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setembro 22, 2015
Bienal de Istambul aponta relações num jogo não convencional na arte por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Bienal de Istambul aponta relações num jogo não convencional na arte
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 9 de setembro de 2015.
Em Büyükada, umas das Ilhas Príncipes, a obra "A Mais Bonita de Todas as Mães", do argentino Adrián Villar Rojas, se transformou em peça icônica da 14ª Bienal de Istambul. Ela consiste em réplicas de animais em tamanho original, que flutuam sobre o mar e, neles, como parasitas, aparecem outras estruturas.
Não por acaso, o "site specific" se localiza a alguns metros da casa em ruínas onde León Trotski (1879-1940) viveu exilado. Com isso, a curadora Carolyn Christov-Bakargiev instiga a produção contemporânea a funcionar como uma espécie de portal que abarca contexto e história locais.
Na ilha de Büyükada, Bakargiev apresenta outros sete trabalhos, cada um em um contexto específico, como a instalação "Ah, Máquina Sentimental", de William Kentridge, que também tematiza Trotski.
Contudo, esta Bienal de Istambul se desdobra em outras questões ligadas à história turca: o genocídio dos armênios; as construções em estilo art noveau; a valorização da produção feminina em uma cultura machista; e a água como fonte de vida, de onde sai o título dessa edição: "Água Salgada, uma teoria das formas pensantes".
Para tanto, a curadora ocupa ainda 21 espaços em Istambul, seja para exibir duas pinturas de Arshile Gorsky (1904-1948), armênio que sobreviveu ao genocídio, seja para uma grande coletiva no Istambul Modern.
É lá que ela apresenta a mostra "O Canal", espécie de síntese de suas ideias. Essa seção reúne de livros, como a primeira publicação de Charles Darwin sobre a mutação das espécies em orquídeas, a vasos art noveau do francês Émile Gallé (1846 - 1904), próximos de obras do polonês naturalizado brasileiro Frans Krajcberg, que usa árvores carbonizadas. A inusitada combinação aponta relações num jogo não convencional na cena artística.
A pintura"Projeto de Buraco para Jogar Políticos Desonestos", de Cildo Meireles, é umas das peças centrais nesta mostra, segundo a curadora, por questionar o que está na superfície. A tela retrata Brasília como a cidade alocada na camada mais fina da superfície terrestre, uma tese que Meireles ouviu há anos.
Talvez por isso algumas obras da Bienal sejam mesmo invisíveis, no sentido de quase impossíveis de serem vistas, caso de Pierre Huyghe. Ele apresenta uma obra subaquática perto de uma ilha onde em 1910 foram sacrificados cães. Lá Huyghe montou um palco de concreto sob a água, na esperança de que a vida marinha se acumule no futuro, uma forma otimista de pensar a função da arte hoje.
14ª edição da Bienal de Istambul começa com fórmula nada secreta por Silas Martí, Folha de S. Paulo
14ª edição da Bienal de Istambul começa com fórmula nada secreta
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 9 de setembro de 2015.
Mesmo quando faltavam alguns dias para começar, a Bienal de Istambul ainda se desenhava como um grande ponto de interrogação. À frente desta 14ª edição, que acontece até 1º de novembro, a norte-americana Carolyn Christov-Bakargiev se recusou a anunciar uma lista de nomes que estariam no evento.
Uma exposição do tipo sem um elenco revelado não diz muito a que veio, já que burla as apostas que se formam em torno de cada bienal, com o mercado tentando especular quem vai estourar e a crítica pesando quem merece.
Numa trajetória polêmica, esse é mais um truque de Chr-istov-Bakargiev na tentativa de desviar o foco das artes visuais do ego de seus protagonistas para as obras que constroem. Já sabidos os nomes, no entanto, tudo parece um pouco mais do mesmo, o que no caso dessa curadora não significa pouca coisa.
Estão lá autores fortes que já figuraram em outras mostras de Christov-Bakargiev, como o argentino Adrián Villar Rojas, a egípcia Anna Boghiguian, a canadense Janet Cardiff, o sul-africano William Kentridge e o brasileiro Cildo Meireles.
Essa repetição se deve a uma fórmula nada secreta. "Sempre que faço uma exposição tento reservar um terço do espaço para os artistas que já trabalham comigo, um terço para nomes do lugar onde a mostra acontece e outro terço para artistas emergentes", diz Christov-Bakargiev.
Depois de comandar há três anos uma aclamada edição da Documenta, em Kassel, na Alemanha, e subir ao Olimpo do mundo da arte, a americana passou os últimos anos em reclusão, dando aulas em Harvard, Northwestern e outras universidades de prestígio nos EUA.
O exílio acadêmico só reforçou sua inclinação por abrir o mundo da arte a outras disciplinas, tendência em instituições do mundo todo –em São Paulo, o Masp nomeou há pouco a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz como uma de suas curadoras.
"Estive imaginando como criar um sistema de exposições em que a arte possa fazer uma ponte com a ciência", diz Christov-Bakargiev. "É uma forma de ver os museus do futuro."
Mas ela não deixa de olhar o passado, em especial numa cidade como Istambul, atravessada por intensos fluxos migratórios e culturais ao longo da história.
Talvez por isso, refletindo a visão de uma metrópole cindida entre Europa e Ásia, ela tenha espalhado a mostra por toda a cidade turca, obrigando visitantes a cruzar o Bósforo de barco o tempo todo.
Uma das imagens que usou para sintetizar a exposição, aliás, é o desenho instável das ondas do mar, abrindo espaços para a reflexão sobre questões tão díspares quanto o genocídio armênio, tema que neste ano completa cem anos, e o art nouveau turco.
"Fiquei pensando na imagem das ondas e dos nós, a ideia de um nó como coisa traumática", diz Christov-Bakargiev sobre o conceito. "Pensei em todos os artistas como parte de uma constelação que forma essa Bienal."
Obituário para a Casa Daros por Paula Alzugaray, IstoÉ
Obituário para a Casa Daros
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista IstoÉ, edição N. 2389, em 11 de setembro de 2015.
Espaço dedicado à arte latino-americana fecha as portas com exposição sobre a arte cubana dos últimos 30 anos
Cuba - Ficción y fantasía, Casa Daros, Rio de Janeiro, RJ - 12/09/2015 a 13/12/2015
Foram sete anos de restauro e reforma meticulosas do antigo casarão no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, para atingir um padrão museológico inédito entre as instituições culturais brasileiras. Inaugurou em março de 2013, apresentando ao país um precioso recorte da arte contemporânea da Colômbia, realizada durante os anos mais duros da guerra ao narcotráfico naquele país. Mas a Casa Daros de fato se apresentou ao público do Rio de Janeiro muito antes disso, criando uma agenda de oficinas, cursos, debates envolvendo comunidades carentes e artistas locais. Em pouco mais de dois anos de funcionamento, apresentou quatro grandes exposições com obras da Coleção Daros Latinoamerica, de propriedade de industriais suíços. A contribuição que a Casa Daros trouxe ao Rio não se restringe à coleção de 1200 obras da coleção – mesmo porque, esta nunca foi transferida para o Brasil. Seu patrimônio real foi o caldo de cultura fomentado em anos de atividades pela equipe capitaneada por Hans-Michel Herzog, Isabella Rosado Nunes e Eugenio Valdés Figueroa, o que, efetivamente, ativou o uso cultural do espaço em pleno canteiro de obras, fazendo jus ao projeto de dedicar a Casa Daros à tríade arte, educação e comunicação.
Foi um sonho que durou muito pouco. Em maio, a instituição anunciou que encerraria suas atividades em dezembro deste ano. Desde então, contrariando a transparência que vinha orientando suas atividades, nunca esclareceu os motivos que a levaram ao desfecho. Em coletiva de imprensa para apresentação da última exposição de sua programação, na terça feira 8, o novo diretor Dominik Casanova, afirmou que a Prefeitura do Rio ofereceu apoio para que a Casa Daros não encerrasse suas atividades, mas a decisão da direção na Suíça é irredutível e seus motivos não são financeiros.
A Casa Daros encerra sua breve vida com “Cuba – Ficción y Fantasía”, em cartaz até 13 de dezembro. Mas uma vez, presta um enorme serviço, oferecendo ao público um recorte da cultura e da história da de Cuba, vista pelos olhos de 15 artistas que, em sua maioria, vivem e trabalham em La Havana. As 130 obras expostas foram produzidas entre 1975 e 2008 e atentam criticamente a aspectos específicos da vida na ilha, derivados do bloqueio e sua precária situação econômica. Muitas, porém, extravasam o discurso local e assumem uma dimensão universal e existencial – que se aplicam até mesmo ao contexto do encerramento da Casa Daros. É o caso de “História” (2001), obra de Ivan Capote, um mecanismo em que o traçado de um lápis está articulado ao seu imediato apagamento. “A obra, de temática tão aberta quanto local, refere-se ao mito do eterno retorno”, diz Capote.
Mas a obra de maior impacto – local, no contexto da casa localizada no bairro de Botafogo –, é “El Bloqueo” (1989-1993), do artista Tonel. Vista isoladamente, a palavra escrita com blocos de cimento refere-se especificamente ao embargo econômico, finalmente em vias de ser suspendido pelo governo Obama. Mas com o posicionamento específico dado pelo curador Hans-Michel Herzog, ela ganha outra dimensão. A obra não está instalada em uma das salas de excelência museológica, com condições de luz e temperatura ideais. Está encostada em um tapume de obras, em uma das salas que não foram restauradas do antigo imóvel. O resultado – obra + contexto – é tão potente, que a imagem ganha a dimensão de um obituário. “Concordo com você”, diz Herzog à Istoé. “Eu não gosto dessa obra no contexto do museu, é uma obra suja. Mas é claro que ‘Bloqueo’ ali, nos limites do museu, transmite a ideia daquilo que não vai mais caminhar”, diz ele.
Neste obituário a um singular e imprescindível instrumento cultural, vale também ressaltar a imagem da granada esculpida em madeira pelo coletivo Los Carpinteros, instalada no lobby da exposição. No mesmo local, há dois anos, estava o “Caixão de Lego”, do colombiano Fernando Arias, denunciando a morte de crianças pela guerra do tráfico colombiano. Apesar do símbolo trágico, a obra indicava o nascimento de um projeto que prestaria uma enorme contribuição para a cultura e a comunicação entre os países latino-americanos. Foi-se cedo.
Exile, arrest and torture: why Brazil's pop artists risked everything by Jason Farago, The Guardian
Exile, arrest and torture: why Brazil's pop artists risked everything
Matéria de Jason Farago originalmente publicada no jornal The Guardian em 14 de setembro de 2015.
Forget Warhol’s electric chairs: Brazilian pop artists in the 60s showed the most extreme violence – and they fought the dictatorship’s tightening grip when the stakes could not have been higher
[Acesse a matéria original para ver links e galeria de imagens]
The banner is stark – a silkscreen of a corpse, and beneath it just four words. Seja marginal, seja herói, it reads in Portuguese: “Be an outlaw, be a hero.” Hélio Oiticica’s 1967 work of a bank robber who committed suicide before the police could apprehend him became, in the first years of Brazil’s dictatorship, a national symbol. You would see it evereyywhere, from art galleries to spontaneous street demonstrations, and at concerts by dissident Tropicália stars, where it fluttered over the stage. In Brazil in the 1960s, being an outlaw was not a delinquency but a mark of bravery.
This week Tate Modern opens The World Goes Pop, the second of two major exhibitions this year to look at pop art from a global perspective. (The first, International Pop, recently closed at the Walker Art Center in Minneapolis and tours to the Dallas Museum of Art in October.) The Tate show demolishes the misconception that pop was an entirely American affair – it started in Britain, after all, and arose in Germany, Japan, Hungary, Argentina. Pop was an ethos more than a movement, and it morphed as it migrated across borders and oceans. But nowhere was it more engaged than in Brazil, where artists opposed both American hegemony and their own country’s military regime.
Brazil had passed through massive change in the late 1950s and early 1960s, under the landmark presidency of Juscelino Kubitschek – whose turbocharged rule, with the slogan “50 years’ progress in 5”, modernised the nation through industrial growth and the construction of Brasília in the arid interior. The newly confident art of that time (notably early Oiticica and Lygia Clark) influenced the country’s first pop artists. Antonio Dias, the leading figure in the first years of Brazilian pop, used rigorous geometric frames around his works, which featured cartoonish imagery sometimes drawn from Brazilian comics, like a cowboy from the country’s poor north-east.
On 31 March 1964 the army overthrew the leftwing president João Goulart, ushering in two decades of military rule. It was, in fairness, a less brutal dictatorship than in Chile and Argentina. But it was brutal all the same, killing and torturing opponents and cracking down on free expression. (Among its many victims was the current Brazilian president, Dilma Rousseff, a guerrilla fighter who was imprisoned and tortured for three years.) Pop became not just a style, but a means of resistance.
For the first four years after the coup d’état, the regime took a relatively light touch with artists. Musicians, in particular, decried the dictatorship, but artists were not far behind. The painter Rubens Gerchman [Brazilian website] made stark portraits, based on media photographs, of Brazilians disappeared by the regime. Antônio Henrique Amaral painted a wild composition of a four-mouthed Brazilian general, vomiting the stars and stripes of the US flag.
“Unlike American pop art, in Brazil the incorporation of the popular was due to an interest in everything political and social,” recalls the artist Anna Maria Maiolino. That’s a bit unfair to American pop artists, who weren’t exactly apolitical: think of Andy Warhol’s silkscreens of electric chairs and race riots, or James Rosenquist’s tableaux of warplanes off to Vietnam. In Brazil, though, pop was much more violent – and only more so as the regime’s grip tightened.
Sometimes it was less pop than agitprop. Marcello Nitsche painted a thrusting index finger – a reference to Uncle Sam in American army recruitment posters – with a huge drop of blood spilling from it. But unlike European figures who took a similarly acid view of world affairs (French artists of the time were painting Technicolor pictures of Mao and Mickey Mouse), Brazilian artists really were living in an American-backed regime, and they risked everything by speaking out. In 1968, the dictatorship promulgated the notorious Institutional Act No 5, which officialised censorship and suspended habeas corpus, paving the way to the torture chamber. The singers Caetano Veloso and Gilberto Gil were swiftly imprisoned. Numerous artists, including Dias and Maiolino, went into exile.
Others took to the streets. Nelson Leirner and Flávio Motta made a series of silkscreen flags, emblazoned with pictures from the country’s poor north-east, and hung them on the churning intersection of Avenida Paulista and Avenida Europa in São Paulo. Local government officials weren’t having it; they forced the artists to remove the flags that had been hung without a permit and fined them. But a few months later, in February 1968, the flag project arose again, this time in Rio de Janeiro, where Leirner and Motta were joined by a host of other artists holding high their own standards. One depicted Che Guevara, another had the insignia of a local football team. Oiticica’s “Be an outlaw, be a hero” flew over Ipanema, while a samba band played for the crowd. And the Brazilian flag, which more and more stood for military rule, was supplanted by the alternative banner of a joyous, engaged resistance: a version in red, white and blue, with a central blue disc now occupied by a ghoulish Uncle Sam.
Brazilian pop artists didn’t only look at the violence on their doorsteps. In Teresinha Soares’s series Vietnam, outlines of bodies entangle in contortions that could be sexual or warlike, framed by a distancing, deadening TV screen. Brazilian pop endures because it translated the international practice for local circumstances, at a moment when the stakes could not have been greater. In his memoir, musician and activist Caetano Veloso writes, “Everything was heightened by the instinctive rejection of the military dictatorship, which seemed to unify the whole of the artistic class around a common objective: to oppose it.” That was no less true in the galleries as in the nightclubs.
setembro 17, 2015
MAM faz de seu Panorama uma prova de que a arte é atemporal por Antonio Gonçalves Filho, Estado de S. Paulo
MAM faz de seu Panorama uma prova de que a arte é atemporal
Matéria de Antonio Gonçalves Filho originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 16 de setembro de 2015.
Mostra no Museu de Arte Moderna, no Parque do Ibirapuera, abre no dia 3 de outubro
Há muito tempo, a crítica Aracy Amaral planejava uma exposição em que a arte ancestral dialogasse com a contemporânea, para evidenciar não só as relações formais como existenciais entre artistas modernos e artesãos da chamada Terra Brasilis, território pré-cabralino em que eles enfrentam dificuldades desde tempos imemoriais. Finalmente, essa oportunidade surgiu com a 34.ª edição do Panorama de Arte Brasileira do Museu de Arte Moderna (MAM), exposição bienal que será aberta dia 3 de outubro com a participação de seis artistas contemporâneos. Eles foram convidados pela curadora Aracy Amaral e o curador adjunto Paulo Miyada para refletir sobre o legado cultural dos povos que habitaram o litoral brasileiro na pré-história, construindo sambaquis por toda a costa.
Hoje, os sambaquis mais importantes estão no litoral sul de Santa Catarina, mas eles estão distribuídos por toda a costa. Alguns têm mais de 30 metros de altura e foram erguidos na época em que os egípcios estavam construindo suas pirâmides. Outros são até mais antigos que as pirâmides. Por tudo isso, as peças pré-históricas encontradas nesses sambaquis – morros feitos de conchas que serviam tanto para edificar habitações como cemitérios – são excepcionalmente raras, ainda mais que, até recentemente, eles eram destruídos e serviam como material ordinário de construção.
Sobraram mais ou menos 300 peças escultóricas, das quais 60 estarão no Panorama do MAM, devidamente expostas em vitrines, desenhadas pelo arquiteto Álvaro Razuk e equipe. Elas servem como vetores da produção contemporânea – e a curadora aponta uma das peças que remete mesmo a uma forma conhecida do escultor romeno Brancusi. “Quero chamar a atenção para a arte como manifestação atemporal, mostrando que há uma harmonia entre os artistas pré-históricos e a natureza que talvez tenha se perdido”, justifica a curadora Aracy Amaral.
De fato, pelos trabalhos apresentados no Panorama, esse desequilíbrio parece evidente. Tanto que o fotógrafo Miguel Rio Branco, em sua instalação Wishful Thinking, ergue um sambaqui artificial com pedras, entulho, aparelhos de televisão (que exibem ruínas urbanas) e plantas que reforçam a transformação do território brasileiro num depósito de lixo.
Cildo Meireles, outro nome internacionalmente conhecido, concretiza na mostra um antigo projeto seu de 1969, que era o de colocar uma pedra no cume do Pico da Neblina, o ponto mais alto do Brasil, com 2.994 metros. Para tanto, o artista patrocinou uma expedição de oito homens que saíram da aldeia ianomâmi de Maturacá, subiram o rio Cauaburi e seguiram por uma trilha que leva ao topo em quatro dias de caminhada. O registro da odisseia amazônica está em exibição, em vídeo. O Pico, agora, ficou alguns centímetros mais alto, sintonizado com o mito do “Brasil grande”.
Mas, como nos sambaquis originais, a função ambivalente das peças (o que é lar pode virar tumba) se reflete na instalação da mais jovem entre os selecionados, Erika Verzutti. Ela mostra seus “cemitérios” (peças que dão errado e são reunidas num sambaqui moderno) ao lado dos zoólitos (pedras em formas de animais) e antropólitos (artefatos com formas humanas) dos povos sambaquieiros. O videomaker Cao Guimarães preferiu traçar uma correspondência analógica com os novos sambaquis, formados por trabalhadores que separam moluscos das valvas no litoral catarinense. Os grupos construtores de sambaquis ancestrais alimentavam-se de moluscos, peixes e pequenos animais, que retratavam em pedras.
Finalmente, os dois outros artistas, o pintor goiano Pitágoras Lopes e a paraense Berna Reale, optaram por versões mais livres e sociológicas, o primeiro com painéis que lembram pinturas rupestres mescladas a elementos modernos. Berna Reale tem dois trabalhos na mostra, um vídeo sobre a violência urbana, em que pesquisa o plástico usado para ensacar corpos no IML (o mesmo usado para embalar ternos de políticos), e a representação da barbárie num ambiente real, uma boate com paredes perfuradas por balas.
“Em direção contrária aos contemporâneos, os sambaquieiros pareciam respeitosos com o ambiente e sumiram sem deixar resíduos de violência”, diz o curador Paulo Miyada. Tudo indica que eram pescadores-coletores de hábitos sedentários e mania de acumular artefatos em montes. Uma coisa é certa: eram grandes artistas.
34º PANORAMA DO MAM
Museu de Arte Moderna. Parque do Ibirapuera, portão 3, tel. 5085-1300. Abertura: 3/10. 3ª a dom., 10h/17h30. R$ 6. Até 18/12