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março 31, 2016
Artistas e profissionais das artes visuais lançam carta em defesa da democracia, ARTE!Brasileiros
Artistas e profissionais das artes visuais lançam carta em defesa da democracia
Matéria originalmente publicada na revista ARTE!Brasileiros em 25 de março de 2016.
O documento que vinha sendo redigido colaborativamente através de um grupo fechado no Facebook, esta agora recebendo assinaturas através do site Avaaz
Desde o começo da semana um grupo de artistas e profissionais das artes visuais vinha se articulando através do Facebook para redigir colaborativamente uma carta pública de posicionamento a respeito do atual contexto político brasileiro. O documento denuncia a ação jurídico-midiática em curso que ameaça as garantias constitucionais de um estado de direito, considerando inadmissível a destituição de um governo eleito democraticamente sem a observância das devidas disposições legais. Defende ainda, uma reforma política democrática e verdadeira, bem como o combate à corrupção apartidário e não seletivo.
O manifesto que foi analisado por juízes, advogados e juristas antes de ser tornado público, foi publicado com abaixo-assinado de 554 profissionais das artes de diversos lugares do Brasil. Antes de ser entregue ao Congresso Nacional e a Comissão do Impeachment, para quem esta dirigido, a campanha esta recolhendo mais assinaturas através do site Avaaz: https://goo.gl/y40jnf
Leia a íntegra da carta:
Nós, artistas e profissionais que atuamos no campo das artes visuais no Brasil, vimos denunciar e declarar nosso repúdio às tentativas de ruptura da ordem democrática ora em curso no Congresso Nacional, articuladas através de uma ação jurídico-midiática de caráter inconstitucional. Nós nos posicionamos veementemente contra as perseguições político ideológicas, incitação ao ódio e violação dos direitos civis.
As artes visuais constituem um campo fundamental de produção de reflexão por meio de linguagens plásticas, visuais e performáticas, capazes de intervir criticamente na sociedade. Os diversos profissionais e instituições que exercem atividades ligadas às artes visuais, abaixo assinados, vêm afirmar a importância do estado de direito para a manutenção e ampliação dos avanços sociais e institucionais conquistados desde a redemocratização do país.
É inadmissível a destituição, sem a observância das devidas disposições constitucionais, de um
governo legitimamente eleito pela maioria do povo brasileiro. E é especialmente inadmissível a gestação de condições propícias à perpetração da violência e do arbítrio contra as liberdades individuais garantidas por nossa constituição. Defendemos uma reforma política democrática e verdadeira, bem como o combate à corrupção apartidário e não seletivo.
março 28, 2016
Artistas visuais lançam carta aberta contra o impeachment de Dilma, Folha de S. Paulo
Artistas visuais lançam carta aberta contra o impeachment de Dilma
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de São Paulo em 26 de março de 2016.
Artistas e profissionais de artes visuais lançaram uma carta aberta na internet contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
"É inadmissível a destituição, sem a observância das devidas disposições constitucionais, de um governo legitimamente eleito pela maioria do povo brasileiro. E é especialmente inadmissível a gestação de condições propícias à perpetração da violência e do arbítrio contra as liberdades individuais garantidas por nossa constituição. Defendemos uma reforma política democrática e verdadeira, bem como o combate à corrupção apartidário e não seletivo", diz um dos trechos da carta.
Entre os nomes que endossam a carta estão artistas como Renata Lucas, Rodrigo Braga, Maurício Ianês, Beto Shwafaty, Jaime Lauriano, Tuca Vieira, Bruno Dunley, Vitor Cesar e Paloma Bosquê, entre outros, e curadores de grandes instituições do país, como Fernanda Pitta, da Pinacoteca, Marta Mestre, do Instituto Inhotim, Paulo Miyada, do Instituto Tomie Ohtake, Fernanda Brener, do Pivô, além de Moacir dos Anjos, Jochen Volz e Júlia Rebouças, os dois últimos na curadoria da próxima Bienal de São Paulo - Volz é o curador.
Na lista praticamente não há nomes ligados ao mercado de arte. Uma das raras adesões é a de Monica Novaes Esmanhotto, que coordena a área de pesquisa sobre mercado de arte na Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, do governo federal).
O manifesto dos profissionais das artes visuais se junta ao dos profissionais do cinema, difundido nas redes sociais desde quarta-feira (23).
março 1, 2016
Precisamos falar sobre a vaidade na vida acadêmica por Rosana Pinheiro-Machado, Carta Capital
Precisamos falar sobre a vaidade na vida acadêmica
Matéria de Rosana Pinheiro-Machado originalmente publicada na revista Carta Capital em 24 de fevereiro de 2016.
Combater o mito da genialidade, a perversidade dos pequenos poderes e os "donos de Foucault" é fundamental para termos uma universidade melhor
A vaidade intelectual marca a vida acadêmica. Por trás do ego inflado, há uma máquina nefasta, marcada por brigas de núcleos, seitas, grosserias, humilhações, assédios, concursos e seleções fraudulentas. Mas em que medida nós mesmos não estamos perpetuando esse modus operandi para sobreviver no sistema? Poderíamos começar esse exercício auto reflexivo nos perguntando: estamos dividindo nossos colegas entre os “fracos” (ou os medíocres) e os “fodas” (“o cara é bom”).
As fronteiras entre fracos e 'fodas' começam nas bolsas de iniciação científica da graduação. No novo status de bolsista, o aluno começa a mudar a sua linguagem. Sem discernimento, brigas de orientadores são reproduzidas. Há brigas de todos os tipos: pessoais (aquele casal que se pegava nos anos 1970 e até hoje briga nos corredores), teóricas (marxistas para cá; weberianos para lá) e disciplinares (antropólogos que acham sociólogos rasos generalistas, na mesma proporção em que sociólogos acham antropólogos bichos estranhos que falam de si mesmos).
A entrada no mestrado, no doutorado e a volta do doutorado sanduíches vão demarcando novos status, o que se alia a uma fase da vida em que mudar o mundo já não é tão importante quanto publicar um artigo em revista qualis A1 (que quase ninguém vai ler).
Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, dizíamos que quando alguém entrava no mestrado, trocava a mochila por pasta de couro. A linguagem, a vestimenta e o ethos mudam gradualmente. E essa mudança pode ser positiva, desde que acompanhada por maior crítica ao sistema e maior autocrítica – e não o contrário.
A formação de um acadêmico passa por uma verdadeira batalha interna em que ele precisa ser um gênio. As consequências dessa postura podem ser trágicas, desdobrando-se em dois possíveis cenários igualmente predadores: a destruição do colega e a destruição de si próprio.
O primeiro cenário engloba vários tipos de pessoas (1) aqueles que migraram para uma área completamente diferente na pós-graduação; (2) os que retornaram à academia depois de um longo tempo; (3) os alunos de origem menos privilegiada; (4) ou que têm a autoestima baixa ou são tímidos. Há uma grande chance destas pessoas serem trituradas por não dominarem o ethos local e tachadas de “fracos”.
Os seminários e as exposições orais são marcados pela performance: coloca-se a mão no queixo, descabela-se um pouco, olha-se para cima, faz-se um silêncio charmoso acompanhado por um impactante “ãaaahhh”, que geralmente termina com um “enfim” (que não era, de fato, um “enfim”). Muitos alunos se sentem oprimidos nesse contexto de pouca objetividade da sala de aula. Eles acreditam na genialidade daqueles alunos que dominaram a técnica da exposição de conceitos.
Hoje, como professora, tenho preocupações mais sérias como estes alunos que acreditam que os colegas são brilhantes. Muitos deles desenvolvem depressão, acreditam em sua inferioridade, abandonam o curso e não é raro a tentativa de suicídio como resultado de um ego anulado e destruído em um ambiente de pressão, que deveria ser construtivo e não destrutivo.
Mas o opressor, o “foda”, também sofre. Todo aquele que se acha “bom” sabe que, bem lá no fundo, não é bem assim. Isso pode ser igualmente destrutivo. É comum que uma pessoa que sustentou seu personagem por muitos anos, chegue na hora de escrever e bloqueie.
Imagine a pressão de alguém que acreditou a vida toda que era foda e agora se encontra frente a frente com seu maior inimigo: a folha em branco do Word. É “a hora do vâmo vê”. O aluno não consegue escrever, entra em depressão, o que pode resultar no abandono da tese. Esse aluno também é vítima de um sistema que reproduziu sem saber; é vítima de seu próprio personagem que lhe impõe uma pressão interna brutal.
No fim das contas, não é raro que o “fraco” seja o cavalinho que saiu atrasado e faça seu trabalho com modéstia e sucesso, ao passo que o “foda” não termine o trabalho. Ademais, se lermos o TCC, dissertação ou tese do “fraco” e do “foda”, chegaremos à conclusão de que eles são muito parecidos.
A gradação entre alunos é muito menor do que se imagina. Gênios são raros. Enroladores se multiplicam. Soar inteligente é fácil (é apenas uma técnica e não uma capacidade inata), difícil é ter algo objetivo e relevante socialmente a dizer.
Ser simples e objetivo nem sempre é fácil em uma tradição “inspirada” (para não dizer colonizada) na erudição francesa que, na conjuntura da França, faz todo o sentido, mas não necessariamente no Brasil, onde somos um país composto majoritariamente por pessoas despossuídas de capitais diversos.
É preciso barrar imediatamente este sistema. A função da universidade não é anular egos, mas construí-los. Se não dermos um basta a esse modelo a continuidade desta carreira só piora. Criam-se anti-professores que humilham alunos em sala de aula, reunião de pesquisa e bancas. Anti-professores coagem para serem citados e abusam moral (e até sexualmente) de seus subalternos.
Anti-professores não estimulam o pensamento criativo: por que não Marx e Weber? Anti-professores acreditam em lattes e têm prazer com a possibilidade de dar um parecer anônimo, onde a covardia pode rolar às soltas.
O dono do Foucault
Uma vez, na graduação, aos 19 anos, eu passei dias lendo um texto de Foucault e me arrisquei a fazer comparações. Um professor, que era o dono do Foucault, me disse: “não é assim para citar Foucault”.
Sua atitude antipedagógica, anti-autônoma e anti-criativa, me fez deixar esse autor de lado por muitos anos até o dia em que eu tive que assumir a lecture “Foucault” em meu atual emprego. Corrigindo um ensaio, eu quase disse a um aluno, que fazia um uso superficial do conceito de discurso, “não é bem assim...”.
Seria automático reproduzir os mecanismos que me podaram. É a vingança do oprimido. A única forma de cortamos isso é por meio da autocrítica constante. É preciso apontar superficialidade, mas isso deve ser um convite ao aprofundamento. Esquece-se facilmente que, em uma universidade, o compromisso primordial do professor é pedagógico com seus alunos, e não narcisista consigo mesmo.
Quais os valores que imperam na academia? Precisamos menos de enrolação, frases de efeitos, jogo de palavras, textos longos e desconexos, frases imensas, “donos de Foucault”. Se quisermos que o conhecimento seja um caminho à autonomia, precisamos de mais liberdade, criatividade, objetividade, simplicidade, solidariedade e humildade.
O dia em que eu entendi que a vida acadêmica é composta por trabalho duro e não genialidade, eu tirei um peso imenso de mim. Aprendi a me levar menos a sério. Meus artigos rejeitados e concursos que fiquei entre as últimas colocações não me doem nem um pouquinho. Quando o valor que impera é a genialidade, cria-se uma “ilusão autobiográfica” linear e coerente, em que o fracasso é colocado embaixo do tapete. É preciso desconstruir o tabu que existe em torno da rejeição.
Como professora, posso afirmar que o número de alunos que choraram em meu escritório é maior do que os que se dizem felizes. A vida acadêmica não precisa ser essa máquina trituradora de pressões múltiplas. Ela pode ser simples, mas isso só acontece quando abandonamos o mito da genialidade, cortamos as seitas acadêmicas e construímos alianças colaborativas.
Nós mesmos criamos a nossa trajetória. Em um mundo em que invejas andam às soltas em um sistema de aparências, é preciso acreditar na honestidade e na seriedade que reside em nossas pesquisas.
Transformação
Tudo depende em quem queremos nos espelhar. A perversidade dos pequenos poderes é apenas uma parte da história. Minha própria trajetória como aluna foi marcada por orientadoras e orientadores generosos que me deram liberdade única e nunca me pediram nada em troca.
Assim como conheci muitos colegas que se tornaram pessoas amargas (e eternamente em busca da fama entre meia dúzia), também tive muitos colegas que hoje possuem uma atitude generosa, engajada e encorajadora em relação aos seus alunos.
Vaidade pessoal, casos de fraude em concursos e seleções de mestrado e doutorado são apenas uma parte da história da academia brasileira. Tem outra parte que versa sobre criatividade e liberdade que nenhum outro lugar do mundo tem igual. E essa criatividade, somada à colaboração, que precisa ser explorada, e não podada.
Hoje, o Brasil tem um dos cenários mais animadores do mundo. Há uma nova geração de cotistas ou bolsistas Prouni e Fies, que veem a universidade com olhos críticos, que desafiam a supremacia das camadas médias brancas que se perpetuavam nas universidades e desconstroem os paradigmas da meritocracia.
Soma-se a isso o frescor político dos corredores das universidades no pós-junho e o movimento feminista que só cresce. Uma geração questionadora da autoridade, cansada dos velhos paradigmas. É para esta geração que eu deixo um apelo: não troquem o sonho de mudar o mundo pela pasta de couro em cima do muro.
Parque Lage e Villa-Lobos mudam para sobreviver à crise por Nani Rubin, O Globo
Parque Lage e Villa-Lobos mudam para sobreviver à crise
Matéria de Nani Rubin originalmente publicada no jornal O Globo em 26 de fevereiro de 2016.
Secretaria de Cultura quer rescindir contrato com Oca Lage e ceder teatro a empresa
RIO — Uma instituição e um equipamento cultural caros à cidade, a Escola de Artes Visuais do Parque Lage e o Teatro Villa-Lobos vão passar por mudanças em breve. Na próxima segunda-feira, uma reunião do conselho de administração da Oca Lage, a organização social (OS) que administra a escola e o parque situados no Jardim Botânico, Zona Sul da cidade, e ainda a Casa França-Brasil, no Centro, deve selar o fim de uma parceria iniciada há dois anos. E, até o fim do mês, será lançado um edital de cessão de espaço público para oferecer o Villa-Lobos a uma empresa, por um período ainda a ser determinado, em troca da realização da custosa obra do prédio. As iniciativas estão sendo conduzidas por Eva Doris Rosental, secretária de estado de Cultura, como um modo de driblar a falta de recursos financeiros.
À frente da Cultura desde janeiro de 2015, Eva Doris viu-se nos últimos meses diante de vários impasses provocados pela crise que atinge o estado. Só na sua pasta houve um contingenciamento (isto é, um bloqueio) de 45% do orçamento, levando-a a tecer parcerias com empresas para, por exemplo, implementar programas na Baixada Fluminense e garantir uma programação cultural do estado nas Olimpíadas. No caso da EAV Parque Lage, ela acredita que a saída é a rescisão amigável. Como uma das 16 representantes do conselho de administração da Oca Lage (do qual fazem parte representantes do governo, professores da escola e figuras proeminentes da sociedade civil), vem conversando sobre isso.
— Desde outubro, quando a situação começou a se agravar, com a suspensão dos repasses do governo, o conselho passou a discutir seriamente a possibilidade de uma rescisão do contrato de forma amigável. Isso deve ser decidido na reunião do dia 29. Acho uma saída bastante razoável, porque o estado possui condições de manter o Parque Lage — diz ela. — O Parque Lage tem uma capacidade de alavancagem muito grande. O mundo quer fazer festas lá. Então isso vai continuar, sendo OS ou sendo estado. O mais importante é que continue sendo uma escola pública, com cursos gratuitos, e isso eu vou garantir.
Procurado pelo GLOBO, o presidente da Oca Lage (e do conselho de administração), Paulo Vieira, disse que só falaria após a reunião do dia 29. A organização social passou a administrar o Parque Lage e a França-Brasil em março de 2014. No mês passado, com o atraso no repasse da verba do governo, demitiu 70 funcionários administrativos. As OS são uma solução encontrada para gerenciar de forma mais ágil e moderna equipamentos públicos. No Rio, o Museu de Arte do Rio e as bibliotecas-parque são geridas por OS, modelo que, no Brasil, foi implantado primeiro em São Paulo, com êxito — lá, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) e a Pinacoteca do Estado, por exemplo, são administradas desta forma.
PRODUTORES OPINAM SOBRE CONCESSÃO DO TEATRO
Em relação ao Teatro Villa-Lobos, paralisado para obras desde 2011, Eva Doris parte de uma premissa: melhor ter um teatro funcionando do que fechado. Para isso, deve publicar até o fim de março uma licitação de concessão de espaço público. A ideia é que uma empresa se responsabilize pela obra, cujo custo, segundo ela, “é da ordem de R$ 50 milhões”, em troca do direito de administrar o teatro e sua programação, por um período de 20 a 30 anos, que possibilite o retorno do investimento. O alto valor se explica pela dimensão do projeto, encomendado na gestão de Adriana Rattes, sua antecessora. Além de reformar o prédio principal, com a construção de uma plateia superior que aumentará a capacidade dos 400 lugares atuais para 700, ele prevê a construção de um anexo, com um teatro menor, salas de ensaio do tamanho do palco principal, e restaurante. O modelo, nunca implementado no Rio, está sendo elaborado pela secretaria de Desenvolvimento Econômico, e inclui naming rights — a concessão à empresa do direito de usar seu nome na marca (algo já feito em empreendimentos privados, como no Teatro Oi Casa Grande, por exemplo). Segundo Eva Doris, o termo de cessão será bastante claro — “As atividades terão que ser eminentemente artísticas e culturais”, frisa ela.
— Para mim, o mais importante é que a cidade e o estado ganhem esse teatro de volta. Se vai ser gerido pela secretaria de Cultura ou por uma empresa, é o de menos. O importante é que a gente participe do conselho desse teatro — diz Eva Doris, garantindo não temer reações da classe artística. — Se você fica parado recebe crítica; se faz alguma coisa, recebe crítica. O papel do gestor público é isso. Não me tira o sono. O que me tira o sono é ver teatro fechado.
O produtor Eduardo Barata, presidente da Associação de Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), teme como será a ocupação.
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— É um teatro que o estado e a cidade terão de volta. Mas, com esses valores, só uma parte da sociedade e da produção teatral terá acesso a ele — avalia Barata. — Para ter retorno do investimento, a empresa terá que cobrar bastante de quem for assistir aos espetáculos. Isso me dá medo, há uma tendência à privatização do setor público. Mas se o governo do estado está falido, fechando escolas, fechando postos de saúde, vai se preocupar em abrir teatros?
Aniela Jordan, sócia da Aventura Entretenimentos, aplaude a iniciativa mas receia que o alto custo da obra afaste possíveis interessados.
— A ideia é muito boa, torço para que dê certo, no mundo de hoje a parceria público-privada é necessária. Mas não sei quanto tempos seria preciso para o retorno do investimento. Além disso, a manutenção de um espaço desses é caríssima.
Governar sem dinheiro é buscar parcerias. Este parece ser o lema de Eva Doris. A Casa de Cultura Laura Alvim, por exemplo, está tendo seus dois teatros reformados pela Omega, a um custo de R$ 4,3 milhões. Em troca, a empresa suíça, responsável pela cronometragem das Olimpíadas, usará o espaço em agosto. Em setembro, Fernanda Montenegro estreará ali um espetáculo inédito, com textos de Nelson Rodrigues.
Nesta semana, a secretaria fechou um acordo com a Claro e a Embratel, no valor de R$ 1,5 milhão, que garantirá a realização da programação de cultura do estado nas Olimpíadas.
— Vamos trazer 45 grupos de cultura popular de todo o estado para se apresentar aqui, na Casa Rio, que o governo instalará na nova central técnica do Teatro Municipal, na região portuária. Vai ter jongo, boi pintadinho. Porque turista não precisa só ver samba, não é?
A EQUAÇÃO DAS BIBLIOTECAS
Em março, ela anuncia as 60 obras finalistas do Prêmio Rio de Literatura, que recebeu 607 inscrições de todo o país. A parceria com a Fundação Cesgranrio vai assegurar o pagamento dos prêmios, no valor de R$ 220 mil. Na semana passada, foi divulgado um edital com verbas da Faperj, da Secretaria de Ciência e Tecnologia, que vai contemplar 20 bolsistas nas áreas de criação e pesquisa artística, num total de R$ 816 mil. Também acabou de fechar um portentoso convênio com a Light, no valor de R$ 20 milhões, para o programa Territórios Culturais RJ, que contemplará, durante dois anos, 270 iniciativas dirigidas a jovens da Baixada Fluminense.
— A Baixada é a nossa prioridade. Várias favelas do Rio recebem dinheiro de ONGs da Noruega, da Holanda, da Dinamarca. Mas nenhum desses países põe dinheiro em Japeri, em Mesquita, em Belford Roxo. A juventude dessas cidades é muito penalizada, não está no radar de ninguém — diz ela.
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A secretária alinhava um ambicioso plano de expansão das bibliotecas-parque para o estado do Rio, em que as prefeituras interessadas (já há nove, entre elas as de Paraty, São Gonçalo e Miracema) entram com o terreno e empresas privadas com a construção, em troca de uma contrapartida.
Em relação ao funcionamento reduzido das quatro bibliotecas-parque implantadas, devido à suspensão do repasse às OS pelo governo do estado, Eva Doris diz não ter uma posição neste momento. Os prefeitos Eduardo Paes, do Rio, e Rodrigo Neves, de Niterói, foram rápidos na oferta de ajuda, e hoje elas se mantêm graças a essas verbas — o custo anual conjunto das unidades de Manguinhos, Rocinha, Presidente Vargas e Niterói é de R$ 20 milhões.
— A gente não pode exigir de forma alguma que os prefeitos aumentem os valores, eles estão sendo extremamente parceiros. Quando me perguntam quando volta a abrir aos domingos, digo que isso depende de a gente (o governo do estado) voltar a ter algum tipo de participação nesta equação.
Verba do Ministério da Cultura é a menor em 9 anos por Luiz Felipe Reis O Globo
Verba do Ministério da Cultura é a menor em 9 anos
Matéria de Luiz Felipe Reis originalmente publicada no jornal O Globo em 28 de fevereiro de 2016.
Após cortes, MinC terá apenas R$ 604 milhões para despesas variáveis
RIO - Anunciado pelo governo federal há pouco mais de uma semana, o contingenciamento do Orçamento da União asfixiou ainda mais as finanças do Ministério da Cultura (MinC). Em janeiro, a Lei Orçamentária Anual (LOA), sancionada pela presidente Dilma Rousseff, já havia destinando menos dinheiro para o ministério do que no ano passado (são R$ 2,3 bilhões em 2016 contra R$ 3,3 bilhões em 2015). Agora, com o contingenciamento, houve um novo corte na pasta. O valor disponível para os “gastos discricionários” (despesas não fixas) do ministério caiu de R$ 629 milhões para R$ 604 milhões, tornando-se o menor dos últimos nove anos. Descontadas as despesas de manutenção de equipamentos culturais, sobram R$ 240 milhões para o MinC investir em editais, prêmios, seminários etc. (no ano passado, foram R$ 320 milhões).
— Nossa proposta de Lei Orçamentária Anual era de R$ 657 milhões anuais para esses gastos. Durante a tramitação, o Congresso cortou R$ 28 milhões — conta o secretário-executivo do MinC, João Brant. — Então tivemos uma Lei Orçamentária de R$ 629 milhões para 2016, o que é um desastre para o MinC. E agora piorou com o contingenciamento.
Brant explica que os R$ 604 milhões se destinam a custeio — manutenção de equipamentos culturais e pagamento de funcionários terceirizados —, além de investimentos em editais, prêmios, obras, seminários, entre outros.
— Mas não estamos parados — diz o secretário-executivo do MinC. — Nós nos reunimos com o Ministério do Planejamento, e eles já reconheceram que o corte que atinge o MinC é muito grande. Estamos negociando.
Além do orçamento menor, outro fator compromete a atual saúde financeira do MinC. São os restos a pagar acumulados de anos anteriores. O ministério iniciou 2016 com um déficit de R$ 185,1 milhões de “pagamentos que deveriam ter sido executados em 2015, mas que não houve dinheiro para pagar”, segundo Brant.
— Esses R$ 185,1 milhões se referem a serviços já realizados, com a fatura pronta para ser paga — ele diz. — São R$ 60 milhões relativos a despesas de funcionamento e manutenção, e R$ 125 milhões de obras, editais e outros convênios. Mas o total dos restos a pagar é ainda maior, porque há um acúmulo de anos anteriores. Comerei dinheiro de 2016 com dívidas de 2015 e de outros anos, sendo que agora temos ainda menos dinheiro. É uma bola de neve. Estamos trabalhando para contê-la.
DÍVIDAS EM TODAS AS ENTIDADES
O déficit afeta as ações de cada uma das sete entidades vinculadas ao MinC. A Fundação Nacional das Artes (Funarte), por exemplo, entra em 2016 com R$ 59,2 milhões de débitos a pagar. Em dezembro passado, o presidente da Funarte, Francisco Bosco, informou ao GLOBO que chegava ao fim de 2015 com “R$ 50 milhões para pagar em novembro e dezembro”, mas o MinC havia lhe autorizado executar “apenas R$ 13 milhões”.
— É um impacto comprometedor, sem dúvida — disse Bosco, anteontem, sobre o contingenciamento. — E ainda aguardo o MinC definir as distribuições de orçamento para a Funarte. Tenho passivos de 2014 e de 2015, e a primeira coisa a fazer é liquidar esses débitos.
REVISÃO DE PRIORIDADES
A Agência Nacional de Cinema (Ancine), por sua vez, tem débitos de R$ 29,2 milhões; o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) soma R$ 25,5 milhões em restos a pagar; e o Instituto Brasileiro dos Museus (Ibram) deve R$ 24 milhões. Além deles, a Fundação Biblioteca Nacional possui R$ 8,4 milhões em dívidas; a Fundação Palmares, R$ 3,1 mi; e a Fundação Casa de Rui Barbosa, R$ 1,7 milhões.
— Os valores pendentes no Iphan são faturas de novembro e dezembro que ainda não foram pagas. O que acontece é que algumas empresas começam a diminuir o ritmo de execução das obras, gerando um ônus a mais lá na frente — diz Jurema Machado, presidente do instituto.
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De acordo com ela, a entidade terá em 2016 um orçamento 10% menor do que o de 2015.
— A maior parte vai para custeio, e sobra cada vez menos para essas atividades finalísticas (além do simples custeio). Teremos R$ 15 milhões para isso em 2016, o que é a metade do que tivemos em 2015.
Procurado pelo GLOBO, o presidente do Ibram, Carlos Roberto Ferreira Brandão, informou que o instituto “está discutindo internamente e com o MinC para definir prioridades”.