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fevereiro 25, 2015
Responsas por Fred Coelho, O Globo
Responsas
Coluna de Fred Coelho originalmente publicada no jornal O Globo, Segundo Caderno, em em 25 de fevereiro de 2015.
O que fazer numa coluna de jornal? Investir na neutralidade do discurso crítico ou encampar a revolta alheia e tornar-se uma caixa de ressonância?
Quem gosta de literatura sabe que o escritor e o leitor ocupam o mesmo lugar na hierarquia do texto. Ainda que o primeiro exiba uma força maior de visibilidade (o leitor é, em tese, anônimo na hora da leitura), sem o segundo ele simplesmente vaga solitário no deserto das palavras. Aos que leem, cabe a libertação da escrita em direção aos múltiplos sentidos que ela pode e deve oferecer ao mundo.
O fato é que, quando se escreve uma coluna semanal de opinião, seu texto pode assumir um tom de autoridade ou, quiçá, autoritário. Essa assertividade na escrita gera na leitura uma confirmação de informações prévias que já existem no imaginário do leitor. O texto, assim, perde sua força in/formativa e apenas ratifica certezas na operação de leitura-escrita. Assumimos as palavras do colunista como suas ou contra as suas.
A demanda pela palavra crítica cresce na amplidão contemporânea de espaços distribuídos em redes para milhares de vozes. Se temos a vastidão da internet para mantermos compulsivas conversas comunitárias e para nos informar além das manchetes repetidas dos jornais, sabemos que são poucos os que conseguem efetivamente serem lidos de forma massiva. O recalque do discurso público (e crítico) em suas múltiplas vertentes de reflexão, gosto ou ação, é uma questão central dos nossos tempos. Se em 1967 a pergunta era “quem lê tanta notícia”, hoje nos perguntamos “por que lemos tanto as mesmas notícias”.
Talvez o principal desafio seja entender como lidar com a variedade de olhares e temas possíveis de serem abordados quando se escreve para um público leitor sem rosto, sem centro, sem ponto de convergência. O que fazer: investir na neutralidade do discurso crítico? Encampar a revolta alheia e tornar-se uma caixa de ressonância? Seduzir pela palavra prosaica e camarada? Ou abrir mão de tudo e propagar seu próprio imaginário caótico sobre as coisas? Hoje, todas as opções acima ainda são poucas.
Sabemos que uma coluna de opinião em um caderno de cultura pode e deve trafegar livremente pelo presente e a memória, pelo fato e a ficção, pela urgência pública e os desequilíbrios privados. Afinal, como nos ensinam os manuais, geralmente o crítico fala mais dele mesmo do que do tema escolhido. Portanto, não há texto suficientemente neutro para se afastar dos dramas concretos da vida, nem suficientemente autobiográfico para escapar da ficção e do delírio.
Na longa tradição brasileira de colunistas, alguns conseguiram atingir o ponto exato entre falar de si mesmo e de sua geografia pessoal ao mesmo tempo em que falam do mundo. Não se trata de fazer psicologia coletiva, nem de achar que sua vida é exemplar para os demais. Trata-se de entender que todos os eventos que ocorrem em sociedade, dos mais corriqueiros aos mais complexos, trazem o dado coletivo do humano. Até mesmo o nosso atualmente propagado fim nos mostra isso. Ao que tudo indica, seremos os responsáveis diretos pelo extermínio de nós mesmos. Não adianta mais aguardarmos um evento externo como um cometa, um asteroide, um óvni sequestrando você durante o carnaval ou um dilúvio universal. O apocalipse “é nós”.
Vale avisar que esta coluna terá algumas práticas constantes: falar do que ocorre nas ruas da cidade, fortalecer o novo, cruzar assuntos do presente com o nosso arquivo cultural, circular leituras, audições, visões e hesitações críticas. Confesso logo que nunca terei certeza absoluta sobre os assuntos propostos. Sigo à risca o ensinamento do poeta e acredito que o pensamento, como o mundo, é um moinho. O espaço será utilizado toda semana, portanto, para ensaiar hipóteses, arriscar caminhos e cair em abismos.
O último ponto fundamental para abrir a estrada sinuosa que esta coluna inicia é o compromisso de, sempre que possível, fazer do texto uma usina de força para o que estimula a alteridade de ideias, espaços e discursos. Como diz o profeta urbano e mente sagaz BNegão, há de se viver ligado “enquanto a ignorância cresce, enquanto o gelo se derrete, enquanto a vida se repete”. Esse é o proceder, esse é o caminhar. Tarefas construtivas são urgentes, mesmo que, às vezes, soem negativas. Quem vive nas redes sociais sabe que não faltam espaços para expressarmos todo nosso som e fúria sobre as coisas do mundo. Encontrar a medida exata entre a raiva e a esperança pode parecer inócuo, mas é um princípio prático que vale a pena experimentar.
Uma coluna em um jornal de grande circulação é, enfim, uma imensa responsabilidade nos dias de hoje — para quem escreve, mas também para quem lê. Ela pode abrir feridas ou abrir as mentes. Escolho a segunda opção, mesmo sabendo que a positividade sobre as coisas da vida não nos exime do gosto ácido dos seus dissabores. Aumente o som, empurre os móveis, abra os sentidos e vamos nessa. O que é certo é sem caô.
Mostra em SP joga luz sobre visão homoerótica de Pierre Verger por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Mostra em SP joga luz sobre visão homoerótica de Pierre Verger
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo, Caderno Ilustrada, em em 23 de fevereiro de 2015.
Pierre Verger - O Mensageiro, Galeria Marcelo Guarnieri, São Paulo, SP - 02/03/2015 a 28/03/2015
Mais do que um fotógrafo etnográfico, que documentou os laços culturais entre a África e o Brasil pelo prisma da vida em Salvador, Pierre Verger construiu em sete décadas de trabalho uma visão única do corpo masculino.
Seu olhar sobre os homens, em especial os negros, tinha outra temperatura, como se sua lente fosse menos uma ferramenta voyeurística e mais um instrumento de afeto, ou quase de confissão do desejo.
Verger, francês que se radicou em Salvador, morto aos 93, em 1996, foi um dândi parisiense que primeiro mergulhou na cultura africana no Bal Nègre, cabaré frequentado por imigrantes da África e do Caribe que foi um epicentro das vanguardas estéticas na cidade-luz nos anos 1920.
"Nos esbaldávamos na animalidade dos negros da rua Blomet, que pareciam histéricos em transe", escreveu a feminista Simone de Beauvoir, sobre o auge da boate. "Meu coração batia mais rápido entre aqueles corpos em festa."
Uma mostra agora na galeria Marcelo Guarnieri, em São Paulo, resgata esse olhar homoerótico de Verger como um lado esquecido da obra do artista, revisitando imagens que estiveram no hoje clássico livro "O Mensageiro", lançado primeiro em Paris, em 1993.
Nele, estava uma seleção do que seus organizadores, o casal Jean Loup Pivin e Pascal Martin Saint Leon, chamaram de "olhar amoroso" de Verger sobre o mundo.
"Ele não falava da homossexualidade em público, mas amava fotografar os homens com quem tinha pequenas aventuras", conta Saint Leon, que foi amigo do artista.
"Verger se lembrava do nome de todos os homens que fotografou. Seu olhar não era o de um voyeur. Era íntimo, cheio de sensualidade. Cada foto era um momento de amor ou de felicidade."
Na opinião de Saint Leon, que ao lado do namorado fundou nos anos 1990 a "Revue Noire", uma revista e galeria de arte africana em Paris, a obra de Verger tomou outro rumo depois de sua mudança para Salvador, em 1946, que marcou o momento em que o artista passou a se identificar mais como um etnógrafo.
Verger, então quase esquecido em Paris, havia sido um dos maiores fotojornalistas do início do século 20, famoso por suas visões únicas.
Na tentativa de resgatar o olhar mais estetizante do fotógrafo, Pivin e Saint Leon montaram uma mostra em Paris com cerca de 200 imagens que pinçaram dos negativos do artista, uma seleção que julgavam traduzir seu desejo pelo corpo dos homens.
"Foi uma exposição autobiográfica. Ele foi redescoberto como fotógrafo ali", diz Alex Baradel, responsável pelo acervo da Fundação Pierre Verger, em Salvador, e organizador da mostra paulistana.
"É uma visão sensual do homem. Seu interesse não era antropológico, era o tratamento do corpo masculino."
BRUTOS ENDEUSADOS
Eder Chiodetto, crítico de fotografia, já enxergava esse viés na obra de Verger, mas ressalta que é uma leitura pouco usual de seu trabalho. "Isso é evidente, mas faltam pesquisadores para investigar isso a fundo", afirma. "Ele tem um olhar para o corpo do negro que é um olhar de desejo."
Sem saber da sexualidade de Verger e sua exaltação da beleza masculina, o artista Ivan Grilo destacou esse aspecto da obra quando exibiu uma cópia do livro "O Mensageiro" com o nome alterado para "Negros Gostosos" numa mostra há um ano no Centro Cultural São Paulo.
"Ele sabia valorizar bem o corpo. Eram homens comuns, brutos, mas retratados bem endeusados", analisa Grilo. "E, pensando bem, só poderia ter tesão envolvido para o seu trabalho ficar tão bom."
Jonathas de Andrade, outro artista contemporâneo, também vem refletindo sobre a linha tênue entre o olhar etnográfico e o erotismo. Numa mostra agora no Museu de Arte do Rio, ele criou cartazes com fotos de homens comuns posando de garotos-propaganda do Museu do Homem do Nordeste, no Recife.
"Minha impressão é que Verger se lançou no transe que é atravessar esse povo e se apaixonar por ele", diz Andrade. "Existe uma espontaneidade no dia a dia, um magnetismo. E isso pode ser lido como erotismo."
Radical, próximo Panorama da Arte Brasileira no MAM terá só seis artistas por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Radical, próximo Panorama da Arte Brasileira no MAM terá só seis artistas
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo, Caderno Ilustrada, em em 11 de fevereiro de 2015.
Um cruzamento de tempos históricos está na base do próximo Panorama da Arte Brasileira. Obras de seis artistas e uma seleção de artefatos arqueológicos de 7.000 anos atrás vão compor esta que promete ser uma das mais radicais encarnações da mostra que chega em outubro à sua 34ª edição no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Depois de dizer que os artistas brasileiros são "em geral desligados, desatentos e despolitizados", a crítica e historiadora Aracy Amaral, que já esteve à frente de uma edição do Panorama há 16 anos, agora assume o comando da mostra com uma seleção de nomes que ela considera "telúricos", ou seja, com uma conexão profunda com a terra.
Nesse sentido, trabalhos de Berna Reale, Cao Guimarães, Cildo Meireles, Erika Verzutti, Miguel Rio Branco e Pitágoras Lopes Gonçalves vão gravitar em torno de 20 a 30 esculturas encontradas em sambaquis, amontoados de conchas erguidos por povos primitivos ao longo do litoral sul do país e em parte da costa uruguaia.
Descontadas as peças de anônimos, que virão de museus de arqueologia e etnologia da região, este será o Panorama com o menor número de artistas em toda a história da mostra, que começou em 1969 com a ideia de ser uma vitrine da arte contemporânea emergente do país.
Amaral, que trabalha ao lado do curador-adjunto Paulo Miyada, tenta estabelecer na mostra uma leitura alternativa da genealogia da criação plástica no país, descartando a aproximação do Brasil com a arte europeia e fundando, de forma alegórica, um novo mito de origem para a identidade artística nacional.
Ela conta que já havia mostrado essas peças, em geral pequenas esculturas em basalto na forma de peixes e aves, numa edição da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, há quatro anos. Agora, ela retorna aos artefatos, "de um refinamento plástico incrível", para estruturar um diálogo com a produção atual.
"É uma especulação poética sobre o território", diz Amaral. "Busquei artistas que tivessem uma relação com a terra, com essas vivências acumuladas, e com a problemática da memória, da modernidade, da permanência. Temos de refletir sobre o que somos."
Nesse ponto, o projeto à primeira vista ousado de Amaral parece abrir ao mesmo tempo uma brecha para a inclusão de nomes mais politizados -Cildo Meireles e Berna Reale- e artistas que dialogam com o universo naïf -Erika Verzutti e Pitágoras Lopes Gonçalves.
Também está em sintonia com a principal tendência das últimas grandes mostras, da Documenta, em Kassel, na Alemanha, às últimas edições da Bienal de Veneza e da Bienal de São Paulo, que vêm confrontando obras de artistas consagrados com artefatos históricos e indígenas.
"Existe uma contaminação com o popular na obra dos nossos artistas mais avançados", diz Amaral. "É o problema da memória tratado de forma delirante."
Ou "absurda". Na opinião de Miyada, a mostra vai refletir a busca por novas origens da arte do país, trazendo como raiz algo pré-colonial.
fevereiro 12, 2015
Tomie Ohtake, grande dama da arte nacional, morre aos 101 anos em SP por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Tomie Ohtake, grande dama da arte nacional, morre aos 101 anos em SP
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo, Caderno Ilustrada, em em 12 de fevereiro de 2015.
Morreu a artista plástica Tomie Ohtake. Ela estava internada havia mais de uma semana por causa de uma pneumonia no hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde chegou a sofrer uma parada cardíaca depois de aspirar líquido gástrico e respirava desde terça (10) com a ajuda de aparelhos. Uma das figuras mais relevantes da história da arte brasileira, conhecida como a grande dama da pintura nacional, Tomie tinha 101 anos.
Seu corpo será velado no Instituto Tomie Ohtake, centro cultural na zona oeste de São Paulo, das 8h às 14h desta sexta (13), em evento aberto ao público. Ela será cremada em cerimônia fechada para a família também nesta sexta.
Entre o gesto e a geometria, a artista criou ao longo de seis décadas de carreira um vocabulário único, calcado na relação entre a forma e a cor. Ela despontou na cena artística do país nos anos 1960, trilhando um caminho independente no momento em que o abstracionismo geométrico chegava a seu auge.
Veja galerias de imagens no site da Folha
Tomie, que nasceu em Kyoto, no Japão, e se mudou para São Paulo em 1936, começou a pintar nos anos 1950, quando ainda seguia o estilo figurativo em voga entre outros artistas imigrantes reunidos no grupo Seibi, que tentava escapar aos rigores da arte acadêmica, embora permanecesse fiel a gêneros clássicos na pintura.
Logo depois, em meados da década de 1950, ela deu início à exploração da cor e da geometria. Mário Pedrosa, mais influente crítico de arte daquela época, reconheceu nos traços da artista ecos do projeto construtivo que via surgir entre os artistas concretos em São Paulo e, mais tarde, entre os neoconcretistas no Rio.
Tomie, em sua última entrevista à Folha, em novembro de 2013, lembrou que à época tentaram encaixar sua obra na vertente concretista, mas ela nunca entrou para o movimento. "Sempre desenhei curvas e retas, mas faço tudo com a mão, então não fica perfeito", disse. "Gosto de fazer formas livres."
De fato, mesmo em suas composições mais geometrizantes, Tomie mantinha os acasos do gesto, formas fluidas que às vezes se diluem no espaço ao redor ou sobressaem com força em meio aos redemoinhos de cor.
Nos anos definitivos de sua carreira, ao longo da década de 1960, a artista realizou o maior número de experimentos e reflexões sobre o comportamento das formas num plano. Algumas composições lembram a obra do expressionista abstrato Mark Rothko, um dos maiores nomes do cenário norte-americano, com campos de cor que parecem vibrar sobre o plano da tela.
Embora esse efeito de vibração tenha aparecido na obra de Tomie só duas décadas depois, sua destreza no traço já era evidente na gênese de seu projeto plástico, com formas homogêneas e chapadas construídas com pinceladas que cobriam toda a superfície do quadro.
Também no início dos anos 1960, a artista realizou uma de suas séries mais célebres, as "Pinturas Cegas", telas que pintou vendada, numa crítica ao racionalismo exacerbado então em voga. Em 1961, Tomie também participou da Bienal de São Paulo pela primeira vez, tendo voltado ao evento outras sete vezes, sendo a última delas a edição de 1998, organizada por Paulo Herkenhoff.
O crítico que hoje dirige o Museu de Arte do Rio ainda é um dos maiores entusiastas da obra de Ohtake. Revendo a trajetória artística da artista, ele estabeleceu um vínculo entre as telas cegas e os círculos que surgiram na última década do trabalho da artista, uma alusão ao zen-budismo que se dá, em seu processo criativo, como uma forma de "vivenciar a própria imperfeição".
Esse elemento recorrente na obra da artista, que ela associava à sensação de paz, muitas vezes surge nos quadros como traço definidor, uma arquitetura frágil que se impõe sobre o caos ao redor.
Depois de abrandar sua obsessão pelos tons frios que marcaram o início da carreira e ampliar sua paleta para tons mais alegres, Tomie passou a criar, nos anos 1980 e 1990, composições calcadas no efeito de vibração.
Tomie também se destacou no campo da escultura, criando formas monumentais que em muitos aspectos lembram o traço fluido da caligrafia japonesa. Sua obra ocupa pontos fulcrais da geografia paulistana, como a empena cega de um prédio no Anhangabaú, a estação Consolação do metrô e a entrada do aeroporto internacional de Guarulhos.
Nos últimos anos de sua vida, Tomie seguiu trabalhando. Seu ateliê, uma parte da casa onde vivia projetada pelo filho Ruy Ohtake, seguiu atulhado de peças inéditas até a abertura de sua última exposição no centro cultural que leva seu nome em novembro de 2013.
"Nunca pensei que estaria viva aos cem anos, mas essa idade chegou sem que eu sentisse nada", disse a artista, há dois anos. "Só sei que gosto muito de trabalhar e fico feliz pintando."
Além de Ruy, Tomie deixa o filho Ricardo Ohtake, diretor do centro cultural que leva o nome da artista, e dois netos.
fevereiro 9, 2015
Incertezas e catástrofes vão orientar a próxima edição da Bienal de São Paulo por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Incertezas e catástrofes vão orientar a próxima edição da Bienal de São Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo, Caderno Ilustrada, em em 4 de fevereiro de 2015.
Jochen Volz quer medir o imensurável. Não importa se o mundo explodir atingido por um cometa ou se for sugado para dentro de um buraco negro -a única certeza do curador da próxima Bienal de São Paulo é que a incerteza vai presidir o futuro próximo.
Em tom resignado, e com frieza germânica, o alemão à frente da mostra que começa em setembro do ano que vem traça o diagnóstico de um planeta em autodestruição, atravessado por crises na ética e na política e pela devastação ambiental como um dos pontos de partida de sua mostra.
Mas faltando mais de um ano para a abertura do evento, o tema "medidas da incerteza" soa menos como conceito e mais como óbvia constatação de quem acaba de assumir o comando de uma das maiores exposições de arte contemporânea do mundo.
Volz, que se divide entre Londres e Belo Horizonte, já foi um dos curadores do Instituto Inhotim, no interior de Minas Gerais, e dirige agora a Serpentine, na capital britânica, um dos espaços artísticos mais relevantes do mundo. Também está à frente da retrospectiva da sérvia Marina Abramovic, que abre no mês que vem no Sesc Pompeia.
Mas sua edição da Bienal de São Paulo, orçada em R$ 29 milhões e que terá como curadores-adjuntos a sul-africana Gabi Ngcobo, a brasileira Júlia Rebouças e o dinamarquês Lars Bang Larsen, ainda parece longe de tomar forma.
Tem ecos com temas explorados por bienais recentes -catástrofes climáticas orientaram a última Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, e a destruição do planeta pelo homem na atual era geológica, conhecida como antropoceno, foi assunto da Bienal de Taipé, no ano passado.
Também soa como o oposto do que Volz tentou fazer na Bienal de Veneza de seis anos atrás, que ele organizou com o sueco Daniel Birnbaum. À época, sua mostra falava em construir novos mundos, enquanto agora Volz reconhece a entropia -e a sensação melancólica de fim do mundo- como um leitmotiv central.
"É um índice do fracasso", diz Volz, em português, na primeira entrevista coletiva para anunciar a mostra. "A entropia determina a proximidade de um sistema de seu ponto de equilíbrio, descreve a perda de informação, indicando maior probabilidade de comportamentos inesperados quando buscamos a estabilidade como baluarte. É o fim do mundo como nós o conhecemos."
Ou seja, a mostra de Volz, pautada por palavras chave como subjetividade, fantasmas, sinergia, ecologia e medo, parece, à primeira vista, refletir o esgotamento de assuntos a serem tratados por uma bienal em tempos de crise econômica e energética e em paralelo à proliferação de mostras do tipo pelo mundo.
É como se na saturação do calendário artístico, com feiras e bienais que se espelham em cada canto do globo terrestre, surgisse um anseio por uma espécie de tábula rasa, a vontade de implodir as certezas em busca de um frescor cada vez mais difícil de atingir.
São esforços que ficam a meio caminho entre o surgimento de um novo universo criativo e o retorno nostálgico a estruturas do passado como fonte de novidade, o que explica o fetiche pela ruína que contamina a arte contemporânea e que deve pautar também a próxima Bienal.
Mas Volz também aponta para novos caminhos, adiantando que muitas das obras serão inéditas e que uma parte delas será exposta on-line, indo além do pavilhão do parque Ibirapuera.
Nenhum artista foi mencionado na primeira apresentação da Bienal, mas Volz deu a entender que a presença de brasileiros, entre eles nomes históricos, será grande, o que deve satisfazer galeristas infelizes com a última edição da mostra, organizada pelo britânico Charles Esche, que priorizou nomes periféricos.
"No Brasil, acasos e incertezas são muito presentes", diz Volz. "Mais do que uma mercadoria, a arte pode alargar horizontes. Vou trabalhar com artistas que abalam e destroem aquilo que se dá como certo, aceitam o ambíguo. Na arte, tudo bem não saber."
fevereiro 8, 2015
Medidas da Incerteza' é o tema da 32.ª Bienal de São Paulo, em 2016 por Camila Molina, Estado de S. Paulo
Medidas da Incerteza' é o tema da 32.ª Bienal de São Paulo, em 2016
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo, Caderno Cultura, em 4 de fevereiro de 2015.
Curador alemão Jochen Volz apresentou seu projeto inicial para a mostra e parte da equipe que vai desenvolver sua proposta baseada em questionamentos sobre o presente
"Medidas da Incerteza" é o título provisório da 32.ª Bienal de São Paulo, marcada para ocorrer em 2016. Na manhã desta quarta-feira, 4, o alemão Jochen Volz, curador responsável pela edição, apresentou para a imprensa as linhas iniciais de seu projeto para a exposição, ou melhor, o esboço temático que dará a base para desenvolver a mostra. Como lembrou o historiador de arte, vivemos já na época definida como a do "Antropoceno", no primeiro século em que se falou da possibilidade de as ações do próprio homem desencadear a extinção da espécie humana. Ideias em torno de desordem e equilíbrio, ecologia e medo, mudanças climáticas, inteligência coletiva, fantasmas, sinergia e subjetividade foram citadas como gatilhos para a concepção da mostra.
O curador convidado elogiou o privilégio de ter quase dois anos para desenvolver seu projeto para a 32.ª Bienal de São Paulo e anunciou, por ora, os cocuradores que já integram sua equipe, a brasileira Júlia Rebouças (sua colega no Instituto Inhotim, em Minas Gerais, do qual Jochen Volz foi diretor artístico entre 2005 e 2012); a sul-africana Gabi Ngcobo; e o dinamarquês Lars Bang Larsen. "Outros serão confirmados ao longo do processo", afirmou o alemão. Com larga experiência no Brasil, Volz também foi um dos curadores da 27.ª Bienal de São Paulo, em 2006, que teve direção artística de Lisette Lagnado, e da 53.ª Bienal de Arte de Veneza, em 2009, ao lado de Daniel Birnbaum.
Jochen Volz, atualmente, diretor de programação da Serpentine Galleries em Londres (com compromissos na instituição inglesa até junho, conta), concorda que o tema escolhido para a 32.ª Bienal seja muito amplo, mas rechaçou que trazer questões como a ameaça do fim do mundo para o conceito da mostra indique algum "ponto de vista negativo". "Apontar e aprender a lidar com a incerteza é mais interessante", disse. Sem citar artistas, afirmou que há no Brasil criadores que desde as décadas de 1950 e 60 trabalham na questão "da medida e do acaso" e que seu sonho é colocar nomes históricos na exposição.
Na apresentação, ainda, o curador destacou algumas características que da edição, como a interdisciplinaridade e "a ênfase em trabalhos novos". "Muitos projetos serão executados nos local, alguns deles de forma coletiva", definiu no texto produzido para a apresentação. A realização de seminários públicos ao longo de 2016 para que se possa discutir "aspectos chaves do projeto global" - entre eles, por exemplo, arquitetura e urbanismo, experimentos radicais de educação, citou - e a vontade de "testar" obras online estão na proposta curatorial. Residências e bolsas no Brasil e no exterior para os participantes também foram citadas.
O presidente da Fundação Bienal de São Paulo, Luis Terepins, afirmou que o orçamento da instituição para 2015 e 2016 será de R$ 34 milhões, calculando que R$ 29milhões serão destinados ao projeto da 32.ª edição. "Na reforma estatutária, pela primeira vez criamos um comitê de captação de recursos", disse na coletiva. Segundo o empresário, em seu segundo mandato à frente da instituição, o recente desligamento de Stela Barbieri da coordenação do educativo da Bienal (desde a 29.ª Bienal) foi uma escolha da própria artista e educadora. Sobre a exposição do Pavilhão Brasil na próxima Bienal de Veneza, em maio, produzida pela entidade, contou que o compromisso da Funarte para a representação nacional no evento é de R$ 600 mil. Para este ano, os curadores Luiz Camillo Osorio e Cauê Alves escolheram como representantes oficiais do País os artistas Antonio Manuel, Berna Reale e André Komatsu.
fevereiro 4, 2015
Em 'rolezinhos' da arte, ativistas negros vão em grupo a vernissages por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Em 'rolezinhos' da arte, ativistas negros vão em grupo a vernissages
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 3 de fevereiro de 2015.
Num canto da galeria, alguém perguntava baixinho que turma era aquela, em referência aos 25 negros que ocupavam em massa o pequeno e branquíssimo espaço da Millan, em São Paulo.
Na semana passada, durante a abertura de uma exposição do artista Afonso Tostes, que em seu trabalho discute escravidão, entre outros assuntos, a casa da Vila Madalena virou cenário de uma performance ao mesmo tempo silenciosa e desestabilizadora.
Eles chegam um a um, até de repente se tornarem mais numerosos do que o público habitual –em grande parte branco– dos vernissages. São artistas, ativistas e escritores todos negros que formam o elenco dessas ações batizadas de "Presença Negra", lembrando a tática de guerrilha dos "rolezinhos" que tomaram a cidade no ano passado.
"Só estar lá já é muito para a gente", diz o artista Peter de Brito, um dos idealizadores da performance. "Existe uma dificuldade de olhar para a gente, rola um constrangimento", completa Moisés Patrício, também autor da ação.
Na galeria, diante de ferramentas que tiveram seus cabos torneados na forma de ossos humanos, o grupo não levantava a voz, nem fazia nada para chamar a atenção, mas era alvo de olhares insistentes e ficava isolado dos outros visitantes da mostra.
"Senti os olhares, mas talvez seja pelo meu turbante ou o cabelão crespão", diz Tula Pilar, que participava da ação. "Não me incomoda porque estou acostumada, mas, como eles não convivem com a gente, isso tem um impacto."
Talvez porque na Millan, fora os participantes da ação e de dois convidados do artista, os únicos negros eram seguranças. Na arte contemporânea do país, essa ausência negra é ainda mais explícita –quase não há negros no elenco das galerias e eles costumam passar longe de mostras como a Bienal de São Paulo.
No Brasil, segundo o último censo, 7,6% da população se declara preta e 43,1%, parda.
"Na realidade, a arte continua na mão de uma elite", diz Emanoel Araujo, diretor do Museu Afro Brasil. "O fato é que ser negro já é falar de raça e de sua participação numa sociedade que discrimina."
'GENTE ESTRANHA'
Tanto que Brito e Patrício, na escolha dos alvos da performance, preferem as galerias mais poderosas do país, tentando aumentar a visibilidade de artistas negros para os olhos dos que comandam a indústria e formam opinião.
Desde outubro do ano passado, as ações do grupo já ocorreram na sede paulistana da galeria britânica White Cube, durante a abertura da mostra do artista Damien Hirst, e em casas como Luisa Strina, Mendes Wood DM e Millan.
André Millan, dono da casa que leva seu sobrenome, estava na abertura e viu o ato. "Não percebi que era uma performance", diz. "Mas a galeria é aberta a todos, são todos bem-vindos. Achei beleza."
Mas a equipe das galerias costuma perguntar se eles são estrangeiros ou de quem são convidados. Numa ocasião, Patrício diz que viu uma funcionária orientar um fotógrafo de coluna social a não retratar "aquela gente estranha".
Mas quando são retratados, acabam aparecendo com um viés exótico. "No meio da galera toda branca, eu chamo a atenção", diz Kleber Rogério, um rapaz negro vestido com uma camisa estampada vinda do Senegal. "Quase me cegam com flashes quando chego."
Com ou sem flash, a ideia é romper o silêncio. "Essa segregação, como tudo no Brasil, é uma coisa velada", diz o artista –também negro– Sidney Amaral. "É importante dar visibilidade às pessoas que tentam se colocar no mercado."
Lilia Moritz Schwarcz, antropóloga que organizou uma mostra sobre a representação das raças na arte do país ao lado de Adriano Pedrosa, no Instituto Tomie Ohtake, no ano passado, conta que um dos curiosos elogios que recebeu pela exposição é que seu público tinha muitos negros.
"É um fato que pessoas negras convivendo num mesmo lugar chama a atenção", diz Moritz Schwarcz. "Isso ilustra a modalidade de racismo silencioso e perverso que nós praticamos no país."
Ministro da Cultura: 'A Lei Rouanet é prejudicial' por Julio Maria, Estado de S. Paulo
Ministro da Cultura: 'A Lei Rouanet é prejudicial'
Entrevista exclusiva do ministro da Cultura Juca Ferreira para Julio Maria originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 29 de janeiro de 2015.
Para Juca Ferreira, empresários e artistas têm consciência de que a lei 'já deu o que tinha que dar'
O ministro da Cultura Juca Ferreira recebeu o Estado na tarde de quinta (29), na sede de sua assessoria de imprensa, em São Paulo, para a primeira entrevista desde a posse, no início do mês. Juca anunciou o novo diretor da Funarte, Francisco Bosco, filho do compositor João Bosco, e disse que pretende reformar e dar atenção à instituição que não deu em sua primeira gestão no MinC. Falou ainda das supostas irregularidades relacionadas à Cinemateca, levantadas por Marta Suplicy, sua antecessora, e do papel da rede Fora do Eixo, que, sim, vai participar de sua gestão.
Pior que assumir um ministério que recebe historicamente tão pouco deve ser assumi-lo em um momento de crise.
Esse é um drama da Cultura. A parcela que nos cabe é muito pequena. Tem uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) tramitando que garantiria 2% do total (do orçamento da União). Ela não é inflacionária na medida em que parte do total do orçamento e garante um mínimo para as demandas culturais da população.
Só a PEC salva a Cultura?
Não, acho que o governo pode desenvolver uma reflexão, redividir o bolo orçamentário com mais recursos. O prefeito (de São Paulo) vem fazendo isso. Prometeu chegar a 2%, chegamos a 1,7%. Mas, em geral, no Brasil, os orçamentos da Cultura são muito baixos
O que o levou a Francisco Bosco para dirigir a Funarte?
É um jovem intelectual, que tem uma intervenção sistemática sobre as artes. E minha ideia agora é assumir a responsabilidade de acompanhar de perto o fortalecimento da Funarte. Quero completar a escolha dele com uma comissão que vai fazer um diagnóstico sobre a Funarte e desenvolver um processo público de reflexão. A Funarte foi a principal instituição de Cultura no período da redemocratização, em torno de 1980, e foi perdendo o vigor, a vitalidade. Chegou a hora de a gente ter coragem de fazer uma remodelagem na instituição.
Quando o sr. fala em novamente abrir um debate não acaba atrasando a realização de um processo?
É da natureza da democracia, é mais lenta, mas é mais sólida. É quando você tem a participação da sociedade, e desenvolve a reflexão, todos os interesses convergem para um mesmo ponto e você é capaz de encontrar soluções. Demora um pouco mais. O projeto de modernização do direito autoral, discutimos seis anos. A reforma da Lei Rouanet discutimos oito anos. Mas, ao mesmo tempo, está tão sólida que ninguém consegue retroceder ao ponto anterior.
A pauta do MinC é a velha pauta de sempre: pontos de Cultura, Lei Rouanet, reforma do Ecad... Como, enfim, fechar o ciclo e fazer essas coisas funcionarem de fato? O senhor tem quatro anos.
É planejamento, participação do mundo cultural e da sociedade, criar-se uma base técnica para isso. E captação de recurso, melhoria do orçamento. O segredo não está aí, está em primeiro montar uma boa equipe, que é minha preocupação agora, e depois construir esses processos que vão redundar nas ações.
A nova Lei Rouanet sai?
Acho que sim. A maioria dos parlamentares no Brasil vem de Estados que são prejudicados por esse estágio atual da lei. Então, dos mais à esquerda aos mais à direita, eles sabem que a lei é concentradora e prejudicial. Tenho grande expectativa para essa mudança. A maior estrutura do ministério está voltada para atender às demandas da Lei Rouanet. Aí, os departamentos de marketing escolhem os que querem financiar (os projetos). As pessoas ficam com o certificado de que podem receber o benefício, mas ele não chega. Apenas em torno de 20% do total de projetos aprovados são escolhidos. E quem é escolhido? Quem pode dar retorno de marketing para as empresas. E a segunda grande discussão em torno da lei: trata-se de 100% de dinheiro público. É uma parceria público-privada que o público entra com o dinheiro e o privado define quem vai ser escolhido.
O senhor sabe que, para mudá-la, vai mexer com grandes empresas, lobby de artistas influentes...
Sim, mas parte deles já tem consciência de que a Lei Rouanet já deu o que tinha que dar. Sou favorável à parceria público-privada, mas é importante que a área privada coloque alguma coisa aí. Quando só o Estado bota dinheiro e ainda delega para os empresários, quem merece ganhar o apoio, acho que é uma distorção gigantesca. Há uma concentração de benefícios em duas cidades (São Paulo e Rio) e, o que é pior de tudo e o que pouca gente sabe: 80% do dinheiro que o governo brasileiro tem para aplicar e para fomentar cultura e arte sai sob esse mecanismo.
O senhor falou no discurso de posse em recuperar processos em pontos embrionários.
Sim, eles são muitos. A modernização do direito autoral, a lei Pró-cultura, que substitui a Rouanet. Há também os Pontos de Cultura. Estávamos iniciando uma experiência bastante reconhecida de sua importância, que perdeu força nesses últimos quatro anos. Precisamos também retomar a Cinemateca, que tem uma responsabilidade enorme.
O sr. fala também em criar uma Política Nacional das Artes, um nome pomposo, quase uma promessa.
A expectativa da minha volta ao ministério foi enorme, foi uma das posses mais concorridas. As manifestações de expectativas positivas são grandes. O que estou dizendo não é promessa, é compromisso. Vamos desenvolver uma política das artes no Brasil, reconhecendo até que na primeira vez em que passei pelo ministério poderia ter crescido mais nas áreas das artes. Estou dizendo que, agora, será prioridade.
O senhor reconhece que falhou nessas áreas?
Reconheço. A Funarte vem vivendo um processo de enfraquecimento, de perda de consistência, de perda de importância. É preciso recuperar isso com uma reestruturação.
O senhor falou da expectativa, da aprovação a seu nome. Mas houve também o episódio Marta Suplicy, dizendo que o senhor havia cometido inúmeros desmandos.
Faz parte da democracia. Nem Jesus Cristo conseguiu unanimidade, imagina se eu penso que isso é possível comigo?
Mas ali não se tratou só de opinião. Marta enviou documentos à CGU (Controladoria Geral da União) fazendo acusações sérias com relação aos gastos da Sociedade Amigos da Cinemateca. Auditorias falam em falta de licitação irregular.
Você já leu? Ela fez ilações, não disse o que era. Quando vai olhar o que é, vai ver: “Comprar o acervo de Glauber Rocha sem licitação”. É possível fazer uma licitação da compra da obra de um determinado autor que é singular? O preço que nós compramos é tão barato que é menor do que o preço que é disponibilizado para um filme.
Mas os documentos de Marta falam mais: “Cobrança de taxa irregular para administrar projetos, superfaturamento de materiais comprados sem licitação”.
Isso, a CGU está examinando. Vamos esperar, vamos ver o que ela vai dizer.
O senhor vai trabalhar com o Fora do Eixo em seu ministério?
O Fora do Eixo é uma das redes que surgiu no Brasil, talvez a mais ampla, mais influente, que conseguiu cumprir um papel. Esse conflito entre a imprensa e o Fora do Eixo tem origem em um programa, o Roda Viva, quando dois participantes fizeram sérias críticas à imprensa, à falta da democracia, à editorialização da notícia. E eles foram absolutamente vitoriosos. A sensação que me deu em casa era de que o hoje dialogava com o anteontem. Acho que a imprensa tem que ser generosa, tratar seus críticos com respeito. Não podem criminalizar seus críticos.
O senhor acha que esse é o problema? Há outras questões sérias que vieram à tona envolvendo o Fora do Eixo...
Mas deixa eu terminar o raciocínio. Não sou advogado do Fora do Eixo, talvez você pudesse fazer essa entrevista diretamente com eles. Mas há um clima de caça às bruxas com o qual a imprensa hoje trata essa rede social. Eu lido com todas as redes, reconheço nelas uma novidade no Brasil. Elas cumprem um papel de multiplicação de vozes, um modelo quase inverso ao da imprensa. Na imprensa são poucos falando para muitos e as redes têm a polifonia como estrutura básica. Meu espectro é amplo. Vocês podem trabalhar com um projeto reducionista, eu tenho a obrigação de trabalhar o conjunto da sociedade brasileira.