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agosto 30, 2016
Fundação Iberê Camargo demite e reduz horário de funcionamento a dois dias por semana por Fábio Prikladnicki, Zero Hora
Fundação Iberê Camargo demite e reduz horário de funcionamento a dois dias por semana
Matéria de Fábio Prikladnicki originalmente publicada no jornal Zero Hora em 24 de agosto de 2016.
Público, que antes podia frequentar o museu projetado por Álvaro Siza de terça a domingo, agora só poderá ir às sextas e sábados, das 13h às 18h
Em sua pior crise desde a abertura da sede que se tornou cartão postal de Porto Alegre, em 2008, a Fundação Iberê Camargo (FIC) demitiu nove funcionários nessa terça-feira (23/8), de um total de 45 colaboradores. Foram desligados profissionais em áreas como administração, gestão, produção, comunicação e projeto educativo. A instituição também anunciou uma redução drástica nos horários de visitação. O público, que antes podia frequentar o museu projetado por Álvaro Siza de terça a domingo, agora só poderá ir às sextas e aos sábados, das 13h às 18h. O café seguirá o mesmo regime de funcionamento. O último dia com o horário antigo será neste domingo (28/8).
— É uma crise mesmo — admite Fábio Coutinho, superintendente cultural da FIC. — A gente não pode fugir da realidade. O país está numa crise, o Estado está numa crise, o município está em crise. Estamos em crise na saúde, segurança, educação e transportes, não necessariamente nessa ordem. É muito difícil que a cultura não tivesse uma crise. E não somos só nós. Grandes instituições no Brasil estão fechando, demitindo, cortando, readequando programas porque, de fato, a situação é grave.
O número de demitidos representa uma parcela minoritária dos colaboradores, mas, justifica Coutinho, a redução no horário de visitação se deve à tentativa de economizar com serviços terceirizados, como segurança, limpeza e conservação:
– Isso vem sendo estudado há bastante tempo. Chegou o momento em que a Fundação não tem condições de se manter aberta por mais do que dois dias por semana. Nós retornaremos a grandes atividades, mas agora a situação é muito difícil. Quem não está por dentro (da realidade da instituição) não entende isso.
O superintendente desmente boatos de que a FIC possa fechar, mas não descarta uma interrupção temporária no atendimento:
– Foram feitos vários estudos. A Fundação não vai fechar. O que poderia ter acontecido, poderá acontecer e já aconteceu com instituições em todo o mundo é a interrupção de atendimento ao público.
Conforme Coutinho, os repasses de recursos de Vonpar, Gerdau, Itaú e Banco Votorantim, as quatro empresas mantenedoras da instituição (que investem na FIC por meio da Lei Rouanet, da LIC-RS e de maneira direta) sofreram uma redução de 40% em relação a 2014. À reportagem de ZH, o Itaú Cultural informou que injetou R$ 1 milhão anual em 2014 e 2015 e que, neste ano, o valor foi reduzido para R$ 750 mil, sempre por meio da Lei Rouanet. Já a Vonpar informou que aumentou seu repasse: de 2014 até este ano, foram R$ 600 mil anuais em investimentos diretos e em 2016 foram mais R$ 800 mil por meio da Lei Rouanet e da LIC-RS. A Gerdau informou que, neste ano, repassou R$ 1,2 milhão de recursos próprios, mas não revelou os números dos anos anteriores. E o Banco Votorantim informou, por meio de sua assessoria, que não divulga os valores de seus patrocínios.
Para se ter uma ideia da redução de recursos, apenas pela Lei Rouanet o plano anual de atividades da Fundação captou R$ 8,7 milhões em 2014, valor que caiu para R$ 2,1 milhões em 2015 e, até agora, R$ 2,2 milhões em 2016 (nesse montante, há dinheiro de outros incentivadores além das quatro empresas citadas).
Em 2015, em decorrência dessa redução, a instituição já havia interrompido projetos como a Bolsa Iberê Camargo (que levava artistas para residência fora do país) e o Ateliê de Gravura (que convidava artistas para produzir no local). A catalogação total da obra de Iberê foi descontinuada, mas Coutinho diz que a preservação do acervo sob guarda da FIC é "intocável".
Neste ano, a programação sofreu corte. Uma exposição sobre a história do Torreão, que foi um importante espaço para as artes na Capital, foi transferida para 2017. Em setembro, a FIC deverá encaminhar ao Ministério da Cultura a programação do ano que vem para autorização de captação via Lei Rouanet. As exposições serão divulgadas após a aprovação.
Desde o início de 2016, a agência Edelman Significa realiza uma avaliação para reposicionar a FIC em um novo modelo de financiamento e gestão. Foram feitas entrevistas com diferentes profissionais sobre aspectos da instituição. O trabalho será apresentado à Fundação na quarta-feira (31/8).
Embora viesse sendo anunciada, a crise na Fundação Iberê Camargo impactou o meio artístico.
— É uma grande lástima. Espero que isso possa ser algo transitório porque considero a Fundação Iberê Camargo um patrimônio inestimável da comunidade gaúcha na área cultural. É inestimável não só em termos de patrimônio do prédio, que é uma obra com valor arquitetônico importantíssimo, mas também por conta da coleção (de obras) e do trabalho magnífico que a Fundação desenvolveu ao longo de vários anos e pode continuar a desenvolver — afirma a presidente da Associação Brasileira de Críticos de Arte, Maria Amélia Bulhões.
Já a artista Karin Lambrecht, que participou de exposições na FIC, lamenta:
— Quando todos souberem (da crise na Fundação), acho que vai causar um impacto grande entre os artistas e o público. O fato de a Fundação fazer esse tipo de retirada é uma tristeza pelo espaço maravilhoso ao qual não poderemos mais ir todos os dias. Uma tristeza também virá do coração do Iberê, pois ele sabia lutar contra a adversidade.
agosto 23, 2016
O cara da Bienal: quem é o curador alemão à frente da mostra neste ano por Silas Martí, Folha S. Paulo
O cara da Bienal: quem é o curador alemão à frente da mostra neste ano
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 21 de agosto de 2016.
O cara da Bienal: quem é o curador alemão à frente da mostra neste ano
Num corredor da Bienal de São Paulo, com a montagem a pleno vapor logo atrás da porta, um produtor gruda em Jochen Volz, o alemão à frente da próxima edição da mostra, querendo falar sobre um artista que "saiu do controle". Volz sussurra algo inaudível e arremata com um sorriso. Menos um chefão e mais um confidente, ele dá a impressão de deslizar sem abalos pelas engrenagens de uma das maiores exposições do mundo.
Depois de mais de uma década vivendo no Brasil, com um breve intervalo em Londres, onde ajudou a comandar as Serpentine Galleries, Volz hoje mistura certa seriedade germânica com o traquejo de quem aprendeu a fazer arte na terra da gambiarra e do improviso. Seu português perfeito, com um leve sotaque, traduz essa identidade híbrida.
"Uma vez que você entra, não vai ter outra barreira, lobby, nada entre o lado de dentro e o de fora", ele diz, numa manhã de sol no térreo do pavilhão desenhado por Oscar Niemeyer. "A ideia é entrar aqui direto numa floresta de esculturas do Frans Krajcberg."
Não há nada ali, a não ser pilhas de chapas de compensado que farão parte da cenografia da mostra, mas Volz parece visualizar em alta definição as esculturas criadas com galhos retorcidos e pedaços de árvores mortas que marcam a obra do artista escalado como uma das estrelas da Bienal que estará aberta a partir do dia 10 de setembro.
Num passeio pela mostra ainda em construção, o curador ia descrevendo os trabalhos como se estivessem ali. Tendo perdido a conta de quantas montagens já vi, isso não me chamou tanto a atenção, a não ser por um detalhe. Volz falava menos do impacto que as obras deverão causar e mais de como elas serão feitas, listando materiais, métodos construtivos, pesos, medidas e pontos de equilíbrio. Longe de ser um regente distante, ele está mais próximo de alguém que poderia montar cada trabalho, como se soubesse tocar todos os instrumentos de uma orquestra ao mesmo tempo.
Quando começou a trabalhar com arte, ainda na Alemanha nos anos 1990, Volz até sabia. E também entendia um tanto de plantas e árvores, já que é filho e neto de engenheiros florestais amantes da arte —"art lovers", ele diz. Enquanto isso talvez explique a pegada ecológica da mostra que está organizando, sua vontade de enfiar a mão na massa está ancorada na experiência de ter montado —com martelo, prego, parafuso e chave de fenda mesmo— instalações de uma série de artistas.
Em Munique, quando ainda estudava história da arte, Volz bancava a universidade fazendo bicos como montador de exposições. Ele chegou a produzir trabalhos de Dan Graham e Tom Wesselmann, então já consagrados. Mais tarde, quando se mudou para Berlim em busca de uma experiência com arte contemporânea, conseguiu um emprego na Neugerrimschneider, galeria, na época estreante, que hoje é uma das mais poderosas da Europa.
Foi ali, como espécie de faz-tudo, que Volz teve um primeiro contato com o que muita gente ainda acha indigesto em museus e galerias. Ele passava boa parte do tempo tentando entender trabalhos em vias de desmaterialização, como as esculturas de luz do dinamarquês Olafur Eliasson e os happenings do tailandês Rirkrit Tiravanija.
"Era muito próximo o contato, e o que me interessava na época era aprender com eles, inventar outras formas de pensar em arte", conta. "Não era um caso óbvio de trabalhar para o mercado. Eu trabalhava com artistas que nem tinham um mercado na época. Isso demorou até ser algo vendável."
Ele fala dos almoços-performance comandados por Tiravanija ou mesmo a réplica em escala um para um do apartamento desse artista em Nova York. Transposta para uma série de galerias, a obra podia ser habitada pelos visitantes da mostra. O trabalho causou comoção à época e acabou estampando a capa de uma edição de "Estética Relacional", livro hoje clássico em que o francês Nicolas Bourriaud tentava definir e descrever o que seria uma arte calcada na relação entre o público e a obra mais do que em objetos estáticos numa galeria.
Nesse sentido, a visão de arte de Volz ganhou corpo num momento em que a própria arte contemporânea passava por uma metamorfose. "O que era considerado arte se expandiu naquele momento", diz o curador. "E o que me interessava era produzir exposições. O que me dá tesão de trabalhar com arte é estar bem próximo do artista e da matéria com que ele está trabalhando. Vejo o trabalho do curador como um sócio do artista."
Em 2000, Volz assumiu pela primeira vez um cargo de curador no Portikus, centro cultural em Frankfurt famoso pelas exposições experimentais. Ali, ele voltou a trabalhar com Tiravanija e depois organizou mostras da francesa Dominique Gonzalez-Foerster, da dupla escandinava Elmgreen & Dragset e da brasileira Rivane Neuenschwander, que viria a ser sua mulher e mãe de seus dois filhos.
"Ele não me deixa ser preguiçosa", diz a artista. "Tem um trato fino e sensível para não limitar ou podar, mas é alguém que me ajuda a levar os trabalhos até um limite, que me leva a pensar de maneira muito rica."
O encontro dos dois também marcou o início de um caso de amor de Volz com o Brasil. "Eu vinha para cá, mas nessa época não sabia que ia ficar", lembra. "Foi a partir do trabalho dela que ficou bem claro quem eram os artistas mais importantes aqui. Era um momento em que as pessoas ficaram muito curiosas com o Brasil, então veio esse desejo de estar aqui." Volz passou um tempo na ponte aérea até largar tudo, há 12 anos, para se radicar em Belo Horizonte, onde Neuenschwander morava.
Em paralelo, Bernardo Paz montava seu Instituto Inhotim em Brumadinho, a uma hora da capital mineira. Volz, que conhecia muitos dos artistas na coleção do magnata, logo foi chamado para organizar exposições e entrou de cabeça no mundo da arte brasileira.
"Ele surpreendeu todo mundo pela rapidez com que passou a transitar dentro desse código da arte daqui", lembra Rodrigo Moura, ex-diretor-artístico de Inhotim, que trabalhou quase uma década com Volz no museu -o alemão, aliás, ainda é um dos curadores da instituição. "Há uma retroalimentação muito produtiva no olhar dele. Ele participou de um cenário ligado à estética relacional na Europa e encontrou questões muito semelhantes aqui. É um casamento feliz de culturas diferentes que acontece no trabalho dele."
Feliz e intenso. Toda essa velocidade de que fala Moura, aliás, não é um exagero. Menos de dois anos depois de se mudar para o Brasil, Volz foi convidado por Lisette Lagnado para ajudar a montar a 27ª Bienal de São Paulo, que estreou há uma década.
De repente, aquele alemão perdido em Brumadinho chegava ao topo da cadeia alimentar no cenário da arte nacional fazendo parte de uma das edições mais radicais da mostra paulistana. Lagnado conseguira então abolir o modelo antiquado das representações nacionais, quando embaixadas ainda decidiam que artistas e obras mandar para São Paulo, e dar novo fôlego ao evento brasileiro no calendário internacional.
Volz, que compara organizar uma Bienal a passar pelo inferno, então se cacifou para uma temporada num inferno ainda maior. Em 2009, ao lado do sueco Daniel Birnbaum, ele organizou a Bienal de Veneza e, pouco tempo depois, atraiu o olhar do todo-poderoso curador Hans Ulrich Obrist, que chamou o alemão para trabalhar com ele nas Serpentine Galleries, em Londres, um dos espaços de arte mais influentes do planeta.
"Ele tem um jeito de extrair o melhor de cada artista, entende os artistas e como eles pensam", diz Obrist, que também vê em Volz a identidade híbrida, ou o tal casamento entre culturas, observado por Rodrigo Moura. "Ele é um brasileiro alemão londrino. É um cidadão global que consegue articular gerações e geografias distintas. Ele mostra que o mundo precisa de amor e não de desconfiança, de proximidade e não de isolamento."
Obrist também lembra um dado importante. Depois de anos trabalhando ao lado de grandes nomes do circuito europeu e brasileiro, Volz agora está à frente do maior desafio de sua carreira, assumindo sozinho a direção da Bienal de São Paulo, a mostra mais tradicional de arte contemporânea do mundo depois de Veneza. "É o momento perfeito para ele cristalizar toda a sua experiência."
Mas Volz diminui o peso disso tudo. Desde que pisou no pavilhão no Ibirapuera até agora, ele só diz ter entendido que a missão da mostra mudou. "A Bienal não é mais aquela janela para o mundo", diz o curador. "Hoje sinto que muito mais do que uma janela a Bienal assume o papel de uma plataforma importante para o pensamento crítico, para ser um lugar de experimentação."
No caso, algo entre a experimentação mais radical e trabalhos que sejam palatáveis para o grande público. Volz diz que sua seleção procurou fugir do hermetismo, tentando criar um equilíbrio entre peças mais voltadas para "uma imersão reflexiva" e outras "mais óbvias, claras, diretas". "É importante não cair em polarizações no campo da arte, já que somos uma minoria numa sociedade movida por outros poderes, outras forças", afirma ele.
"Tento imaginar outro futuro. Tudo que eu quero dessa Bienal é que ela seja a melhor exposição que eu já fiz até agora."
Mostras mais marcantes do curador
2001
Rivane Neuenschwander
No Portikus, em Frankfurt, Volz organizou há 15 anos uma mostra da artista brasileira que mais tarde se tornaria sua mulher.
2006
27ª Bienal de São Paulo
Em 2006, Jochen Volz organizou uma elogiada ala dedicada ao artista belga Marcel Broodthaers.
2009
53ª Bienal de Veneza
Junto ao sueco Daniel Birnbaum, com quem iniciou a carreira, o curador comandou a mais tradicional mostra do mundo.
2011
Olafur Eliasson
Há cinco anos, na era das mostras blockbuster, o curador levou as instalações do artista à Pinacoteca e ao Sesc Belenzinho.
2015
Marina Abramovic
Volz organizou a maior mostra da história da performer sérvia no Brasil, ocupando o Sesc Pompeia no ano passado.
Programação off-bienal
Akram Zaatari
Uma das vozes mais influentes da arte do Oriente Médio, o libanês Akram Zaatari ganha primeira retrospectiva em solo brasileiro, no Galpão VB.
Galpão VB. Av. Imperatriz Leopoldina, 1.150, de 3/9 a 5/12, de ter. a sex., das 12h às 18h; sáb., das 11h
'Portugal Portugueses'
Grande mostra no Museu Afro Brasil destaca a badalada cena contemporânea da terrinha.
Museu Afro Brasil. Pq. Ibirapuera, portão 10, de 8/9 a 8/1/2017, de ter. a dom., das 10h às 17h.
Jonathas De Andrade
O artista escalado para esta Bienal de São Paulo tem ainda duas individuais em cartaz, uma no Masp e outra na Galeria Vermelho.
Masp. Av. Paulista, 1.578, de 1º/9 a 29/1/2017, de ter. a dom., das 10h às 18h, qui., até 20h.
Galeria Vermelho. R. Minas Gerais, 350, até 17/9, de ter. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 17h.
Ivens Machado
O Pivô abre uma retrospectiva do artista que morreu no ano passado.
Pivô. Av. Ipiranga, 200, de 4/9 a 29/10, de ter. a sex., das 13h às 20h; sáb., das 13h às 19h.
'Os Muitos e o Um'
Exposição organizada pelo crítico americano Robert Storr no Tomie Ohtake destaca as obras mais marcantes da coleção de José Olympio Pereira, uma das maiores do país.
Instituto Tomie Ohtake. Av. Brig. Faria Lima, 201, de 3/9 a 23/10, de ter. a dom., das 11h às 20h.
agosto 19, 2016
Era uma vez por Paula Alzugaray, Select
Era uma vez
Crítica de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Select em 18 de agosto de 2016
Em novo filme-instalação, Giselle Beiguelman viaja por cinco cidades polonesas reunindo memórias de um passado não vivido
A obsolescência tecnológica e as políticas do esquecimento – dois grandes temas de pesquisa de Giselle Beiguelman – são os fios condutores de Cinema Lascado, recorte de dez anos de trabalhos artísticos, em exposição na Caixa Cultural de São Paulo. Mas é possível discernir os fragmentos de sua obra completa em uma só instalação, em cartaz do outro lado da cidade, no Galpão Videobrasil. Quanto Pesa uma Nuvem? abre uma nova dimensão ao trabalho de Giselle Beiguelman, que passa a se orientar não apenas à pesquisa da imagem digital, mas das imagens mentais.
Comissionada pelo Adam Mickiewicz Institute, como parte do programa de promoção da cultura polonesa no Brasil, organizado pelo Culture.pl., a exposição é composta de três obras: Perguntas às Pedras (carimbo), Perturbadoramente Familiar (áudio e postais) e Quanto Pesa uma Nuvem? (vídeo e fotografia). Mas deve ser entendida e usufruída como um filme-instalação, composto de elementos distribuídos pelo espaço. É o visitante quem “monta” esse filme, a partir de um percurso sugerido. O primeiro ato dá-se em uma sala vazia, onde as imagens serão mentalmente construídas pelo visitante, a partir da audição de um diário de viagem.
O diário sonoro Perturbadoramente Familiar, cuja audição não deverá ser necessariamente linear, mune o visitante de pistas para construir sua própria experiência narrativa. Ele anuncia que Giselle Beiguelman chegou na Polônia “sem imagens mentais”, com a impressão de chegar em um território sem narrativas. Ensina que o céu de Denblin, cidade natal do bisavô paterno, o grão-rabino Hersz leub Beiguelman, é “azul cor de vazio”. Ou que naquela cidade não restaram nem judeus, nem suas casas, sinagogas ou beiguels – o pão da tradição judaica, que emprestou o nome à família da artista.
O diário completa-se em uma coleção de cartões-postais, que dão forma e existência inteligível aos fragmentos de imagens mentais; e em uma série de carimbos (Perguntas às Pedras) que estampam questões lançadas no áudio – “A beleza afronta a memória do pesadelo?”; “A dor tem cor?”; “Como é viver onde tudo era?”. As Perguntas às Pedras revivem o trabalho Memória da Amnésia, realizado no fim de 2015 com 60 monumentos esquecidos de São Paulo, que lançava a pergunta “O que você esqueceu de lembrar?”
Entre os terrenos vagos fotografados e reproduzidos em postais e os hiatos da história sonora figuram um vídeo e uma fotografia, que colocam lado a lado o peso e a fugacidade de “tempos abolidos e imóveis”. O terceiro ato narrativo é obra do espectador, convidado a carimbar as perguntas nos versos dos cartões-postais e criar o seu próprio epílogo a esta comovente história de perdas e memórias não vividas.
agosto 18, 2016
Criador dos infláveis usados na cerimônia olímpica, Franklin Cassaro diz: ‘Eu vendo vento’ por Nani Rubin, O Globo
Criador dos infláveis usados na cerimônia olímpica, Franklin Cassaro diz: ‘Eu vendo vento’
Matéria de Nani Rubin originalmente publicada no jornal O Globo em 13 de agosto de 2016.
Escultor se compara a Forrest Gump e garante: não está na proa, mas acaba ‘aparecendo’
Franklin Cassaro caminha no fim da tarde pela praça do Bairro Peixoto, em Copacabana, onde fica seu abarrotado apartamento/ateliê de quarto e sala, para num canto e desdobra o fino objeto de plástico laminado, utilizado na embalagem de produtos alimentícios, que carrega consigo. O balanço ritmado do artefato faz o ar entrar por um orifício e encher o almofadão, sobre o qual ele batuca. Jovens que conversam no local reconhecem a peça e sorriem. Um senhor que pula corda ali perto se aproxima:
— É aquilo que fizeram na cerimônia de abertura da Olimpíada?
Diante da resposta afirmativa, parabeniza efusivamente o escultor — é assim que ele gosta de ser identificado —, que agradece e sorri. Desde a cerimônia de abertura dos Jogos do Rio, quando seu trabalho foi visto na grande festa no Maracanã, Cassaro, 54 anos, tem recebido com alegria a congratulação de amigos e artistas — como Ernesto Neto, que lhe mandou uma carinhosa mensagem pelo celular. O grande público — e grande é algo da ordem de 4 milhões de espectadores que assistiram à cerimônia em todo o mundo — não tem muitas referências para identificar a sua obra, que não aparece em leilões e é, aparentemente, pouco vendável. O que vende o artista Franklin Cassaro?
— Eu vendo vento — diz ele. — Não há nada mais carioca do que isso.
Aqui e ali, os habitantes do Rio já puderam ver suas esculturas feitas de ar. No show “Universo ao meu redor” (2006), Marisa Monte entoou “Meu canário” tendo como cenário uma obra de Cassaro da própria coleção da cantora: uma gaiola onde pequenos cubos vermelhos se moviam pela ação de um ventilador (ela a batizou “Gaiola de Cassarinhos”). Na peça “O duelo” (2014), Camila Pitanga contracenou com um imenso inflável verde, que praticamente tomava o palco.
— Eu sou uma espécie de Forrest Gump das artes plásticas. Não vou tanto na proa do negócio, mas acabo aparecendo — define-se o escultor, numa comparação com o personagem vivido por Tom Hanks no cinema.
ACORDAR TARDE, TRUNFO DO ARTISTA
Foi ao pesquisar na internet que a equipe de Daniela Thomas (diretora da cerimônia ao lado de Fernando Meirelles, Andrucha Waddington e Abel Gomes) viu um vídeo do fotógrafo Marcos Bonisson que registrava o “Batuque portátil” — música produzida através de percussão no inflável. O artista descreve o que faz como “ato escultórico”.
— É a escultura feita à vista das pessoas, à maneira do pizzaiolo preparando a pizza — explica. — O ato é parte integrante da escultura, eu sou um músculo dela.
Na abertura dos Jogos, a coreógrafa Deborah Colker usou 244 infláveis de 3m x 3m, cada um deles movimentado por quatro pessoas, numa encenação que homenageava Athos Bulcão (1918-2008). Cassaro faz questão de citar a autora da coreografia original de seu trabalho, bastante autoral: Michele Spiewak, ex-mulher do artista e mãe de suas duas filhas, Lara, 15 anos, e Luna, 11.
Foi por meio de Michele que Cassaro, analista de Organização e Métodos, viu-se fisgado em 1986 para as artes. Cursou a Escola de Artes Visuais do Parque Lage e trocou o ofício pela então incerta carreira de escultor, movido basicamente pelo fato de que não gostava de acordar cedo. Sua inserção rápida no meio artístico confirmou a escolha.
Em 1988, já realizava a primeira individual, na antiga Galeria Macunaíma, da Funarte, e logo depois começou a colaborar com a Dr. Smith, casa noturna moderninha em Botafogo. Por quase cinco anos ele criou a ambientação do lugar.
Atualmente, há dois trabalhos de Cassaro na exposição “Em polvorosa” no MAM, com curadoria de Fernando Cocchiarale e Fernanda Lopes (Cocchiarale, aliás, tem uma coleção de objetos do artista, os “Recicloides”, pequenas esculturas feitas com papel alumínio de embalagens): “Levitação cúbica” (2001), gaiola com cubinhos movidos por um circulador de ar, e “Volume flutuante bioconcreto e branco” (1999), inflável de 54 m³, com o qual artista promoveu um ato escultórico na abertura da mostra. Duas obras suas estarão também em “Calder e os brasileiros”, com curadoria de Luiz Camillo Osorio, que será inaugurada no dia 31 no Itaú Cultural, em São Paulo.
E, por fim, participa da exposição “Ponto de transição”, que ocupará a Fundição Progresso de 1º a 18 de setembro, promovida pelo Centro de Artes Visuais da Funarte/MinC. Cassaro fará performances na abertura, às 19h, e no dia 15, às 20h. Para alguém que diz não estar na proa, é bastante.
agosto 13, 2016
Não lavaram e virou um cubo cinza', diz artista que ilustrou Estádio Aquático por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Não lavaram e virou um cubo cinza', diz artista que ilustrou Estádio Aquático
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 9 de agosto de 2016.
Quatro dias depois do início dos Jogos do Rio, a obra de Adriana Varejão que envolve o Estádio Aquático da Olimpíada está suja, desbotada e rasgada. A artista plástica, um dos nomes mais relevantes da arte contemporânea, reclamou que a lona que traz estampada um de seus trabalhos mais célebres deveria ter sido lavada antes do início do evento.
Instalada ao redor do prédio em abril, enquanto o parque olímpico ainda era um canteiro de obras, a reprodução de "Celacanto Provoca Maremoto", que pertence ao Instituto Inhotim, no interior de Minas Gerais, já exibe desgastes.
"Estava previsto lavarem antes de começar e não lavaram. Eu entreguei uma coisa e o que está lá é muito diferente", disse a artista à Folha, depois de postar uma queixa ao descaso com a peça em sua conta no Instagram. "É uma diferença monumental. O resultado que a gente vê lá é muito ruim. Virou um cubo cinza em vez de branco e azul. O branco virou um bege escuro e o azul está desbotado. Ontem [segunda] eu fui lá e fiquei triste."
De acordo com Varejão, a equipe técnica da Olimpíada disse não poder limpar agora o trabalho por causa das fortes rajadas de vento que atingem o Rio, o que põe em risco a segurança de trabalhadores que devem se pendurar da cobertura do prédio para fazer o serviço.
Varejão disse ainda que mandou uma carta a Carla Camurati, responsável pela direção artística da Olimpíada, pedindo a limpeza da obra e reparos em sua estrutura, já que o vento também rasgou partes da lona e levou pedaços embora.
"Isso foi rasgado por causa do vento, eles não têm culpa disso e disseram ter mais lona para reposição", diz a artista.
"É a sujeira do painel que me incomoda mais. O trabalho que eu fiz não foi esse. E é a única obra de arte presente no Parque Olímpico, é discreta, bonita. Não tem a potência da obra porque os caras não limparam. Estou quase querendo subir lá para limpar o troço", afirma.
O comitê organizador da Rio-2016 informou à Folha que a tela "Celacanto provoca maremoto" tem passado por limpezas regulares desde que foi instalada. "Porém, há vários dias, rajadas de vento intensas não permitem que a limpeza, que é feita por alpinistas, seja realizada. Assim que o tempo se normalizar, os reparos serão feitos, o que deve acontecer em até quatro dias".
Juca Ferreira: “Cultura não é uma questão de direita ou esquerda, mas de civilização ou barbárie” por Manuela Azenha, Brasileiros
Juca Ferreira: “Cultura não é uma questão de direita ou esquerda, mas de civilização ou barbárie”
Entrevista de Manuela Azenha originalmente publicada na revista Brasileiros em 28 de julho de 2016.
Para o ministro da Cultura de Lula e Dilma, governo de Michel Temer está “destruíndo o MinC por dentro – como cupins”
E segue a ofensiva do governo interino de Michel Temer contra o Ministério da Cultura. Um dia após a reintegração de posse do Palácio Gustavo Capanema, sede da Funarte no Rio de Janeiro, ocupada desde maio em protesto ao peemedebista, foram exonerados 81 funcionários da pasta.
Ministro da Cultura dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, Juca Ferreira acredita que o governo interino tenta “destruir” o Ministério da Cultura “por dentro, como cupins” porque não pôde extingui-lo, como gostaria. Ferreira diz que a defesa da cultura “não é uma questão de esquerda ou direta, mas de civilização ou barbárie”: “Essa turma não está preparada para conduzir o Brasil a uma posição de destaque no século 21. Pelo contrário, são regressivos, reacionários, antipopulares, antidemocráticos e contra a soberania brasileira”.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Brasileiros – Na opinião do senhor, o que está por traz dessas demissões no Ministério da Cultura?
Juca Ferreira - Não puderam extinguir o ministério, então agora estão destruindo ele por dentro. Estão tirando a capacidade do ministério de realizar suas políticas, programas e ações. A demissão, o grosso dela, foi DS1, DS2 e DS3, pessoal que ganha em torno de R$ 3 mil reais. Muitos deles estão lá desde a época de Fernando Henrique, outros desde 2003, 2004, são pessoas que não trabalham política, muitos não são nem politizados, sei que alguns são até simpatizantes do PSDB e de outros partidos de oposição. Ou seja, não se trata de desaparelhamento, como disse o ministro interino, mas é muito mais um processo de desmonte do ministério. Algumas áreas vão ficar muito afetadas, áreas muito importantes para a soberania nacional, como a digital. Botaram para fora uma pessoa que é considerado um dos maiores quadros nessa área digital, a área privada sempre quis tirá-lo de lá oferecendo o dobro, triplo do salário. Não vou dar nomes, não quero expor pessoas que eu não sei qual é a posição deles. A Cinemateca vai ser afetada, que é uma instituição importante de preservação da memória do cinema brasileiro. A área financeira também, eles depois vão ficar com dificuldade de fazer o manejo administrativo do ministério e vão inventar outras desculpas. É um processo de desmonte mesmo.
Por que o governo interino estaria tentando acabar com o MinC?
O neoliberalismo não tem um projeto de nação, não tem um projeto de país que seja complexo. Eles resumem tudo a uma questão de moeda e circulação de mercadoria. Eles são economicistas, sob o ponto de vista do capital. Não conseguem compreender o que é uma nação, a complexidade de uma nação, a importância do desenvolvimento cultural para o Brasil se afirmar no século 21. É uma visão estreita e, no caso brasileiro, se associa às alianças que o PSDB fez com o que há de mais atrasado no Brasil. O projeto deles é regressivo, estão atacando a educação. Com esse negócio de educação sem partido querem que a educação seja desenvolvida sem construção de consciência critica. Estão atacando a área de comunicações, afetando em outros aspectos a soberania brasileira diante de uma atividade altamente monopolizada e globalizada. Em todas as áreas é a mesma postura regressiva e reducionista.
Acabar com a cultura é uma estratégia de acabar com a possibilidade de resistência ao golpe?
Quanto mais eles agridem, mais acende a reação. A resistência na cultura hoje tende a aumentar por essas atitudes arbitrárias e pouco respeitosas do ministro interino. Se for isso, vai fracassar. Cada dia mais o governo isola uma dimensão importante do Brasil, que é sua cultura, sua dimensão simbólica.
Qual é a importância da cultura para o Brasil se afirmar no século 21?
São muitas. Não há nação que possa abrir mão do desenvolvimento cultural. Eu me lembro que na época da Margaret Thatcher, onde o neoliberalismo teve seu período áureo, os teatros públicos funcionavam, os centros culturais públicos funcionavam, a produção cultural funcionava. Não é uma questão de esquerda ou direta, mas de civilização ou barbárie. Essa turma não está preparada para conduzir o Brasil a uma posição de destaque no século 21. Pelo contrário, são regressivos, reacionários, antipopulares, antidemocráticos e contra a soberania brasileira.
Qual a opinião do senhor sobre essas ocupações na Funarte e a recente reintegração de posse no Rio de Janeiro?
Essa ocupação foi exatamente uma reação à tentativa de extinguir o ministério, as ocupações em geral tomaram uma posição contra o golpe. Essa reintegração de posse é a luta do governo com a cultura, ou seja, o conflito continua.
Foi uma vitória da classe artística conseguir a volta do MinC?
Claro, foi uma reação do setor artístico e cultural. A equipe do filme brasileiro Aquarius, que estava representando o Brasil no Festival de Cannes, protestou no próprio festival. Brasileiros do mundo todo, artistas protestaram. Aqui dentro artistas escreveram artigos, como Caetano Veloso. Ou seja, a área cultural se levantou contra essa tentativa de extinguir o MinC. Mas o governo interino agora está renovando a mesma atitude, mas comendo por dentro, como cupins, destruindo as estruturas e a capacidade de ação do MinC.
Qual é a capacidade de ação desse setor artístico para resistir ao golpe?
Estão fazendo o que podem. Mas a área cultural não sustenta essa luta sozinha. Eu acho que o impeachment não passa, o golpe não se consolida se houver uma atitude conjunta da sociedade brasileira.
agosto 2, 2016
Comemorando 20 anos, Centro Hélio Oiticica supera decadência por Mariana Filgueiras, O Globo
Comemorando 20 anos, Centro Hélio Oiticica supera decadência
Matéria de Mariana Filgueiras originalmente publicada no jornal O Globo em 2 de agosto de 2016.
Espaço foi transformado em central de cursos, residências, mostras e debates
RIO – As tardes no entorno da Praça Tiradentes são como em muitas esquinas cariocas. Camelôs vendem chicletes e pentes de plástico, moradores de rua dormem nas escadas do Teatro João Caetano, estudantes uniformizados atravessam os sinais correndo. Mas, se qualquer um deles quiser usar wi-fi, consultar livros ou se deixar atravessar por uma exposição de arte, basta cruzar o portão do grande edifício neoclássico que fica escancarado logo ali à frente, na Rua Luís de Camões.
— Deixar a porta aberta, com um funcionário simpático apto a explicar tudo o que oferece o equipamento, para qualquer pessoa que queira entrar. Qualquer pessoa. Essa foi uma das primeiras coisas que aprendi aqui. A arte tem que ser uma extensão da rua — explica a diretora do Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica (CMAHO), Izabela Pucu, niteroiense de 36 anos, que há dois anos assumiu o comando e mudou radicalmente a instituição, prestes a completar duas décadas no mês que vem.
As mudanças não se resumem a deixar o Hélio Oiticica de portas abertas. Desde que chegou, Izabela o revirou como um dos clássicos parangolés do artista que batiza o espaço. Tirou entulho do corredor, catalogou obras escondidas no acervo, reformou uma instalação fixa do artista americano Richard Serra que estava danificada. Convidou artistas para residências no local. Bolou cursos e seminários, e também convenceu professores de arte de seis universidades a dar aulas lá, para estimular a circulação de estudantes (num auditório que ela montou com TV e caixas de som cedidas por parcerias).
A diretora fez tudo sem dinheiro, já que não dispõe de orçamento para investir no equipamento municipal.
— Agora batalhamos por verba para reformar o terraço do prédio, que poderia virar uma nova ala para residências — pondera Izabela, mostrando o espaço, que poderia integrar o calendário de celebrações dos 20 anos da instituição, entre abril e dezembro, com exposições, saraus e cursos. — Hoje, a ideia de que um centro cultural é só um local de exibições não se sustenta. É preciso ter outras interfaces com o público.
A batalha pela abertura “ampla, geral e irrestrita” é quase física: num dos episódios mais delicados que enfrentou na sua gestão, em abril deste ano, Izabela chegou a ser ameaçada durante um debate entre artistas da exposição “ComPosições Políticas”, da qual assinava a curadoria, e militantes do movimento negro, que organizaram um ato em frente ao Centro em repúdio às obras da “Expo mostruário”, do artista Rafael Puetter, o Rafucko, consideradas racistas por eles.
Izabela convidou manifestantes para debater com participantes no auditório, mas os que não conseguiram entrar invadiram o espaço pela janela, causando confusão, seguida de intenso debate nas redes sociais. Rafucko havia criado produtos alusivos à violência do estado contra a população negra e colocado as peças à venda. Acabou rechaçado por ativistas, contrários à mercantilização de objetos que aludiam ao sofrimento dos negros.
— Acho que cometemos erros nesse episódio, principalmente de interlocução, mas tudo isso faz parte do processo que estamos estabelecendo aqui: confrontar a arte com a sociedade — diz Izabela, citando o crítico Mário Pedrosa, um dos seus gurus: — Mário faz as perguntas certas, e trabalho até hoje respondendo a elas: “Qual problema central das artes? É sua participação na sociedade”. Ele convoca o artista para fora do seu isolacionismo de base. A arte é uma força instituinte da sociedade.
Na quarta, às 16h, o Centro inaugura duas mostras: “Jogos do Sul”, com curadoria de Alfons Hug e Paula Borghi, que propõe um contraponto ao modelo olímpico, em obras de Paulo Nenflidio e Paulo Nazareth, entre outros; e “Relandscape/Repaisagem”, de Ivan Henriques, com curadoria da própria Izabela.
Filha de militantes políticos niteroienses, aos 15 anos, em vez de ir para a Disney, como a maioria das amigas, Izabela foi para Cuba. Retornou à ilha depois de se graduar em Artes Visuais, na Uerj, para complementar a formação. De volta ao Brasil, deu aulas, trabalhou no Paço Imperial e na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, até receber o convite para dirigir o CMAHO.
— Quando cheguei, tive carta branca para recriar a instituição, que estava em franca decadência, e que chegou a funcionar sem gestor. A ideia, para mim, era revolução ou nada.