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fevereiro 23, 2014
Editorial: O mundo como museu por Paula Alzugaray, Select
O mundo como museu
Editorial de Paula Alzugaray originalmente publicado na revista Select #16 em 10 de fevereiro de 2014.
Nas bancas, polêmicas em torno do Estatuto dos Museus, uma entrevista com Diretor do MoMA-NY, novos conceitos de museus e 100 anos de Lina Bo Bardi
Ao chegar no Brasil em 1946 e ser convidada a projetar um museu de arte em São Paulo, Lina Bo Bardi, impregnada pela paisagem tropical, afirmou: “Os museus novos devem abrir suas portas, deixar entrar o ar puro, a luz”. Em cada um dos museus que projetou no País, revisitados nesta edição por Lisette Lagnado, Lina Bo reinventava as funções e as relações dos edifícios com os seus meios, abrindo-os para o mundo, sempre em busca do frescor da experiência. Assim como o escritor e político francês André Malraux havia idealizado o Museu sem Paredes em 1935.
Dos projetos de Lina aos textos de Malraux, a função do museu vem sendo continuamente revista. Em alguns dos programas institucionais mais interessantes que temos hoje, o discurso unidirecional foi adequado em diálogos bidirecionais; a visão compartilhada superou a visão singular; a função de proteção foi relativizada pela de acolhimento. Pilotado por Giselle Beiguelman, o Mundo Codificado elucida, em linhas curtas e grossas, o que está mudando em termos de prioridades, estratégias de gestão e comunicação dos museus contemporâneos.
“Os museus devem ser o pivô, o ponto de articulação entre passado e futuro”, diz Glenn Lowry a Marcos Augusto Gonçalves. O diretor do MoMA-NY afirma que, por um lado, os melhores museus estão sempre procurando aperfeiçoar suas coleções, buscando adquirir trabalhos icônicos e importantes do ponto de vista histórico e critico. Mas, por outro, afirma categoricamente que a função de um museu não é só colecionar, mas estabelecer canais de comunicação com a comunidade de artistas emergentes, instituindo-se como plataforma de experimentação.
Com o respeito que uma importante instituição como o MoMA merece, para os brasileiros não é exatamente uma novidade que um museu seja lugar de trocas de conhecimento e comunicação. Entendemos o museu como observatório do mundo desde que Walter Zanini dirigiu o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), entre 1963 e 1978. A gestão vanguardista do MAC-USP está revista na exposição Por um Museu Público: Tributo a Walter Zanini, aqui resenhada pela repórter Luciana Pareja Norbiato.
Mas os argumentos de Glenn Lowry na entrevista exclusiva concedida à seLecT nos são de imensa utilidade em um momento em que o sistema de arte brasileiro se inflama com o recém-publicado Estatuto de Museus – discussão levantada na reportagem Decreto-Confusão, conduzida por Márion Strecker. Em seu afã e know-how colecionista, o MoMA tem como questão crucial a delimitação de seus critérios de escolha. “A questão mais interessante é a conceitual. Quais os parâmetros a considerar?”, indaga Lowry. A mesma dúvida caberia ao IBRAM. O que o Brasil deve colecionar? O que deve se comprometer a preservar? E quem deve responder por essas estratégias?
Cildo Meireles revê seus 50 anos de arte política e poética por Audrey Furlaneto, O Globo
Cildo Meireles revê seus 50 anos de arte política e poética
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no jornal O Globo em 22 de fevereiro de 2014.
Depois de ter retrospectivas nos museus Reina Sofía e Serralves em 2013, artista que é tido como um dos principais do país ganha livro sobre sua obra
RIO - São dez da manhã da última quinta-feira, e Cildo Meireles busca carimbos numa das muitas estantes de seu ateliê, uma casa de pé-direito alto onde trabalha há 13 anos, em Botafogo. Ele volta à imensa mesa e, entre uma confusão de recortes, livros, e-mails impressos e documentos, distribui cédulas de R$ 2, R$ 5 e R$ 10. Começa a marcar as notas com os carimbos de perguntas: “Cadê Amarildo?” ou “Por que Toninho do PT foi assassinado?”. Naquela ação que executa de forma tão natural, o artista prolonga um gesto antigo, de 1975, quando, pela primeira vez, carimbou uma cédula — então de cruzeiro — com uma provocação à ditadura: “Quem matou Herzog?”.
Aos 66 anos, o artista tricolor, pai de dois botafoguenses, casado, ex-fumante (desde que pôs cinco pontes de safena, em 2012), vez ou outra carimba algumas cédulas de real (estas com questões perturbadoras mais recentes) e as usa para comprar algo em lojas perto de casa, também em Botafogo, vizinha ao ateliê — para onde vai a pé diariamente, com suas habituais sandálias e bermudas.
— Tenho ojeriza por arte panfletária. Mas em última análise qualquer trabalho é político — afirma o artista.
A instância política, de fato, permeia sua obra e, por consequência, o livro que revê seus 50 anos de carreira. “Cildo Meireles”, coeditado pela Cosac Naify e pela Fundação Serralves, chega às livrarias em 10 de março e reproduz obras desde meados dos anos 1960 até 2013, quando o artista ganhou retrospectivas nos museus Reina Sofía, na Espanha, e Serralves, em Portugal. Também em março, a partir do dia 26, ele abre uma individual em Milão, no Hangar Bicocca, com 12 instalações.
Distante dos museus do país
Primeiro artista brasileiro a ganhar uma individual na Tate Modern, em Londres (em 2008), e um dos primeiros a expor no MoMA, em Nova York (em 1970), Cildo começou sua trajetória no desenho, quando ainda criança se mudou do Rio para Brasília e passou a estudar com o pintor peruano Félix Barrenechea. Nos anos 1970, de volta ao Rio, passou às “Inserções em circuitos ideológicos” (como as cédulas carimbadas ou as célebres garrafas de Coca-Cola com textos como “Yankees go home!”) e, em seguida, às instalações. Uma das primeiras é “Desvio para o vermelho”, planejada em 1970 e montada pela primeira vez só em 1984 (no Museu de Arte Moderna do Rio). Muitos de seus projetos demoram para sair do papel ou são perenes.
Não tardou para que críticos e curadores o cotassem como um dos principais artistas do país. Cildo ganhou projeção internacional — ainda nos anos 1970, participou da Bienal de Veneza e, depois, de edições da Bienal de São Paulo e da Documenta de Kassel. Aqui, porém, exposições institucionais de suas obras são raridade. Se em São Paulo ele encerra hoje a mostra de uma instalação no Centro Universitário Maria Antonia, em que distorce a arquitetura de uma sala, no Rio sua última grande exibição foi em 2005 — com desenhos, no CCBB. Já suas instalações, que são seu trabalho mais significativo, ganharam uma exposição na cidade há quase 15 anos, no MAM.
— Quando foi a última mostra que fiz aqui? Nem me lembro — diz Cildo, que tem o mesmo assistente, Rubens, desde os anos 1990. — Uma vez, conversando com o (artista americano) Chris Burden, perguntei por que ele não mostrava no Brasil. Ele falou: “Porque não me convidam”. É um pouco por aí. Não me convidam. São Paulo tem mais lugares e mais recursos. Aqui no Rio você tem o quê? CCBB... (“O MAM?”, pergunta a repórter). O MAM, poxa... Minha relação com o MAM é sentimental, não pode ser levada a sério (ele foi um dos fundadores da Unidade Experimental do museu, em 1969). O MAM não tem recursos, anda sempre de pires na mão e raramente pinga alguma coisa substantiva, que dê para montar um programa de fato.
Boa parte das obras expostas na Europa está de volta ao ateliê, mas não há previsão de elas serem vistas por aqui. Cildo diz que não procura instituições para propor mostras:
— É um pouco a história de homem e mulher: a primeira metade da vida, você passa correndo atrás de mulheres; depois, corre delas! (risos). Eu não vou buscar editais, acho até sacanagem. Esse espaço é importante para os que estão começando, se não ficam sempre os mesmos nomes, uma coisa repetitiva.
Influência para gerações seguintes
“Os que estão começando”, como diz Cildo, não escaparam de sua influência. Quando ainda era estudante de pintura, em 2000, Thiago Rocha Pitta viu a mostra do artista no MAM do Rio.
— Os trabalhos implicavam um contato corporal muito forte. Percebiam-se não só com os olhos, mas com a razão. Aquilo para mim era uma descoberta — diz Pitta, lembrando que sua primeira obra, “Abismo sobre abismo” (2001), foi influência de Cildo.
O curador e crítico Lorenzo Mammì cita Nuno Ramos, que, segundo ele, “confessa uma ascendência direta” do artista. Ele diz ainda que há “elementos da arte de Cildo em quase todos os artistas das gerações seguintes, como o uso das alegorias ou o uso estridente de materiais”.
— Cildo tem ligação muito forte com Hélio Oiticica, mas tornando o que nele era exótico algo mais sofrido. Ele trabalha sobre as falhas, fissuras, contradições, os pontos doloridos da forma. Para Cildo, a arte é uma coisa dura, às vezes incômoda, que põe o dedo na ferida. Ele tem uma habilidade particular de encontrar esse desencontro da forma e do mundo.
Cildo também não teme o desconforto em seu discurso. Aponta falhas de museus, bem como de projetos de governo, como o polêmico decreto do Ibram que permite ao instituto de museus inspecionar obras em coleções privadas (“É apenas extensão do controle do governo, os caras querem botar as patas lá”, diz). Ele conta que viu as manifestações que se alastraram pelo país como boas no início e perdidas em seguida. O que pode fazer o artista nesse contexto?
— Se esconder das balas! — diz, rindo. — E, ao mesmo tempo, não se pode fugir. Isso se impõe. É o mais perverso desse processo. Coisas que você sabe que são deploráveis acabam ocupando um tempo muito grande na vida. Em vez de usar essa energia para fazer coisas que você deveria fazer enquanto artista, pesquisar, expandir os campos de percepção e compreensão, você tem que usar para tentar entender essa grande merda que se tornou a vida cotidiana.
O crítico Frederico Morais diz que, embora Cildo seja seu melhor amigo, os dois têm “suas divergências”:
— Acho o trabalho dele político, mas ele recusa com muita veemência que sua obra nasce política. Diz que algumas tornam-se políticas, mas que ele não se propõe a fazer ação política.
Sem celular e o hábito de acessar e-mails (“Eles são abertos para mim três vezes por semana”), Cildo em alguma medida preserva do mundo prático seu ofício — que ele define poeticamente:
— A arte é uma espécie de inutilidade indispensável.
Um novo Espaço Sérgio Porto no Humaitá por Luiz Felipe Reis, O Globo
Um novo Espaço Sérgio Porto no Humaitá
Matéria de Luiz Felipe Reis originalmente publicada no jornal O Globo em 21 de fevereiro de 2014.
Orçado em R$ 19,5 milhões e previsto para 2016, projeto aprovado pela prefeitura prevê ampliação do espaço
RIO — Um dos mais emblemáticos endereços culturais da Zona Sul do Rio, o Espaço Sérgio Porto quer, precisa e vai crescer. Em meados do ano passado, um grupo formado pela diretora da residência artística do espaço (ENTRE), Daniela Amorim, pelo presidente da Associação de Moradores e Amigos do Humaitá (Amahu), Luiz Carlos Santos, e pelo arquiteto Rodrigo Azevedo elaborou um projeto de ampliação do espaço. O resultado foi entregue ao prefeito Eduardo Paes, que já deu seu aval para a proposta e determinou as primeiras medidas para a mudança. A nova Praça Cultural Sérgio Porto será entregue em 2016, quando o espaço completa 30 anos.
— A prefeitura recebeu o projeto de ampliação e apoia a iniciativa — diz o prefeito, por e-mail ao GLOBO. — Neste projeto, caberá à prefeitura viabilizar a cessão do terreno, hoje ocupado por um posto de combustível, que já foi notificado.
No último dia 3, a prefeitura apresentou uma notificação aos proprietários do posto de gasolina, que fica localizado ao lado do espaço, num terreno cedido pelo governo do estado ao município. A notificação determina a desocupação do imóvel em até um mês. Com a remoção, o terreno passará por um processo de descontaminação.
— É uma etapa que o prefeito se comprometeu a custear — conta Daniela.
Paes explica:
— O processo (de remoção) ainda não foi finalizado — diz. — Mas, a partir daí, a responsabilidade pela construção do novo equipamento não fica a cargo da prefeitura, que tem como prioridade investir nas Arenas Cariocas, nas Zonas Norte e Oeste. Os autores do projeto agora precisam apresentar a viabilidade econômica para isso.
Até agosto de 2014, o grupo traça como meta a contratação e o término dos projetos de arquitetura, assim como o início da captação de recursos para as obras, orçadas em R$ 19,5 milhões.
— A prefeitura se comprometeu com as etapas iniciais e a ajudar na captação numa parceria conjunta, podendo, até, mais à frente aportar algum recurso — diz Daniela. — Mas entendemos que é uma obra na Zona Sul, já privilegiada em em relação às zonas Norte e Oeste. A ideia é contar o mínimo possível com verba pública. Estamos elaborando um plano misto de captação, de que poderiam participar pessoas físicas, assim como empresas e bancos, e já temos interessados. É preciso que seja via patrocínio direto, porque não há lei que se enquadre nisso, não é um prédio tombado.
Assinado por Rodrigo Azevedo, o projeto da praça cultural ocupará um espaço nove vezes maior do que o atual — de 500 para 4.500 metros quadrados. Atualmente com uma sala de teatro para 130 espectadores e duas pequenas galerias, o novo Sérgio Porto terá dois espaços teatrais (330 e 150 lugares), uma sala multiuso, uma galeria de arte, duas praças públicas (no térreo e no terraço da cobertura), além de, mediateca/centro de memória do bairro, restaurante, café, livraria e bar.
— Quando começamos a gerir a programação artística aqui, em 2010, recebíamos cerca de cem pedidos por ano de produções interessadas em usar o espaço. Hoje, são cerca de 200, e não conseguimos atender nem a 10% — diz Daniela. — A demanda aumentou muito, mas, além disso, o novo projeto resolve nossos problemas estruturais.
O arquiteto vai além:
— O projeto tem tripla função: cultural, social e econômica — diz Azevedo. — A ideia é transformar um espaço de arte frequentado só em horários de espetáculo num lugar de encontro, a serviço das demandas e dos moradores do bairro.
Sala do Museu do Amanhã é inaugurada na Zona Portuária do Rio por Cristiane Cardoso, G1
Sala do Museu do Amanhã é inaugurada na Zona Portuária do Rio
Matéria de Cristiane Cardoso originalmente publicada no portal G1 em 19 de fevereiro de 2014.
Espaço estará aberto ao público de 10h às 17h a partir de quinta-feira (20). Museu tem previsão de inauguração em 1º de março de 2015.
A sala de visitação do Museu do Amanhã, no Píer Mauá, na Zona Portuária do Rio, foi inaugurada na manhã desta quarta-feira (19). A cerimônia de abertura foi realizada pela prefeitura e a pela Fundação Roberto Marinho. O espaço será aberto ao público a partir desta quinta-feira (20) e a previsão é que o museu seja inaugurado no dia 1º de março de 2015, quando a cidade completa 450 anos.
"Os museus normalmente olham para o passado e esse olha para o futuro, o amanhã que estamos construindo hoje. Nossas escolhas vão nos levar a um amanhã melhor. É uma sala que além da maquete tem muito do que vai ser essa experiência de transitar pelos diferentes momentos da própria construção desse amanhã. O museu pretende provocar essa reflexão desde já", explicou o diretor-geral da Fundação Roberto Marinho, Hugo Barreto.
Na cerimônia, estavam presentes o prefeito Eduardo Paes, o secretário municipal de Cultura, Sérgio Sá, o subsecretário de Projetos Estratégicos e Concessões de Serviços Públicos e Parcerias Público-Privadas da Cdurp, Jorge Arraes, o presidente da Fundação Roberto Marinho, José Roberto Marinho, o presidente do Santander Brasil, Jesus Zabalza, o presidente da Concessionária Porto Novo, José Renato Ponte e o curador do museu, o físico e doutor em cosmologia, Luiz Alberto Oliveira.
"É uma honra para Fundação fazer esse trabalho. Tenho muita identidade com ele, no campo ambiental estou há 30 anos e o museu vem fazer uma reflexão desse mundo que nós queremos e como queremos chegar lá. Vai passar essa ainda pela fase de como chegamos até agora", declarou José Roberto Marinho.
No centro da sala, haverá uma mesa com um jogo com questões sobre as mudanças climáticas, o uso da energia, o crescimento da população, o consumo, o crescimento das cidades e a biodiversidade, entre outros. Na inauguração, o prefeito ressaltou que o museu está sendo custeado pela iniciativa privada.
"É importante que a gente tenha ícones culturais e arquitetônicos. Aqui, além disso, temos uma reflexão do futuro, riqueza cultural e sem dúvida um significado arquitetônico. O mais difícil é as pessoas entenderem que não estamos gastando dinheiro público, estamos com uma parceria com o recurso privado, você contrata o projeto entregue, assim como a derrubada da Perimetral não usa os recursos do ISS e IPTU. Não tenho dúvida de que o Rio que nós queremos já está sendo construído aqui na Região Portuária. Não tenho dúvida que será um dos novos ícones da cidade como os Arcos da Lapa, Maracanã e Cristo Redentor", garantiu Paes.
A construção do Museu do Amanhã faz parte do conjunto de obras do Porto Maravilha, para revitalização da Zona Portuária. O projeto, orçado em R$125 milhões, será custeado pela venda dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs), sem recurso do tesouro municipal, e executado pelo Consórcio Porto Novo. O museu conta ainda com investimento de R$ 65 milhões do Banco Santander, seu patrocinador.
Tablets espalhados
Pela sala, foram espalhados ainda dez tablets com um aplicativo desenvolvido especialmente para o projeto, que estarão à disposição do público com o objetivo de aprofundar os temas explorados no jogo do centro da sala. A cada rodada de perguntas, o visitante tem acesso a um resultado que mostra a estatística das respostas de todas as pessoas que já participaram do jogo.
O público também terá a chance de conhecer e entender mais sobre a narrativa do museu por meio de um vídeo na tela central da sala, além de ver de perto a maquete do prédio concebido pelo arquiteto Santiago Calatrava. Com entrada franca, a sala vai funcionar de terça a domingo, das 10h às 17h, com uma equipe de educadores para acompanhamento de atividades para visitas escolares.
Novo MIS começa a nascer no coração de Copacabana por Arnaldo Bloch, O Globo
Novo MIS começa a nascer no coração de Copacabana
Matéria de Arnaldo Bloch originalmente publicada no jornal O Globo em 16 de fevereiro de 2014.
Na seção Logo/A página móvel, do Globo, a exótica rotina das obras do novo MIS, cujas formas espantam quem passa, os operários e até o engenheiro chefe
RIO - Quem passa hoje a pé, de carro ou de ônibus pelo grande canteiro de obras instalado na Avenida Atlântica, Praia de Copacabana, Posto 5, no terreno onde outrora funcionava a boate Help, vê um tapume gigante em degradê que, dependendo do ângulo ou da proximidade, ainda é capaz de esconder o que se passa ali, mas já começa a revelar as arestas e protuberâncias de um esqueleto irregular que, a cada dois ou três dias, assume uma forma diferente. Nas laterais do tapume, ou na visão de quem trafega pela pista da praia na direção Posto 6-Leme, essas formas podem lembrar um piano colorido, uma sanfona ou uma combinação aleatória de peças de Lego, o clássico jogo de montar que sobrevive desde os anos 1950 (quando, por sinal, Copacabana era uma espécie de centro dos sonhos mundiais de glamour e de multiculturalismo avant la lettre).
Se o observador passou por ali com uma frequência, digamos, semanal nos últimos seis meses, esse exame de perspectivas foi capaz de assumir realmente o caráter de um jogo, no qual, à medida do tempo, as mais variadas formas se apresentaram aleatoriamente aos olhos mais atentos e lúdicos, como quadros efêmeros num processo de criação. Essas visões fugitivas jamais se repetirão, e as cores dos diversos materiais da estrutura serão, um dia, cobertas por concreto, fazendo desse jogo de contemplação um passado enterrado numa memória subjetiva, parcial, pela imposição do projeto em sua forma final, inscrita, perene, numa maquete.
Enfim revelada ao público, essa forma, contudo, será tão singular quanto cada uma daquelas imagens resultantes da realização do plano do arquiteto (na verdade, a troika americana responsável pelo projeto) para o novo Museu da Imagem e do Som (MIS). Antes de sua escolha em concurso, alguém, dono de notório saber, observara que o Rio há muito perdeu sua “vontade arquitetônica”: a ousadia, o espanto, a surpresa na criação da malha de edificações da cidade teria parado em 1984, quando foi inaugurado o Sambódromo, exceção feita a um único e virtuoso repique na Cidade das Artes, um ícone do século novo cercado, porém, de acidentes de percurso e pouco visível. O desafio do novo projeto seria criar, no coração de Copacabana e com a centralidade necessária, um novo marco de modernidade capaz de carrear um conceito curatorial obcecado por uma narrativa que espelhe a criatividade carioca como fio condutor da história da cidade, que culmine com o próprio prédio na condição de conteúdo per se.
Para conduzir ao necessário espanto inovatório, os elementos da obra em questão misturam-se numa máquina de incertezas que desafia e surpreende, dia a dia, não só os operários que ali trabalham, mas os encarregados e até André Marino, o engenheiro responsável, funcionário da Fundação Roberto Marinho, que toca o projeto em parceria com o governo do estado:
— Fui enganado. Sou um engenheiro de obras pesadas. Hidrelétricas, siderúrgicas, indústrias de celulose, tudo grosseiro, grotesco. Disseram que era um museu, achei que ia deitar e rolar. Agora só me resta quebrar a cabeça.
Isso pode soar como um problema, e de fato o é. Um problema que se propõe como objeto de desejo e transformação: em vez de um único molde que se repete a cada pavimento (como na acachapante maioria dos prédios verticais, inclusive os mais elegantes da cidade), essa estranha obra necessita de 53 moldes metálicos que só servem para este prédio e para mais lugar nenhum. Alguns moldes são aplicados uma vez só, numa seção singular, única.
Para sequer tangenciar esse processo foram necessários dois anos de limbo. Pois, no princípio, era o caos. Sob os escombros da Help, um solo que parecia abrigar o epicentro da grande tempestade pantanosa profetizada por Rubem Braga em “Ai de ti, Copacabana”: quando se cavava, o terreno tinha uma rigidez que ultrapassava o ponto máximo e possível da escala; mas, quando se enfiava uma estaca, jorrava água até encher o monumental buraco no qual se pretendiam fixar as fundações.
Em alguns momentos, o projeto de uma solução parecia fadado ao fracasso, a ponto de se evocar uma possível “maldição das meninas”, referência ao mulherio dali desalojado com o fim da boate. “Help”!, rogavam arquitetos, engenheiros e peões, em trágica ironia. E assim foi até meses atrás, quando, enfim, a obra mostrou seus primeiros tentáculos, “tortos e aleijados”, como define um dos operários, entre o fascínio e o medo. Só muito recentemente os que ali trabalham puderam vislumbrar os primeiros traços na direção do fim, ou do início: pilares inclinados em V com seções elípticas; vãos livres enormes com pés-direitos altíssimos. E como evitar que tão imprevisível prédio derrube o edifício lateral, que não tem fundações? As rampas externas, expostas, exigem esforços de improvisação que assombram as noites de um velho operário encarregado:
— Só tenho sonhos à noite quando a raiva e o medo de não conseguir me dominam.
Outro descreve a rotina como quem vê a vida: “Nada é fácil. Nem o trivial.” Benedito, conhecido por Baiano, usa material de construção para forjar um triângulo que marca o compasso de um “Samba do MIS”, que vai compondo sem que se lhe solicite tamanha ode.
Dois soldadores cariocas, acostumados a metalúrgicas, explicam que só o improviso permite fixar um pilar inclinado num certo tipo de chapa que exige outra chapa de apoio. Qual o tipo de eletrodo? É possível soldar uma estrutura assim? Possível ou não, é preciso, para, um dia, dizer aos filhos, ou netos, “eu construí isso aqui”, e com eles subir as rampas dobradas que aludem ao calçadão, olhar para o panorama de Copacabana e para a maior obra de arte do mundo, o tal calçadão, “desdobrado”, de Burle Marx. Só visível em sua totalidade, até então, pelo povo capaz de frequentar um terraço de hotel ou uma cobertura residencial. E lá dentro...
Veja como roqueiros e cineastas ajudaram o MIS a ganhar uma das maiores filas de SP por Raul Juste Lores, Revista sãopaulo
Veja como roqueiros e cineastas ajudaram o MIS a ganhar uma das maiores filas de SP
Matéria de Raul Juste Lores originalmente publicada na revista sãopaulo da Folha de S. Paulo em 16 de fevereiro de 2014.
O cobrador do ônibus avisa aos passageiros: "Museu da Imagem e do Som". Ele já se acostumou a responder qual é a parada certa a visitantes de primeira viagem do MIS.
A fila para entrar na exposição aberta há 15 dias sobre o músico britânico David Bowie, digna dos piores dias de Cumbica, quase chega à esquina da avenida Europa com a rua Alemanha. Apenas 200 pessoas podem entrar por turno, nos acanhados 600 m² de área expositiva, equivalente a um quarto do Museu da Língua Portuguesa.
Camelôs vendendo água e cerveja dão um tom popular e animado a uma região de calçadas normalmente vazias, dominada por casarões de pastiche arquitetônico e concessionárias de automóveis de luxo.
O MIS é pop
Em 2009, o MIS recebeu menos de 44 mil visitantes. No ano passado, o número saltou para 257 mil —quase um terço do total para a exposição dedicada ao cineasta americano Stanley Kubrick (1928-1999).
"O Kubrick foi para o MIS o que a exposição do Rodin foi para Pinacoteca", comemora o diretor do museu desde junho de 2011, André Sturm, 47, em referência à megaexposição que marcou a transformação da Pinacoteca no principal museu de arte paulistano.
"Tanto o Kubrick quanto o Bowie viraram programas que vão além do público do MIS e do público que frequenta museus. Chegamos ao público geral, as pessoas sentem que precisam ver, apesar das filas."
Desde sábado (15), a exposição passaria a ficar aberta até a meia-noite aos sábados até seu encerramento, em 20 de abril.
Um estúdio-container preto foi instalado no vizinho Museu Brasileiro de Escultura (MuBE) para os fãs mais exaltados do roqueiro britânico poderem se esgoelar à vontade.
Dentro da estrutura, gravam canções de Bowie e compartilham um videoclipe nas redes sociais —pagando o mesmo preço da entrada, R$ 10.
No dia em que a sãopaulo visitou a exposição, fãs cantavam clássicos do cantor, como "Starman" e "The Man Who Sold The World", enquanto ouviam as músicas nos fones de ouvido distribuídos para se acompanhar a visita.
Aberto nos dias de semana até as 21h, o museu ganhou ares de balada, com um restaurante badalado nos fundos, o Chez MIS.
Uma vez por mês, mais do que parecer um clube, o espaço recebe uma festa de música eletrônica no entardecer do sábado. No fim de semana passado, 2.000 ingressos para uma balada em homenagem a David Bowie se esgotaram uma semana antes do evento. Cambistas vendiam o ingresso, que custava originalmente de R$ 7 a R$ 30, por R$ 150 na porta.
Tanto agito contrasta com o vizinho Mube, mais belo e projetado por Paulo Mendes da Rocha, mas, ao contrário do MIS, que até pouco tempo atrás era isolado por grades e hibernava.
O aumento na visitação provocado por Kubrick e Bowie se iniciou com com mostras de outros mestres.
As exposições em torno de Georges Méliès, ilusionista francês morto em 1938, e do artista chinês de vanguarda Ai Weiwei são uma virada surpreendente para uma gestão que começou de forma atribulada.
A antecessora de Sturm, Daniela Bousso, deixou o cargo após a saída de vários funcionários que a acusavam de maus-tratos, o que ela negava.
Mas, em defesa da ex-diretora da instituição, um abaixo-assinado com 600 assinaturas protestou contra a "intervenção do governo estadual", que buscaria desvalorizar a "cultura digital" exposta no museu até então.
MEMÓRIA CANAL: Abaixo-assinado SOS MIS com 1.500 assinaturas e Dossiê MIS e Paço das Artes: A morte anunciada de um modelo de gestão, com matérias e respostas de 2010 e 2011.
"Uma voz aqui ou ali ainda reclama que o MIS anda pop demais, mas acho reacionário dizer que se vai muita gente é porque se popularizou e isso é ruim", defende-se Sturm.
"Nada contra a vanguarda. Ai Weiwei é vanguarda no Brasil, não é popular, e estamos atraindo muitos jovens que nem sabiam quem eram Kubrick e Bowie", diz.
Neste ano, a verba do governo estadual para o MIS aumentou para R$ 10,5 milhões por ano, depois de alguns anos estacionada em R$ 9,5 milhões, pouco menos que o espetáculo "O Rei Leão" captou no ano passado via Lei Rouanet (R$ 11 milhões).
Mas o museu já conseguiu patrocínios e renda própria de R$ 4 milhões. "Ontem me ligaram de uma agência dizendo que querem patrocinar o MIS", afirma Sturm.
A próxima grande exposição do museu, a ser aberta em julho e que reforça a aposta na popularização do espaço, é sobre a série de TV infantil "Castelo Rá-Tim-Bum", último grande sucesso da TV Cultura, produzida entre 1994 e 1997, e reprisada por diversos anos.
"Vou levar até pedrada por colocar o 'Castelo' no MIS, mas foi um enorme sucesso do audiovisual brasileiro, que nos faz pensar nas possibilidades da TV pública", diz Sturm. "Além do 'Vila Sésamo', que era importado, quem conseguiu fazer tanto sucesso com uma produção infantil de qualidade?"
Entre outros eventos já confirmados, tem a exposição de arte digital da fundação Cifo, fundada pela bilionária família Fontanals-Cisneros para apoiar o trabalho de artistas latino-americanos. E também mostras de fotógrafos como o brasileiro Valdir Cruz e o tcheco Josef Koudelka, da agência Magnum. Um acordo com o museu londrino Victoria & Albert, de onde veio a mostra do Bowie, permitirá exibir a coleção fotográfica da instituição britânica por quatro anos, a partir de 2015.
BEM NA TELA
Sturm tem mais a comemorar. Dono do Cine Belas Artes, ele conseguiu apoio da prefeitura e patrocínio da Caixa Econômica Federal para reabrir o cinema na rua da Consolação, fechado há três anos.
Ele começou a carreira na sala do cineclube da Fundação Getúlio Vargas, onde estudou administração.
Chegou até a fazer mestrado sobre a economia da distribuição e exibição de cinema "para continuar no cineclube", sem entregar a dissertação. "Mas uso vários conceitos aprendidos até hoje." Criou a distribuidora Pandora aos 22 anos, hoje tocado pela filha —que tem 24.
"Na minha época, todo mundo queria ser cineasta ou dono de cinema. Mas o que adiantava ter um cinema sem filmes para distribuir? Naquela época, os cineclubes passavam filmes antigos", recorda.
Nos anos 80, quando o MIS tinha um público anual de 130 mil visitantes, ele também reunia boa parte da cinefilia paulistana, além de primeira sede do Festival de Curtas-Metragens de São Paulo.
Criado em 1970, passou por sedes provisórias nos Campos Elíseos e na avenida Paulista, até ganhar o prédio atual em 1975, com um acervo de gravações e de depoimentos de artistas e intelectuais como Tarsila do Amaral, Gregori Warchavchik, Sérgio Buarque de Hollanda e Gilberto Freyre.
Às vésperas dos 40 anos da sede própria, finalmente entrou no roteiro de muitos paulistanos —alguns avisados pelo cobrador do ônibus.
Editorial: Museus na fila, Folha de S. Paulo
Editorial: Museus na fila
Editorial originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo em 22 de fevereiro de 2014.
Um dos museus mais tradicionais do mundo, o Louvre, de Paris, recebe anualmente cerca de 8 milhões de visitantes. O Museu Britânico, em Londres, mais de 5 milhões. O MoMA, de Nova York, em torno de 3 milhões. São números eloquentes sobre o interesse que esse tipo de instituição suscita, com variados acervos e exposições.
Não há no Brasil nada que se aproxime desses patamares. Ainda assim, boas exibições, em especial quando não exigem em demasia do bolso, atraem público significativo –sejam elas ligadas ao universo da arte ou voltadas para temas da cultura contemporânea.
É o que se observa no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, em frente do qual se formam longas filas para a mostra sobre o músico pop David Bowie. Fenômeno semelhante ocorreu, não faz muito, com quadros impressionistas franceses no Centro Cultural Banco do Brasil, tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro.
Nem sempre, porém, os museus do país mostram-se capacitados a oferecer um calendário de eventos satisfatório. Muitos, além disso, enfrentam dificuldades para adquirir obras e preservar suas coleções.
O Masp tornou-se um caso crônico: embora seja o mais popular de São Paulo, tendo alcançado 730 mil visitantes em 2013, há anos tropeça em obstáculos administrativos e financeiros.
É lamentável que o poder público, a quem caberia criar condições mais favoráveis, se perca em iniciativas duvidosas, como o decreto nº 8.124, assinado em 2013 pela presidente Dilma Rousseff, que instituiu o Estatuto dos Museus.
Com o diploma, obras privadas passaram a ser "monitoradas" pelo Estado, que se outorgou a prioridade de comprá-las em leilões e o direito de restringir sua transferência para o exterior.
A norma provocou reações negativas entre colecionadores particulares, que, com razão, perceberam traços intervencionistas e um ânimo preconceituoso contra o mercado. Criou-se um conflito contraproducente e desnecessário. Acervos de alguns dos principais museus do mundo, entre os quais o do Masp, foram constituídos a partir de esforços privados.
Em vez de fomentar um clima de desconfiança, em seu afã de tudo regulamentar, o governo deveria criar instrumentos legais e tributários que facilitassem o desenvolvimento do mercado de arte e incentivassem a transferência voluntária de obras privadas para espaços públicos. Infelizmente, o país ainda está longe disso.
fevereiro 19, 2014
Pós-Junho de 2013 por Paula Alzugaray, IstoÉ
Pós-Junho de 2013
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista IstoÉ em 14 de fevereiro de 2014.
Primeira exposição sobre as manifestações que sacudiram o Brasil ganha lugar no MAM-SP
140 caracteres/ Museu de Arte Moderna, SP/ até 16/3
Com a exposição “140 Caracteres”, atualmente em cartaz, o MAM-SP prova que mantém suas antenas em sintonia fina. Para abrir a programação do ano da Copa e das eleições, a instituição paulista mostra 140 obras do acervo que tematizam as mobilizações sociais que tomam o país desde junho de 2013. A curadoria é coletiva: são responsáveis pelo conceito da mostra e pela seleção das obras os 20 curadores que participaram do primeiro Laboratório de Curadoria do MAM, entre março e dezembro de 2013. Enquanto o grupo trabalhava sob a coordenação de Felipe Chaimovich, as ruas ferviam com reivindicações de todas as naturezas. O ruído e o calor da hora – que protagonizaram discussões Brasil afora e reverberaram especialmente nas redes sociais – também entraram no museu. Conduzido pelo papel que as redes sociais tiveram nas articulações das manifestações, o grupo chegou ao Twitter e ao conceito de 140 caracteres.
Política e antropologia urbana dão o tom das 140 obras dispostas na Grande Sala. Um dos ícones centrais de toda a exposição é a máscara. Ela aparece relacionada à iconografia carnavalesca em obras de Beatriz Milhazes, José Damasceno, Sergio Romagnolo e Laura Lima, com seu melancólico “Palhaço com Buzina Reta – Monte de Irônicos” (2007), e se desdobra nas faces inflamadas das fotografias “Dois Homens do Centro”, de Cris Bierrenbach, e nos autorretratos de Artur Omar. Até se desconstruir no “Choro” (2004), de Tadeu Jungle, vídeo em que o artista se revela em primeiro plano, se debulhando em lágrimas. Outros ícones de forte presença entre as multidões são os cartazes, aqui representados pela “Bandeira” (1999), de Emmanuel Nassar; ou mesmo os disfarces, sugeridos em “Arlequim”(2002), de Carmela Gross, uma camiseta metade preta, metade branca, ou na “Roupa nº 6”, de Rafael Assef, fotografia de um corpo com cortes de gilete.
As relações estabelecidas entre obras e acontecimentos são sempre muito engenhosas e é surpreendente constatar que esses trabalhos tenham sido criados muitos anos antes de 2013. Completa a exposição uma parede de obras de cunho afirmativamente político, que reúne a coleção de obras do período da ditadura militar no Brasil. Essa sala é também uma maneira de lembrar os 50 anos do golpe militar de 64. Mais uma amostra da antena do grupo curatorial do MAM, que relaciona com habilidade os últimos acontecimentos da vida sócio-política do brasileiro com sua história.
Arquiteto israelense vai dividir o pavilhão da Bienal de SP em 4 áreas por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Arquiteto israelense vai dividir o pavilhão da Bienal de SP em 4 áreas
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 19 de fevereiro de 2014.
A 31ª edição da Bienal de São Paulo irá dividir o pavilhão desenhado por Oscar Niemeyer em quatro áreas distintas e com arquitetura própria, segundo o projeto do israelense Oren Sagiv.
Um dos cindo curadores da mostra intitulada "Como Falar de Coisas que Não Existem" e programada para ser inaugurada no dia 6 de setembro, o arquiteto Sagiv adiantou à Folha como será a organização espacial do principal evento de artes plásticas do país.
"Esse prédio não é como um container todo igual por dentro, mas é composto por áreas. distintas Por isso, estamos propondo um modelo a partir das características do próprio edifício", afirma Sagiv à Folha.
A primeira área é o que o arquiteto denomina edifício-parque, o térreo do pavilhão, que terá arquibancadas espalhadas pelo espaço. Lá, deverão ocorrer performances, debates e projeções.
"A ideia é que essa área seja um espaço aberto o tempo todo, para que as pessoas já façam parte do evento sem nem mesmo ter entrado nele", afirma. Com isso, as catracas da Bienal seriam dispostas após esse setor.
DIVISOR
A segunda área é o "edifício-meio", uma área intermediária que percorre os três andares do pavilhão, mas será uma espécie de divisor de todos os setores.
Segundo Sagiv, "como o edifício é fora de proporção para uma escala humana, com essas áreas bem demarcadas será mais fácil para o visitante se localizar e, assim, tornar o percurso menos fatigante".
Outro setor é o "edifício-rampa", a área em torno da majestosa rampa do pavilhão, onde, em geral, são alocadas obras de caráter monumental, como a polêmica "Bandeira Branca", com os urubus de Nuno Ramos, na 29ª Bienal, em 2010.
A ideia agora não é alocar nesse espaço uma única obra, mas aproveitar o caráter vertical que permite que se observem obras em distintos andares, com um só posicionamento do visitante.
"Creio que o monumental aí é o vazio e é isso que queremos aproveitar", defende o curador-arquiteto.
Finalmente, o último bloco é o "edifício-exposição", nos segundo e terceiro andares, totalizando uma área de cerca de 5.000 m², dos 30 mil m² do total.
Um corredor vazio, em todo o lado esquerdo do pavilhão, de onde se tem a vista para o parque Ibirapuera, será uma espécie de antessala para os espaços reservados às obras. Aliás, obras existirão, de acordo com Sagiv, em todas as seções, mas a divisão ocorre como "uma forma elegante de não usar todos espaços do pavilhão".
SEM OBRAS
Por enquanto, todo esse projeto foi realizado sem se saber exatamente o seu conteúdo, isso é, as obras —já que a maior parte delas está sendo encomenda aos artistas e em fase de produção.
"Criamos uma espécie de matriz, agora muita coisa ainda pode ser alterada de acordo com as obras, vamos ter muito trabalho nos próximos meses", diz Sagiv.
O arquiteto é design de exposições do Museu de Israel, em Jerusalém, e um de seus projetos mais ousados foi para a Quadrienal de Praga, em 2011, quando criou um espaço público aéreo acima da exposição.
Para a Bienal de São Paulo, ele tem a colaboração de Anna Helena Villela, do escritório Metrópole Arquitetos.
Breve memória de um debate, Select
Breve memória de um debate
Matéria originalmente publicada na revista Select em 18 de fevereiro de 2014.
Uma súmula do evento Decreto-confusão: o impacto do Estatuto de Museus no colecionismo privado
Dezenas de protagonistas do sistema das artes lotaram ontem, dia 17 de Fevereiro, o auditório principal do Museu de Arte Moderna de São Paulo para participar do debate sobre o estatuto de museus, realizado pela revista seLecT (veja as fotos aqui). Um público expressivo, levando em conta a especificidade da matéria e complexidade do tema. No palco, desenhado por Luciana Martins e Gerson de Oliveira (do estúdio OVO), quatro agentes convidados para dar esclarecimentos e levantar questões: Angelo Oswaldo de Araújo Santos (presidente do Instituto Brasileiro de Museus), Eliana Finkelstein, (presidente da Associação Brasileira de Arte Contemporânea), João Carlos de Figueiredo Ferraz (colecionador) e Roberto Dias da Silva (membro da Comissão de Direito Constitucional da OAB).
A editora convidada da revista seLecT, Márion Strecker, no papel de mediadora, contextualizou o assunto e deu a palavra a Angelo Oswaldo, que começou a sua intervenção fazendo uma analogia entre as atribuições do Ibram e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (“são gêmeos xifópagos, ambos têm a missão de preservar o patrimônio cultural do país”). A lei seria, segundo ele, a tábua da salvação. Seria, caso a redação da lei sobre bem cultural não fosse tão vaga e genérica, lembrou Roberto Dias da Silva.
Eliana Finkelstein revelou o clima de medo que se espalhou entre galeristas e colecionadores, dada a amplitude descritiva do que pode ser considerado patrimônio cultural. Apoiou-a João Carlos de Figueiredo Ferraz, ao lembrar que, hoje, é a classe média que movimenta hoje o mercado arte no Brasil. Uma classe que merece regras claras para investir nesse mercado.
Independente das vacuidades da redação, o conselho do Ibram que vai analisar e decidir o que é e o que não é um bem de interesse público é formado por Modesto Carvalhosa, José Olympio Pereira, Flávio Magalhães e Marcelo Araújo. Oswaldo tentou apascentar os representantes do mercado de arte ao dizer: “arte contemporânea não é o foco do estatuto”. Ato contínuo, uma boa questão foi feita pela mediadora Márion Strecker: "o tombamento em si não é mais apropriado que a declaração de interesse público? Não basta?" Segundo Oswaldo, não, pois tombamento é uma noção historicamente defasada, que precisaria ser atualizada. Já para Silva, o conceito de tombamento é mais que suficiente.
Ao final, a platéia se manifestou. Miguel Chaia, colecionador e intelectual, disse que é preciso equacionar três players: o sistema das artes, o mercado e o Estado. Eliana Sartori, procuradora federal do Ibram, afirmou que não haverá expropriações desenfreadas, apesar da observação do representante da OAB de que o texto da lei sugere funções muito além do mero registro dos bens.
Apesar de alguns momentos tensos, o debate terminou em clima de "concordar em discordar", frase que se refere ao princípio de resolução de um conflito. O evento acabou, mas não os questionamentos que foram levantados. Vamos continuar alimentando com conteúdos o especial sobre o estatuto de museus em nosso site.
Veja quem estava na platéia em nosso álbum no Flickr.
* Texto baseado nos tuítes postados em tempo real durante o debate no perfil da revista seLecT no Twitter
fevereiro 11, 2014
Instituto Inhotim terá novos espaços para Olafur Eliasson e Claudia Andujar por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Instituto Inhotim terá novos espaços para Olafur Eliasson e Claudia Andujar
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 11 de fevereiro de 2014.
Mesmo já tendo transformado a pacata Brumadinho, nos arredores de Belo Horizonte, em destino obrigatório na cartografia da arte, o Instituto Inhotim, do empresário do ramo de minério Bernardo Paz, não para de crescer e abrirá dois novos pavilhões em setembro deste ano.
Um deles será uma grande galeria dedicada a toda a obra que Claudia Andujar fez na Amazônia, de seus primeiros contatos com os índios, passando pela série "Marcados" e concluindo com seu trabalho mais recente, que ela acaba de fotografar na floresta.
Embora o Inhotim tenha outras obras da artista no acervo, a galeria projetada pela firma Arquitetos Associados, a mesma que fez os pavilhões de Miguel Rio Branco e Doris Salcedo no museu, será voltada só para seus trabalhos envolvendo os índios.
Também será aberto em setembro um pavilhão para um trabalho do artista dinamarquês Olafur Eliasson, que já tem outras peças no museu.
Seu novo pavilhão será, na verdade, um prédio-obra, desenhado pelo próprio artista. É uma estrutura circular que capta a luz natural do lado de fora e a projeta ao longo de uma linha na altura dos olhos do lado de dentro, concentrando raios coloridos num horizonte denso e artificial.
"É uma escultura que é também arquitetura", diz Rodrigo Moura, diretor do Inhotim. "Haverá um corte ao longo da parede, uma faixa luminosa. É um projeto com uma presença arquitetônica."
Também sinaliza o crescimento consistente do número de pavilhões no museu.
Depois de abrir os espaços de Tunga, Lygia Pape e Cristina Iglesias há dois anos, o Inhotim inaugura dois pavilhões em setembro e outros ainda podem sair do papel nos próximos anos - já estão nos planos construções para Ernesto Neto e Anish Kapoor.
Todas essas inaugurações, de dois em dois anos, pegam carona na semana de abertura da Bienal de São Paulo - quando o "jet-set" da arte global dá as caras no Brasil - e já viraram uma tradição no calendário das artes no país.
Em breve, fanáticos do mundinho também terão mais um motivo para visitar o Instituto Inhotim. Até o fim deste ano, deve ser aberto um hotel com 44 bangalôs, um novo restaurante e um spa completo em pleno museu.
Nos planos de expansão, há conversas sobre uma nova estrada até o Inhotim e um aeroporto privado.
fevereiro 6, 2014
Pedra no sapato do Guggenheim, Walid Raad vem à Bienal por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Pedra no sapato do Guggenheim, Walid Raad vem à Bienal
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 2 de fevereiro de 2014.
Dias antes desta entrevista, o artista libanês Walid Raad enviou uma série de regras para a conversa. Ele não poderia ser gravado nem fotografado e pediu para ler as anotações do jornalista.
Raad, 46, um homem magro de cabeça raspada, tem a fala pausada e calculada. Usa metáforas cheias de belas imagens para descrever o mais sangrento dos episódios, da mesma forma que suas obras dissecam a violência que corrói o Oriente Médio com uma frieza ímpar.
Numa delas, ele chegou a inventariar os modelos de carros mais comuns usados em ataques com bombas e exibiu diagramas detalhados do motor e do chassi desses automóveis —em vez de mostrar a explosão, deixava ver só dados técnicos do veículo.
Mas desde que ergueu a voz contra o Guggenheim, liderando um boicote à construção da filial do museu norte-americano em Abu Dhabi, por causa de denúncias de abusos aos trabalhadores da obra, Raad evita aparecer.
Talvez daí a paranoia diante desta conversa. Um dos primeiros nomes escalados para a Bienal de São Paulo, que começa em setembro, Raad está na cidade pesquisando para criar uma obra nova.
Ele quer investigar as relações entre a comunidade árabe do país e a cena artística, em especial a presença de artistas da região na Bienal. Muito antes da febre em torno de arquivos que se multiplicam em exposições pelo mundo, a obra de Raad sempre girou em torno da pesquisa e manipulação de dados.
No Brasil, não será diferente. Depois de fuçar os documentos acumulados em 30 edições da mostra paulistana, Raad pensa em mostrar uma versão distorcida dessa presença árabe na exposição.
"Olhando para esses arquivos, alguns fatos, figuras e gestos chamam a atenção", diz Raad. "É como se me chamassem para intervir neles."
Nesse ponto, Raad pode inventar a presença de artistas que nunca estiveram na Bienal, criar biografias falsas ou mesmo mudar a repercussão que algumas obras tiveram.
É uma investigação sobre o estado atual da arte "árabe" -as aspas são dele- no mundo, que serve ao mesmo tempo para tentar mudar sua interpretação, como se voltasse no tempo para extirpar preconceitos já arraigados.
Na onda da construção de museus que varre países emergentes, em especial na Ásia e no Oriente Médio, onde arte se tornou um símbolo de "distinção social", Raad está preocupado com o impacto da criação de novos significados e contextos para a produção visual da região.
"Tenho a sensação que o trabalho dos últimos 20 anos dos artistas da região está sendo sequestrado pela pressa em inventar uma história 'árabe' num contexto em que a arte se vê no meio de grandes fortunas", diz Raad. "Estamos no meio da transição."
É também uma transição em sua própria obra, que se distancia de uma descrição analítica da vida em "cidades sob constante ameaça", como sua Beirute natal, para avaliar o que significa ser artista hoje no Oriente Médio.
MELHORES OBRAS E LEIS
Daí o boicote ao Guggenheim. "Esses novos museus [uma filial do Louvre entre eles] no Oriente Médio estão desatentos a como uma obra de arte pode ser afetada pelo que acontece na região", diz.
Raad então se juntou aos artistas que estavam na lista de aquisições do Guggenheim, evitando vender obras ao museu até que a situação dos trabalhadores, que denunciaram viver em regime de semiescravidão, fosse regularizada.
"Se eles querem construir a melhor infraestrutura para a arte, isso não deve incluir o método de construção? Se Abu Dhabi quer as melhores obras, não deveria seguir as melhores leis trabalhistas? Senti que só trabalhando juntos teríamos alguma voz."
Carioca ocupa Guggenheim de Bilbao por Camila Molina, Estado de S. Paulo
Carioca ocupa Guggenheim de Bilbao
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 31 de janeiro de 2014.
Museu ganha retrospectiva do artista Ernesto Neto
Dançando debaixo de uma árvore, olhando-a como se fosse um pulmão, o artista Ernesto Neto descobriu, como conta, uma frase – “A Terra é o corpo”. Escrita em néon e em círculo, é ela que vai receber os visitantes da grande exposição que o carioca inaugura no próximo dia 13 no museu Guggenheim de Bilbao, Espanha.
O Corpo Que Me Leva, título da mostra, apresenta obras criadas pelo brasileiro desde 1989, como o trabalho Copulônia, uma de suas primeiras experiências com formas orgânicas, neste caso, feitas de meias de nylon que carregam esferas de chumbo – “semente de tudo”, ele a exibiu pela primeira vez na Galeria Macunaíma da Funarte, no Rio –, até a monumental Leviathan Thot (Fêmea) de 2006. Dependurada no átrio do edifício, na “garganta” do espaço interno do museu – que, do lado de fora, é a expressão máxima da arquitetura espetaculosa de Frank Gehry –, a instalação faz menção ao organismo feminino e ao monstro do mar descrito no Antigo Testamento.
“Acho que a gente tem visto a Terra como imagem, e há anos trabalho com essa transição do corpo para a paisagem, da paisagem para o corpo. Precisamos ver a Terra como um corpo para termos com ela uma interlocução mais profunda, menos extrativista. A exposição é calcada nesse pensamento”, diz Ernesto Neto, que participa agora da montagem da mostra, concebida com a curadora-chefe do Guggenheim Bilbao, a belga Petra Joos. Não se trata de uma retrospectiva, prefere definir o artista, prestes a completar 50 anos e desde a década de 1990 celebrado na cena internacional. “A exposição não é pensada linearmente, é um acontecimento atemporal.”
A mostra, considerada uma das maiores individuais do brasileiro no exterior (não há itinerância prevista), é formada por nove núcleos. Leviathan Thot (Fêmea), já exibida na França, é tão grande, que será apresentada em Bilbao apenas em um quinto de seu tamanho, ficando a 55 metros de altura com suas formas molengas feitas de nylon, bolas de espuma e de areia. Debaixo da instalação estará Olhando o Céu (2013), com “macas-carrinhos de bate-bate” para o visitante se deitar e ver, em movimento, a obra.
A exposição, em cartaz até 18 de maio, é também pensada como um organismo, conta o escultor, mas de um colibri – ou como nove partes de uma “abelha-beija-flor” (com cabeça, antenas, asas, enumera). “Eu e Petra pensamos no que seria importante mostrar e fomos encaixando as coisas no espaço”, conta. Há, por exemplo, uma versão de sua obra Tambor, que ocupou o Museu de Arte Moderna de São Paulo em 2010, e outras criações participativas.
Diversão. Tendo como “grande avó” a artista Lygia Clark e seu conceito de participação do público na obra de arte, os trabalhos de Ernesto Neto são criações sensoriais (principalmente, suas peças feitas com especiarias), pensados para a relação com o corpo e estimulados pela reflexão sobre o brasileiro e a miscigenação. “Precisamos estudar os índios, os africanos, a conexão da nossa cultura com a japonesa”, afirma. Ele cita como uma novidade em sua pesquisa a experiência recente que teve em agosto no Acre, quando visitou a comunidade indígena Huni Kuin. Para o índio, “a cultura se transforma em natureza e a natureza em cultura”, explica Ernesto Neto – dessas reflexões, surgiu a frase “A Terra é o corpo”, seu comentário atual para o título da famosa instalação de Lygia Clark, A Casa É o Corpo, de 1968 (uma época de “interiorização” que agora “se expande para uma camada ecológica”).
“Nosso colibri quer muito voar, beijar as flores, trazendo pólen daqui para lá. Que a vida nos carregue! Chega de venerar a morte”, afirma Ernesto Neto. “Me perguntaram sobre o caráter de viver, divertir, aproveitar, que existe no meu trabalho. Acho que Jesus defendia que devíamos nos divertir. A polícia matou Jesus e eu não gosto de quem mata as pessoas libertárias”, diz o artista, fazendo referência, também, aos protestos que ocorrem desde o ano passado em todo o mundo.