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Como atiçar a brasa

 


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maio 31, 2015

Obra de Cildo Meireles é vendida por US$ 641 mil e bate recorde do artista em leilão da Christie's, O Globo

Obra de Cildo Meireles é vendida por US$ 641 mil e bate recorde do artista em leilão da Christie's

Matéria originalmente publicada no jornal O Globo em 28 de maio de 2015.

Pintura de espanhola naturalizada mexicana foi o grande destaque, com US$ 3,3 milhões

RIO - A Christie’s deu início na última quarta-feira, em sua filial de Nova York, à venda de obras latino-americanas, alcançando um faturamento de US$ 20,2 milhões. Entre os nomes do Brasil Cildo Meireles bateu seu recorde mundial em leilões com "Rodos", de 1978, arrematada por US$ 641 mil. A casa estimava receber ofertas entre US$ 250 mil e US$ 350 mil pela obra.

O resultado surge num momento importante para Cildo. Conforme antecipou o colunista Ancelmo Gois, a exposição que o artista plástico abriu na galeria Lelong, também em Nova York, tem obras à venda por US$ 2 milhões. Com isso, Cildo atinge o patamar de artistas como Beatriz Milhazes e Sérgio Camargo.

Além de Cildo, a famosa casa de leilões de Londres vendeu uma colagem de Judith Lauand, "Composição em fundo vermelho" (1966), por US$ 87,5 mil. A artista também bateu seu recorde em leilões.

A pintura surrealista "Vampiros vegetarianos", da espanhola naturalizada mexicana Remedios Varo, liderou os lances, sendo arrematada por US$ 3,3 milhões. O valor foi além da expectativa da Christie’s, que previa que o quadro sairia por algo entre US$ 1,5 e US$ 2 milhões. Nunca antes disponibilizado em um leilão, "Vampiros vegetarianos" foi produzido no auge da carreira de Remedios, em 1962.

Outras obras de destaque na noite foram as dos mexicanos Diego Rivera e Rufino Tamayo, dos chilenos Claudio Bravo e Roberto Matta, do uruguaio Joaquín Torres-García e do colombiano Fernando Botero.

As vendas continuam nesta quinta-feira.

Posted by Patricia Canetti at 1:26 AM

Ciência e paixão por Paula Alzugaray

Ciência e paixão

Crítica de Paula Alzugaray originalmente publicada em Arte Visuais da revista Istoé em 29 de maio de 2015.

Rodolpho Parigi converte a galeria Nara Roesler, em São Paulo, em um museu de anatomias em mutação

Rodolpho Parigi - Levitação, Galeria Nara Roesler, São Paulo, SP - 23/05/2015 a 25/07/2015

Em 2004, uma análise científica da anatomia da mulher pintada na tela “A Grande Odalisca” (1814) determinou que a modelo foi representada por Jean-Auguste Dominique Ingres com cinco vértebras a mais do que um corpo humano convencional. O corpo modificado da Odalisca de Ingres serve hoje de parâmetro para as pesquisas do artista paulistano Rodolpho Parigi, em grande parte orientadas para representações reais e fictícias de corpos humanos e animais. É natural, portanto, tomar o desenho “La Grand Odalisque” (2015) como a principal porta de entrada para a exposição “Levitação”, terceira individual de Parigi na galeria Nara Roesler, em São Paulo.

Em sua versão paulistana, a Odalisca apresenta rigorosamente a mesma pose na qual foi representada em 1814, com a mesma coluna vertebral ampliada. Sua pele aveludada, no entanto, é como que rasgada por bisturis de precisão cirúrgica, dando visão à imagem quase-enciclopédica da musculatura e de tecidos nervosos. O pé esquerdo, que na versão neoclássica descansa sobre a outra perna, é aqui convertido na pata de um animal híbrido entre uma ave e um réptil. O trabalho está cercado por outros desenhos em grande dimensão de asas de libélulas, inseto frequentemente representado por Parigi por sua “carga de magia, liberdade, mudança, transmutação”. Os desenhos da série das libélulas são formados por corpos que articulam filigranas de asas à musculatura humana.

Na tensão gerada entre a rigidez dos músculos e a fragilidade das asas está implícito outro antagonismo central à poética de Parigi: as matérias carnais (sanguíneas) versus as imagens etéreas. Essas duas intenções – o carnal e o etéreo – se retroalimentam em cada uma das cerca de 20 obras expostas, em composições que atingem uma qualidade altamente erótica. O que está em pauta, afinal, é um cientificismo colocado em xeque pelo impulso sexual e onírico.

O erotismo é ainda a chave de leitura para Fancy Violence, alterego e personagem concebida pelo artista há cerca de dois anos, durante uma residência artística no Pivô, e que este ano concorre ao Prêmio Pipa, do Museu de Arte Moderna do Rio. A personagem frequentemente protagoniza performances em que o êxtase espiritual confunde-se ao sexual. Na abertura da exposição na galeria Nara Roesler, realizou a “Levitação”, que dá nome à mostra.

Posted by Patricia Canetti at 1:17 AM

maio 30, 2015

Retrospectiva de José Resende apresenta gestos do escultor através de novas obras por Camila Molina, Estado de S. Paulo

Retrospectiva de José Resende apresenta gestos do escultor através de novas obras

Matéria de Camila Molina originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 2 de maio de 2015.

Artista foge da exibição cronológica e exibe trabalhos produzidos entre 2011 e 2015 na Pinacoteca do Estado

José Resende, Pinacoteca do Estado, São Paulo, SP - 26/04/2015 a 14/06/2015

Uma retrospectiva de 12 trabalhos inéditos é como o escultor José Resende descreve a mostra que apresenta até 14 de junho na Pinacoteca do Estado. Provocador, o artista recusa a exibição cronológica de uma trajetória de 50 anos de atividade escultórica – “não tem atestado de óbito aqui” – para revisitar, afirma, gestos e momentos de sua carreira por intermédio de novas peças e de trabalhos nunca antes mostrados em São Paulo – como as obras Senzala e Covo, destaques da exposição que ele realizou em 2011 no Museu de Arte Moderna do Rio.

José Resende, que já utilizou os mais variados materiais em suas criações – entre eles, o couro, o feltro, o gesso, o vidro, a madeira, o granito e a borracha –, opta pela monumentalidade em sua antologia ao exibir esculturas predominantemente metálicas, feitas de aço, cobre e ferro. Segundo o artista, o espaço do museu convocou a grande escala dos trabalhos escolhidos, conferindo a eles uma carga pública – entretanto, diferente das ruas. “Na Praça da Sé (onde colocou sua primeira obra em espaço público, em 1979), ainda estamos buscando o reconhecimento público que os mendigos buscam como cidadãos”, considera o escultor, que já realizou peças para o Rio, o Parque do Ibirapuera e para Porto Alegre.

O diálogo de suas obras com o edifício da Pinacoteca desencadeou, assim, a concepção da retrospectiva do artista paulistano, ele conta. Suas criações ocupam não apenas as principais salas do prédio, como o octógono do museu (que recebe Duas Vênus Deitadas, recriação de trabalho de 1998, e Politécnica) e um dos halls da instituição. “Discordo do termo site specific”, diz Resende sobre o conceito de criação específica de instalações para espaços. “É o lugar que se torna especial por causa da obra”, completa o artista, de 70 anos.

Elogiando a moderna reforma que o arquiteto Paulo Mendes da Rocha promoveu na década de 1990 na Pinacoteca, originalmente, neoclássica, o escultor, que cursou arquitetura nos anos 1960, começa o percurso de sua retrospectiva apresentando uma peça sob a passarela de entrada do museu. Apelidada de “Sorriso”, a escultura, na qual prevalece uma estrutura metálica que faz uma meia elipse, confere “aspecto poético” à certa solenidade do local. “É o olho do espectador que vai promovendo os nexos”, afirma Resende, destacando que devolve aos visitantes, assim, a “autoridade” que tanto se é dada aos curadores.

O tom provocador de José Resende está presente em seu discurso crítico, mas também é fortemente representado nas relações de tensão e de expansão exploradas ao longo de toda a exposição. A inédita Instrumento de Medição (2015), de 13 metros de comprimento, é uma sucessão de formas tubulares comprimidas por chapas metálicas, representa, materialmente, essa característica tão pulsante e presente na produção do artista. Já nas cinco salas expositivas, cada escultura, separadamente e na conversa com um trabalho vizinho, reforça essa condição.

Preocupado com a preservação de suas obras, algumas, monumentais, o escultor, um dos fundadores do Grupo Rex, em 1966, e da Escola Brasil, em 1970, conta que está se dedicando à criação de um instituto em São Paulo com seu nome.

Posted by Patricia Canetti at 10:12 PM

maio 26, 2015

Rio espera resposta da Casa Daros sobre resgate público por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Rio espera resposta da Casa Daros sobre resgate público

Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada no jornal Folha de S. Paulo em 22 de maio de 2015.

Uma pista sobre o destino da Casa Daros pode chegar nesta sexta (22), de Zurique. Na última semana, quando o centro cultural no Rio anunciou que fecharia as portas em dezembro, após dois anos em atividade, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) encontrou dirigentes da instituição e ofereceu ajuda financeira para evitar que ela chegasse ao fim.

Christian Verling, presidente do conselho da coleção suíça responsável pelo espaço, ficou de levar a proposta de resgate à sede da empresa e retornar agora com uma possível resposta.

De acordo com a prefeitura, valores não foram discutidos. Verling disse à Folha que o "custo Brasil" havia levado à decisão de fechar a Casa Daros. Ainda segundo ele, a instituição espera que o casarão em Botafogo reformado a um custo de R$ 67 milhões seja assumido por outra empresa, mas continue funcionando como um centro cultural.

Nesta semana, o conselho do patrimônio museológico do Instituto Brasileiro de Museus, órgão do Ministério da Cultura, divulgou uma nota pedindo que, caso a decisão de fechar a Casa Daros fosse mesmo definitiva, a coleção suíça cedesse o edifício para o poder público, que então se encarregaria de ocupar o espaço com um novo museu.

Uma das ideias em debate é que a coleção de João Sattamini, hoje no Museu de Arte Contemporânea de Niterói – que está fechado para reformas–, seja transferida para lá.

Mas talvez seja cedo para especular sobre o futuro quando o presente ainda não foi digerido. Comprado por R$ 16 milhões em 2006 e reformado ao longo de sete anos, o casarão foi inaugurado em 2013 como centro cultural e funcionou só por dois anos com recursos privados, sem recorrer a leis de incentivo.

Depois de realizar cerca de 20 exposições e se tornar um dos endereços mais potentes da cena carioca, a Casa Daros anunciou que fecharia as portas alegando dificuldades financeiras, mesmo estando ancorada numa das maiores fortunas da Suíça, a da família Schmidheiny, dona da empresa de material de construção Eternit, entre outros negócios.

Estabelecida há 15 anos por Ruth Schmidheiny, a coleção Daros tem 1.200 obras de 117 artistas de toda a América Latina, 19 deles brasileiros. É considerado um dos maiores acervos privados de arte dessa região em todo o mundo.

No dia 12 de maio, Schmidheiny, na condição de dona da coleção Daros, enviou uma carta lacônica aos artistas, dizendo que sua empresa passaria a "explorar novos horizontes" e que a decisão de fechar o espaço no Rio, ao qual se dedicou "de corpo e alma", não foi algo simples.

Essa mensagem chegou ao Rio um dia depois que a Justiça italiana reabriu um processo contra Stephan Schmidheiny, ex-marido de Ruth e um dos idealizadores da coleção Daros, acusado de causar a morte de 258 operários por intoxicação com amianto nas fábricas da Eternit na Itália.

Ele fora absolvido em novembro passado, quando o delito teria prescrito, mas o caso foi restabelecido em 11 de maio no rastro de uma revolta popular na Itália, algo que pode levar o empresário para atrás das grades e a pagar indenizações milionárias.

Verling e outros dirigentes da Casa Daros insistem em desvincular Stephan Schmidheiny da instituição, mas, segundo arquitetos que trabalharam na reforma do imóvel no Rio, o empresário começou como sócio do espaço e depois tomou distância do projeto.

De acordo com pessoas ligadas à implementação da Casa Daros, o afastamento de Stephan Schmidheiny, com uma fortuna avaliada em R$ 9 bilhões, coincidiu com uma mudança brusca de rumos na empreitada, levando à saída de Paulo Mendes da Rocha, primeiro arquiteto escalado para a reforma, e à opção por um plano mais modesto.

Segundo a Folha apurou, Ruth passou a trabalhar com um orçamento menor, perdeu poder frente ao conselho e, sem o apoio do ex-marido, acabou cedendo a pressões para fechar a Casa Daros.

Enquanto a situação se agravava na Europa, o centro cultural passou a demitir figuras importantes de sua equipe, como a diretora administrativa Isabella Rosado Nunes, o diretor do programa educativo Eugenio Valdés e o curador Hans-Michael Herzog, maior idealizador da coleção.

Posted by Patricia Canetti at 12:29 PM

Ibram negocia com Casa Daros cessão do imóvel por Nani Rubin, O Globo

Ibram negocia com Casa Daros cessão do imóvel

Matéria de Nani Rubin originalmente publicada no jornal O Globo em 20 de maio de 2015.

Presidente do instituto pensa em fazer do local um braço do Museu Nacional de Belas Artes

RIO - O Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), órgão do Ministério da Cultura, manifestou interesse em ficar com o imóvel da Casa Daros, em Botafogo, Zona Sul do Rio. O objetivo seria fazer do local um braço do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), situado na Cinelândia, no Centro da cidade, num imóvel tombado. Segundo o presidente do Ibram, Carlos Roberto Brandão, o MNBA tem várias restrições para exibir seu acervo, principalmente o de arte contemporânea, que requer, muitas vezes, pé-direito alto e espaços abertos. Ligada à Coleção Daros Latinamerica, em Zurique, na Suíça, a Casa Daros informou na semana passada que encerraria suas operações no Rio em 13 de dezembro. O anúncio, feito apenas dois anos depois da abertura da casa, causou comoção e perplexidade no meio cultural, depois do grande investimento feito pela instituição: R$ 83 milhões na compra e na restauração do imóvel. Também surpreso com o anúncio, o presidente do Ibram procurou o diretor da Casa Daros, Dominik Casanova, manifestando interesse na gestão do imponente casarão. Nesta entrevista, por telefone, ele fala sobre o assunto.

O Conselho Consultivo do Patrimônio Museológico, ligado ao Ibram, divulgou uma nota hoje (quarta-feira) sugerindo que a Casa Daros ceda o imóvel ao instituto. Foi esse o tom da sua conversa com Casanova?

— Essa foi a nota oficial do Conselho Consultivo do Patrimônio Museológico, no qual metade dos membros são representantes da sociedade civil. É um conselho democrático, que discutiu essa questão e avaliou que seria uma solução se houvesse a cessão do imóvel ao Ibram. Essa é a proposta que o conselho fez. Não foi o tom da minha manifestação.

Qual foi o tom de sua conversa com a Casa Daros?

— Assim que li sobre o encerramento das atividades da Casa Daros, liguei para o ministro Juca Ferreira, que me autorizou a conversar com a direção. Falei com o Dominik (Casanova, diretor da Daros) e disse a ele que temos interesse em assumir o imóvel. Eles têm interesse na continuidade do local com uma atividade cultural, ligada à arte contemporânea. Seria muito ruim para o Rio não ter mais esse equipamento. O Rio tem uma deficiência cronica em espaços para exposições temporárias, o que impede que exposições montadas em outros locais venham para cá.

E por que o Museu Nacional de Belas Artes?

Há cerca de 12 anos, na gestão anterior do MNBA (de Paulo Herkenhoff) foi feito um grande projeto arquitetônico de requalificação do edifício, elaborado por Paulo Mendes da Rocha. É um projeto muito interessante, muito ambicioso e muito caro, e por uma série de motivos não prosperou. Reformar o edifício com o museu funcionando é um enorme desafio. É um prédio tombado, uma obra desse porte seria bem difícil. O museu tem um dos maiores acervos brasileiros, e não é lembrado porque não é exibido. Uma solução dessas (a gestão pelo Ibram) seria digna tanto para a Casa Daros quanto para o Belas Artes, que teria local para exibir suas obras com ênfase em arte contemporânea. O museu tem dificuldade para exibir o acervo de arte contemporânea, porque as obras exigem pé-direito alto, espaços abertos. Seria um grande ganho para o Rio de Janeiro. O Belas Artes está num lugar muito emblemático mas ganharia um pé na Zona Sul. E o Rio não perderia o equipamento (o imóvel em Botafogo).

Mas o Ibram já não tem dificuldade em manter seus museus? Ele tem condições de arcar com os custos do imóvel?

A gente não quer dar um passo maior do que a perna. O ministro (Juca Ferreira) perguntou: quanto custa? quantos funcionários são necessários? Pedimos esses dados, estão sendo enviados. Não vamos tomar nenhuma atitude se avaliarmos que não temos condições. Mas acho que temos. Se não tiver vou lutar com unhas e dentes para que consiga. Temos 29 museus do Ibram, todos em prédios tombados, ou seja, não foram feitos para serem museus, têm problemas de acessibilidade, de espaço. A Casa Daros é um equipamento que está pronto, é só chegar com um caminhão de mudança. Os custos são os de água, luz, manutenção predial e funcionários. Para tamanha empreitada esses desafios são pequenos, não são impedidores. Temos a obrigação de oferecer ao povo do Rio e de outros locais que nos visitam uma excelente programação.

Depois de seu primeiro contato, em que pé estão as conversas?

Essa não é uma negociação para ser feita em 15 dias. As condições (econômicas) não são as melhores agora, mas até lá (13 de dezembro, quando se encerram as atividades da Daros) espero que melhorem. Estou indo a Paris, para uma reunião da Unesco, e vamos retomar isso daqui a dez dias. Estou achando bom essa história amadurecer um pouco. Não estamos entrando nisso para ganhar, estamos entrando nisso para não perder. A ideia é que eu vá ao Rio, ou o ministro, para aprofundar as conversas. A Coleção Daros fez um enorme investimento, criou uma grande expectativa aqui, e depois de dois anos ela frustra assim as expectativas. Acredito que seria muito razoável que ela ceda o espaço para atividades culturais. Porque se coaduna com as intenções da Coleção.

Posted by Patricia Canetti at 12:24 PM

maio 21, 2015

Mostra em SP revê impacto histórico da arte óptica por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Mostra em SP revê impacto histórico da arte óptica

Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 4 de maio de 2015.

Op-Art – Ilusões do Olhar, Museu da Casa Brasileira, São Paulo, SP - 17/04/2015 a 01/06/2015

Talvez o mais famoso dos vestidos da coleção do Masp, uma peça criada por Hércules Barsotti é o abre-alas da seção de moda de uma mostra dedicada à chamada op-art agora no Museu da Casa Brasileira.

Vanguarda surgida nos anos 1960, a arte óptica tinha como princípio básico dar a ilusão de movimento, o que numa roupa a ser vestida ganhava potência dobrada.

No caso, a estampa de Barsotti, com faixas pretas e brancas saindo de um ponto entre os seios da modelo (veja foto acima), lembrava uma estrela minimalista na passarela.

Elegante, mesmo sendo quase um ímã para os olhos, a op-art encontrou na moda um terreno fértil de difusão fora das artes visuais. Já na esfera artística, simbolizou uma guinada no projeto construtivista, sendo o primeiro passo na estratégia de abandonar o plano bidimensional da pintura para adentrar a vida real.

"Essas formas geométricas levaram os artistas a uma questão de ritmo. Foi um caminho para que a obra saísse da tela", diz Denise Mattar, que organiza a mostra. "A tela começa a se mexer até chegar à sua desmaterialização."

Logo na entrada do museu, aliás, estão peças que lembram a mais influente exposição dessa vanguarda, que reuniu em 1961 no MoMA, em Nova York, obras de artistas visuais do mundo todo.

Uma delas, do britânico Jeffrey Steele, repete à exaustão uma mesma trama de elementos em preto e branco girando em torno de um eixo, dando a sensação de um turbilhão sobre o quadro.

Outra, do brasileiro Almir Mavignier, é uma variação de uma obra que também esteve no MoMA. Sem cores, são faixas de pontos brancos que à distância parecem ondulantes, como fitas que saltam para fora do quadro ou recuam para dentro dele.

"Na pintura concreta, eu fiz coisas como esse côncavo e convexo", conta Mavignier. "É um fenômeno espacial, um efeito de percepção visual."

MASOQUISMO E PROTESTO

"The Responsive Eye", filme do então jovem Brian de Palma, flagrou o impacto que essas percepções tiveram no público do MoMA na época.

Vendo o trabalho de Mavignier, William Seitz, que organizou a mostra americana, resumiu o esforço de construir suas ilusões de óptica como misto de "masoquismo e protesto", já que exigia do artista a paciência infinita de pintar milhares de quadradinhos de tamanhos variados para questionar a noção de pintura.

Luiz Sacilotto, outro artista da mostra agora em São Paulo, também trabalha essa ideia de ilusão de volumes com uma tela de quadrados vermelhos que parecem escorregar sobre um degrau e quase se desenrolar como uma língua para fora da tela.

Numa linguagem mais próxima do pop, Sacilotto e Mavignier surgem como a vertente mais extrema de uma vanguarda que começou com a abstração geométrica na base dos movimentos concreto e neoconcreto no país.

Mas também estão lá alguns dos pioneiros dessa levada, como Hélio Oiticica e Lygia Clark. Heróis do neoconcretismo no Rio, eles também foram desafiando o plano bidimensional da pintura com geometrias cada vez mais rebeldes, mas que não descambaram para os efeitos ilusórios da op-art clássica.

No caso deles, a tela virou escultura, ou seja, ganhou forma e peso tridimensional. Mas não deixa, como dizia Steele, de ser "estrutura lógica digna da atenção do olhar".

Posted by Patricia Canetti at 9:46 AM

maio 18, 2015

56.ª Bienal de Veneza marca-se como uma edição militante e intimidadora por Sheila Leirner, Estado de S. Paulo

56.ª Bienal de Veneza marca-se como uma edição militante e intimidadora

Artigo de Sheila Leirner originalmente publicado no jornal Estado de S. Paulo em 18 de maio de 2015.

O curador Okwui Ewensor troca o silêncio, transcendência e acaso pela pretensão de mergulhar na ruidosa realidade global

No aniversário de seus 120 anos, com 89 nações e 44 eventos paralelos, esta Bienal de Veneza (até 22 de novembro) é talvez uma das mais militantes, intimidadoras e culpabilizantes de sua história. Aqui, apesar dos tesouros artísticos que se pode descobrir, não é a arte que está em questão. Sob o rótulo Todos os Futuros do Mundo, o curador nigeriano e americano Okwui Ewensor troca o silêncio, transcendência e acaso tão necessários à arte, pela pretensão de “mergulhar” na ruidosa e previsível “realidade global”. O que, ademais, é enganoso. Na mostra, os “futuros” são incertos, a visão deles passadista e até mesmo a utopia é nostálgica.

Não que esta 56.ª edição se diferencie das outras. A arcaica estrutura de representações nacionais continua a crescer e existir sob o signo do descompasso. Há, como sempre – ao contrário do que ocorre na Bienal de São Paulo –, um abismo entre grande parte dos envios oficiais e os segmentos reservados aos conceitos da curadoria que, desta vez, parece não ter conseguido, ou desejado, influenciar as seleções governamentais, contentando-se com o Pavilhão Central (Giardini) e parte do Arsenal. Antiquada também continua a premiação. Prêmios e demarcações geopolíticas andam de mãos dadas. Por melhores que sejam as escolhas, sabemos que ambos são sempre anacrônicos e injustos. Só servem ao mercado.

Alguns pavilhões se destacam. O do Japão, apenas pelo belo, gratuito (e fotogênico) efeito. O do Brasil, por seu real alcance, embora não seja suficientemente representativo das obras de Antonio Manuel, André Komatsu e do formidável trabalho de Berna Reale. Por sorte, ela expande a sua apresentação por conta própria, fora do circuito oficial.

A maior parte dos envios oficiais decepciona. Espanha, Alemanha, Canadá, França, Emirados, Santa Sé (presente pela primeira vez) e sobretudo Grã-Bretanha, com a obra de Sarah Lucas, que deixa o público atônito por sua vulgaridade. Restam Todos os Futuros, os espaços de empatia pessoal do curador, com 136 artistas convidados. Nova decepção. Trata-se de uma espécie de versão aumentada da Trienal que ele organizou há dois anos no Palais de Tokyo, em Paris.

Volta o mesmo catálogo da miséria do mundo, caucionado por grandes artistas – desta vez Nauman, Haacke, Steve McQueen (com uma das peças mais emocionantes da Bienal), Piper, Boltanski, Smithson, Broodthaers, Walker Evans, Fabio Mauri, Dumas, Chris Marker, Adkins, Baselitz – e composto por meio da hábil e inteligente montagem analógica usual. Contam-se nos dedos os trabalhos que elevam o espírito. O ambiente é sombrio, depressivo e não raro abriga obras indigentes, como as da mineira Sonia Gomes ou, ao contrário, na esteira do não menos infeliz neo-naïf-tecnológico.

Ou o gosto do curador pelo que é estranho, desamparado, de “resistência” e geograficamente excêntrico lhe fala mais do que os bons critérios artísticos e a exaltação de uma arte em altura; ou trata-se de pura provocação. Uma espirituosa ex-conservadora afirmou: “teria sido melhor um curador ‘cão de caça’ do que ‘cão de guarda’ ”.

Vigilância em excesso, cansativos bons sentimentos e mau gosto à parte, incomoda também uma certa hipocrisia no uso da instituição para criticar o “sistema econômico majoritário” ou promover a leitura de O Capital em plena mostra, denunciando-o como “grande drama”, enquanto a própria Bienal e seus eventos vivem e se desenvolvem graças ao mesmo.

Mas há outras incoerências do curador, ironicamente chamado de “Piketty das artes”. Quando as obras ou a exposição delas serve, como aqui, para um engajamento político, ambiental e social; para refletir “sobre os problemas que afligem o mundo”, privilegiar “países emergentes”, vingar os “injustiçados”, apagar as “diferenças” e agir em favor dos “oprimidos”, entre outras práticas corretas e edificantes, ela pode salvar a boa consciência de organizadores e artistas. Não é certo que livrará a estética ou o conceito artístico puro, em sua acepção filosófica profunda, cujo objetivo é a percepção instintiva, o sentido (e o belo, porque não?) em oposição ao “útil e funcional”.

Joan Jonas, que se redescobre no pavilhão americano, com uma bela obra agora onírica ao extremo, diz que hoje “os artistas sentem-se mais responsáveis pelo mundo”. Ela tem razão, porém Respiro, a comovente obra de Sarkis no pavilhão da Turquia, é talvez uma das mais bem sucedidas obras políticas da exposição, justamente porque reconcilia turcos e armênios de maneira simbólica, poética, transcendente, metafísica mesmo, quase tão abstrata quanto uma sinfonia.

A melhor maneira de banalizar a realidade do nosso mundo é “colar” nela. A ridícula imitação de barquinho de papel que Vik Muniz colocou na Lagoa de Veneza, como lembrança da tragédia dos imigrantes de Lampedusa, embora não faça parte da Bienal constitui um ótimo exemplo. Sob a literalidade patética do objeto, neutraliza-se o “protesto”. No momento em que a arte é tomada como um “reflexo operacional”, caso de grande parte do que está na 56.ª Bienal de Veneza, mesmo a mais rica e sedutora exposição só pode perder a sua alma.

Posted by Patricia Canetti at 12:39 PM

Arquivo Aberto - Burden e o 'Beam Drop' por Rodrigo Moura, Folha de S. Paulo

Arquivo Aberto - Burden e o 'Beam Drop'

Artigo de Rodrigo Moura originalmente publicado no caderno Ilustríssima do jornal Folha de S. Paulo em 17 de maio de 2015.

Era um daqueles dias secos do inverno mineiro quando Chris Burden chegou a Inhotim, na sua primeira (e presumivelmente única) visita ao Brasil, em junho de 2008.

Durante quase seis meses, procuramos vigas metálicas em ferros-velhos da região para refazer "Beam Drop" (queda de viga), uma escultura de 1984 cuja versão original tinha existido por pouco mais de três anos, no Art Park, no norte do Estado de Nova York.

Os fundos de uma fazenda desativada, no alto de uma montanha com ampla vista para a região, foram terraplanados para criar o lugar da escultura, segundo desenhos precisos do artista. Era a primeira vez que Burden (morto no domingo, 10/5) cruzava a linha do Equador. Entusiasta da ciência e da tecnologia, estava curioso para ver o céu do hemisfério Sul.

Já há alguns anos mostrávamos uma de suas mais brilhantes esculturas na entrada da Galeria Lago. "Samson" (Sansão, 1983) é um dispositivo anti-institucional por excelência, que questiona o autoritarismo do cubo branco e do prédio de museu; cada vez que o visitante passa pela roleta, um sistema de transmissão transfere mais pressão contra as paredes do espaço, empurrando duas toras.

Essa obra está entre suas esculturas pós-performance, em que lidava com a crítica institucional, como no projeto "Expondo As Fundações do Museu" (1986), em que cava em torno das bases do edifício, expondo seus limites físicos e propondo o colapso literal da arquitetura. Sempre nos pareceu excitante começar o percurso de uma galeria e de um novo museu por uma escultura que potencialmente os destruiria.

"Beam Drop", acordada de um hibernação de duas décadas, prometia trazer um ingrediente ainda mais explosivo ao que se planejava em Inhotim: uma escultura monumental que desafiava a própria monumentalidade da escultura por um processo de fabricação "errado" -fragmentado, voltado ao acaso, violento.

A construção da escultura durou mais de 12 horas. Foi uma adrenalina incrível, com a equipe muito concentrada e Burden regendo todo o processo. Aquela ação tinha uma dimensão estética admirável, que certamente continuaria no objeto terminado. À medida que as vigas iam caindo no cimento fresco, o artista foi ficando mais atrevido, jogando-as em duplas, tentando fazer com que uma acertasse a outra, com uma intencionalidade que se transformava rapidamente em indeterminação.

O operador do guindaste confessou que nunca tinha sido contratado para deixar vigas caírem. Aquela subversão, atestada por quem estava na ponta da operação, era a própria essência do trabalho.
Originalmente pensada para o meio urbano, como uma crítica às esculturas colocadas sem critério nenhum nos átrios dos arranha-céus de Nova York, chamadas pejorativamente de "plop sculpture", "Beam Drop" ganhava uma nova significação na paisagem rural de Minas Gerais.

No final do processo, todos posamos para a foto ao lado, celebrando a conquista de ter feito aquele golaço sem nenhum contratempo, e seguimos para drinques. De tão agitado, eu, que já não tinha dormido a noite anterior, tive dificuldade de dormir por mais uma.

Rapidamente, "Beam Drop Inhotim" se tornou uma das peças mais icônicas do nosso jovem acervo, se confundindo com a própria paisagem. O que ela nos traz de precioso é a desconstrução da escultura de grande escala, algo insubstituível no nosso contexto. Além disso, será sempre uma lembrança poderosa daquilo de que a imaginação de um artista é capaz -e do que uma instituição artística pode quando está disposta a seguir, sem constrangimentos, essa visão.

RODRIGO MOURA, 40, é crítico de arte e diretor artístico do Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG).

Posted by Patricia Canetti at 12:22 PM

Obras brasileiras na Bienal de Veneza corroem imagem de 'Brasil potência' por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Obras brasileiras na Bienal de Veneza corroem imagem de 'Brasil potência'

Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 8 de maio de 2015.

Na porta do pavilhão brasileiro na Bienal de Veneza, um par de tênis velhos está pendurado em uma haste como se fosse uma bandeira. Esse símbolo de um "trabalhador ordinário", nas palavras do autor da peça, André Komatsu, dá o tom das obras que estão na seleção oficial do país na mostra italiana.

Escalando, além de Komatsu, Berna Reale e Antonio Manuel, o responsável pelo pavilhão nacional, Luiz Camillo Osorio, quer ver ruir a imagem de potência que o Brasil tenta plasmar no exterior desde que recebeu a Copa do Mundo e agora se prepara para a Olimpíada do Rio.

Daí a escolha das manifestações que varreram o país em junho do ano retrasado como ponto de partida da mostra. Dos cartazes de rua para os Giardini em Veneza, a frase "É Tanta Coisa que Não Cabe Aqui" dá nome à atual representação brasileira.

"Essa voz anônima, da rua, faz uma demanda democrática", diz Osorio. "Tem uma coisa de problematizar a representação do país, mas com uma materialidade urbana. É um Brasil que fica entre as formas geométricas do construtivismo e o tijolo, que é um material precário."

No caso, os tijolos do trabalho de Manuel, que ocupa uma das salas do pavilhão com muros coloridos de alvenaria. Eles são construídos e esburacados depois pelo artista com uma marreta.

Num gesto semelhante, Komatsu criou no espaço ao lado uma gaiola metálica coberta de plástico branco. É possível entrar na estrutura depois de passar por um corredor que vai se estreitando até o fim da sala, terminando numa abertura rasgada na pele de arame da escultura.

"Esses buracos são abertos de forma estratégica", diz Manuel. "Tem um caráter marginal em quebrar o muro ou rasgar a grade e abrir."

Outro trabalho de Manuel no pavilhão, um filme de 1975, também trata desse universo às margens da sociedade. "Semi Ótica" abre com a imagem de um casebre numa favela pintado com uma bandeira do país e segue com fotografias de jornal de bandidos torturados e mortos durante a ditadura.

Numa leitura um tanto tétrica desse Brasil olímpico, Berna Reale mostra em Veneza uma performance em que aparece correndo com uma tocha pelo presídio de segurança máxima de Americano, nos arredores de Belém.

"Quando se faz um grande evento, as autoridades empurram ainda mais os problemas para debaixo do tapete", afirma Berna Reale, artista que também trabalha como perita criminal.

"No Brasil, a violência é alimentada pela corrupção. Ela também parte de dentro do poder."

Posted by Patricia Canetti at 12:16 PM

maio 16, 2015

Leilão do século' é um teatro de cartas marcadas com transmissão ao vivo por Silas Martí, Blog Plástico

Leilão do século' é um teatro de cartas marcadas com transmissão ao vivo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada no Blog Plástico do jornal Folha de S. Paulo em 12 de maio de 2015.

Em menos de 15 minutos, lances pela tela “As Mulheres de Argel”, de Picasso, agora a obra de arte mais cara a ser arrematada em leilão em toda a história, foram de US$ 100 milhões para US$ 160 milhões, chegando à estratosférica cifra final de US$ 179,4 milhões com os encargos da casa de leilões.

Mesmo antes da venda, que bateu o recorde absoluto de um preço atingido em leilão até então detido por “Três Estudos de Lucian Freud”, de Francis Bacon, vendido por US$ 142,4 milhões também pela Christie’s há dois anos, especialistas da gigante do mercado da arte já anunciavam o evento da noite desta segunda em Nova York como o “leilão do século”.

É um apelido que casa com a façanha do valor atingido pelo quadro de Picasso e ainda mais quando se leva em consideração a venda de “O Homem Apontando”, peça de Alberto Giacometti que se tornou a mais cara escultura já oferecida numa venda pública em toda a história. Uma noite, dois recordes.

Não espanta que os dois tenham acontecido na Christie’s, a casa de leilões comandada pelo bilionário francês François Pinault, um dos nomes mais poderosos do mercado da arte e da indústria global do luxo, que detém também a Gucci, entre outras marcas. Ao contrário de sua maior concorrente, a Sotheby’s, a Christie’s é uma empresa de capital fechado, que não precisa prestar contas a um quadro de diretores executivos e acionistas.

Nesse sentido, o império de Pinault tem mais margem para fazer o que a Sotheby’s também faz, mas acaba ouvindo seus acionistas espernearem. Estou falando da polêmica prática de dar garantias a quem vende uma obra que ela atingirá um preço mínimo, arcando com o prejuízo caso isso não aconteça.

Mas isso quase não acontece. Quando a crise financeira derreteu os mercados há sete anos, as duas gigantes quase naufragaram tamanho era o rombo gerado por essas garantias. Só que desde a recuperação plena do mercado da arte, atestado pelos recordes sendo batidos, as duas maiores casas do mundo vivem uma verdadeira queda de braço tentando seduzir os colecionadores mais poderosos com garantias da performance de suas peças nas vendas.

Ou seja, em tempos em que é possível acompanhar ao vivo pela internet a exasperação –ou aparente exasperação– do leiloeiro tentando alçar os preços às alturas em pleno salão, já é possível saber desde antes da venda que determinadas peças atingiriam mesmo tal valor. O leilão de ontem não passou de um teatro de cartas marcadas, que ganha em dramaticidade com transmissão ao vivo de suspiros e sussurros direto de Nova York.

Muitas das obras à venda, e pode ter sido o caso com o Picasso e o Giacometti estrelas da noite, acabam sendo compradas por mais de um investidor, numa espécie de vaquinha milionária para alçar a cotação de determinado artista no mercado. Estou dizendo que além da garantia dada a quem vende pela casa de leilões, há garantias que alguns colecionadores dão à Christie’s dizendo que darão lances até um valor determinado, em geral cobrindo a garantia já acordada com o vendedor que está se desfazendo da peça em questão.

Picasso e Giacometti não precisam de mais provas de seu valor histórico e artístico. As duas peças vendidas nesta segunda em Nova York estão, nesse ponto, acima de qualquer suspeita. Mas voltam os holofotes para a falsa transparência que reina no mundo dos leilões. Da mesma forma que um blockbuster ou novo espetáculo do Cirque du Soleil, uma venda de obras de arte também já pode ser anunciada de antemão como o espetáculo do século.

Posted by Patricia Canetti at 2:48 AM

Tela de Picasso é vendida por US$ 180 mi e bate recorde absoluto por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Tela de Picasso é vendida por US$ 180 mi e bate recorde absoluto

Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 11 de maio de 2015.

Uma tela de Pablo Picasso vendida na Christie's em Nova York na noite desta segunda (11) por US$ 179,4 milhões (cerca de R$ 535,1 milhões) é a obra de arte mais cara já leiloada em toda a história.

Pintada pelo espanhol em reverência ao estilo dos mestres franceses Eugène Delacroix e Henri Matisse em 1955, "As Mulheres de Argel (Versão 'O')" retrata um harém e é considerada uma das últimas grandes obras do mestre cubista ainda em mãos privadas.

Lances começaram em US$ 100 milhões e escalaram com rapidez, entre suspiros incrédulos no salão da Christie's.

Em 13 minutos, a peça bateu os US$ 160 milhões, desancando o recorde anterior de obra mais cara vendida em leilão, que pertencia a "Três Estudos de Lucian Freud", um tríptico de Francis Bacon, arrematado por US$ 142,4 milhões (R$ 424,7 milhões), há dois anos, em Nova York.

Embora o preço de martelo tenha sido US$ 160 milhões, o valor pago pelo comprador após os encargos da Christie's será de US$ 179,4 milhões. Em 1997, o quadro havia sido leiloado pela última vez por US$ 48,4 milhões, cerca de R$ 144,4 milhões.

Outro recorde de peso foi batido na mesma noite. "O Homem Apontando", obra de 1943 do suíço Alberto Giacometti, foi arrematada por US$ 126 milhões, chegando ao preço final de US$ 141,3 milhões, ou R$ 421,4 milhões, o que faz dessa peça a escultura mais cara já leiloada.

VENDA RELÂMPAGO

Com lance inicial de US$ 100 milhões, a peça chegou a seu valor mais alto em apenas três minutos, uma venda relâmpago para uma obra dessa relevância histórica.

Última de uma série de seis estátuas idênticas criadas pelo artista nos anos 1940, a obra foi exibida na retrospectiva dedicada a Giacometti pelo Guggenheim, em Nova York, em 1974.

Essa venda desanca o recorde anterior de escultura mais cara, outra peça de Giacometti vendida há cinco anos por US$ 104,3 milhões, cerca de R$ 311,1 milhões.

Posted by Patricia Canetti at 2:39 AM

maio 13, 2015

Casa Daros fechará as portas no Rio depois de dois anos em atividade por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Casa Daros fechará as portas no Rio depois de dois anos em atividade

Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 12 de maio de 2015.

Inaugurada há dois anos, a Casa Daros se tornou um dos centros culturais mais importantes do Rio, mas será fechada ao público em dezembro. A decisão seria comunicada nesta tarde a funcionários da instituição e em entrevista coletiva na manhã desta quarta.

Bancada pela coleção Daros de arte latino-americana, com sede em Zurique, a instituição gastou R$ 83 milhões comprando e restaurando um casarão em Botafogo, na zona sul da cidade, onde realizou cerca de 20 exposições, algumas delas referência no cenário nacional, como as retrospectivas do argentino Julio Le Parc e do brasileiro Luiz Zerbini.

Sem dar detalhes, um comunicado divulgado nesta terça pelo museu não diz que a instituição fechará as suas portas, mas confirma, no entanto, que haverá uma última exposição no local dedicada à arte contemporânea de Cuba, com obras de 15 artistas, com estreia prevista para setembro e término em dezembro, quando o espaço será fechado ao público.

Com cerca de 1.200 obras de 120 artistas latino-americanos em seu acervo, a coleção Daros é uma das mais significativas do mundo para peças dessa região do planeta. Segundo a Folha apurou, Ruth Schmidheiny, que responde pela coleção e financia o museu em Botafogo, está comprometida a manter o espaço em condições adequadas de preservação até que novos parceiros apareçam para ocupar suas salas expositivas.

Essa é a primeira baixa entre as mais recentes instituições culturais abertas no Rio na escalada de reformas urbanas que precedem as Olimpíadas de 2016. Junto do Museu de Arte do Rio, a Casa Daros já havia se tornado um dos marcos dessa nova cena cultural carioca.

Um dos problemas apontados nos bastidores da decisão é a indisposição da família Schmidheiny de continuar mantendo a operação custosa do espaço no Rio, que não recorre a patrocinadores nem a recursos incentivados.

Posted by Patricia Canetti at 12:26 AM

Imagine Brazil e o lugar das coisas por Daniela Labra, Artesquema / O Globo

Imagine Brazil e o lugar das coisas

Crítica de Daniela Labra originalmente publicada no jornal O Globo em 4 de maio de 2015 e posteriormente atualizada em seu blog Artesquema em 8 de maio de 2015.

Há umas semanas, após visitar a exposição Imagine Brazil em São Paulo, no Instituto Tomie Ohtake, postei nas redes reflexões que abriram um interessante fórum crítico sobre o peso do mercado de arte na circulação institucional de obras e artistas no Brasil e no mundo hoje. A mostra, encerrada dia 3 de maio, foi pensada em 2013 para levar ao público europeu um panorama da arte brasileira contemporânea emergente, reunindo 14 artistas jovens a outros estabelecidos, escolhidos pelos primeiros como sendo suas referências. Assim, o todo seria uma constelação com distintas gerações que representaria o cenário das artes no país, ainda mal conhecido no exterior.

O projeto original integrava uma série de exposições realizadas no Astrup Fearnley Museet, na Noruega, acerca da arte jovem na América do Norte, (Uncertain States of America, 2003) China (China Power Station, 2006) e India (Indian Highway, 2009), e de acordo com o curador norueguês Gunnar Kvaran, a missão destas empreitadas seria “espalhar conhecimento e oferecer novas imagens a respeito das vibrantes cenas artísticas desses países”. Além de Kvaran, Imagine Brazil teve curadoria do celebrado Hans Ulrich Obrist e do francês Thierry Raspail, e antes de chegar a São Paulo passou por Oslo, Lyon e Doha.

Apesar dos renomados profissionais envolvidos e da boa seleção de artistas brasileiros, a mostra, que aqui teve versão reduzida, era um pot-pourri de trabalhos nem sempre significativos, expostos com pouca coerência, prejudicada por um formato voltado ao olhar estrangeiro que pouco sabe do país e sua arte. Assim, obras de Tunga, Adriana Varejão e até Caetano Veloso, com áudio de discos, surgiam em meio a artistas jovens como Sofia Borges, Gustavo Speridião e Rodrigo Matheus sem que houvesse um texto e contexto coerentes para o visitante que não imagina a vibração do Bras(z)il sugerida no título, mas a vive no cotidiano real.

Com diversas obras espalhadas por grandes salas, a exposição dava a impressão de ser composta de trabalhos na maioria retirados diretamente de galerias, uma vez que quase todas as fichas técnicas indicavam o nome do estabelecimento que emprestara o trabalho como “cortesia”. Sem demonizar aqui a atuação de galeristas sérios, já que a prática de empréstimo de obras para exibições é algo corrente até em Bienais (que hoje são vitrines de valorização de artistas e representantes), ali o problema era o excesso de “cortesias”, que quase aproximava a exposição a um showroom, com obras que aparentemente pertenciam mais ao galerista que ao artista. E foi esse o ponto que me moveu a lançar um post nas redes – entendendo justamente o meu próprio papel no sistema da arte como alguém que atua e colabora com o mercado, direta ou indiretamente, e que tem algum arrazoamento para analisar minimamente a situação.

Lancei um comentário crítico e indaguei por que as galerias corteses e cortejadas não constavam ali apenas nos agradecimentos junto ao texto curatorial, como é praxe, e alguns agentes culturais deram boas respostas: Patrícia Canetti, do site www.canalcontemporaneo.art.br apontou, por exemplo, que a galeria virou um ponto de referência na “geografia” do circuito, e lembrou do tempo em que as gravadoras eram importantes e suas marcas vinham à mente como um sobrenome do artista – algo que já ocorreria com a arte contemporânea; Para a crítica Carolina Soares, tal situação seria sintoma de como mercantiliza-se a arte antes que ela alcance reconhecimento crítico, e que nesse movimento o valor atribuído à obra é o de mercado, algo que cerceia o seu próprio potencial como arte.

Embora por um lado muitas instituições culturais, públicas ou privadas, ainda padecem profundas precariedades, por outro o mercado de arte brasileiro ganhou poder nas últimas décadas profissionalizando-se e articulando-se internamente, e criou um circuito legítimo que divulga – e vende – mais arte brasileira a novos e velhos colecionadores. Nesse movimento de crescimento de mercado, contudo, é importante notar que cresce também a urgência em pensar como a arte pode evitar ser dragada pela lógica de produção e descarte de produtos que domina nossa era, quando é compreendida como mais um objeto no mundo e não como pensamento sobre o mundo. Acreditar que as galerias são vilãs nesse processo seria tão ingênuo como a recusa a perceber que existe um sistema para o qual há muitos artistas dispostos a formatarem suas produções para o fim comercial e se contentarem com isso. São sinais dos tempos que fazem obras artísticas perderem conteúdo em meio ao espetáculo da publicidade ou da venda, esvaziando seu potencial de emocionar e instigar reflexões, servindo a tendências fugazes e ficando, por fim, imprestável como contribuição para um futuro mais humano e sensível.

ps. Este texto foi alterado do seu original publicado no Jornal O Globo em 4/05/2015, uma vez que sua circulação fez alguns outros agentes das artes reagirem mal às observações nele colocadas, afirmando que se estaria maldizendo o mercado por algum recalque ou moralismo. Contudo, essas afirmações não procedem posto que a discussão, ao menos nas redes, manteve-se além de picuinhas pessoais, considerando de modo franco vários aspectos da relação da arte com o sistema mercantil como dado explícito e corrente no mundo atual. Sempre haverá a voz daqueles verdadeiramente ressentidos ou dos que heroicamente esbravejam contra a norma de consumo e exclusão provocada pelo sistema capitalista. Porém, não foi o caso da discussão que se seguiu ao meu post inicial nas redes e nem pretende ser a tônica deste breve artigo.

Versão de texto publicado em Jornal O Globo, Segundo Caderno, 04/05/2015

Posted by Patricia Canetti at 12:20 AM

Quando o problema do mercado de arte é um problema? por Paulo Miyada, Select

Quando o problema do mercado de arte é um problema?

Texto de Paulo Miyada originalmente publicado na revista Select em 7 de maio de 2015.

Paulo Miyada, curador do Instituto Tomie Ohtake em São Paulo, reflete a respeito de debate sobre arte contemporânea que acontece nesse momento entre críticos e o público de redes sociais

Por ocasião da feira ArtRio de 2012, a crítica Luisa Duarte publicou em sua coluna no Globo um lembrete aos desavisados de que feiras de arte estavam longe de ser contextos ideais para conhecer de forma aprofundada a arte contemporânea e suas sutilezas, sobretudo para os marinheiros de primeira viagem: “uma feira de arte não é, definitivamente, o lugar para uma experiência primeira com a arte”, ela dizia. Neste ano, no dia da abertura da feira SP-Arte, o assunto voltou à baila quando Silas Martí, escrevendo para a Folha de São Paulo, lembrou que o milionário financiamento público ao mega-evento poderia ser colocado em questão devido aos seus fins prioritariamente comerciais.

Nesses casos, a mídia colaborou para relativizar o papel do mercado como ambiência para estar junto da arte. Noutros, a crítica ao mercado possui menos foco e clareza. Ainda no mesmo mês de abril, houve a abertura do Prêmio Marcantônio Vilaça e o anúncio de seus premiados, sendo recorrente em desabafos que circulavam na noite de premiação certa ojeriza frente ao custo da festa regada a whisky dez anos e ovos de codorna com molho rosé, apresentada pelo mestre de cerimônias Dan Stulbach (que não é mais global, mas merece ser chamado de famoso, bonito e “com cara de rico”, como disse a artista Berna Reale ao receber a premiação). Já hoje, 4 de maio, a colega curadora Daniela Labra publica no jornal O Globo algo que já havia manifestado na última semana nas redes sociais: sua exasperação frente ao fato da mostra “Imagine Brazil”, recém encerrada no Instituto Tomie Ohtake, divulgar em suas fichas técnicas a cortesia das galerias que representam os artistas participantes pelo empréstimo de obras. Sobretudo na sua versão das redes sociais, o argumento provocou os mais entusiasmados apoios, que rapidamente se deslocaram de qualquer problema pontual para atacar as instituições e o sistema da arte como um todo.

O que é comum nesses e em tantos outros comentários é o desconforto acerca de como o poder do capital privado, das galerias e do mercado de arte emerge como variável que conforma os espaços de exibição das obras de arte contemporâneas, divulgando suas marcas, definindo ambiências ou ditando formatos para a fruição da arte. É compreensível que seja assim, pois, embora o mercado seja parte idiossincrática da arte como instituição moderna e burguesa, há um desarranjo igualmente idiossincrático entre os valores da produção artística e sua mobilidade como mercadoria – coisas a princípio muito diversas. A princípio diversas – ou, poderíamos dizer, no princípio diversas.

Para mim, vale a intuição do escritor Georges Bataille de que a produção artística que mais importa é aquela que herda pelo menos um pouco das práticas de dádiva (potlatch) tipicamente pré-mercantis (não apenas em povos do passado, mas em povos do presente cuja cultura passa ao largo da adoção de moedas).

Falo aqui dos pensamentos, gestos e feitos artísticos como presentes não solicitados que podem estar muito além ou muito aquém do que a sociedade espera dos artistas. As variadas versões do potlatch estudadas e definidas no que têm em comum pelos antropólogos Bronisław Malinowski e Marcel Mauss fascinaram Bataille pelo que demonstraram de desperdício e exagero. Nelas, quando existe uma situação ritual adequada, é necessário que uma célula social (uma família, um clã, uma tribo) presenteie outra com o seu melhor presente (sua dádiva, seu festival, seu sacrifício); por melhor que seja o presente – e aqui não cabe economia ou avareza, é necessário dar sempre o que se acredita ser o melhor presente possível –, é praxe desculpar-se pela humildade e precariedade do gesto; então, a parte presenteada diz que a oferta é demasiada, que não carece daquilo; o presenteador insiste, afinal, seria uma ofensa ouvir uma recusa; o presenteado por fim aceita e volta para casa com uma riqueza e, também, com uma dívida: sem que aja negociações, barganhas ou contratos, todos sabem que ele está obrigado (social, econômica, espiritual e magicamente) a retribuir aquele presente, de preferência com algo que supere o valor do que recebeu.

Existe competição, humilhação e dívida, logo não é um processo de bondade intrínseca. Mas existe também autonomia entre as partes e pertencimento entre o que se faz, o que se troca e como se vive. Mais ainda, uma vez que a riqueza só produz sentido nas sociedades do Potlatch quando gasta, oferecida aos outros, existe um estímulo constante ao desperdício ritualizado.

O artista então seria herdeiro dessas práticas na medida em que é um sujeito social que decide por si mesmo o que é o melhor que pode se esforçar para produzir para presentear um outro alguém. Precisa decidir, avaliando suas capacidades, limites, recursos, desejos e obsessões, o que é que pode oferecer ao mundo que seja um ótimo presente: que o mundo precisa ou, ao contrário, que não produziria se deixado por si mesmo. Em muitos sentidos, trata-se de uma atitude exasperante, porque demanda enorme dedicação e compromisso, sem nenhuma garantia de que seu presente será aceito e retribuído hoje ou em qualquer outro tempo.

O pior, constatava Bataille, é que em sociedades como a nossa – que não apenas são mercantis como também baseadas no princípio do acúmulo, da economia e da herança – todo potencial dispêndio impulsivo corre risco de ser tratado como o pior dos pecados. Não foi a toa que os rituais dessa ordem promovidos pelos índios da América do Norte foram proibidos e criminalizados, assim como é significativo que nos apeguemos cada vez mais a listas de presente pré-fixadas em ocasiões como casamentos.

Se seguirmos por essa linha de raciocínio, não é difícil perceber a incongruência originária entre o gesto artístico e a economia capitalista. Não obstante, a instituição da arte como a reconhecemos hoje (amparada por coleções, museus, mercado e concentrada na figura dos artistas como autores) é ela mesma uma parte integral dessa incongruência de finalidades. Pois naquelas mesmas sociedades que têm o potlatch como princípio de troca competitiva, também não há lugar para o artista como especialista profissional ou para a arte como campo claramente diferenciado dos parâmetros da magia, da funcionalidade, da sexualidade e assim por diante.

O entendimento do artista como um profissional entre tantos é uma construção da sociedade mercantil e, mesmo assim, os artistas vivem em constante desconforto por serem parte dela. Grosso modo, eu diria que isso decorre da coexistência de dois sistemas de valoração da arte que são estruturalmente diferentes e, não obstante, intercomunicáveis.

Por um lado, há o valor da arte como parcela praticada da cultura ou, nos termos deste texto, como presente acolhido pela sociedade que conta com manifestações e documentos da arte como elementos que carregam relações conceituais, linguísticas, emocionais e perceptivas válidas no âmbito da história da arte e (por metáfora ou metonímia) na definição do mundo do presente, do passado e do futuro. Para a definição desse valor é necessário que haja potência no trabalho artístico e interesse na percepção do público em certa época – vale a pena lembrar os escritos de Marcel Duchamp e citar a máxima vez em quando bradada pelo artista carioca Milton Machado: “a arte não existe, senão como negociação com sua exterioridade”.

Esse valor da arte como parcela praticada da cultura depende: 1. da capacidade de cada artista em construir os problemas e os recursos de sua obra específica, elaborando respostas precisas para questões elaboradas por um pensamento plástico (na acepção da plasticidade da forma e também da elasticidade do raciocínio); 2. da elaboração pelo público (dos críticos especializados aos estudantes de ensino fundamental) de olhares capaz de reconhecer e conviver com aquilo que cada trabalho traz, reposicionando-o na periferia ou no centro dos entendimentos do que seja a arte e do que seja o mundo. E posto que ambas essas atividades são dinâmicas e estão sempre se fortalecendo em alguma direção e deixando-se atrofiar em outras, é inevitável pensar que se trata de um regime de valoração da arte que funciona sendo sempre incompleto e provisório, além de passível de dissensos de toda ordem.

Por outro lado, há o valor de troca mercantil da obra de arte, o qual até se referencia nos valores identificados no modelo descrito acima, mas na verdade possui dinâmicas e parâmetros próprios e, no limite, desassociados do quanto tal ou qual obra possui potência e reconhecimento como parte da cultura. O capitalismo avançado já nos ensinou o que é especulação financeira, posto que vemos os bancos e imobiliárias praticando-a de forma legalizada todo o tempo, e nos acostumamos com a noção de que há quem compre e venda euforicamente títulos de “barris de petróleo futuros” e outras virtualidades sem concretude material no presente. Nesse contexto, as obras de arte podem ser reconhecidas como bens especulativos ideais. É que seu preço não possui lastro nos seus custos de produção, na quantidade de matéria-prima empregada ou nas horas de trabalho de seu produtor: quem reconhece esses dados concretos como variáveis na definição do preço que deve ter uma tela de Picasso? E, ainda por cima, a legislação que lhe rege não considera – ao contrário do que vale em outros campos do capitalismo financeiro – que a utilização de informação privilegiada ou mesmo o lobby sejam em si crimes.

O discurso emitido para inglês ver é de que o que dá lastro para o preço de uma obra de arte é o seu reconhecimento segundo os critérios apontados acima como sinais de que a sociedade valoriza certa produção artística. Mas essa é uma promessa muito vaga e improvável, a começar pelas diferenças estruturais entre esses valores: 1. As dinâmicas aludidas no ir e vir do reconhecimento da arte são muitas vezes lentas, difusas e de difícil decodificação, sendo impossíveis de traduzir para a objetividade dos números e preços; 2. O que fortalece uma produção artística muitas vezes extravasa em muito a escala dos objetos, tornando a relação entre o reconhecimento da arte e de seus produtos algo frágil e consolidado apenas pelo nome do artista como marca; 3. Enquanto na valoração da arte como cultura predominam movimentos de dissenso, na arte como produto os valores de mercado se pretendem tanto quanto possível consensuais e absolutos.

No nível mais empírico, essa disjunção entre valores se faz sempre gritante, na medida em que, desde o advento do capitalismo, todas as épocas até agora deixaram para trás as provas de incongruências imensas entre o que o mercado legitimava como bom e o que a sociedade estava em vias de praticar e reconhecer como experiência estética e conceitual. No final das contas, por fazer parte de fluxos especulativos, a única coisa que se pode tomar com toda certeza como verdade sobre o preço de uma obra é que ele é tão alto quanto alguém estiver disposto a pagar por ela acreditando que em algum futuro mais ou menos próximo ela terá mantido ou multiplicado seu valor. Por isso, caberia até fazer analogia com o que dizia Jean-Luc Godard sobre a indústria hollywoodiana de cinema: o mercado da arte não serve para ganhar dinheiro, mas para gastar dinheiro.

Agora, esse paradoxo é tolerável para a existência da arte como cultura? Bom, precisa ser, pois a arte se conformou dentro desse devir histórico-social e é sabido que não existe um “lado de fora” ideal no qual seja possível resguardar os artistas, suas produções e toda a fruição de seu público. Vivemos em uma sociedade capitalista cujas metas mais constantes são a acumulação de capital e a manutenção do poder e tudo que fazemos decorre dessa condição e/ou precisa lidar constantemente com ela. É possível ser crítico e político nesse sistema, mas se trata de uma prova de força em negociação com sua exterioridade [1].

Se (enquanto) o modelo econômico vigente for este, será exigido que os agentes desejosos de que a arte seja praticada como modelo metafórico e metonímico de existência no mundo compreendam que o sistema de precificação e comercialização da arte é uma mediação para tradução e traição dos valores da arte em valor mercantil. Embora a arte ainda possa dizer respeito ao potlatch, ao dispêndio irrefreável de energias e desejos, sua comercialização opera na lógica do acúmulo e multiplicação das divisas. Embora o senso comum seja de que existe uma relação de complementaridade entre mercado, instituição, academia e assim por diante, seria mais preciso dizer que existe uma simultaneidade desconexa e reativa em que cada parte procura justificar suas escolhas enquanto se surpreende, se irrita, se excita e se atualiza diante das escolhas das outras partes.

Seria (será) encantador que a ordem das coisas se rompa e se reconfigure a ponto do trabalho especializado em arte perder seu sentido como profissão e mercado, assim como não tem razão nas sociedades do potlatch. Enquanto o mundo não for este, teremos de continuar lidando com a sobreposição e relativa promiscuidade entre os sistemas de valoração do gesto artístico e seus resultados [2]. Nesse caso, pouco colaboram os pontos de vista que tratam qualquer efeito visível do mercado de arte como uma mácula à essência do que fazem os artistas. Quando torcemos o nariz ao relativo enriquecimento de algum artista, à divulgação da existência e eficiência das galerias como agentes de promoção comercial da arte, ao trânsito e negociação entre mercado, artistas e críticos, enfim, quando tratamos o problema como uma cruzada da pureza da autonomia da arte, podemos às vezes parecer estar demarcando um ponto de vista crítico quando, na verdade, estamos reforçando a importância dos critérios financeiros como centro de nossas atenções.

Como naquilo que chamamos de “culpa cristã”, às vezes fazemos o papel de juízes da moral quando na verdade estamos tentando recalcar nossa própria impossibilidade de retornar a algum Éden puro e pacífico – ou, no caso de alguns, a impossibilidade de ser protagonista do mercado aparentemente desprezado. E ao fazermos isso acabamos lançando uma nuvem de dedos acusatórios em riste, esbravejando sobre os deslizes dos outros para que ninguém se dê conta de nossos próprios pecados.

Pessoalmente, defendo algumas atitudes. Antes de tudo, que minhas escolhas como curador e pesquisador procurem sempre olhar com paciência para os valores extra-financeiros da produção dos artistas e falar sobre eles, discuti-los, privilegiá-los na apresentação, escrita e exibição de obras de arte. Depois, que as colaborações com instituições, galerias, colecionadores, patrocinadores e assim por diante, quando existam, sejam declaradas ao público da forma mais transparente possível. O primeiro ponto é um problema ético e intelectual sobre o qual não é possível dar provas, mas que provavelmente fica mais ou menos evidente na trajetória profissional de cada agente do campo da arte com o passar dos anos. O segundo reflete o fato de que inevitavelmente as valorações financeiras da arte terão consequências para o modo como as oportunidades de produção e veiculação dos trabalhos serão distribuídas – por mais que todos estejam atentos a sua conduta ética não poderemos evitar que a maior e menor circulação de dinheiro tenha consequências no mundo em que vivemos –, logo, o melhor é que nos momentos em que tal influência se torne palpável ela também seja nomeada e identificada, para que o público e o meio de arte possa levá-la em consideração ao refletir sobre o que vê [3].

Por isso, se é efetivamente necessário refletir sobre quais oportunidades o grande público tem de conhecer a arte em contexto menos frenético do que uma feira de negócios; se é importante verificar se o mercado não está abusando de recursos públicos que poderiam colaborar para iniciativas que ocupam a margem do sistema de monetização da arte; se é legítimo avaliar as prioridades de um patrocinador ao gastar mais ou menos na decoração da festa e na remuneração dos profissionais envolvidos; e se pode-se questionar a publicidade implícita que mostras institucionais fazem de espaços comerciais; se toda crítica é necessária para evitar que se soterre a visibilidade do que mais importa para que a arte funcione mesmo como arte na sociedade – ainda assim, as melhores soluções são as que deixam seus pontos de contato com o mercado visíveis para quem quiser ver.

Até hoje, o fato da arte das sociedades capitalistas avançadas ser mercadoria de potencial especulativo não impediu que a arte existisse e tivesse potência como negociação com sua exterioridade. Muitos gatos foram vendidos por lebre, claro, mas esse foi sobretudo um prejuízo no âmbito financeiro da arte. No que diz respeito ao papel social e político da arte, no longo arco da história que propiciará ao futuro julgar o que de mais premente se fez nos dias de hoje, ainda haverá espaço para reordenar e requalificar tudo – desde que exista no presente obras e pensamentos que cativem os historiadores do futuro.

NOTAS

[1] Em seus casos mais vigorosos e imaginativos, é possível inclusive que artistas críticos ensaiem outros mundos possíveis, como utopia prática, situação ou guerrilha. Os brilhantes momentos dessa história e seus ocasos são assunto para outro momento.

[2] É bom lembrar que esse paradoxo se aprofunda conforme o capitalismo avançado aperfeiçoa seus dispositivos de especulação e se torna mais e mais abrangente. O efeito é uma profunda sensação de estreitamento de horizonte.

[3] Uma terceira possibilidade, ainda, é o aparentemente simples gesto de “preferir não fazer”, quando as condições que tornam possível um trabalho atingem diretamente a ética dos envolvidos. A eloquente fragilidade desta opção faz com que ela também mereça outro texto, tão detalhado quanto este.

Posted by Patricia Canetti at 12:01 AM

maio 12, 2015

O jogo político: porque a hipocrisia do Mundo da Arte brilha na 56ª Bienal de Veneza por JJ Charlesworth, Artnet News

COMO ATIÇAR A BRASA Três textos levantam uma boa discussão sobre a mercantilização das coisas... Ser parte de um sistema...

Posted by Canal Contemporâneo on Terça, 12 de maio de 2015

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O jogo político: porque a hipocrisia do Mundo da Arte brilha na 56ª Bienal de Veneza

Artigo originalmente publicado em inglês com o título "Playing Politics: JJ Charlesworth on Why Art World Hypocrisy Stars at the 56th Venice Biennale" no Artnet News em 7 de maio de 2015.

Com a abertura da quinquagésima sexta edição da bienal mais antiga do mundo, o que chamamos agora de "o mundo da arte global" aterrissa em Veneza para uma semana frenética de aberturas, cafés da manhã de imprensa , brunches e festas VIPs. O objetivo do frenesi é comemorar os esforços artísticos dos artistas que representam os 89 pavilhões nacionais, os 44 eventos colaterais e aqueles presentes na grande mostra curada pelo diretor da bienal Okwui Enwezor, intitulada "Todos os futuros do mundo".

"Todos os futuros do mundo" é um ensaio enorme e tortuoso que supostamente abraça tudo sobre o estado político do mundo de hoje, um mundo devastado, que Enwezor postula como "tumulto violento, em pânico por causa dos fantasmas da crise econômica e de um pandemônio viral, políticas separatistas e uma catástrofe humanitária nos altos mares, desertos e fronteiras, enquanto imigrantes, refugiados e pessoas desesperadas procuram refúgio em terras aparentemente calmas e prósperas. Em toda parte uma nova crise, incertezas, insegurança que se aprofunda em todas as regiões do mundo parecem saltar à vista."

Material animador para uma festa, certo? Especialmente quando, enquanto os milhares de "jet-set global artworlders" estavam ocupados tentando não molhar os seus Louboutins saltando do vaporetto para o cais em uma extremidade do Mediterrâneo, no outro, milhares de migrantes líbios desesperados estavam ocupados tentando não se afogar até a morte nos porões trancados das embarcações de gângsters – como de fato eles tentaram desesperadamente para chegar à "aparentemente mais calma e mais próspera", mas também imigrante-fóbica Europa (ver Why Does Vik Muniz's Giant Paper Boat for the Venice Biennale Trivialize Europe's Migrant Crisis? [Por que o barco de papel gigante de Vik Muniz para a Bienal de Veneza banaliza a crise de migração na Europa?]).

Estrangeiros desesperados tentando entrar na terra da abundância: se a catástrofe humanitária em curso no sul do Mediterrâneo não fosse tão horrível, poderíamos ser tentados a usá-la como uma metáfora para a própria Bienal. Afinal, na era da globalização, um número cada vez maior de países deseja estar "in" na Bienal: em 1999, havia 61 países participantes; desta vez há 89, junto com 44 "eventos colaterais" de organizações não-nacionais. Na retórica pluralista e utópica da Bienal, é claro, isso só pode ser uma coisa positiva – uma maior inclusividade, uma maior diversidade de nações e culturas, contatos mais internacionais, intercâmbio e entendimento, um grande nações unidas da arte, e assim por diante. Quem poderia ser contra isso?

Ser parte de um sistema que é o problema, não a solução

Mas no meio da voz exagerada da globalização, vale a pena questionar o que a mais internacional e menos eurocêntrica Bienal de Veneza realmente representa. Apesar de toda a atenção que a exposição de Enwezor propõe para o cenário caótico da existência global contemporânea "lá fora", para todas as diversas questões sobre identidade nacional, história e política que preocupam os pavilhões e eventos colaterais, por toda a leitura sem fim do Capital, de Karl Marx, como a "peça central" da exposição de Enwezor, ninguém quer realmente questionar porque as crescentes elites de arte do mundo estão tão ansiosas para se reunir a cada dois anos nesta estranha, submergente, pequena e bonita ilha – de perguntar a qual função a Bienal serve. Poderia ser que nas festas e no trabalho de tecer redes de contatos, e em toda a conversa sobre política e capitalismo, o foco real para todos esses países e não-países é fazer parte da nova maquinaria da ordem mundial econômica global, da qual bienais de arte tornaram-se a maquiagem cultural?

É irônico que, como o sistema cultural da bienal internacional tem se desenvolvido, a temática de seus curadores globetrotting de alto nível passou a ser cada vez mais sobre a grande cena política global – geralmente com conotação vagamente histérica e tons apocalípticos. A última Bienal de Veneza de Massimiliano Gioni era um caso em questão: é quase como se Enwezor estivesse tentando ultrapassar Gioni na visão em escala planetária do mundo indo para o inferno em um carrinho de mão. (Tudo isso citando Walter Benjamin – basta!) Mas por baixo de toda a postura política, o que ela realmente representa é um caso de negação - de não querer admitir que você é parte de um sistema que é o problema, não a solução.

Alguns podem opor-se a esta interpretação, apontando para como as bienais como a de Veneza permitem que os politicamente sem voz sejam ouvidos; e para os artistas que antes marginais passam a ser acolhidos na cena internacional – artistas que muitas vezes têm mensagens políticas e lutam para ser ouvidos em seus próprios países: as bienais podem oferecer uma visão "crítica" do mundo e a arte está numa posição privilegiada para articulá-la. Infelizmente, isso não é mais do que um mito útil, projetado para que curadores e artistas se sintam melhor sobre ser parte de uma diáspora sem raízes de funcionários culturais cujo principal objetivo é perpetuar-se internacionalmente, enquanto distanciando-se tanto quanto possível de suas origens. Desde que se faça isso por fazer arte sobre política ou não, o sistema subjacente é o mesmo: cada vez mais internacional, "mobile", deslocado do público falando principalmente a si mesmo, em um sistema orientado desafortunadamente pela dinâmica do capital global.

Não traga a sua "real" política ferrada para o mundo polido da Bienal

Em um momento de descuido durante a conferência de imprensa de abertura na quarta-feira, o diretor da Biennale di Venezia Paolo Baratta mencionou os três países que optaram por retirar-se da Bienal na última hora (Costa Rica, Quênia e Nigéria), expressando o seu alívio de que estes países não tivessem trazido as suas "polêmicas" ao coração da bienal. No caso da Costa Rica, a mostra foi cancelada quando verificou-se que o curador estava cobrando dos artistas para participar, a maioria dos quais eram italianos, não costariquenhos. No caso do Quênia, descobriu-se que os mesmos curadores (italianos) que apresentaram o Pavilhão do Quênia em 2013 – incluindo uma maioria de artistas chineses – tinham usado o mesmo truque este ano (ver Venice Loses Two National Pavilions, as Kenya and Costa Rica Pull Out [Veneza perde dois pavilhões nacionais, com a retirada de Quênia e Costa Rica]).

Perguntado por um jornalista porque as "polêmicas" problemáticas destes países não deveriam ser acolhidas, se a Bienal estava tão interessada em "polêmicas", o chefe da Bienal apressadamente voltou atrás, explicando que por "polêmicas" ele quis se referir às controvérsias administrativas internas que levaram a esses cancelamentos. Agora, o caso do Quênia pode ser apenas mais um caso de baixo nível de negociação entre artistas oportunistas e ministros sem noção em países que ainda realmente não descobriram do que se trata uma Bienal, mas a inclusão bizarra de artistas chineses se destaca por causa do que ele revela sobre o funcionamento real da nova ordem econômica mundial – a China está negociando fortemente com o Quênia por suas commodities e a exploração de petróleo lá. Então, o que Baratta estava realmente dizendo é que ele não queria alguém trazendo sua "real" política, mal organizada, e ferrada para o mundo polido e sem problemas da Bienal.

Depois de declarar que haveria novos regulamentos para a forma como os governos nacionais iriam nomear curadores, Baratta, em seguida, partiu para uma explicação disparatada sobre como a bienal não estava interessada no mercado – "a obra de arte em seu início, não onde ela acaba" – enquanto meditava enigmaticamente sobre como a bienal estava investigando "o mistério da criação". Vamos manter a política (do mercado, da cultura) fora desta, certo?

Forragens para a nova classe global de empreendedores culturais

O que a Bienal não quer investigar é o mistério de sua própria criação. Por que deveria? Quem realmente precisa dessa vasta discussão sobre um estilo cada vez mais homogêneo e internacional de arte baseada em questões ligeiramente políticas? Não é o público visitante, com certeza: nós olharemos para qualquer coisa, mas nós não fazemos isso acontecer. Não, quem realmente precisa é a nova classe global de empreendedores culturais, para quem a arte se tornou uma verdadeira oportunidade internacional, enquanto as regiões econômicas emergentes buscam se afirmar no cenário mundial através do veículo da nova cultura de arte global. Mas, não importa quanto estes curadores e artistas julguem-se políticos, a arte em si muda absolutamente nada. Os chineses ainda precisam de petróleo, a União Europeia ainda fecha a porta sobre os imigrantes, os líbios ainda se afogam em navios que afundam à vista da costa da Itália – menos o sujeito a ser tratado e mais arte política preocupada com seus próprios interesses.

Traduzido por Patricia Canetti (aceitando sugestões para melhorar esta difícil tradução)

Posted by Patricia Canetti at 3:34 PM

maio 7, 2015

Herdeiros de Lygia Clark estão impedidos de comercializar obras, Folha de S. Paulo

Herdeiros de Lygia Clark estão impedidos de comercializar obras

Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 28 de abril de 2015.

Os herdeiros da artista Lygia Clark (1920-1988) estão temporariamente impedidos de comercializar obras que estejam sob sua posse.

A decisão da 12ª Câmara Cível do Rio é provisória e vale até a conclusão de um processo que envolve o controle do espólio pelos herdeiros. A decisão não afeta obras que estejam nas mãos de museus e colecionadores.

A medida visa "preservar o acervo patrimonial do espólio, devendo as obras de arte permanecer na posse da pessoas que atualmente as detém", de acordo com o texto do relator, desembargador Jaime Dias Pinheiro Filho.

O recurso foi pedido pelos advogados de um três filhos de Lygia, Eduardo Clark.

Em 2014, Eduardo entrou na justiça para obter a busca e apreensão das obras, estudos e dos certificados de autenticidade da artista que estivessem na posse dos irmãos, Álvaro, Lygia, e sobrinhos, Victor e Alessandra Clark, e de Sandra Pinto Ribeiro.

Pediu também que Álvaro fosse destituído da posição de presidente da Associação Cultural Mundo de Lygia Clark, que cuida de seu espólio. O próprio Eduardo se tornaria o presidente até decisão posterior. Eduardo acusa Álvaro de má gestão do espólio.

"Álvaro se caracteriza por dissipar bens. Ele quis se apropriar do acervo cultural da mãe. Isso levou Eduardo a entrar na justiça, pretendendo a conservação desses bens para que sejam divididos de acordo com a lei", diz o advogado de Eduardo, Sergio Bermudes.

Enquanto o processo não se conclui, os bens em posse de todos os envolvidos não poderão ser comercializados.

O advogado da associação, Edison Balbino, diz considerar a medida positiva.

"Para a segurança dessas obras, é melhor que fiquem na mão dos que já as tinham, não na mão de apenas um". Nenhuma das partes soube informar que obras estão nas mãos dos herdeiros nem o seu valor pois não há um inventários desses itens. De acordo com Bermudes, Lygia deixou um testamento cerrado (secreto) que nunca foi encontrado.

Posted by Patricia Canetti at 10:30 PM

De volta ao novo Masp: curador visita passado para pensar o futuro por Marcos Augusto Gonçalves, Folha de S. Paulo

De volta ao novo Masp: curador visita passado para pensar o futuro

Entrevista de Marcos Augusto Gonçalves com Adriano Pedrosa originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 26 de abril de 2015.

RESUMO Diretor artístico do Masp, Adriano Pedrosa reconstitui características arquitetônicas do prédio de Lina Bo Bardi e explora o acervo do museu como passos iniciais para revigorá-lo. Em entrevista, o curador fala sobre seus planos, que incluem uma ambiciosa redefinição do lugar da arte popular na história da arte brasileira.

Em outubro do ano passado, quando assumiu a direção artística do Masp, Adriano Pedrosa tinha diante de si um mundo a ser decifrado e reconhecido.

Embora trate-se do museu mais famoso do Brasil, com a sempre festejada "maior coleção de arte ocidental do hemisfério Sul", a história do Masp, ao longo dos anos, foi-se tornando um tanto mais complexa e –à semelhança do edifício de Lina Bo Bardi– opaca.

Nas duas frentes, Pedrosa optou por uma espécie de volta às origens como método para conferir sentido ao futuro. Ao mesmo tempo que remove paredes para restituir a transparência do prédio da avenida Paulista, empenha-se em desbastar e iluminar a história da instituição para discernir suas principais linhas de atuação.

O Masp, como se sabe, foi fundado em 1947, numa iniciativa do empresário Assis Chateaubriand (1892-1968) e do jornalista e crítico italiano Pietro Maria Bardi (1900-99). Instalado inicialmente na rua 7 de Abril, no prédio dos Diários Associados (o império de comunicações de Chatô), funcionou depois na Fundação Armando Álvares Penteado, antes de chegar à avenida Paulista, em 1968.

"O que me parece cada vez mais claro", diz o diretor, "é que havia um museu do Pietro Maria Bardi, que é afinal um homem do século 19, e um museu da Lina Bo Bardi [1914-92], uma mulher moderna, do século 20, quase que como tese e antítese". Enquanto traz parte do acervo à luz, em sucessivas exposições que irão culminar na reinstalação dos polêmicos cavaletes de vidro de Lina, Pedrosa parece já ter chegado a uma conclusão sobre o perfil das futuras mostras e o papel que o Masp poderá desempenhar.

O curador pretende organizar exposições associadas a situações históricas –ou que contem "histórias"– e quer enfrentar o preconceito eurocêntrico e intelectual, ainda vigente, que relega a segundo plano a chamada arte "popular" e seus artistas, costumeiramente isolados sob o rótulo de primitivos ou "naïfs".

A nova direção pretende também suprir uma lacuna do vasto acervo do museu: a ausência de uma coleção de arte indígena. Pedrosa diz estar negociando a transferência de acervos para a instituição, mas prefere manter sigilo.

Folha - Neste primeiro ano, você está levando à frente um processo de restituição da arquitetura original do Masp e redefinição dos espaços expositivos. Você poderia descrever brevemente essa etapa?

Adriano Pedrosa - Este é um ano para nós da direção artística compreendermos as origens e as histórias do museu, que, fundado em 1947, é algo muito profundo, denso, difícil de acessar.

É um ano dedicado apenas a mostras dos acervos do museu. Não é possível traçar planos, projetos e programas sem essa compreensão, que por sinal será inescapavelmente parcial, pois há muitas versões, opiniões, sobre essas histórias e essas origens.

O que me parece cada vez mais claro é que havia um museu do Pietro Maria Bardi, que é afinal um homem do século 19, e um museu da Lina Bo Bardi, uma mulher moderna, do século 20, quase que como tese e antítese, e que o Masp resultante era uma espécie de síntese, mas não uma síntese apaziguada, tranquila, finalizada, inconteste, mas uma síntese em fricção, em contraste.

Isso fica muito claro em 1968, no Masp da Paulista, quando encontramos, por um lado, essa arquitetura crua, brutalista, áspera, sem acabamentos luxuosos, de vidro e concreto, o ar -condicionado aparente, o piso de borracha e, por outro lado, as belas ou finas artes, a melhor coleção de arte europeia do hemisfério Sul –de Rafael e Ticiano a Van Gogh, Gaugin, Renoir e tantos outros– instaladas cruamente nos cavaletes de vidro.

Os cavaletes de vidro de Lina, que voltarão à cena, são polêmicos e nos fazem refletir sobre a "ideologia" arquitetônica do Masp e sua relação com a arte europeia.

Os cavaletes de vidro são parte integral desse programa. Lina disse que eliminou "o esnobismo cultural tão querido pelos intelectuais e os arquitetos de hoje" e optou por soluções diretas, sem "os requintes evocativos e os contornos", de modo que "as obras de arte antiga não se acham expostas sobre veludo, como aconselham ainda hoje muitos especialistas em museologia, ou sobre tecidos da época, mas colocadas corajosamente sobre fundo neutro".

É importante pensar os cavaletes dentro do programa arquitetônico do museu, um programa que é descolonizador e, por isso, pioneiro. A pergunta que o programa parece responder é como é possível encontrar uma maneira de apresentar ou contar uma história, ou várias histórias, em torno da arte, com um rico acervo europeu, sem replicar uma história europeia, um modelo europeu, tanto de história quanto de museu.

É nesse sentido que o programa do Masp é descolonizador. O museu e a história da arte afinal constroem o mais profundo, devastador e sutil sistema de dominação dos últimos séculos, hierarquizando culturas, civilizações, territórios, classes sociais, a partir de um ponto de vista europeu.

A história da arte ortodoxa é até hoje profundamente eurocêntrica; é uma história do gosto e predileção das elites, das classes dominantes, que por sua vez tem na Europa ou na "Euro-América" sua referência primordial.

Nós vemos isso ainda hoje no Brasil, onde há um interesse muito maior pelas matrizes europeias do modernismo e do construtivismo, por exemplo, do que pelos temas e narrativas brasileiros. A concepção e a construção do Masp na avenida Paulista vai de 1957 a 1967, sendo que Lina vive na Bahia entre 1958 e 1964, período em que ela pôde aprofundar seu conhecimento e vivência com a arte "popular" brasileira. Há uma passagem dela muito reveladora no livro "Tempos de Grossura: o Design no Impasse", de 1994: "O reexame da história recente do país se impõe. O balanço da civilização brasileira 'popular' é necessário, mesmo se pobre à luz da alta cultura".

"Este balanço não é o balanço do 'folklore', sempre paternalisticamente amparado pela cultura elevada, é o balanço 'visto do outro lado', o balanço participante. É o Aleijadinho e a cultura brasileira antes da Missão Francesa. É o nordestino do couro e das latas vazias, é o habitante das vilas, é o negro e índio. Uma massa que inventa, que traz uma contribuição indigesta, seca, dura de digerir."

Não é à toa que a primeira exposição temporária inaugurada no museu da avenida Paulista em 1969, é justamente "A Mão do Povo Brasileiro", em torno de arte "popular". A montagem foi realizada no primeiro andar do museu, o que constituia uma fricção com a pinacoteca do segundo andar. Nós queremos revisitar essa exposição, refazê-la, sem obviamente construir uma réplica perfeita, o que seria impossível.

Você está recuperando também a expografia criada por Lina para as outras sedes do museu, na rua 7 de Abril e na Faap?

Quando compreendemos que o programa da arquitetura do Masp na Paulista é tão importante para o conceito e a vocação do museu, nós entendemos que seria preciso resgatá-lo, revisitá-lo, numa espécie de pesquisa arqueológica.

Foi nesse sentido que recuperamos a transparência do subsolo, as vitrines do restaurante e da biblioteca. No primeiro andar, recuperamos a sala ampla, a planta livre, sem colunas ou painéis, pois quando eu cheguei havia ali uma expografia que compartimentava o espaço em várias salas menores.

Não se trata de fazer um juízo sobre as escolhas antecedentes, pois cada gestão, cada curador, deve encontrar seu programa. Nós entendemos que, nesse processo, era importante revistar algumas expografias de Lina Bo Bardi que antecederam o Masp na Paulista –a da Faap, que reconstruímos no segundo subsolo do museu, e a da rua 7 de Abril, que reconstruímos no primeiro andar, ambas da década de de 1950.

Manter os espaços amplos, a planta livre, a transparência, algo que tem também um princípio democrático, não é fácil, pois a primeira solução que se pensa é justamente a de construir paredes e fazer salas, o que de certa maneira facilita a vida do curador. Nesse processo, devo dizer que a exposição de Giancarlo Latorraca, "Maneiras de Expor: Arquitetura Expositiva de Lina Bo Bardi", no Museu da Casa Brasileira, em 2014, foi muito importante.

Você teve alguma surpresa com o acervo do museu?

Muitas surpresas, afinal são cerca de 10 mil objetos no acervo e mais de 200 mil documentos nos arquivos. Ainda não vi tudo. Em dezembro, 40 dias após chegar ao museu, nós começamos o projeto "Masp em Processo", que tinha tanto o lado do redescobrimento e arqueologia da arquitetura quanto a de exploração do acervo.

Tratava-se de uma exposição em processo, uma espécie de ensaio de transição, sem lista de obras fechada, definitiva, e com a montagem aberta ao público, que poderia participar, sugerir obras para a exposição. Quase todos os dias Tomás Toledo, o curador assistente, e eu descíamos à reserva técnica para puxar os traineis onde se encontram as pinturas, para ver obras, e subíamos com algumas delas para o espaço.

Assim fomos aos poucos nos aproximando delas, convivendo com elas, aprendendo com elas, um processo que continua agora com as exposições mais tradicionais, com listas de obras consolidadas. Eu, afinal, venho de um trabalho sobretudo com o contemporâneo, o final do século 20, e todas essas longas e profundas histórias do museu e de seu acervo são novas para mim.

Agora, com as exposições de "Arte do Brasil até 1900" (curada com o Tomás) e "Arte do Brasil no Século 20" (curada com o Fernando Oliva e a Luiza Proença, que chegaram depois ao museu), e mais tarde com "Arte da França" e "Arte da Itália", temos a oportunidade de trabalhar com essas obras de maneira planejada, com uma lista de obras definida, e com as expografias da Lina.

Nossa pesquisa também pode chegar a um outro patamar, trazendo documentos e fotografias dos arquivos relacionados aos artistas e às obras que são expostas ao lado delas, na mesma parede. Uma grande surpresa foi encontrar na biblioteca e no acervo esses arquivos tão extensos e ricos.

Outra grande surpresa foi a coleção de 101 desenhos doada pelo médico psiquiatra Osório Cesar, que foi casado com Tarsila do Amaral, e trabalhou no Hospital do Juqueri. São desenhos extraordinários, feitos na Escola Livre de Artes Plásticas dirigida por Cesar no Juqueri, e nunca mostrados no Masp. Vamos fazer uma exposição deles em breve.

Outras surpresas foram um conjunto de mais de cem obras doadas por León Ferrari ao museu e um um grupo de mais de cem vestidos, feitos entre 1968 e 1972, por artistas como Volpi, Barsotti, Lula Cardoso Ayres, Antonio Bandeira, Antonio Maluf, Nelson Leirner, Aldemir Martins, entre outros, da coleção Rhodia. Há também uma surpreendente coleção kitsch, com mais de 2.000 peças, doadas por Olney Krüse.

Depois dessa fase, que tipo de mostra está nos planos da equipe, a partir do ano que vem?

A partir do ano que vem, virão as exposições com empréstimos. Teremos mostras históricas, contemporâneas, coletivas, individuais. Eu tenho um interesse nesse sentido de "histórias", que em português pode apontar tanto para a história dos acontecimentos, das ideias, da arte, quanto para a ficção e a narrativa pessoal, daí a importância de seu caráter plural, aberto, em processo.

Minha grande contribuição para o núcleo histórico da 24ª Bienal de São Paulo, em 1998, da qual fui curador-adjunto com o Paulo Herkenhoff, curador-chefe, foi inserir o "s" em seu título: "Antropofagia e Histórias de Canibalismo". Em 1996 eu fiz um catálogo com Valeska Soares cujo título era também "Histórias"; em 1999, no Reina Sofía, em Madri, eu curei "F[r]icciones", com Ivo Mesquita, que também falava dessa mescla entre o crítico, o ficcional e o histórico, a partir de Borges; novamente em 2012, curei uma exposição de Adriana Varejão que se chamava "Histórias às Margens"; e, no ano passado, "Histórias Mestiças", com Lilia Schwarcz.

Pretendo agora continuar com essas histórias, não tanto contando-as, mas construindo-as em formato de exposição e livro-catálogo. Algumas histórias que precisam ser exploradas são as da escravidão, as histórias ameríndias, as histórias da colonização (é espantoso que a historiografia da arte brasileira tenha passado décadas falando de arte colonial e da Missão Francesa sem falar da violência da colonização), as histórias da sexualidade, as histórias do carnaval, as histórias da infância, as histórias da loucura.

Vocês pretendem iniciar algum outro acervo nesse campo histórico?

Temos interesse especial na arte indígena, e é de fato o único acervo que me pareceu essencial o Masp ter e que vamos iniciar. Neste momento, estamos negociando comodatos e doações com dois acervos. Apesar de inexistente no museu, esse acervo faz muito sentido, tendo em vista um histórico de exposições desde 1949, interrompido apenas em 1990. Ao longo desse período houve mostras como "Arte Indígena" (1949), "Amazônia" (1972), "Arte Kayapó" (1983), "A Visão Estereotipada do Índio do Brasil" (1983), "Alguns Índios" (de Eduardo Viveiros de Castro e Vanessa Lea, em 1983), "Arte Carajá" (1984), "Índios Yanomami" (1985), "Arte Indígena Kaxinawá" (1987), "A Maloca Marúbo" (1988), "Arte Plumária Indígena do Paraguai" (1989), "Armadilhas Indígenas" (1990) e "Projeto Xingu" (1990). Vamos retomar esse interesse, agora com um acervo, o que nos permitirá um engajamento mais continuado e profundo, inclusive com um curador-adjunto para trabalhar conosco.

Há também um interesse particular no que antes se chamava arte popular, uma denominação perversa, que precisa ser revista e que mais uma vez está no histórico e na vocação do museu. Não apenas vamos fazer "A Mão do Povo Brasileiro" como temos interesse no que eu chamo de artistas visionários, aqueles autodidatas, muitas vezes reclusos e de origem humilde, que operam foram do circuito ortodoxo de arte moderna e contemporânea e da academia.

Trata-se de uma denominação extensa, e descritiva, e me parece que simplesmente "artistas" seria o suficiente, mas o que queremos de fato é riscar de nosso vocabulário palavras como "primitivo", "naïf", "ingênuo", pois são denominações violentamente paternalistas, elitistas, preconceituosas, hierarquizantes, e que colocam o legado europeu das classes dominantes acima de todo o resto.

Nesse sentido, temos interesse em alguns artistas que encontramos no acervo e que foram importantes para o museu: Agostinho Batista de Freitas (que não tínhamos na coleção apesar da grande ligação com Bardi, mas que recentemente conseguimos, por meio de uma doação do casal Lais e Telmo Porto), José Antonio da Silva, Maria Auxiliadora, Rafael Borjes e Cássio M'Boy.

Pensamos também em reposicionar certos brasileiros, como Djanira da Motta e Silva, figura central na arte brasileira do século 20, mas que permanece absolutamente mal compreendida, esnobada pelo circuito. Recentemente recebemos uma doação extraordinária, de Orandi Momesso, de uma obra-prima da artista, "Vendedora de Flores", de 1947.

Precisamos encontrar outras narrativas e leituras para o século 20, que não passem necessariamente pela abstração geométrica e pela crítica formalista e acadêmica e possam incluir figuras como Carybé, Aldemir Martins, Rubem Valentim, Mestre Didi, assim como arte indígena e arte "popular".

É preciso, ainda, reposicionar a obra de artistas como Portinari, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro e mesmo Tarsila do Amaral, sem o tradicional foco excessivamente formalista e eurocêntrico. Com Tarsila, por exemplo, estamos negociando com o Art Instituto of Chicago uma parceria para uma exposição, em torno da Tarsila "popular". Isso tudo já é trabalho para muitos anos.

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES, 59, é editor da "Ilustríssima".

Posted by Patricia Canetti at 10:16 PM

maio 4, 2015

Rosana Palazyan exibe na Bienal de Veneza obra sobre o genocídio armênio em 1915 por Nani Rubin, O Globo

Rosana Palazyan exibe na Bienal de Veneza obra sobre o genocídio armênio em 1915

Matéria de Nani Rubin originalmente publicada no jornal O Globo em 1 de maio de 2015.

A artista carioca relembra, no Pavilhão da Armênia, tragédia da qual seus avós foram sobreviventes

RIO — A artista carioca Rosana Palazyan sempre teve temas urgentes a tratar em seus trabalhos. Falou da violência policial em “Hóstias” (1994), dos sonhos de adolescentes em confronto com a lei em instalações como “...um pedido para a estrela cadente” e “...uma história que você nunca mais esqueceu?” (2002), dos anseios de moradores de rua em “O realejo” (2010). Tantas e tão prementes eram as questões que envolviam a artista em seu cotidiano no Rio — exclusão, violência doméstica — que ela nunca se sentira à vontade para abordar uma outra história, real e contundente como todas essas, mas de cunho biográfico: o genocídio armênio ocorrido em 1915.

Mas uma série de fatores convergiram para que, na Bienal de Veneza, que será aberta ao público no dia 9 de maio, figure um trabalho de Rosana sobre esse tema: a videoinstação “...Uma história que eu nunca esqueci...”, uma das duas obras da artista incluídas na exposição “Armenity”, do Pavilhão da Armênia. A mostra homenageia os 100 anos do genocídio, e tem como subtítulo “Artistas contemporâneos da diáspora armênia”. A carioca nascida há 51 anos no Engenho de Dentro é um dos 18 artistas convidados, de países como Estados Unidos, Grécia, Bélgica e Líbano. Como os outros, faz parte da terceira geração, os netos dos que sobreviveram ao massacre perpetrado pelo Império Otomano na gigantesca e compulsória marcha para tirar os armênios da atual Turquia.

— Nunca tive chance de pensar nessa história e nunca me senti à vontade no Brasil para falar disso. Porque aqui a gente está sempre tão rodeada de casos de violência, de exclusão social, essas coisas é que me envolviam — conta ela.

UM LENÇO COMO FIO CONDUTOR

A chave que a fez abrir o baú dolorido das memórias da família veio em 2013, com um convite da curadora Adelina von Fürstenberg para participar da Bienal de Thessaloniki, na Grécia. Nascida em Istambul, de origem armênia e radicada na Suíça, Adelina conhecera o trabalho da artista em 2007, quando organizou no Sesc, em São Paulo, a exposição “Mulher, mulheres — Um olhar sobre o feminino na arte contemporânea”. Assim que aceitou o convite, Rosana, como de hábito, começou a pesquisar a cidade onde iria expor:

— Sabia que a família da minha avó materna, Noemi, tinha se refugiado na Grécia, mas não onde era, exatamente. Sabia que ela fora acolhida por uma organização, uma espécie de Cruz Vermelha, a Armenian General Benevolent Union, AGBU, onde aprendeu a bordar muito menina e deu aulas de bordado para sobreviver. Minha mãe tinha foto dela com a turma de bordado.

Santo Google. À busca “armenian refugees in Greece” e “embroidery workshop”, começaram a aparecer muitas fotos, entre elas a que sua avó guardara por tantos anos, com a legenda que situava o local: Thessaloniki, a mesma Salônica de que a mãe de Rosana, incitada pela pesquisa da filha, agora se lembrava — “Fiquei arrepiada, chapada, perturbada com tudo isso”, conta Rosana, que escreveu imediatamente para a curadora, propondo o trabalho.

— Mas eu não queria fazer algo focado na minha história, queria ampliar isso. Tem uma passagem de tempo desde o genocídio até a minha avó chegar aqui, formar a família dela. O que costura tudo é um lencinho que ela bordou nesse ateliê, e que percorre todo o vídeo.

O lencinho de Noemi aparece primeiro como a capa de um livrinho, onde a história é contada. Para o vídeo, Rosana criou uma série de trabalhos, em diferentes materiais. Os primeiros usam a mancha de café derramado sobre tecido, uma alusão às amigas da avó, que liam o destino de cada um na borra do café:

— Eu achava meio cafona, ria disso. Todas as previsões eram parecidas, “você vai fazer uma viagem...”. Mas ficou forte na minha cabeça, então aparece ali como se fosse o destino daquelas pessoas.

A imagem principal desta série, da marcha, foi feita a partir de uma fotografia. Outra série de trabalhos foi criada a partir de narrativas que a artista leu ou ouviu, ilustrando-as sobre hóstias da igreja ortodoxa armênia. São imagens de pessoas penduradas pelos pés, de uma mãe que teve o filho arrancado do ventre, desenhadas numa mistura de farinha com água.

— São muito pesadas. As mulheres eram estupradas na frente das crianças. E é parecido com o que a gente conhece daqui e do mundo. São fatos que seguem acontecendo. As pessoas me perguntam como consigo fazer isso. Na hora quero simplesmente fazer. Depois não consigo mais olhar. Agora, por exemplo, já fico mais nervosa — diz ela, ao exibir o vídeo num tablet.

ERVAS DANINHAS COMPÕEM SEGUNDA OBRA

Um terceiro grupo de trabalhos é composto por desenhos com bordados que mostram o percurso da avó, a partir de relatos esparsos — de criança, na terra natal, à passagem pela Grécia, onde conheceu o avô de Rosana, também refugiado, até a vinda de ambos para o Brasil, quando o lencinho reaparece, na forma de um barquinho de papel que cruza o oceano até aportar no Rio de Janeiro. Os avós paternos também nasceram lá (“Meu pai contava que meu avô, ferroviário, passou perto de um monte de corpos e viu minha avó se mexendo sob eles; ela estava viva, e ela a levou para cuidar dela”).

Rosana não conheceu os avós paternos. Já Noemi, mãe de sua mãe, era muito próxima.

— Minha avó tomava conta de mim bordando. Sempre quis me ensinar a bordar, e eu dizia que não, porque seria uma mulher contemporânea. A imagem da minha avó bordando me marcou. Mostrava as fotos da família, dos parentes, e chorava. Contava pouquíssima coisa. Por isso digo que esse trabalho é um quebra-cabeças — diz.

Inédito no Brasil, “...Uma história que eu nunca esqueci...” será exibido em Veneza ao lado de outra obra de Rosana, “Por que daninhas?”, que vem sendo realizada desde 2006. Ela recolhe ervas daninhas e as fixa entre duas peças de tecido transparente. Costura então fios de seu cabelo com frases bordadas como raízes. Aqui, eram de moradores de rua; lá, com temas como imigração e genocídio... Pesquisando, ela notou que a literatura sobre as plantas estava repleta de frases como “são indesejadas, precisam ser exterminadas”, que poderiam ser aplicadas a situações de exclusão social. O trabalho ficará no Monastério Mekitarista, importante centro de estudos da cultura armênia, na Ilha de São Lázaro. Na segunda, véspera da viagem a Veneza, a artista teve mais uma revelação: soube que seu pai, Hacik, nascido na Turquia, teria ido para a Itália, estudar num mosteiro — e é grande a chance de ser este onde ela vai expor.

Posted by Patricia Canetti at 3:01 PM

Videobrasil terá mantos coloridos de artista do Mali por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Videobrasil terá mantos coloridos de artista do Mali

Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 2 de maio de 2015.

Não parece, mas os grandes trabalhos em tecido colorido de Abdoulaye Konaté estão ancorados na experiência da guerra e da doença –dos conflitos no Mali, onde nasceu, à epidemia da Aids.

Um dos maiores nomes do próximo festival Videobrasil, que começa em outubro no Sesc Pompeia, Konaté constrói agora uma série de peças inspiradas no que viu no Brasil, em especial a devastação ambiental que ele compara à situação de seu país.

"Tenho duas linhas de trabalho, uma voltada para problemas sociais e a outra engajada em conceitos estéticos", diz Konaté. "Mas é claro que essas duas linhas se cruzam."

No caso, são ideias que se encontram na trama dos tecidos. Konaté começou como pintor, mas decidiu traduzir em sua obra o impacto visual das roupas tradicionais de caçadores e artistas de rua do Mali, que ele vê "quase como uma seita, uma casta social."

Mesmo trabalhando com a linguagem dos tecidos há três décadas, Konaté despontou para valer no circuito global depois de participar da última Documenta, em Kassel, na Alemanha, há oito anos.

Sua obra, aliás, chamou a atenção dos críticos num momento em que trabalhos têxteis se tornaram uma espécie de tendência no mundo da arte, do revival de Bispo do Rosário e Leonilson à reabilitação de nomes como a norte-americana Sheila Hicks.

El Anatsui, artista ganês que acaba de vencer o Leão de Ouro pelo conjunto da obra na Bienal de Veneza, não usa tecido, mas também cria mantos trançados com objetos descartados, uma operação que lembra a obra de Konaté.

Seu desafio, e o de muitos nomes da África que vem ganhando os holofotes, é não esbarrar numa linguagem caricatural ou folclórica. Konaté diz que não segue uma moda ou tendência, mas reconhece que há um interesse enorme pelos artistas do continente.

"Nossa imagem continua fraca, mas melhora", diz Konaté. "O mercado já se apropriou de alguns artistas."

Posted by Patricia Canetti at 2:55 PM