. É um enigma.
ARACY AMARAL
QUANDO de ter. a sex., das 9h às 20h; sáb. e dom., das 11h às 20h; até 27/8
ONDE Itaú Cultural, av. Paulista, 149, tel. (11) 2168-1776
QUANTO grátis
Exclusive: Here’s the Full List of Artists Participating in the 15th Istanbul Biennial por Caroline Elbaor, ArtNet News
Exclusive: Here’s the Full List of Artists Participating in the 15th Istanbul Biennial
Matéria de Caroline Elbaor originalmente publicada em inglês no ArtNet News em 24 de julho de 2017.
Curated by Elmgreen & Dragset, the biennale is slated to open on September 16.
From September 16 – November 12, the 15th Istanbul Biennial—which is curated by Elmgreen & Dragset and is centered around the concept of “a good neighbor”—will be staged across six venues in the heart of the Turkish city.
Details about the highly-anticipated exhibition have been released periodically over the past year, initially making waves in April 2016 when the artist duo Elmgreen & Dragset was selected as the 2017 curators. Their appointment was a notable first for the Biennial, which had previously never seen artists moonlight in a curatorial role.
This was followed by the December press conference that announced the theme of “a good neighbor,” where the curators showed off their artistic roots: the pair enlisted 40 performers to question what defines a good neighbor before revealing their chosen theme.
“Home is approached as an indicator of diverse identities and a vehicle for self-expression, and neighborhood as a micro-universe exemplifying some of the challenges we face in terms of co-existence today,” Elmgreen & Dragset explained of the curatorial decision.
“Your neighbor might be someone who lives quite a different life from yours,” they add. “The artists in the 15th Istanbul Biennial raise questions about ideas of home, neighborhood, belonging, and co-existence from multiple perspectives. Some of the artworks examine how our domestic living conditions and modes have changed and how our neighborhoods have transformed, while others focus on how we cope with today’s geopolitical challenges on a micro-level.”
As such, the 55 artists and collectives selected for the 15th iteration of the Istanbul Biennial—which artnet News is exclusively announcing—will look at how modes of living within our respective communities has developed throughout the past few decades.
A full list of the participating artists according to venue follows below:
Galata Greek Primary School
Heba Y. Amin
Born in Cairo, lives in Berlin
Mark Dion
Born in New Bedford, Massachusetts, lives in New York, NY
Jonah Freeman & Justin Lowe
Born in Santa Fe, New Mexico, and Dayton, Ohio, both live in New York, NY
Kasia Fudakowski
Born in London, lives in Berlin
Pedro Gómez-Egaña
Born in Bucaramanga, lives between Bergen and Copenhagen
Lungiswa Gqunta
Born in Port Elizabeth, lives in Cape Town
Andrea Joyce Heimer
Born in Great Falls, Montana, lives in Ferndale, Washington
Morag Keil & Georgie Nettell
Born in Edinburgh and Bedford, both live in London
Olaf Metzel
Born in Berlin, lives in Munich
Mahmoud Obaidi
Born in Baghdad, lives in Burlington, Ontario
Henrik Olesen
Born in Esbjerg, lives in Berlin
Erkan Özgen
Born in Mardin, lives in Diyarbakır
Leander Schönweger
Born in Meran, lives in Vienna
Dan Stockholm
Born in Thisted, lives in Copenhagen
Ali Taptık
Born in Istanbul, lives in Istanbul
Bilal Yılmaz
Born in Manisa, lives in Istanbul
Istanbul Modern
Volkan Aslan
Born in Ankara, lives in Istanbul
Alper Aydın
Born in Ordu, lives between Ordu, Ankara, Konya, and Istanbul
Monica Bonvicini
Born in Venice, lives in Berlin
Louise Bourgeois
Born in Paris, died in New York, NY
Latifa Echakhch
Born in El Khnansa, lives in Martigny
Candeğer Fürtun
Born in Istanbul, lives in Istanbul
Kim Heecheon
Born in Seoul, lives in Seoul
Mirak Jamal
Born in Tehran, lives in Berlin
Fernando Lanhas
Born in Porto, died in Porto
Victor Leguy
Born in Sao Paulo, lives in Sao Paulo
Klara Lidén
Born in Stockholm, lives in Berlin
Mahmoud Obaidi
Born in Baghdad, lives in Burlington, Ontario
Lydia Ourahmane
Born in Saida, lives in Oran and London
Rayyane Tabet
Born in Ashquot, lives in Beirut
Young-Jun Tak
Born in Seoul, lives in Berlin
Kaari Upson
Born in San Bernadino, California, lives in Los Angeles, California
Kemang Wa Lehulere
Born in Cape Town, lives in Cape Town
Yonamine
Born in Luanda, lives in Harare
Xiao Yu
Born in Inner Mongolia, lives in Beijing
ARK Kültür
Mahmoud Khaled
Born in Alexandria, lives in Trondheim
Pera Museum
Adel Abdessemed
Born in Constantine, lives in London
Njideka Akunyili Crosby
Born in Enugu, lives in Los Angeles, California
Alejandro Almanza Pereda
Born in Mexico City, lives in Guadalajara
Berlinde De Bruyckere
Born in Ghent, lives in Ghent
Vajiko Chachkhiani
Born in Tbilisi, lives in Berlin
Gözde İlkin
Born in Istanbul, lives in Istanbul
Liliana Maresca
Born in Buenos Aires, died in Buenos Aires
Lee Miller
Born in Poughkeepsie, New York, died in Chiddingly, East Sussex
Aude Pariset
Born in Versailles, lives in Berlin
Sim Chi Yin
Born in Singapore, lives in Beijing
Dayanita Singh
Born in New Delhi, lives in New Delhi
Tatiana Trouvé
Born in Cosenza, lives in Paris
Tsang Kin-Wah
Born in Shantou, lives in Hong Kong
Andra Ursuta
Born in Salonta, lives in New York, NY
Fred Wilson
Born in New York, NY, lives in New York, NY
Yoğunluk Atelier
Yoğunluk
Collective founded in Istanbul, live in Istanbul
Küçük Mustafa Paşa Hammam
Monica Bonvicini
Born in Venice, lives in Berlin
Stephen G. Rhodes
Born in Houston, Texas, lives in Berlin
Tuğçe Tuna
Born in Mons, lives in Istanbul
Outside all venues
Burçak Bingöl
Born in Giresun, lives in Istanbul
Lukas Wassmann
Born in Zurich, lives in Berlin
julho 25, 2017
No dia de seu aniversário de 60 anos, José Bechara abre individual no MAM por Nelson Gobbi, O Globo
No dia de seu aniversário de 60 anos, José Bechara abre individual no MAM
Matéria de Nelson Gobbi originalmente publicada no jornal O Globo em 25 de julho de 2017.
Com obras em grande escala, "Fluxo bruto" aborda temas como a passagem do tempo
José Bechara - Fluxo Bruto, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, RJ - 26/07/2017 a 05/11/2017
RIO — José Bechara completa 60 anos nesta terça-feira, mesmo dia em que abre sua nova individual no Museu de Arte Moderna do Rio, “Fluxo bruto”, com seis obras inéditas e outras quatro de colecionadores. Um dos artistas brasileiros mais atuantes de sua geração, com trabalhos em instituições como o Centre Pompidou, da França; o Museum of Latin American Art (Molaa), nos EUA; a Pinacoteca do Estado de São Paulo e o próprio MAM Rio, Bechara também completa 25 anos de carreira em 2017. As datas poderiam suscitar uma mostra retrospectiva, mas esse é um projeto que está fora dos planos do autor das obras em grande escala que ocupam o Salão Monumental do museu carioca até 5 de novembro.
— Tem tanta coisa que quero realizar, inventar no meu ateliê, que não paro para pensar na obra em perspectiva nem em relação à idade. Comecei a fazer, sim, uma contabilidade, neste momento de vida, sobre as falhas que cometi e que não quero repetir. Quero ser melhor como indivíduo. Estamos vivendo um momento muito complicado no mundo, espero que as pessoas se deem conta de como perdemos tempo, uma matéria finita que nos é dada em pequeníssimas quantidades, com coisas absolutamente superficiais — analisa Bechara. — Sou um artista de ateliê, para mim é o melhor lugar do mundo. Mas o meu é pequeno. Então, quando tenho a oportunidade de ocupar grandes espaços em museus, aproveito para realizar novas experiências, coisas que não poderia fazer no meu ateliê. Mostrar apenas coisas que já fiz é como se perdesse uma dessas oportunidades. Prefiro deixar a retrospectiva para quando eu morrer, se valer a pena alguém faz.
Para a individual, foram selecionados, de sua produção recente, o díptico “Visto de frente é infinito” (2010), pertencente à coleção Dulce e João Carlos Figueiredo Ferraz, e duas pinturas (1995) da coleção Gilberto Chateaubriand, além de uma nova versão da instalação “Miss Lu Super-Super”, que foi ampliada para ocupar o espaço central do Salão Monumental. O resto do ambiente foi ocupado com duas telas inéditas e outas instalações em grande escala, como “Ângelas”, formada por três esferas maciças de mármore (a maior com 1,8 tonelada) e grandes placas de vidro, com todos os elementos suspensos por cabos de aço. Para o artista, as obras traduzem sua relação com o espaço e o tempo.
— Os trabalhos com o vidro, ou mesmo com o metal, que é vazado, criam essa dupla característica, de ocupar um grande espaço ao mesmo tempo que se deixa entrever. Esse tipo de dualidade também é o que me interessa no ser humano, essa criatura que produz poesia, música, arte, coisas elevadas para o espírito, e também é capaz de tanta selvageria. As obras trazem ainda um pouco da fragilidade humana. Apesar de serem enormes, elas estão montadas a partir da gravidade, poderiam vir ao chão — observa Bechara. — Colocar esses elementos dispostos dessa maneira é uma forma de congelar o tempo, essas obras só existirão assim durante o período da exposição. Essa breve interrupção do tempo me alivia um pouco. O tempo é algo aflitivo para mim, mas nunca quis analisar isso, prefiro lidar com essas questões no meu trabalho.
A curadoria de “Fluxo bruto” é assinada por Beate Reifenscheid, curadora e diretora do Ludwig Museum de Koblenz, na Alemanha, onde Bechara expôs em 2015. Beate conheceu o brasileiro em uma viagem ao Rio em 2014, e desde então a dupla nutria o projeto de realizar uma exposição. Após a montagem alemã, foi a vez da individual no Rio, que pode virar um livro com texto dela.
— Durante a exposição no Ludwig, o público admirava muito os trabalhos dele, nas nossas visitas guiadas tínhamos muitas conversas a esse respeito. Após esse projeto, começamos a pensar em novas exposições e, quando Bechara foi convidado para o MAM, me pediu para curar essa exposição — conta Beate. — Muitas das obras se concentram no tempo e no espaço e mesmo na sua transição, ainda que suas estruturas sejam sólidas. O trabalho do Bechara oferece ao público uma inesperada liberdade.
Bechara visitou várias vezes o Ludwig para montar a individual. O artista prefere criar ou finalizar as obras no espaço, como fez em “Fluxo bruto”, no MAM, onde permaneceu por duas semanas para executar os novos trabalhos:
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— Tenho a necessidade de frequentar o espaço, nunca consegui montar uma exposição apenas com base nas plantas, as uso apenas para resolver problemas técnicos. Mesmo no Salão Monumental do MAM, que conheço bem, tive de voltar várias vezes para elaborar as obras e sua disposição. Preciso dessa experiência física, de permanecer no espaço. Acabo transferindo meu ateliê para os lugares onde vou expor.
As “próximas paradas” do ateliê de Bechara serão em Buenos Aires, em setembro, durante a Bienalsur; na Bienal de Pequim, em outubro; e em Miami, em dezembro, onde faz uma individual na galeria Diana Lowenstein, durante a versão americana da Art Basel. Enquanto abre a individual no Rio, o artista já elabora as obras das próximas mostras, no “fluxo bruto” que dá título à exposição carioca.
— “Fluxo bruto” aborda essa sequência de trabalhos, cada um abre portas, brechas, caminhos para o próximo. Quando termino de montar uma exposição como essa, os braços param de se mexer, mas a cabeça, não.
julho 17, 2017
Gestos vitais ao porvir por Luisa Duarte, O Globo
Gestos vitais ao porvir
Crítica de Luisa Duarte originalmente publicada no jornal O Globo em 17 de julho de 2017.
Com curadoria de Marisa Flórido, a mostra ‘Miragens’ se inspira na Saara e expressa a vitalidade advinda do caos
Miragens, Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, RJ - 05/06/2017 a 22/07/2017
Em uma época de grave crise como a que atravessamos hoje, somos convocados a imaginar e criar, diariamente, diferentes formas de resistência.
Se a situação atual da cidade, do estado e do país gera massacres de diferentes tipos, retirando direitos dos cidadãos, esvaziando os sonhos dos jovens por uma vida mais digna, ou ainda, em geral, deixando a todos com uma sensação de temor e incerteza no horizonte, essa mesma situação pode, também, nos seus melhores casos, inaugurar gestos que nos recordam a chance de seguir de maneira vital em meio ao nevoeiro espesso e complexo no qual caminhamos hoje.
A coletiva “Miragens”, curada por Marisa Flórido, no Centro de Arte Hélio Oiticica, é um gesto dessa natureza.
Ao ser convidada pelo CAHO para pensar uma exposição a partir da questão da cidade, tendo como leitmotiv a região na qual o Centro se encontra, a Saara (Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega), Flórido edificou, em conjunto com sete artistas que haviam sido seus alunos — Claudia Lyrio, Gilberto Martins, Fernanda Leme, Talita Tunala, Rafael Prado, Eduardo Garcia e Jean Araújo —, uma mostra realizada com poucos recursos financeiros mas prenhe de pensamento.
A partir dessa provocação inicial os artistas deram início a uma pesquisa na região, de tal forma que o que vemos na exposição é um cruzamento da poética de cada um e as impressões despertadas nesse encontro.
Na mostra, a cidade e a Saara são pontos de partida que não se tornam temas ilustrados de maneira literal. Na medida em que cada uma dessas respostas vinha ao mundo começava uma outra rede de diálogo. Dessa vez, a curadora, em parceria com um dos artistas, Gilberto Martins, se punha a escrever um pequeno conto que traduzia uma “cidade”.
No caso da obra de Eduardo Garcia, o que testemunhamos é uma evocação da pólis como espaço de trocas monetárias. “Apagamento” é uma instalação na qual vemos uma máquina de realizar compras em débito ou crédito à frente de uma multidão de comprovantes de transações apropriados do comércio da região da Saara.
O texto que traduz essa cidade de fluxos financeiros nos diz: “Que os rios correm como o tempo, disso nunca houve dúvida em ‘Cérbera’, cidade onde o fluxo é lei, nada deve fixar, os excedentes são sinal de prestígio e sinônimo de passagem, como estendidos apertos de mão ao som do silvo de guardas de trânsito fluvial, determinando que todos sigam logo seu destino de transeuntes e consumidores. ‘Cérbera’, cidade das águas, possui cinco rios invisíveis onde se vive em trocas perpétuas: Dádiva, Avareza, Ganância, Fetiche, Espetáculo.”
CALVINO COMO INSPIRAÇÃO
Lembrando Ítalo Calvino e o seu “Cidades invisíveis”, os ensaios que antecedem cada trabalho nos alimentam de forma poética e crítica para o encontro por vir. “Lexia” é a pólis de Gilberto Martins.
Em sua obra “Sem título” (2017) vemos um grande bloco formado por milhares de jornais empilhados e marcados com tinta asfáltica. O veículo que comercializa a notícia tem a sua dimensão verbal eclipsada em favor de sua aparição enquanto pura imagem. O artista subverte a cronologia dos dias, comprime anos em um só tempo e espaço. A rua adentra através do asfalto, que é tanto tinta quanto combustível fóssil.
Uma mostra como “Miragens”, cujo título significa “espelhismo”, ou seja, o efeito óptico produzido pela reflexão da luz solar que ocorre nas horas mais quentes, mas também quimera, sonho, finda por surgir como um exemplo para o tempo por vir. Ato de resistência que nos recorda a chance de uma potência vital e ativa por meio da arte em meio ao nevoeiro crepuscular que atravessamos.
Ex-parceiro de Paulo Bruscky reivindica autoria de performance do artista na atual Bienal de Veneza por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Ex-parceiro de Paulo Bruscky reivindica autoria de performance do artista na atual Bienal de Veneza
Post de Silas Martí originalmente publicado em seu blog no jornal Folha de S. Paulo em 11 de julho de 2017.
Ex-parceiro criativo de Paulo Bruscky entre as décadas de 1970 e 1990, Daniel Santiago vem atacando o ex-amigo por esconder seu envolvimento na elaboração da performance que realizou em maio na abertura da Bienal de Veneza, uma obra concebida pela extinta dupla Bruscky & Santiago.
Nos Giardini da mostra italiana, Bruscky empilhou caixas do tipo usadas para embalar obras de arte, executando só agora uma ação pensada pelos dois em 1973. Um telex daquele ano traz, de fato, o nome dos dois artistas como autores da performance.
Santiago, que acusa o ex-parceiro de só querer ganhar dinheiro com a venda dessas caixas, postou uma imagem do documento nas redes sociais. O mesmo telex também está reproduzido no catálogo da Bienal de Veneza, que não faz, no entanto, qualquer menção a Santiago ao descrever o trabalho como um “marco pioneiro da arte conceitual da América do Sul”.
Bruscky diz que fez questão que o telex fosse mostrado e reconhece a autoria compartilhada. “Ele pode dizer o que quiser, não me incomoda. Não tenho culpa da minha projeção.”
Atualização Depois da publicação da nota acima, o artista Daniel Santiago publicou um comentário em seu perfil no Facebook dizendo que a redação do texto foi “capciosa”, sugerindo que eu tenho algum tipo de ligação com a galeria Nara Roesler e por isso teria dito que ele está “atacando”, termo meu, seu ex-parceiro criativo Paulo Bruscky. Esclarecendo qualquer dúvida, e demonstrando que seu tom em nossa conversa foi, sim, de ataque, publico abaixo a íntegra de nossa conversa por telefone.
Ele transformou a obra numa performance. Aquela obra não era para ser feita em performance. Aquela obra foi mandada por telegrama para um salão no Paraná. O pessoal do salão devia pegar todas as caixas que embalaram as obras dos outros artistas e colocar em exposição dentro do salão. E o nome do trabalho era “Arte Se Embala Como Se Quer”.
Esse telegrama está no meu Facebook. E esse telex foi publicado num livro de Paulo Bruscky.
Ele repetiu uma obra da equipe Bruscky Santiago. E essa obra foi boa porque aquelas caixas agora vão valer muito para a galeria da Nara Roesler. Cada caixa daquela agora vai valer uma fortuna. A gente não podia mandar essa proposta na época porque já era tarde.
Não sei se fizeram. Mas o próprio telegrama já era uma obra de arte completa.
Ele não fala nada. Tem uma escultura de gelo que ele repetiu umas cem vezes, e é da equipe Bruscky & Santiago. Quando ele tinha uma ideia, ele fazia individualmente. Quando é da equipe, eu que fazia. Eu fazia porque era bom de trabalhar em equipe.
Não reclamo nada. Só estou publicando isso, que é para esclarecer para a história da arte, para os curadores e os jornalistas saberem. É curioso pelo seguinte: um trabalho feito em 1973 em 2017 está na maior bienal do mundo. Como é que um trabalho feito em 1973 agora estoura numa bienal no século 21? Achei curioso isso. O artista fica satisfeito.
Se fosse eu que fosse fazer esse trabalho, não teria feito daquele jeito. Aquele trabalho foi uma performance meio brega. Ele está com uma cara que parece que está doente. Não gostei daquela roupa dele, ele devia estar de paletó e gravata, de acordo com a Bienal.
Não quero dinheiro nenhum. Estou só dizendo o que aconteceu. Estava até pensando que você não publicava alguma coisa a esse respeito porque talvez a galeria tenha bom relacionamento com a Folha de S.Paulo.
Não é a primeira vez que ele faz isso não. Na 29ª Bienal de São Paulo, o Moacir dos Anjos me chamou para fazer um trabalho na Bienal de São Paulo. Eu fui para São Paulo para ver o ambiente onde seria o trabalho. O título era “A Democracia Chupando Melancia”. Fiz três propostas e mandei para a Bienal de São Paulo. Ele passou o tempo todinho, acabou a Bienal, e ele não me disse nada. E o Paulo saiu com a fogueira de gelo, que foi um trabalho nosso para o Salão de Recife e foi feito depois na exposição de escultura efêmera de Sérvulo Esmeraldo em Fortaleza. Essa fogueira de gelo foi exposta lá. Foi a escultura mais efêmera que houve na exposição.
Aquilo ele repete várias vezes. Ele, como já é um artista consagrado, na Bienal de Veneza deveria ter colocado um trabalho dele, somente dele, ou que criasse um trabalho do arquivo dele. Mas ele bebe muito, sabe? Estou achando que ele está em crise de criação, porque pegar um trabalho lá atrás, de 1973.
A coisa é outra. Eu não faria isso. Ele não me disse nada. Se ele tivesse vindo falar comigo, não teria feito aquela performance, nem tinha colocado esse trabalho, porque a equipe Bruscky & Santiago tem trabalhos mais bonitos para uma Bienal de Veneza. Aquilo que é bom para vender as caixas. Com esse negócio de lavar dinheiro agora, de político comprando obra de arte.
Ele está esperando só que eu morra para escrever um livro. Ele fica tranquilo em fazer as coisas, que eu não faço isso. Ele ganhou muito dinheiro com isso.
Performer tem sua obra interrompida e é detido pela PM de Brasília, O Globo
Performer tem sua obra interrompida e é detido pela PM de Brasília
Matéria originalmente publicada no jornal O Globo em 16 de julho de 2017.
O artista Maikon K. realizava a performance 'DNA de Dan' no sábado, quando foi interrompido por policias militares que o prenderam por 'ato obsceno'
RIO — O artista e performer paranaense Maikon Kempinski, conhecido como Maikon K., foi preso na tarde deste sábado pela Polícia Militar do Distrito FEderal, enquanto apresentava a sua performance "DNA de Dan" em frente ao Museu Nacional da República. Por volta das 17h20m de sábado, policiais militares abordaram o artista e o impediram de continuar realizando a performance. Detido sob a justificativa de que o artista praticava "ato obsceno", o performer foi colocado no porta-malas de uma viatura policial e levado para a 5ª Delegacia de Polícia da capital federal, onde teve de assinar um termo circunstanciado de ato obsceno. Durante a execução de "DNA de Dan", Maikon realiza o trabalho com o corpo nu, inserido numa esfera plástica e translúcida.
Neste domingo à tarde, após ser liberado, o artista publicou um texto em seu perfil no Facebook onde se disse indignado com o episódio e com a ação policial, que tanto o impediu de completar o seu trabalho como danificou o material cenográfico da performance. Concebida pelo artista para ser apresentada ao ar livre, em espaços públicos, "DNA de Dan" era apresentada como parte integrante do projeto Sesc Palco Giratório, que é considerado o principal projeto de circulação de obras de artes cênicas em território nacional. Antes de chegar a Brasília a obra já havia sido apresentada sem problemas em diferentes cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Campina Grande. Reconhecido como um dos mais importantes performers do país, Maikon teve este mesmo trabalho apresentado na mostra “Terra Comunal: Marina Abramovic + MAI”, realizada pelo Sesc São Paulo em 2015 e dedicada à obra de Marina Abramovic.
Em seu relato, Maikon agradeceu ao apoio que recebeu de "pessoas que já viram a performance 'DNA de DAN' e de pessoas que não viram, mas que acreditam na arte como forma de expandir as visões e atuar no mundo. Porque não se trata de mim apenas ou do meu trabalho, o que aconteceu ontem é um sintoma do grande cadáver que fede há tempos por aqui", escreveu.
Em seu relato, Maikon diz que a sua performance "não chegou ao seu término, pois fui agredido por policiais e detido por ato obsceno". Além da apresentação de sábado, "DNA de Dan" também seria apresnetada neste domingo, no mesmo local, mas a sessão foi cancelada.
Sobre a suposta razão da sua prisão, a nudez do seu corpo, e a abordagem dos policiais, o artista contou que já havia iniciado o trabalho quando ouviu "vozes de um grupo de policiais militares ordenando que a apresentação fosse encerrada, com falas como 'isso vai parar de qualquer jeito, caralho', 'tira esse cara daí', 'que porra é essa'", disse.
Seus produtores teriam tentado dialogar com os policiais, mas não foram ouvidos:
"Eles não queriam saber o porquê daquilo estar acontecendo ali, o que significava, qual o contexto. Tínhamos a permissão e o apoio do Museu Nacional para estar ali, ou seja, um museu ligado ao Ministério da Cultura, e éramos contratados do Sesc. Até esse momento, eu pensava, parado, 'logo o produtor do Sesc vai explicar a eles e esse mal entendido vai acabar', e continuaremos o trabalho. Porque duas outras vezes já tivemos a aproximação de policiais, mas após a explicação eles entenderam se tratar de uma obra de arte e nos deixaram continuar sem que parássemos", escreveu.
De acordo com a PM, os militares foram ao local após transeuntes avisarem que teriam avistado "um homem nu" nas imediações do Museu da República. Segundo a PM, os PMs foram informados de que o performer realizava um trabalho artístico, mas como "não foi apresentada nenhuma documentação/autorização do museu tampouco da administração de Brasília, foi determinada a paralisação da referida exposição e foi dada voz de prisão ao elemento nu", informou a PM em uma nota.
Instituição responsável pela realização da performance, o Sesc informou que irá se posicionar sobre o ocorrido apenas na segunda-feira. Em seu texto, Maikon ressaltou a importância de projetos artísticos como o Palco Giratório, e disse esperar que "mesmo depois disso tudo, o Sesc continue com essa coragem de apoiar trabalhos artísticos de todos os estilos e discursos, como sempre fez ao longo dos anos".
Artista respeitado, Maikon K é preso por ficar nu em performance por Miguel Arcanjo, UOL
Artista respeitado, Maikon K é preso por ficar nu em performance
Post de Miguel Arcanjo originalmente publicado em seu blog no portal UOL em 16 de julho de 2017.
O artista paranaense Maikon Kempinski, conhecido como Maikon K, um dos nomes mais respeitados e consagrados da performance no Brasil, foi preso em Brasília, em uma ação policial que faz lembrar os tempos de ditadura [lembre outros casos ao fim desta reportagem].
Ele foi detido na tarde deste sábado (15). A prisão foi justificada pela Polícia Militar do Distrito Federal como sendo por “atentado ao pudor”, retirando completamente a nudez do contexto artístico em que ela ocorreu.
A prisão foi feita no momento em que Maikon K se apresentava em frente ao Museu Nacional da República com a performance “DNA de DAN”, na qual fica nu com o corpo coberto de um líquido que se resseca aos poucos, até, ao fim, se quebrar, revelando a pele do artista.
A performance “DNA de DAN” integra o projeto do Sesc “Palco Giratório”.
A performance já foi apresentada em diversos lugares no Brasil, sempre com respeito do público e da crítica especializada.
“DNA de DAN”, inclusive, foi escolhida pela artista Marina Abramović, maior nome da performance no mundo, para ser uma das oito performances brasileiras a integrar sua megaexposição “Terra Comunal” no Sesc Pompeia, em São Paulo, em 2015.
Foi a maior mostra na América do Sul da artista sérvia radicada em Nova York, e Maikon K foi convidado a apresentar “DNA de DAN” pela própria artista, admiradora do trabalho do brasileiro.
A própria Marina Abramović já utilizou da nudez como expressão artística em performances consagradas.
Abordagem violenta da PM
Em Brasília, a abordagem policial a Maikon foi feita de forma agressiva, conforme relato do artista. Ele foi levado à 5ª Delegacia de Polícia na Asa Sul e não pôde sequer terminar sua apresentação.
No DP, Maikon foi obrigado a assinar um termo circunstanciado por “praticar ato obsceno”, mesmo tendo feito uma performance artística, e só então foi liberado.
“Não estava ali como pessoa física, mas sim como artista contratado pelo Palco Giratório do Sesc”, afirma Maikon K ao Blog do Arcanjo do UOL, indignado.
Além disso, o cenário da performance — uma gigante bolha de plástico transparente criada pelo artista Fernando Rosenbaum, dentro da qual a apresentação é feita — foi rasgado de forma violenta durante a abordagem da PM, segundo relato de Maikon.
“Usaram de violência. Um sargento me imobilizou depois com uma chave de braço e não permitiu que eu levasse nem meus sapatos e documentos. Ninguém pôde me acompanhar na viatura, fui socado num porta-mala de camburão junto com um pneu de estepe”, conta.
Performance consagrada
Maikon lembra que seu trabalho “DNA de DAN” já esteve nas mais importantes instituições culturais do Brasil.
“Esse trabalho estreou em 2013 em Curitiba, com apoio de um prêmio da Fundação Nacional de Artes. Lá, fizemos dez apresentações ao ar livre, no bosque atrás do Museu Oscar Niemeyer. E nunca fomos impedidos ou atacados por isso”, diz.
“Depois, circulamos por várias cidades, tendo o apoio de instituições como a Funarte, o Sesc, o Museu de Arte Moderna do Rio, o Memorial Minas Gerais, a Casa de Cultura de Belém, o CCBB etc. Essa performance já foi feita em praças e ruas, universidades, centros de cultura, galerias”, lembra.
Maikon fala que, apesar da truculência policial da qual foi vítima, não vai desistir de sua arte.
“Podem me colocar diante de um juiz. Eu sei que eu não fiz nada de errado nem nada pelo qual eu deva me envergonhar. Eu estava trabalhando, e minha função é essa: perturbar a paisagem controlada dos sentidos”, declara.
E manda um recado a quem quer calar sua arte:
“O meu corpo afronta os seus canais entupidos, o seu ódio contido, mesmo estando parado. Porque vocês nunca vão me controlar e eu pagarei o preço, eu sei, eu sempre paguei. Porque parado ali, nu, imóvel no meio da praça, suas vozes me atravessam, suas piadas estúpidas tentam me derrubar, sua indiferença me faz rir, seu embaraço me dá dó, mas eu continuo em pé.”
O Sesc ainda não se pronunciou sobre o caso, mas o Blog do Arcanjo do UOL apurou que a instituição planeja divulgar nesta segunda (17) uma nota de repúdio à prisão de Maikon Kempinski.
Governador pede desculpas
O Blog do Arcanjo do UOL apurou ainda que, neste domingo (16), o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, e o secretário de Cultura do DF, Guilherme Reis, telefonaram para Maikon K para pedir desculpas pela prisão em nome do Governo do Distrito Federal. Maikon já está sendo assessorado por advogados do Sesc.
Caso lembra a ditadura
A prisão truculenta de Maikon K durante sua performance artística “DNA de DAN” lembra os tempos da ditadura, quando casos assim aconteciam.
Em 1968, a peça “Roda Viva”, dirigida por José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, com seu Teat(r)o Oficina teve uma sessão interrompida pelo grupo Comando de Caça aos Comunistas no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo. Os artistas foram espancados e o cenário, destruído. Depois, durante a turnê no Rio Grande do Sul, os artistas voltaram a ser perseguidos com violência por militares.
Também em 1968, a atriz Norma Bengell foi sequestrada por militares no momento em que chegava ao Teatro de Arena, em São Paulo, para apresentar a peça “Cordélia Brasil”, de Antônio Bivar.
Recentemente, o teatro tem sido vítima novamente da violência policial.
Em 2015, artistas do Teat(r)o Oficina precisaram depor no Fórum Criminal da Barra Funda. Ao fim, a Justiça decidiu que o diretor José Celso Martinez Corrêa, e os atores Tony Reis e Mariano Mattos Martins, eram inocentes na ação criminal movida pelo padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, de Anápolis, Goiás.
O padre havia acusado os artistas de crime contra seu sentimento religioso católico por conta de uma cena da peça “Acordes”, apresentada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 2012 a convite de alunos, professores e estudantes em greve contra a posse da reitora Anna Cintra, que havia ficado em terceiro lugar na eleição.
O padre goiano viu a peça pela internet, no YouTube. Sentindo-se ofendido com a cena na qual um boneco semelhante ao Papa Bento 16, que na obra inspirada em Bertolt Brecht representava a figura do autoritarismo, resolveu então processar criminalmente os três artistas do grupo Oficina, além da produtora da companhia teatral, Ana Rúbia.
Também em 2015, o artista circense Leônidas Quadra, intérprete do palhaço Tico Bonito, foi preso também durante uma apresentação em Cascavel, interior do Paraná, justamente porque policiais que viam a apresentação não gostaram das críticas à polícia feita na peça. O palhaço foi detido por “desacato à autoridade”.
Em 2016, a PM de Santos, litoral paulista, prendeu o ator Caio Martinez Pacheco durante a peça “Blitz – O Império que Nunca Dorme”, da Trupe Olho da Rua, que satiriza o poder do Estado. Os policiais que estavam presentes na praça onde a peça era apresentada não gostaram do uso da bandeira nacional no espetáculo.
Passagem pelo corpo
Na programação do “Palco Giratório 2017” do Sesc, a performance de Maikon K é definida assim:
“DNA de DAN é uma dança-instalação de Maikon K. Num primeiro momento, o performer mantém-se imóvel enquanto uma substância seca sobre seu corpo. Após essa fase da experiência, ele se moverá. A ação acontece dentro de um ambiente inflável criado pelo artista Fernando Rosenbaum – o público poderá entrar nesse espaço e lá permanecer. Dan é a serpente ancestral africana, que dá origem a todas as formas. A partir desse arquétipo, Maikon K cria seu rito de passagem pelo corpo. A construção de outra pele, o ambiente artificial e a relação com o público são dispositivos para esta performance, na qual o corpo do artista passa por sucessivas transformações.”
Veja o vídeo da performance artística que foi criminalizada pela PM do Distrito Federal:
julho 12, 2017
Uma nova gramática para a arte por Mariana Tessitore, ARTE!Brasileiros
Uma nova gramática para a arte
Matéria de Mariana Tessitore originalmente publicada na revista ARTE!Brasileiros em 8 de julho de 2017.
Exposição no Instituto Tomie Ohtake debate a condenação de Rafael Braga nos protestos de 2013, trazendo à tona a pauta do engajamento na cultura. Conversamos com acadêmicos, curadores e artistas para saber o que eles pensam sobre a relação entre arte e política hoje
“A arte é a ciência da liberdade”, já dizia Joseph Beuys. Mas como interpretar essa frase do mestre alemão à luz da crise democrática que assola o Brasil? Esse debate ganha fôlego com a inauguração da mostra OSSO: Exposição-apelo ao amplo direito de defesa de Rafael Braga. Feita em parceria com o IDDD (Instituto de Direito do Direito de Defesa), a mostra debate o caso de Rafael Braga, jovem negro que foi detido nas manifestações de 2013 por portar desinfetante e água sanitária. Braga foi o único condenado no contexto dos protestos, seu caso se tornou um símbolo de luta dos movimentos sociais.
Em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, a exposição apresenta 29 trabalhos, reunindo desde nomes consagrados, como Cildo Meireles e Anna Maria Maiolino, até jovens artistas representados por Moisés Patrício, Paulo Nazareth, entre outros. Junto às obras, também há documentos sobre o caso de Braga. Segundo o curador, Paulo Miyada, os artistas participam da mostra como se estivessem assinando um abaixo-assinado.
“O caso do Rafael é paradigmático por ser um exemplo de uma situação institucionalizada. Ele revela o quanto a cidadania, no Brasil, é desigualmente atribuída, dependendo do grupo social, da raça e etc”. Miyada afirma que há um “consenso de que não está tudo bem no País” e que é preciso entender qual é a “pertinência da arte e da cultura nesse contexto”.
Com uma retórica clara, já enunciada no próprio título, a mostra marca posição, sem precisar recorrer a trabalhos panfletários ou “verborrágicos”, como define o curador. “Privilegiamos obras que não fossem tão discursivas. A palavra ‘osso’ remete ao que há de mais agudo, afiado e conciso na arte contemporânea. É como se cada trabalho equivalesse a um gesto, uma ação direta feita pelo artista”, explica.
Uma das participantes da mostra, Carmela Gross acredita que as obras devem “agudizar” as questões sociais: “A arte sempre é política. Claro que não podemos entender a política num sentido estreito. Trata-se, antes de tudo, de produzir um acontecimento sensível que possa reverberar nos outros”. Nuno Ramos, que exibe a obra Balada, composta por um livro alvejado por uma bala, concorda com a colega.
“Não se faz política apenas quando se trata de uma pauta engajada. Quer dizer, há política em toda obra. A Bossa Nova, por exemplo, tinha uma grande potência política, apesar de não ser uma intenção explícita dos autores”, afirma o artista. Ele ainda chama atenção para os riscos de “leituras enviesadas”: “Não necessariamente as obras mais engajadas serão aquelas que permanecerão, dando conta do seu tempo. Precisamos interrogar os trabalhos com bastante riqueza para não ficarmos presos ao seu conteúdo”.
Em rumo ao impossível
Para o filósofo e professor da USP, Vladimir Safatle, a força da obra de arte não pode ser reduzida ao seu discurso.“A dimensão política fundamental da arte não está no engajamento explícito, mas na sua capacidade de dar forma ao que é tido como impossível. E isso não é simplesmente uma função utópica da arte, é a sua dimensão mais concreta, ela permite a criação de novas formas de sociabilidade”. Ele explica que aspirar ao impossível significa, sobretudo, pensar em outras maneiras de habitar e sentir o mundo. E, para isso, é preciso criar novas linguagens.
“Hoje, se olharmos nas galerias de arte, há muitos trabalhos que tratam diretamente de problemas sociais. Mas o que talvez nós precisemos seja algo de outra natureza. Um dos motivos do embotamento da nossa imaginação política vem do fato de adotarmos a gramática daquilo contra o qual se combate. Acabamos falando a mesma linguagem, ainda que para fazer frases diferentes. E é óbvio que, dentro desse processo, o jogo já está perdido. Talvez a arte seja um dos poucos discursos que possa nos lembrar disso. Não há instauração política sem criação de uma nova gramática”, pontua.
Na mostra em cartaz no Tomie Ohtake, um trabalho em especial traz a a ideia da arte em busca do impossível. Trata-se do registro de uma exposição que o artista Paulo Bruscky montou em Recife, em 1974. Intitulada Nadaísmo, a mostra não era composta por nenhuma obra, a galeria estava totalmente vazia. O público era convidado a comparecer com um panfleto irônico: “As pessoas chegam à sala e nada acontece. (..) Nada e somente o nada que perturba tanto. Mas então o nada é algo. Se perturba tanto, então não é só algo, como muito. O nada é muito”.
O encontro com o nada, proposto por Bruscky, desarma o espectador, convocando-o a refletir sobre o inesperado. Para Paulo Miyada, é preciso de fato pensar a política de uma forma mais ampla. “Como curador, tento desautomatizar os jeitos em que trago as pautas para os meus projetos. É uma forma de revalorizar a ideia de política como algo que deve ser conquistado e não uma palavra-chave a priori”, pontua.
Perspectiva histórica
Olhar o passado pode ajudar a entender a relação entre a arte e a política hoje. Segundo o professor do departamento de história da USP, Francisco Alambert, a arte moderna se baseava em duas formas de revolução: a social, pautada pelos exemplos das transformações na França, em 1789, e na Rússia, em 1917, e a formal, associada às vanguardas artísticas. “A arte contemporânea, por sua vez, nasce sob o signo da pós-revolução, quando a perspectiva de uma transformação radical nas coisas e na arte, ainda que não desapareça, já não é mais vista como necessária. Daí o desafio da arte contemporânea de ter que procurar o seu lugar político”.
Nessa busca por uma nova gramática, como afirma Safatle, talvez um dos maiores impasses seja a relação dos artistas com o mercado. Alambert defende que, diferentemente da arte moderna que no início se opunha aos parâmetros oficiais– os quadros de Picasso, por exemplo, chegarem a ser censurados- a produção contemporânea já surge em diálogo com as instituições.
“A política da arte contemporânea é muito contraditória porque, por um lado, os artistas romperam completamente com as linguagens tradicionais. A arte foi para a rua, o corpo, as instalações. Nesse sentido, ela é muito livre. No entanto, essa liberdade é limitada pela condição de mercadoria e pelo fato das obras sempre estarem dentro de uma instituição que as legitime: museus, bienais, galerias. Muito raramente a produção de arte contemporânea está associada a movimentos sociais maiores”, defende o historiador.
Mesmo que dentro de uma instituição, a mostra OSSO representa essa tentativa de diálogo com outros setores da sociedade civil, sendo uma parceria da arte com a justiça. Segundo o curador, a exposição funciona como um “chamado social” para que cada setor colabore trazendo reflexões. “Esse diálogo foi fundamental para o projeto. E talvez seja algo mais ou menos raro porque geralmente o próprio sistema da arte se retroalimenta e tem todas as suas dinâmicas e reflexões internas”, pontua Miyada.
Nuno Ramos também considera importante que as mostras consigam “dialogar cada vez mais com outras parcelas da sociedade”. Ainda assim, ele comenta que a relação entre arte e política deve ser vista a partir de suas nuances:“ Em um momento em que tudo indica que a função do artista é assumir para si questões éticas, talvez o que devamos fazer seja trair essa expectativa e não assumir nenhum papel. E isso em si já é uma postura política. No fundo, é pensar um pouco a arte como uma forma de solidão, algo que não se identifica com as funções do mundo”.
‘Osso’: exposição no Tomie Ohtake apela ao direito à defesa de Rafael Braga por Marina Rossi, El País
‘Osso’: exposição no Tomie Ohtake apela ao direito à defesa de Rafael Braga
Matéria de Marina Rossi originalmente publicada no jornal El País em 29 de junho de 2017.
A mostra debate o caso emblemático do jovem condenado nos protestos de 2013 por portar desinfetante
Ao subir no pódio olímpico dos Jogos do México em 1968, o velocista Tommie Smith, que acabara de se tornar campeão mundial, fez um gesto que entrou para a história: enquanto tocava o hino nacional, o atleta, negro, abaixou a cabeça - em vez de levantar, em sinal de respeito - cerrou o punho direito e levantou o braço. Na mão, uma luva preta. O sinal era uma saudação ao Black Power, movimento ocorrido especialmente nos Estados Unidos, que simbolizava a luta e a resistência. Quase 50 anos depois, a imagem de Smith volta à cena, em um contexto análogo: o da resistência.
A obra Tommie é uma pequenina escultura de aço e madeira do artista Paulo Nazareth, que reproduz a imagem do atleta com o punho cerrado. Ela é uma das 32 obras pertencentes à mostra Osso - Exposição-apelo ao amplo direito de defesa de Rafael Braga, apresentada pelo Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, em parceria com o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).
Rafael Braga é um catador de latas brasileiro e, assim como o velocista, é jovem e negro. Foi detido nas manifestações de junho de 2013 por portar dois frascos contendo desinfetante e água sanitária. Ele foi o único condenado no contexto das manifestações de 2013, por "portar material incendiário", durante um protesto no Rio de Janeiro. Depois de cumprir parte da pena, passou para o regime aberto, mas acabou sendo preso novamente, em janeiro do ano passado, porque, segundo a versão da polícia, ele portava 0,6 grama de maconha, 9,3 gramas de cocaína, além de um rojão. Rafael, que nega todas as acusações, alega ter sido vítima de violência e extorsão policial.
O caso de Rafael Braga foi alçado a símbolo de centenas de outros casos que têm se repetido no Brasil, que anulam o direito da defesa se defender. Por isso, a escolha de uma "exposição-apelo", segundo explica o curador do Instituto Tomie Ohtake, Paulo Miyada. "As obras tentam abrir um leque de sensibilidade para fazer reverberar esta questão", diz. O título da exposição, Osso, se justifica por terem sido escolhidas obras produzidas a partir de estruturas mínimas, "sem gordura", como explica Miyada. As obras de 29 artistas brasileiros são divididas entre as inéditas, as feitas especialmente para a ocasião e algumas já conhecidas. E muitas delas incomodam.
Em Os homens, por exemplo, o artista Rafael Escobar traz uma pilha de registros da Defensoria Pública de São Paulo com os relatos feitos por carroceiros da região da Luz sobre como perderam seus bens nas ruas. Os nomes dos envolvidos estão suprimidos, assim como a caracterização dos responsáveis por levar os pertences, deixando espaços em branco onde residem a ambiguidade entre a violência política e pública. Os relatos podem ser levados para casa. O mesmo ocorre com a obra de Paulo Nazareth, que narra, em primeira pessoa, como foi que aos sete anos de idade foi abordado pela polícia. O folheto com o texto também pode ser levado.
Artistas jovens, negros e ligados às questões sociais formam a exposição, como é o caso de Rosana Paulino, com O Progresso das Nações, e do Manifesto Nadaísta, de Paulo Bruscky. Logo na entrada, letras garrafais avisam: "Artista é público". A obra de autoria de Vitor Cesar é feita com letras parecidas com as usadas para nomear os prédios pela cidade. Em uma sala completamente vazia, está o Cruzeiro do Sul (1969), de Cildo Meireles: um cubo de madeira de 9 milímetros apresentado diretamente sobre o chão. A obra é feita de pinho e carvalho, madeiras utilizadas por povos indígenas para produzir fogo por fricção. Outra sala é ocupada pelo IDDD, e informa de uma maneira direta, porém sem destoar da narrativa dos demais cômodos, a história de Rafael Braga intercalada com relatos de abusos policiais.
De acordo com Hugo Leonardo, advogado criminal e vice-presidente do IDDD, a ideia é sensibilizar a população por meio da arte, "partindo do particular, que é o caso do Rafael, indo para o geral, de tantos casos de pretos, pobres e presos", diz. Para isso, além das obras, haverá um debate programado para este sábado, 1º de julho, com Hugo Leonardo, Paulo Miyada, Geraldo Prado, Suzane Jardim e Cidinha da Silva. "Estamos prevendo uma série de atividades durante essa exposição com a presença de jovens da periferia, com debates, com pessoas que sofrem essa violência do sistema de justiça criminal", diz Hugo Leonardo.
A exposição fica em cartaz do dia 27 de junho ao 30 de julho, das 11h, às 20h e a entrada é grátis. O Instituto Tomie Ohtake fica na avenida Faria Lima, 201, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo.
Mostra em SP une arte e justiça para debater condenação de catador de lixo por Fernanda Mena, Folha de S. Paulo
Mostra em SP une arte e justiça para debater condenação de catador de lixo
Matéria de Fernanda Mena originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 20 de junho de 2017.
Da aproximação entre um curador e um grupo de criminalistas nasceu a mostra "Osso: Exposição-apelo ao amplo direito de defesa de Rafael Braga", que abre na próxima terça (27), no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo.
Rafael Braga foi um dos poucos brasileiros presos e condenados no contexto das chamadas Jornadas de Junho de 2013, quando manifestações tomaram as ruas do país, primeiro contra o aumento da tarifa do transporte público, depois contra a corrupção e outras bandeiras.
Menos de um mês após obter progressão para o regime aberto com o uso de tornozeleira eletrônica, ele foi preso de novo e condenado, agora por tráfico de drogas, num julgamento contestado pelo acusado.
A proposta de uma mostra política obteve a adesão de 28 artistas, como Anna Maria Maiolino, Carmela Gross, Cildo Meireles, Nuno Ramos, Paulo Bruscky e Rosana Paulino.
Para o curador Paulo Miyada, ao emprestarem seu prestígio para a causa do direito de defesa, os artistas atuam como cidadãos e colocam seu trabalho como de uso público, a favor do debate.
"A ideia é de subverter o formato mais consolidado de exposição de arte e política, quando uma proposta curatorial mais ampla permite que cada trabalho apresente uma agenda, para obtermos não apenas obras-discurso mas obras-atitude", diz Miyada.
DEBATE JUDICIAL
A exposição é uma parceria com o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).
"Osso" é uma alusão à escolha de obras feitas a partir de elementos mínimos e também à fragilidade do direito de defesa no país.
"Rafael Braga é um dos milhares de jovens negros e pobres condenados de maneira desproporcional a crimes a eles imputados apenas com base no relato policial", explica Hugo Leonardo, vice-presidente do IDDD.
"A Justiça criminal é em geral aplicada aos mais vulneráveis da sociedade, a quem não é dada voz, numa espécie de perseguição penal, que perpetua a exclusão."
Para ele, a abordagem por meio da arte pode quebrar barreiras, como o preconceito e a indiferença, e permitir um diálogo verdadeiro.
"A multiplicidade de sentidos e afetos envolvidos na arte são amplos, abertos, e capazes de sensibilizar o outro", concorda Carmela Gross, que participa da mostra com um desenho em grafite sobre parece ("Águia", de 1995) feito como parte de uma instalação na antiga Cadeia Municipal de Santos.
Para Cildo Meireles, a exposição se insere num quadro de "injustiça sistemática do país em que os corruptos não estão presos mesmo com provas gritantes acumuladas contra eles". "A arte mostra a indignação possível."
Paulo Bruscky, que vai remontar seu Manifesto Nadaísta, lançado em 1974, durante o regime militar, como forma de protesto contra a censura e a perseguição que sofria, afirma se identificar com o caso de Rafael Braga.
"Fui ameaçado e preso três vezes. Diziam que eu era comunista porque fazia intervenções urbanas", lembra. Segundo ele, os perseguidos pela Justiça de ontem e de hoje são "os que fazem o povo pensar e os miseráveis".
CONDENAÇÃO
No dia 20 de junho de 2013, Rafael Braga, 25, trabalhava como catador de latas perto de um protesto no centro do Rio quando foi detido por policiais civis portando duas garrafas plásticas contendo produtos de limpeza.
Para a perícia, as substâncias tinham "mínima aptidão para funcionar como coquetel molotov". O jovem foi condenado a cinco anos de prisão por porte de artefato explosivo.
Obteve progressão para o regime aberto com tornozeleira eletrônica e conseguiu emprego num escritório de advocacia. Menos de 30 dias depois, foi preso perto da casa da mãe, na Vila Cruzeiro (zona norte do Rio), próximo a ponto de venda de drogas. Segundo a polícia, portava 0,6 g de maconha, 9,3 g de cocaína e um rojão.
Braga nega as acusações, diz que a droga foi plantada e que foi agredido perto da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) local.
No processo, o juiz negou pedidos da defesa de acesso às imagens das câmeras da viatura e da UPP, e ao registro do GPS da tornozeleira. As testemunhas de acusação eram todas policiais.
Mais de um ano após ser detido, foi condenado a 11 anos e três meses por tráfico de drogas e associação criminosa. "É uma pena desproporcional para crime sem violência e com pequena quantidade de droga. É quase a mesma pena aplicada a um homicídio", diz Hugo Leonardo, do IDDD.
Braga, que já havia sido preso duas vezes por roubo, está detido em Bangu.
julho 11, 2017
Abaixo-assinado: Repúdio ao Prêmio Cultura + Diversidade da SMC/RJ, Avaaz
Repúdio ao Prêmio Cultura + Diversidade da SMC/RJ
Abaixo-assinado originalmente publicado na plataforma Avaaz em 8 de julho de 2017.
A ser entregue para: Secretária Municipal de Cultura do Rio de Janeiro Nilcemar Nogueira
Por que isto é importante
No ano de 2016 foi lançando o PROGRAMA DE FOMENTO ÀS ARTES DA PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO 2016/2017, que compreendia as seguintes Linhas de Ação:
- Teatro;
- Circo;
- Música;
- Dança;
- Artes Visuais;
- Artes Integradas;
- Infância ;
- Incentivo ao Hábito de Leitura;
- Publicações Literárias para Jovens Escritores Cariocas;
- Projetos para Museus;
- Cultura Afro e Matriz Africana
Para este Edital foi destinado o valor estimado de R$ 24.800.000,00 (vinte e quatro milhões e oitocentos mil reais). Pela primeira vez em uma edição do Fomento, diversos núcleos de trabalho: grupos, cias, coletivos; foram agraciados em um Edital de Fomento. Nunca esteve tão presente em uma edição a total diversidade, a total ocupação de todas as áreas do Rio de Janeiro, sem distinção de zona norte, zona sul, zona leste ou zona oeste. Este Fomento estava sendo um dos mais aguardados devido a todas estas especificidades.
Entretanto, após as eleições do novo Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro Marcelo Crivella, que não era o candidato do Prefeito anterior Eduardo Paes, ‐ que tentava emplacar o seu candidato Pedro Paulo ‐; e com a saída do ex‐Secrertário Municipal de Cultura Marcelo Calero ‐ que foi ocupar a cadeira de Ministro da Cultura ‐; sentimos haver uma velada retaliação a classe artística carioca pelo apoio incondicional da mesma, ao candidato Marcelo Freixo do PSOL.
A partir deste momento começaram a surgir muitas indefinições e pouca transparência em relação ao pagamento do Fomento 2016, ainda na gestão do Prefeito Eduardo Paes; que culminou com o seu calote ao Edital. Deixando a resolução final para o próximo governo.
Com a entrada do novo Prefeito Marcelo Crivella, e com a posse da nova Secretária Municipal de Cultura Nilcemar Nogueira, tempos sombrios começavam a se instalar na cultura carioca, já em sua desastrosa festa de apresentação; onde o samba deu a tônica ‐ em um "espetáculo" de produção tosca ‐, e o Prefeito nos brindou com pérolas como: "realizar mais com menos”, “Cultura é troca. O artista, o escultor e o músico trocam sua arte por um sorriso, um sentimento, um aplauso”, e que em seguida foi interrompido aos gritos de “cultura é trabalho”, “emprego”, “comida”. Os manifestantes foram aplaudidos pela plateia, e ele, nem pela sua equipe correligionária.
A partir daí já podíamos prever o que estava por vir; mesmo que por nenhum momento a classe artística tenha desistido desta causa, e lutou incansavelmente em buscar o diálogo com a atual Secretária de Cultura Nilcemar Nogueira, que não esteve aberta, em nenhum momento ao diálogo com alguns dos grupos que defendiam a importância de se cumprir o pagamento do Fomento 2016. A Secretária manteve apenas encontros, nestes últimos meses, com alguns membros da cultura, demonstrando uma certa prática a uma política decadente, e antiga, de balcão, que pode ser observada através do DOU RJ., e por algumas de suas postagens no Facebook.
Os Conselheiros Municipais de Cultura, junto com coletivos importantes, entre eles, o "Movimentos pela Cultura‐RJ", "Fomento 2017", foram responsáveis por diversas ações pontuais internas e externas, que produziram encontros, debates, e minuciosa pesquisa de estudo sobre o impacto que o Fomento 2016 traria para a cidade e a sua imensa perda, em não executá‐lo ‐; foram alguns dos objetos de uma luta incansável junto com centenas de contemplados, e milhares de membros da nossa classe artística; inclusive com a organização de passeatas em prol da cultura, em Botafogo, em direção ao Palácio da Cidade. Uma luta plural, coletiva; onde a liderança pertence a cada um de nós, na soma de um coletivo uníssono.
Infelizmente, apesar deste esforço hercúleo de todos nós, a Secretária Municipal de Cultura Nilcemar Nogueira, além de não pagar o Fomento 2016, produzindo um "calote histórico" ao Edital; lançou nesta sexta‐feira dia 07 de julho o Prêmio Cultura + Diversidade; sem dialogar mais uma vez com a classe artística, e nem com o Conselho Municipal de Cultura. Um Prêmio com um valor inexecutável de 8 mil reais por projeto + contrapartida e a obrigatoriedade de criar ações de inclusão, como libras, por exemplo. Criando muitas obrigações que geram custos e mais custos para a produção de um projeto artístico. Dividindo assim, o valor indefectível de 496 mil por 62 projetos. Isto mesmo! Uma vergonha e lastimável afronta a classe artística carioca!
Com este valor de Prêmio, é impossível produzir, criar ou sequer se apresentar uma única vez; e ainda mais em uma segunda vez com uma contrapartida social ‐ e libras. Se somarmos todos os gastos para a inscrição (horas de trabalho, luz, digitação, telefone, encontros, reuniões, tempo de pensamento, pesquisa e ideias, entre muitos outros); e em seguida, gastos com impostos de NFs, pagamento de toda equipe artística e técnica, condução, materiais, confecção de todas as áreas, transporte de cenário, local de ensaio, alimentação, e uma série de coisas, que faz deste valor uma esmola com o nosso dinheiro público. Que irá ainda produzir mais gastos com suas publicações no DOU RJ, e na divulgação, promoção e comissão de seleção.
Por conta de tudo isso, solicitamos a todos os membros da classe artística carioca, que ao assinar este documento, se comprometa em manter o seu repúdio total a tal ato, e também a não se inscrever em, hipótese nenhuma, neste Prêmio Cultura + Diversidade da SMC.
Prefeitura do Rio decide não pagar o Programa de Fomento às Artes 2016 por Luiz Felipe Reis, O Globo
Prefeitura do Rio decide não pagar o Programa de Fomento às Artes 2016
Matéria de Luiz Felipe Reis originalmente publicada no jornal O Globo em 28 de junho de 2017.
Representantes do setor cultural foram informados por subsecretários de que o passivo de R$ 25 milhões não será quitado
RIO — A Prefeitura do Rio de Janeiro decidiu, na tarde desta quarta-feira, que não irá pagar os R$ 25 milhões devidos para os contemplados no Programa de Fomento às Artes de 2016, o conjunto de editais culturais lançados anualmente pela Secretaria muncipal de Cultura (SMC).
Representantes do setor cultural da cidade estiveram reunidos na tarde desta quarta-feira com subsecretários da pasta e foram informados de que a Prefeitura não irá quitar a pendência.
— Hoje, três subsecretários da pasta nos deram a resposta definitiva de que a Prefeitura não irá pagar o fomento, e de que não há previsão futura — disse o pesquisador e diretor teatral Gustavo Guenzburger, representante do Reage Artista e dos Movimentos pela Cultura. — O prefeito não se sensibilizou a fazer o remanejamento de recursos necessários. Há dinheiro para outras iniciativas, então o que não há é vontade política de resolver esse grave problema. Essa decisão representa um enorme retrocesso e aponta para o fim dos editais da Prefeitura. Precisamos conscientizar não só os artistas para essa luta. A cidade inteira tem que entender que fomentar a Cultura é fomentar o futuro.
Presente na reunião, o vereador Tarcísio Motta (Psol) lamentou a decisão em uma nota publicada em sua página oficial no Facebook: "Seis meses depois, Prefeitura consolida o calote. Lamentável decisão".
— A comunidade artística carioca está de luto — diz o produtor Eduardo Barata, que preside a Associação dos Produtores de Teatro do Rio, a APTR. — Foi enterrada a única política pública democrática, através de editais e com dinheiro do orçamento da Prefeitura, o Programa de Fomento à Cultura Carioca. Mesmo com a cláusula condicionante à disponibilidade para a liberação dos R$ 25 milhões, caracterizando a seleção como expectativa de direito do proponente, mesmo sabendo que a gestão passada era responsável pelo pagamento; havia e há uma obrigação ética, moral e de visão desenvolvimentista para o setor cultural.
Ao longo da tarde desta quarta-feira, a reportagem do GLOBO solicitou à assessoria de imprensa da SMC uma entrevista com a secretária e um comunicado sobre a decisão, porém foi informada que a secretária não comentaria o asssunto. Até o momento, a Prefeitura não enviou qualquer comunicado à imprensa sobre a decisão.
PROMESSA NÃO CUMPRIDA
Em janeiro deste ano, em seu primeiro ato público, realizado no Teatro Carlos Gomes, a secretária municipal de Cultura, Nilcemar Nogueira, respondeu com a seguinte declaração à plateia que lhe cobrava um posicionamento sobre o pagamento do Fomento:
— Conhecemos o nosso passivo e temos compromisso. Vamos chegar lá — disse.
O imbróglio teve início no fim do ano passado, quando o ex-prefeito Eduardo Paes e o então secretário municipal de Cultura, Junior Perim, não honraram o compromisso de pagar os R$ 25 milhões em prêmios que haviam sido garantidos publicamente, na cerimônia de lançamento do Programa, realizada em junho de 2016, no Palácio da Cidade. À época, Eduardo Paes afirmou que o pagamento do edital seria executado até o fim daquele ano, e que os projetos contemplados deveriam ser implementados entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2017.
— Queria dizer que a Prefeitura do Rio se compromete a fazer esses pagamentos em novembro para que os projetos sejam executados em 2017 — disse Paes à época.
Ao fim de 2016, a gestão Paes anunciou que a receita do município havia sido menor que a expectativa, e que, por tal motivo, não teria verbas para repassar os R$ 25 milhões. No texto do edital o item 2.5 informava: "A liberação do valor destinado a este Processo Seletivo está condicionada à disponibilidade orçamentária e financeira". Representantes do setor cultural dizem que tal cláusula — presente em editais anteriores da SMC — abre brecha para manobras orçamentárias e não garantem, de modo definitivo, o pagamento dos prêmios anunciados.
Em fevereiro, em entrevista ao GLOBO, a secretária havia dito não ter como garantir quando os R$ 25 milhões do edital seriam pagos: "O valor será pago, mas não tenho como dizer quando". Na mesma entrevista, declarou que teria "R$ 15 milhões aprovados para o fomento em 2017" e que planejava usar esse montante em um novo edital relativo a 2017, em vez de usá-lo como parte de uma estratégia para quitar o anterior. Porém, tal intenção não foi bem recebida pelo setor, e o impasse em relação ao pagamento do Programa de Fomento permaneceu sem resolução até esta tarde.
Em relação aos R$ 15 milhões mencionados anteriormente pela scretária, o GLOBO apurou que 25% desse montante foram contingenciados.
Do restante, R$ 6 milhões já teriam sido utilizados para pagamento de despesas, e a Prefeitura planeja utilizar R$ 5 milhões para o lançamento de um conjunto de editais. Será o menor investimento da pasta dos últimos anos, em editais de apoio direto — em 2016 foram anunciados R$ 25 milhões (não pagos), enquanto em 2015 e em 2014 a SMC investiu R$ 29 milhões em seu conjunto de editais, R$ 31,5 milhões em 2013, R$ 34 milhões em 2012 e R$ 27 milhões em 2011.
Neste último edital, 2.480 projetos foram inscritos, e 204, contemplados. Em fevereiro passado, a atriz e produtora cultural Natasha Corbelino realizou um levantamento numérico que buscou identificar o impacto econômico gerado pelo não pagamento do edital de 2016.
— Com os 204 projetos pagos teríamos 6.300 contratos previstos, sendo 4.800 contratos diretos com trabalhadores da cultura, como artistas, técnicos, produtores, e 1.500 contratos de serviço, além dos números indiretos que geramos — diz. — Somos muitos e geramos renda. Movimentamos comércio, prestadores de serviço e mobilizamos o público e os bairros de toda a cidade.
julho 3, 2017
Nada é fundamental nesta 14ª Documenta, que conta o que já sabemos por Sheila Leirner, Estado de S. Paulo
Nada é fundamental nesta 14ª Documenta, que conta o que já sabemos
Artigo de Sheila Leirner originalmente publicado no jornal Estado de S. Paulo em 19 de junho de 2017.
Na exposição, que é realizada de cinco em cinco anos, desde 1955, o mundo vai mal
KASSEL - Estar em sua 9ª documenta, exposição que alcança a 14.ª edição desde 1955, acontece de cinco em cinco anos, dura 100 dias e é uma das mais importantes do planeta, não diz o mesmo que visitá-la pela primeira vez.
As comparações entre diferentes momentos históricos, conjunturas sociopolíticas, conceitos curatoriais e artistas são inevitáveis. A memória torna-se uma espécie de diagrama de curvas altas e baixas.
Adam Szymczyk, o próprio curador-ativista dessa instituição cujas fundações geopolíticas quer agora “desmantelar”, tinha 7 anos quando Manfred Schneckenburger, o responsável pela primeira documenta que visitei em 1977, questionava ingenuamente “a posição da arte na sociedade da mídia”. Melhores ou piores, as mostras seguintes (exceto a decepcionante 12.ª) parecem harmoniosas e vitais perto da desabusada “agência crítica radical” na qual o jovem crítico e curador polonês quer transformar essa desconcertada e irregular reunião de 160 artistas. Hoje, mesmo a documenta 13 de Carolyn Christov-Bakargiev afigura-se de um gosto, entusiasmo e otimismo raros.
Organizada este ano entre a Alemanha e a Grécia e intitulada Aprendendo de Atenas, a documenta 14 quer colocar a luz sobre uma Europa dividida entre norte e sul, permeada de novos costumes, valores e conflitos econômicos e migratórios. Mas quer sobretudo questionar a própria instituição. Não é a primeira vez que se experimenta a descentralização.
Em 2013 houve projetos no Cairo e em Cabul. Mas aqui, a agitação forçada da “troca” é inédita e resulta numa rotatória que não leva a lugar nenhum. Para Yanis Varoufakis, ex-ministro grego da economia, “trata-se de um truque inútil que explora o turismo da crise”. De fato, levar Kassel a Atenas e vice-versa é como um safári ou uma cruzada turística humanitária na África, feita por americanos ricos. Não surpreende que, na capital grega, a operação suscitou tantos protestos. Por mais exemplos que existam da rica relação entre os dois países ao longo de sua história e cultura, uma obstinação arbitrária como esta, baseada em ideologias e conceitos abstratos, não justifica tal deslocamento.
Por outro lado, junto ao seu time numeroso, este curador intitulado “campeão dos artistas desconhecidos”, tem olho e gabarito intelectual para identificar e enquadrar o zeitgeist (o espírito do tempo). Como, além do mais, ele vem de uma experiência colaborativa na Foksal Gallery de Varsóvia, na Kunsthalle da Basileia e em outros lugares de prestígio, esperava-se uma documenta fascinante.
Ao contrário, foi esse, talvez, o ponto vulnerável: quando não se é um Harald Szeemann, convidar artistas a trazer ideias ajudando-os a materializá-las não é promessa de bons resultados. Também não é garantia a escolha personalista, cujo principal critério é o “vanguardismo”, baseada em experimentalismo, trocas e “redes” formadas durante práticas profissionais.
Da mesma forma, a quebra de tradições pode resultar em equívocos. O museu Friedericianum, por exemplo, que usualmente é o lugar principal e renovador da mostra, acolhe o déjà-vu internacional da coleção mediana do museu contemporâneo de Atenas. Para quê? Para sustentar a fachada de um artista turco com os dizeres “Estar a Salvo é Aterrador” e servir como cenário do plastificado “Partenon de livros”, manifesto obsoleto e kitsch contra a censura, de uma artista argentina que não conseguiu reunir volumes suficientes para recobri-lo?
Todavia, até “rock star curators” têm obrigações com a oficialidade e carregam o peso da responsabilidade institucional. Felizmente são obrigados a admitir que também existe vida artística fora da marginalidade radical. Assim, no novo Museu Grimmwelt encontramos os curiosos desenhos do extraordinário escritor e crítico literário polonês Bruno Schulz (1892-1942), inspirados pelos contos dos irmãos Grimm e raramente exibidos fora da Ucrânia.
Nos edifícios e ao ar livre, há igualmente raras obras memoráveis e a presença de uma dúzia de figuras de peso. E a Neue Galerie, lugar mais denso e significativo de toda a documenta, culmina com a abordagem do controvertido caso Gurlitt das obras espoliadas e um importante projeto sobre instituições que preservam livros e documentos de judeus na época da perseguição nazista. Exceto essas visitas comoventes – que por si só, já valem a viagem – nada é fundamental nesta documenta que se espalha por 35 lugares da cidade e também por Atenas, para nos contar o que já sabemos: o mundo vai mal.
Obras da Documenta de Kassel refletem clima de medo e paranoia por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Obras da Documenta de Kassel refletem clima de medo e paranoia
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 15 de junho de 2017.
O ronco dos helicópteros no céu e o avanço dos carros pretos em direção à praça vigiada por policiais dão mais peso a uma frase estampada na fachada do museu –"estar em segurança é assustador".
Na abertura da Documenta, em Kassel, na Alemanha, os discursos de políticos rodeados de guarda-costas e diretores desta que é a maior mostra de arte contemporânea do mundo pareciam uma performance a sublinhar o clima distópico das obras montadas na Friedrichsplatz.
Um enorme templo de andaimes construído no formato do Partenon pela argentina Marta Minujín e forrado de livros banidos por regimes políticos do mundo todo domina o gramado diante do museu que teve o nome escondido atrás do letreiro do turco Banu Cennetoglu.
Logo ao lado, uma torre parece estar pegando fogo, com nuvens de fumaça que jorram pelas janelas, um trabalho do romeno Daniel Knorr.
É mais violento e literal esse lado alemão da mostra, aberto há uma semana. Numa decisão controversa, o polonês Adam Szymczyk, à frente da 14ª Documenta, desmembrou o evento que ocorre a cada cinco anos na Alemanha, estreando em Atenas, em abril, a sua primeira etapa.
Enquanto a capital grega tem obras ancoradas em partituras musicais, que refletem aos sussurros a crise dos refugiados e o estado catastrófico da economia ali, Kassel articula até o fim de setembro um arsenal de trabalhos sangrentos, espelhando o lado mais trágico do curto-circuito político e diplomático que varre toda a Europa.
De pé, na mira de quatro rifles, a guatemalteca Regina José Galindo ilustra com o corpo esse clima de medo e paranoia. Em sua performance, ela se esconde numa sala com aberturas nas laterais por onde passam os canos das armas. O público então observa a artista pelo visor das metralhadoras, como um alvo frágil e indefeso.
Outros corpos vulneráveis e violentados ressurgem, aliás, numa série de obras, entre elas os destroços de um barco de refugiados encontrado na ilha grega de Lesbos, que o mexicano Guillermo Galindo pendurou do alto de uma galeria, e a poderosa investigação sobre a morte de Halit Yozgat, jovem alemão de origem turca assassinado há mais de uma década em Kassel por uma gangue de neonazistas.
O coletivo britânico Forensic Architecture mostra ali uma reconstituição acústica dos disparos, na tentativa de provar que um policial que estava na cena do crime nada fez, denunciando a indiferença das autoridades em relação a crimes de ódio no país.
Num plano menos literal, há ainda uma obsessão com corpos fora do padrão. A travesti chilena Lorenza Böttner, que teve os braços amputados depois de um acidente na infância e passou a fazer pinturas com a boca e com os pés, é alvo de uma sala especial onde estão alguns de seus quadros e retratos de uma exuberância perturbadora, entre o sexy e o grotesco.
Uma série de filmes do polonês Artur Zmijewski também trilha a linha problemática entre a dor e o fetiche. Ele retrata pessoas que perderam braços ou pernas andando, subindo escadas e fazendo exercícios, na tentativa de dissecar o que chama de "corpos marcados por um erro".
Levando essas reflexões sobre o corpo ao limite da barbárie, o filme da dupla Véréna Paravel e Lucien Castaing-Taylor entrevista Issei Sagawa, um japonês que comeu o corpo de uma estudante que assassinou em Paris e depois desenhou uma história em quadrinhos, com riqueza de detalhes anatômicos, dos cortes que fez na carne da vítima.
Essa coleção de corpos vitimados também funciona como ponto de partida de outra ala da mostra. Na Neue Galerie, onde está o maior número de trabalhos da Documenta, uma série de peças históricas investiga as origens do romantismo alemão e como a estatuária clássica grega, de corpos e templos em proporção áurea, virou a matriz de uma estética europeia, destrinchando as bases de uma relação de exploração entre a Alemanha e a Grécia.
No fundo, essas obras forjam um manifesto contra a herança brutal de impérios colonialistas, lembrando, por exemplo, as raízes do racismo com uma cópia do Code Noir, leis que regeram o tráfico negreiro em colônias francesas.
Esculturas de bronze roubadas do Benin e agora na coleção de museus europeus também contrastam com estátuas de mármore que o alemão Carl Friedrich Echtermeier fez no século 19, alvíssimas senhoras simbolizando cada potência europeia.
ESPETÁCULO TORPE
Esse mea-culpa, que às vezes beira a ingenuidade, também volta os holofotes para a história da Documenta, uma exposição criada na década de 1950, das cinzas do pós-Guerra, como espécie de motor cultural e econômico de uma nova civilização turbinada pelo Plano Marshall.
Suas primeiras edições, aliás, mostraram trabalhos dos artistas que Hitler considerava degenerados e que depois despontariam como estrelas de um mercado nascente.
Um trabalho monumental da alemã Maria Eichhorn, com inventários de obras desses artistas confiscadas pelos nazistas das casas de colecionadores judeus, acentua ainda mais os longos tentáculos dessa culpa alemã.
"O grande desejo dessa Documenta era dar uma noção de realismo que incorpora um conhecimento profundo das estruturas subterrâneas da produção de arte", observa a polonesa Monika Szewcyk, que também organiza a mostra. "E é claro que a economia não é algo divorciado da política nem da cultura."
Nesse sentido, outros trabalhos da exposição orquestram uma segunda camada de autocrítica, dando ares metalinguísticos ao evento.
Um palco vazio montado numa galeria pela dupla francesa Les Gens d'Uterpan e bailarinos comandados pela cipriota Maria Hassabi a rastejar diante de holofotes pela antiga sede dos correios de Kassel parecem denunciar as pretensões de espetáculo torpe e lucrativo que regem mostras dessa natureza.
São luzes que parecem acender na hora errada, quando todos já saíram de cena.
Maior mostra global, Documenta disseca a crise europeia em Atenas por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Maior mostra global, Documenta disseca a crise europeia em Atenas
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 17 de abril de 2017.
Um hotel abandonado aos pés da Acrópole é a cicatriz no horizonte mais visível do terraço de um novíssimo museu em Atenas. Suas ruínas grafitadas, como grande parte da capital grega, contrastam com os janelões brilhantes e as paredes branquíssimas das galerias que servem de pavilhão principal desta Documenta.
Maior mostra de arte contemporânea do mundo, o evento que acontece a cada cinco anos na pacata cidade de Kassel, na Alemanha, deu um "salto mortal", nas palavras de seu diretor artístico Adam Szymczyk, e transferiu metade da mostra para o epicentro da crise europeia.
Não foi uma mudança inocente, como deixaram claro os protestos na abertura da exposição há uma semana -parte do establishment artístico grego se ressentiu de virar um circo exótico para o evento alemão, pichando muros e criticando a escolha de um antigo centro de tortura da ditadura local como um espaço para performances.
Nesse sentido, Atenas, que ferve como um dos maiores pontos de entrada de refugiados na Europa e anda às turras com a política de austeridade fiscal imposta por Berlim, não é só o pano de fundo de mais um festival de arte.
Suas ruínas, quase erotizadas como pilares do espetáculo de uma metrópole em erosão, viraram fio condutor da mostra -a mais famosa delas, o templo do Partenon, visível de todos os pontos da cidade, orienta uma seleção de obras que se manifesta como uma alegoria da destruição.
"O Partenon é mais ar do que qualquer outra coisa. Ele embaralha os lados de dentro e fora da arquitetura num turbilhão", diz Szymczyk. "É um fragmento capaz de nos dar a imagem da coisa toda."
Outro pedaço de Atenas, um prédio que lembra o hotel dilapidado diante do museu, parece ter a mesma função na obra da alemã Maria Eichhorn. Num comentário nada sutil sobre a especulação imobiliária que varreu a Grécia no rastro de seu colapso financeiro há quase dez anos, a artista comprou o imóvel num bairro cobiçado por empreiteiras e butiques.
Mas nada vai acontecer ali. Eichhorn negociou com autoridades locais para manter o prédio sem uso, uma espécie de monumento vazio diante de uma cidade em convulsão.
ARQUEOLOGIA
O silêncio preservado naquele lugar se estende, aliás, para o resto da mostra, que ocupa quase 50 endereços de Atenas, entre museus, teatros, escolas, praças e bibliotecas.
No conservatório da cidade, partituras ou roteiros de performances são mostrados à exaustão, num exercício de arqueologia da experiência sonora na ausência do som.
Diagramas de um sintetizador, do coletivo grego KSYME-CMRC, abstrações geométricas da paquistanesa Lala Rukh transformadas numa animação, os estranhos -e inertes- instrumentos musicais feitos de lixo pelo mexicano Guillermo Galindo e páginas e páginas datilografadas de instruções para performances do grego Jani Christou e da americana Pauline Oliveros dão essa sensação de sonoridade latente, ou música inaudível.
Das mais belas e potentes obras da Documenta, um filme do americano Ben Russell mostra pessoas em transe numa pista de dança. É talvez a manifestação mais visceral dessa tentativa de dissecar o ruído -sua câmera não filma a banda, e o som se torna quase uma abstração, mas os corpos reagem frenéticos aos acordes furiosos como rajadas de metralhadora.
"Qualquer gravação incorpora os ruídos de sua própria reverberação no espaço e contra os corpos ali", diz Russell. "Então quando ouvimos alguma coisa estamos ouvindo nossos próprios corpos vibrando, o que é outro jeito de pensar a nossa presença."
Outros trabalhos também discutem a presença do corpo -dos outros- num território cada vez mais fechado.
O polonês Artur Zmijewski, numa das obras mais polêmicas da Documenta, filmou as condições precárias do campo de refugiados de Calais, no norte da França.
Mas o que parece ser um registro documental logo se transforma em manifesto, quando o artista entra em cena e pinta de branco o rosto negro de um refugiado, aludindo ao doloroso e violento processo de assimilação cultural que atravessa a Europa.
Falando do mesmo assunto sem a mesma profundidade, a canadense Rebecca Belmore pôs uma barraca de acampar feita de mármore, referência à estatuária clássica grega, no alto de um monte com vista para a Acrópole, a Europa entendida ali como destino manifesto dos oprimidos pelas guerras ao redor.
CALCANHAR DE AQUILES
A falta de delicadeza de obras como essa e outras, entre elas a performance em que a argentina Marta Minujín entregou azeitonas a uma sósia da chanceler alemã Angela Merkel fingindo pagar a dívida de Atenas com Berlim, é o calcanhar de Aquiles dessa Documenta tão experimental quanto irregular.
No fundo, esses trabalhos revelam a tensão que atravessa um evento que se apresenta como tentativa de aprender com Atenas, alusão a "Aprendendo com Las Vegas", livro dos anos 1970 que se tornou um dos maiores estudos do pós-modernismo e do impacto do capitalismo selvagem na construção das cidades.
"Queríamos aprender com uma situação de crise, aprender com as margens e não com o centro da Europa", diz Pierre Bal-Blanc, um dos organizadores da Documenta. "Era para sair da zona de conforto."
Essa tentativa de deslocamento, no entanto, acabou resultando num safári mal resolvido por cenas artísticas em geral ausentes do circuito de elite das mostras globais. É o caso das galerias inteiras dedicadas ao realismo socialista albanês, que parece ali instrumentalizado ou fetichizado para legitimar um discurso nostálgico e ambíguo.
Mas talvez isso que a mostra quer aprender já tenha se manifestado em pontos mais distantes. Entre as raras vozes de fora da Europa na Documenta, Regina José Galindo, da Guatemala, fez uma performance em que vestiu as roupas de uma mulher assassinada em seu país, lembrando que na crise econômica grega o número de agressões contra mulheres disparou.
"Isso aqui mudou minha perspectiva, mesmo vindo de um país que está sempre na merda", diz ela. "O que aprendemos com o sul do mundo é a resiliência, algo que o primeiro mundo não tem. Essa talvez seja a lição de Atenas."
Uma Documenta autocrítica por Paula Alzugaray, seLecT
Uma Documenta autocrítica
Artigo de Paula Alzugaray originalmente publicado na revista seLecT em 10 de junho de 2017.
A D14 pode ser interpretada mais como exposição de um statement curatorial do que como expressão de estados da arte atual
Dois meses após ser inaugurada em Atenas, na Grécia; cinco meses após a posse de Trump nos EUA; três meses depois de aprovado o Brexit; dez dias após atentado matando 80 pessoas e ferindo mais de 300 em Cabul, no Afeganistão; e poucas horas depois dos últimos ataques terroristas em Londres e Paris, a Documenta 14 abre em 10/6 (sábado) em Kassel, na Alemanha.
Ainda que o engajamento com realidades sócio-políticas tenha sido o partido de nove entre dez grandes exposições periódicas internacionais nos últimos 15 anos, é preciso notar que poucas vezes chegou-se ao grau de eloquência política como nesta 14ª edição da Documenta de Kassel, intitulada Aprendendo com Atenas.
A primeira voz curatorial da conferência de imprensa que teve lugar em 7/6 (quarta-feira), no Kongress Palais, foi contundente. Não veio de Adam Szymczyk, diretor artístico da mostra, mas do curador Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, quem de entrada conferiu um tom de fórum político a este que é um dos mais importantes eventos artísticos do planeta, e que tem lugar a cada cinco anos na cidade alemã de Kassel.
Em uma sequência de três horas de apresentação, seis membros da equipe curatorial de Adam Szymczyk revezaram-se com burocratas para apresentar os diversos layers conceituais da mostra. Mas foi o curador Bonaventure Ndikung, nascido em Camarões e residente em Berlim, quem demarcou os principais preceitos da mostra: colocar a crise dos refugiados do meio oriente no centro do debate; questionar a divisão do mundo por “identidades”; promover a escrita de histórias “contra-hegemônicas” e reconhecer a incerteza como um retrato do nosso tempo. Um sinal dos tempos, duas das palavras de ordem que orientaram Bienais de São Paulo neste milênio – mais precisamente a 32ª e a 27ª –, ressoaram repetidamente nos discursos curatoriais: a incerteza e o “viver junto”.
Com obras de cerca de 150 artistas e coletivos ao longo 31 museus, espaços culturais e locais abandonados, a Documenta exige do visitante a disposição ao deslocamento e à interlocução com a cidade, seus acervos, sua história e, principalmente, as histórias de poder e dominação que envolveram as relações entre a Alemanha, a Europa e o mundo.
Nas sub-curadorias distribuídas pela cidade, contrapõem-se teorizações sobre expedições coloniais de séculos passados com movimentos migratórios decorrentes das guerras atuais; conflitos do mundo árabe versus os desastres da Europa moderna; revisões críticas do nazismo em tempos de novos extremismos; o estado transitório dos corpos e da sexualidade contemporânea em paralelo às transformações das instituições museológicas.
No movimento de varredura geográfica da cidade, é particularmente interessante a ocupação dos “pavilhões de vidro” da Kurt-Schumacher-Strasse. Em vez da casa de vidro da arte e arquitetura moderna de Bo Bardi ou Dan Graham, ou de vistosos pavilhões ao modo das exposições universais do século 19; o que se encontra ali são seis galerias comerciais desativadas, em estado precário de conservação, em uma região da cidade fronteiriça com comunidades imigrantes da Turquia, Etiópia e Bulgária.
Os projetos artísticos ocupantes são irregulares, com momentos altos nos trabalhos de Mounira Al Solh (Nassid’s Bakery) e do coletivo escandinavo Joar Nango, formada por arquitetos, carpinteiros e músicos. Eles foram os responsáveis por fabricar a primeira “obra” exposta: o púlpito onde discursaram os oito responsáveis pela D14.
A Neue Gallery – que ganha centralidade nesta 14ª edição, ao ser configurada como espaço de memória e “autoconhecimento das forças históricas que tornaram a Documenta possível” – expressa bem as tensões históricas a que a documenta se propõe. Logo na primeira sala do museu, frente a frente, encaram-se Real Nazis (2017), instalação de Piotr Uklánski, uma galeria de retratos dos monstros do século 20, e Planting of Trees (1971), pintura do albaniano Edi Hila, que por trás de uma cena campestre aparentemente inofensiva e naïf escondem-se vidas caladas por um regime totalitário.
Assim como a tentativa de plantio de Hila, descobrem-se na Documenta momentos sublimes de construções poéticas sobre o desastre. Como os escombros de barcos – memória trágica das migrações mediterrâneas – transformados em instrumentos musicais pelo mexicano Guillermo Galindo, exibidos na Documenta Halle. Há também a potência da insubmissão, expressa na vídeoinstalação Monday (2017), do coletivo Iqhiya, de Cape Town, montada em uma estação de metrô desativada. O trabalho mostra um furioso protesto de alunos em sala de aula e traça um insuspeito paralelo aos acontecimentos vivenciados recentemente por estudantes secundaristas em São Paulo, em reinvindicações por melhorias da educação. A residência artística Capacete (RJ) é o único participante brasileiro da Documenta 14, em Atenas.
As ressonâncias que as propostas da Documenta 14 assumem em diversos campos da vida contemporânea fazem pensar por que a curadoria não teria encontrado, entre artistas brasileiros, uma pesquisa que pudesse vir a contribuir em seus debates. Por outro lado, a presença da arte contemporânea grega apresenta-se excessiva e problemática.
Ao “importar” grande parte da coleção do Museu Nacional de Arte Contemporânea da Grécia, instalando-a no edifício-símbolo da Documenta, o Fridericianum, o curador polonês Adam Szymczyk quer enfatizar sua tese de que “desaprender tudo o que acreditamos saber é o melhor começo”, como declarou na conferência de abertura, bem posicionado atrás do púlpito de peles e neon do coletivo nórdico.
A participação de Atenas como tema e sede da D14 tem varias camadas de sentido. As primeiras razões alegadas dizem respeito ao papel de mediação que a Grécia tem no processo migratório de refugiados sírios. Mas o que se vê em Kassel é uma coleção de obras com muitas fragilidades. Além disso, diferentemente de outros grupos de artistas, colocados em circulação e respirando entre espaços e conceitos, os artistas gregos estão “ilhados” no Fridericianum, talvez tanto quanto o país esteja, desde que mergulhou na pior crise econômica entre os membros da UE.
“Aprendendo com Atenas” é uma mostra altamente autorreflexiva, de fortes colocações. Mas apesar de seus momentos altos, seu discurso nem sempre encontra eco nas obras expostas. Nesse sentido, parece conter mais a exposição de um statement curatorial do que a livre expressão dos estados da arte atual.
Resolvem bem a complexa proposta da curadoria, no entanto, projetos comissionados, realizados por artistas convidados a pensar as relações pós-coloniais entre Grécia e Alemanha em residências entre Atenas e Kassel. Caso do duo Prinz Gholam, autor da série Speaking of Pictures (2017), espécie de videodiário de relações corporais estabelecidas entre os artistas com monumentos gregos e alemães.
Documenta 14
De 8/4, em Atenas, até 17/9, em Kassel