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Como atiçar a brasa

 


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agosto 31, 2013

Quem arquivará a internet para as futuras gerações? por Carlos Eduardo Entini, Estado de S. Paulo

Quem arquivará a internet para as futuras gerações?

Matéria de Carlos Eduardo Entini originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 24 de agosto de 2013.

Brasil não preserva sua web, enquanto alguns países avançam no arquivamento digital

Atestado de nascimento do Brasil, a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal foi preservada durante mais de 500 anos em lugares diferentes. Atualmente arquivada na Torre do Tombo, sede do Arquivo Nacional de Portugal, a carta de 1.500 está acessível digitalmente a qualquer interessado, em qualquer lugar do mundo. Cinco séculos depois, numa era onde tudo se converge para a internet, qual a garantia que os conteúdos produzidos originalmente em formato digital estarão disponíveis para as gerações futuras? No momento, nenhuma.

Com 20 anos de internet, o Brasil ainda não conta com nenhuma instituição, legislação, diretriz ou esforço que garanta que conteúdos produzidos na web sejam vistos como patrimônio cultural e, assim, coletados, catalogados e armazenados. Símbolo da relevância digital deste começo de século 21, a memória das recentes manifestações de junho, paradoxalmente, só está garantida nos formatos impressos.

Pela natureza efêmera da internet, sites desaparecem ou são atualizados frequentemente. O apagão da memória da internet já pode ser sentido. Dificilmente seria possível contar a história e analisar as eleições presidenciais a partir dos sites dos candidatos. Desde 1998, já se foram quatro eleições presidenciais com a presença da internet e nada foi coletado e sistematizado.

O problema não é só do Brasil. Poucos países têm política ou instituições voltadas para o arquivamento web. Algumas iniciativas tem sido tomadas para minimizar o apagão. A mais antiga delas é o Internet Archive, de 1996. Através do Waybackmachine a instituição tem armazenado 347 bilhões de URLs de cerca de 40 países, inclusive o Brasil com 2,5 bilhões de capturas. No fim de 2012, o conteúdo total representava 10 petabytes, informa Kristine Hanna, diretora do Internet Archive, em entrevista ao Estadão Acervo. Em 1996, foi a vez da Austrália coletar o conteúdo produzido e que fazia referência ao país. O exemplo foi seguido pela Suécia, no ano seguinte. Hoje, as instituições pioneiras estão reunidas no Consórcio Internacional de Preservação da Internet, (IIPC na sigla em inglês).

Fundado em 2003, o IIPC é uma organização virtual, colaborativa, descentralizada, como a internet. Como informa o site, ele atua na construção de tecnologias e conhecimento para o novo desafio de armazenar sistematicamente o mar de informações produzidos na web. O Consórcio reúne cerca de 40 instituições (bibliotecas, arquivos, Internet Archive) de 30 países - nenhum da América Latina. A sua missão é coletar, preservar e tornar acessível o conteúdo da internet para as futuras gerações.

A quantidade enorme de sites arquivados, e o tempo que o Waybackmachine tem atuado, pode causar uma sensação de conforto. Mas o projeto do Internet Archive tem suas limitações e não é possível depositar nele a memória da rede. O critério de armazenamento são os sites mais populares, e por questões de direitos autorais dos EUA, o Waybackmachine só existe porque é uma organização sem fins lucrativos. As leis de copyright americanas não permitem o armazenamento de conteúdo, mesmo o da internet.

Se o IIPC tem o objetivo comum preservar a web e desenvolver ferramentas comuns, cada membro tem atuado de maneira distinta. Em contraposição ao modelo americano, a França foi o primeiro país a tratar o arquivamento web como questão de Estado e o conteúdo da internet como patrimônio cultural.

Utilizando a figura jurídica do depósito legal, na qual todo produtor de conteúdo cultural (livro, jornal, disco, cd, dvd, software etc) deve entregar uma cópia à Biblioteca Nacional Francesa, em 2006 também foi incluído na lei a internet francesa. Outros países seguiram o exemplo, entre eles Dinamarqua e Espanha.

O Depósito Legal foi instituído na França em 1537 pelo rei Francisco I (1494-1547) como resposta a outra revolução que foi o surgimento da prensa. Da mesma maneira que acontece hoje com a internet, a prensa derramou uma quantidade enorme de documentos. E para guardar a memória e saber tudo o que se publicava, a Biblioteca Real - hoje Biblioteca Nacional Francesa - devia ter um exemplar de cada impresso produzido no reino. No Brasil o depósito legal existe desde 1825, mas o envio da produção digital não se adaptou aos novos tempos, "vale observar que a legislação disciplina que tudo que seja publicado no país deva ser enviado à Biblioteca, não especificando o suporte; portanto, em tese, deveríamos receber tudo o que é produzido digitalmente também", informa por e-mail, Luciana Grings, da Biblioteca Nacional. "A grande dificuldade tem sido adaptar o depósito de material digital ao fato de que a lei não está regulamentada e que ainda não temos a capacidade de armazenamento que esta ação demanda", completa a bibliotecária.

Com a adaptação da lei francesa, todo o domínio '.fr' e tudo o que se produz sobre a França por força da lei deve ser coletado e armazenado. E a Biblioteca Nacional Francesa, depositária legal do conteúdo produzido no pais, é a responsável pela coleta e arquivamento do conteúdo web . Mesmo sem a obrigação legal, desde 2006 a BnF vem arquivando sua web. Hoje, são 20 bilhões de URLs ocupando 370 Terabytes.

Direitos autorais. Assim como no caso de outras mídias, o depósito legal não significa a supressão dos direitos autorais. Daí um paradoxo: para se consultar o conteúdo web francês é necessário ir à BnF. Em breve, “os arquivos departamentais de Cayenne, capital da Guiana Francesa, também darão acesso. Portanto os arquivos da web francesa estarão justamente ao lado do Brasil”, brinca Clément Oury, chefe do Depósito Legal Digital da BnF em entrevista ao Estadão Acervo.

Coleta e análise. Além da coleta por domínio, por exemplo '.fr', '.br', ou por mais populares como é feito pelo Waybackmachine, muitas instituições adotaram o arquivamento por assunto. A criação de 'coleções', como também é conhecido o processo, nada mais é aquilo os arquivos sempre fizeram quando criam pastas, seja de assuntos ou personalidades. Na França, a seleção de conteúdo é descentralizada. Cada biblioteca regional pode indicar um assunto que considera relevante para que a BnF faça a captura. Os responsáveis pela aquisição de livros na BnF também são outros profissionais que indicam quais assuntos devem ser arquivados.

Massa de dados. Ainda segundo Oury, que também é tesoureiro do IIPC, os desafios de hoje no arquivamento web é indexar a massa de informação. Atualmente é nem tudo é possível pesquisar por palavras-chave. Em quase todas as instituições que disponibilizam pesquisa on-line é necessário entrar com o endereço. No caso das coleções frequentemente as páginas são indexadas por assunto, autor ou fonte. É o caso das diversas coleções da Biblioteca do Congresso dos EUA. Quando existe indexação surge uma nova possibilidade de pesquisa, "o pesquisador que trabalha com web não quer apenas achar sites antigos para ler, ele quer também a possibilidade de fazer uma cartografia dos sites. Por exemplo, ele quer analisar vários sites de política saber qual deles tem ligações com outros sites de política", explica Oury.

*Colaborou Liz Batista

Posted by Patricia Canetti at 5:56 PM

Brasil no circuito da arte por Tamara Menezes, Istoé

Brasil no circuito da arte

Matéria de Tamara Menezes originalmente publicada na revista Istoé em 23 de agosto de 2013.

Movimento em alta nas galerias do País: novos consumidores são atraídos pela atmosfera hoje mais descontraída do mercado, pelas possibilidades de investimento ou até pela busca de status intelectual

Um novo consumidor de arte vem frequentando cada vez mais galerias, cursos e exposições no Brasil. O fenômeno se deve a um intercâmbio de mão dupla: tanto as feiras e galerias especializadas estão menos herméticas, com formato mais descontraído e próximo do perfil brasileiro, quanto os potenciais compradores já não parecem se sentir intimidados a frequentar esses lugares. Claro, a estabilidade econômica e a migração de classes para cima fazem toda a diferença. Com isso, o País entrou na rota de galerias importantes, como a americana Gagosian e a britânica White Cube, e as feiras internacionais oferecem obras para diferentes bolsos e gostos. Resultado: calcula-se que cerca de 15% do total de visitantes compra algo ao fim da visita. Os preços variam das centenas aos milhões de reais. Segundo Brenda Valansi, organizadora da feira ArtRio – cuja próxima edição acontece entre 5 e 8 de setembro no Rio de Janeiro –, para muita gente, o gelo foi quebrado. “Depois de adquirir a primeira peça, a pessoa vê que não precisa ser um intelectual para escolher e se apaixonar”, afirma. “As feiras permitem ao neófito ver maior número de trabalhos e comparar”, diz Fernanda Feitosa, diretora da SP Arte, em São Paulo.

O binômio necessário continua sendo cultura e dinheiro. Mas a novidade está no consumidor, que revê seus conceitos. Segundo Mario Cohen, da carioca Pequena Galeria 18, carros, joias e roupas eram os símbolos de status. Hoje, porém, “ter uma obra de arte demonstra, além de status, cultura”. Guilherme Pinho, advogado mineiro de 36 anos, é um dos novatos que perderam o medo de ingressar no mercado. “Sempre tive vontade de investir em arte. Só não sabia que era tão acessível, muito mais do que eu esperava”, diz. A nova geração de compradores participa, ainda, de clubes de colecionadores que promovem palestras, visitas especializadas a exposições e ateliês, viagens temáticas e obtêm descontos na forma de pagamento. “Muitos são pessoas recém-estabelecidas financeiramente, que adquirem obras de seus artistas favoritos ou simplesmente estão à procura de um trabalho que os represente”, afirma Laura Marsiaj, da galeria que leva seu nome, no Rio de Janeiro.

Marc Kraus, 43 anos, dono de uma agência de viagem, conta que sofreu “bullying cultural” quando quis iniciar uma coleção, por conta da idade – tinha 36 anos – e do seu visual, com tatuagens. Apesar da intimidação inicial, persistiu e hoje é um feliz proprietário de peças de arte contemporânea. “O olhar do investidor, o olhar do colecionador e do apaixonado têm que combinar. Não penso em vender. Minha coleção ilustra minha vida”, diz. A paulistana Elvira Bauer, maquiadora de 51 anos, foi impulsionada pela identificação com as obras – uma gravura de Regina Silveira e uma xilogravura de Samico que custaram R$ 4 mil e foram pagas em dois cheques pré-datados.

Victoria Gelfand-Magalhães, diretora da galeria Gagosian, importante multinacional presente em sete países, explica que iniciantes na arte têm padrão de comportamento semelhante nos países emergentes. “Começam procurando obras de seus conterrâneos, porque lhes são familiares. Com o amadurecimento do mercado, o colecionador se torna internacional”, afirma. Responsáveis por 38% das vendas de arte contemporânea no ano passado, as feiras têm ainda isenção do ICMS – 18% sobre o valor da obra. Mesmo assim, com taxas de importação e seguro obrigatório, a tributação de peças estrangeiras chega a 42% sobre o total. A crise financeira internacional de 2009 estimulou o mercado de arte em países como Rússia, China, Índia e Brasil. Também a instabilidade da Bolsa de Valores, em imóveis e no câmbio, levou novos clientes aos estandes de arte. A negociação de obras consagradas, as chamadas “blue chips”, chamou a atenção das grandes galerias. Arte se tornou uma opção estável, portátil, tangível e rentável para investir dinheiro em meio à volatilidade dos mercados financeiros.

“Peças mais baratas podem, em oito ou dez anos, valorizar até 15 vezes. Só opções de investimento de alto risco oferecem esse retorno”, afirma Alexandre Murucci, organizador da feira Artigo Rio. Com a procura, aumentaram os preços das “blue chips” também – Beatriz Milhazes já teve quadro vendido por R$ 4,2 milhões, maior valor para um artista brasileiro vivo. O pesquisador de arte Marcio Roiter lamenta quando as obras são avaliadas pela perspectiva de valorização e não por valor intrínseco e beleza. “Arte não é ação ao portador, é prazer”, afirma.

Posted by Patricia Canetti at 5:52 PM

Para que serve a Lei Rouanet? por Leonardo Brant, Cultura e Mercado

Para que serve a Lei Rouanet?

Artigo de Leonardo Brant originalmente publicado no Cultura e Mercado em 28 de agosto de 2013.

Não existe uma orientação clara sobre a função pública do principal mecanismo de financiamento à cultura do país no cenário político, econômico e cultural. A Lei Rouanet deve estimular a economia da cultura, deve fomentar e promover a diversidade cultural ou garantir os direitos e liberdades culturais aos cidadãos? Deve financiar a nossa precária infraestrutura, induzir o empreendedorismo, sustentar a classe artística, manter os nossos museus funcionando, desenvolver as indústrias criativas?

A ausência de estratégia tem uma explicação. Enquanto o Estado não declara para que serve, a renúncia fiscal vira remédio para todos males, mesmo sem curar nenhum. Por enquanto, sabemos que é um excelente instrumento de comunicação empresarial, no caso do mecenato privado, e uma torneira que irriga o clientelismo político, no caso do Fundo Nacional de Cultura e do mecenato estatal. A cartilha “Cultura é um bom negócio” ainda impera, justamente porque nenhuma outra foi editada depois dela.

Sem definir exatamente o propósito da Lei Rouanet não podemos avaliar o seu sucesso ou fracasso. Tampouco podemos estabelecer metas, monitorar o sistema, aprimorá-lo, azeitar a máquina para produzir mais resultados, simplesmente porque não sabemos onde queremos chegar, com parâmetros objetivos. Tanto que a gestão do mecanismo é 100% focada no acesso ao sistema e em sua inegável melhoria processual. O que não se discute, avalia e corrige são os efeitos culturais e econômicos daquilo que ela produz.

Está claro que a Lei Rouanet não atende a nenhum dos objetivos estratégicos aqui levantados. Como instrumento de estímulo à economia é insuficiente, pois concentra todo o dinheiro na produção cultural, atrofiando as relações de mercado. É inócuo para promover a diversidade, já que concentra a decisão nas mãos de grandes empresas, grandes proponentes e do próprio governo, com seus grupos de sustentação. E não atua diretamente nos direitos e liberdades culturais porque não é um sistema articulado. Cada projeto tem seu objetivo próprio, pontual, isolado. Poderia ser orientado e coordenado pelo Estado.

O processo de discussão e construção do mecanismo que revoga a Lei Rouanet e cria o Procultura é um avanço em termos de reduzir os efeitos colaterais da Lei Rouanet. Mas ainda é um remédio que não cura qualquer doença, não revigora e não propõe nada de concreto para a cultura brasileira. Continua cheia de boas intenções mas carente de propósitos.

Posted by Patricia Canetti at 5:42 PM

Moda é cultura por Marta Suplicy, Folha de S. Paulo

Moda é cultura

Artigo de Marta Suplicy originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo em 29 de agosto de 2013.

As pessoas se expressam de diferentes maneiras e a moda faz parte dessa forma de se mostrar.

Não é difícil, olhando a vestimenta das mulheres do século 19, perceber seu papel na sociedade e distinguir as desigualdades nas classes sociais. A moda traduz muito da vida e cultura da história de um povo, assim como a gastronomia. Basta pensar na nossa culinária, na judaica e, por que não, nos Estados Unidos e seus hambúrgueres.

A cadeia produtiva da moda é gigantesca: dos botões aos zíperes. Das costureiras às fábricas têxteis. Das pequenas confecções aos ateliês dos famosos. Das vendedoras aos estilistas. São milhares de pessoas dinamizando a economia e criando empregos.

A moda também gera símbolos. Marcas que, de tão importantes, se tornam até sinônimo da cultura do país. Atraem turistas, agregam valor a outros produtos e se, combinadas com gastronomia, música, monumentos, potencializam uma imagem positiva e contribuem para o "soft power" do país.

No Brasil começamos a entender recentemente esse poder da moda. As "fashion weeks" se consolidaram graças ao esforço de alguns e toda a cadeia produtiva se beneficia.

No Ministério da Cultura o maior instrumento de fomento é a Lei Rouanet. Mas a moda não conseguia captar. O que faltava? Apresentar projetos de acordo com as previsões da lei. O MinC estabeleceu quatro critérios para aceitar projetos: promover internacionalização (impacto na imagem Brasil), ter simbologia brasileira (mostrar raízes e tradição), formar novos profissionais (estilistas ou na cadeia produtiva), ou ainda preservar acervos.

O primeiro a apresentar projeto com base nesses critérios foi Pedro Lourenço, jovem estilista já com reputação para participar da Semana da Moda em Paris.

Como ministra, chamei para mim a decisão, pela simbologia de quebrar um paradigma na afirmação que moda é cultura; por entender a importância da repercussão de um brasileiro estar nesse desfile (cobertura midiática), abertura e interesse pela nossa indústria da moda e para a construção de uma imagem de um Brasil criativo, moderno e atraente. Queremos um Brasil que transcenda o país do Carnaval, sol e biquíni.

Pedro Lourenço é beneficiado, assim como Herchcovitch ou Ronaldo Fraga? Certamente, pela exposição que terão. Entretanto, sem esses criadores, e outros que agora virão (espero as estilistas que trabalham com rendas nordestinas), nós não teremos condição de projetar nossas milhares de confecções charmosas que, com o tempo, darão alegria a tantas mulheres como quando hoje compram algo "francês".

Essa marca/país nasceu depois de enorme esforço da França na promoção de seus criadores (subsídios e exposições nos principais museus) e da genialidade de alguns deles: Dior, Chanel, Lacroix, Saint Laurent, para citar alguns. Exposições com esses ícones "vendem" o país.

A porta está aberta. Muitos passarão, sem tanto estardalhaço, para ampliar a marca Brasil, aumentar investimentos, exportar nossos produtos, gerar emprego e renda para brasileiros.
Torço para que os nossos, que agora podem sair fortalecidos pelo apoio no incentivo fiscal propiciado pela Rouanet, consigam patrocinadores, concretizem seus sonhos, mas, mais que isso, se consagrem símbolos de um Brasil pujante, criativo e iluminado.

Todos seremos beneficiados.

MARTA SUPLICY é ministra da Cultura. Senadora licenciada (2011-2018), foi prefeita de São Paulo (2001-2004) e ministra do Turismo (2007-2008)

Posted by Patricia Canetti at 5:36 PM

agosto 29, 2013

Setores culturais reagem ao uso da lei Rouanet na moda por Juliana Gragnani, Folha de S. Paulo

Setores culturais reagem ao uso da lei Rouanet na moda

Matéria de Juliana Gragnani, com colaboração de Pedro Diniz, originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 28 de agosto de 2013.

Produtores teatrais pedem reunião com ministra da Cultura em documento

Associações alegam que desfiles de roupas são uma 'concorrência desleal' em relação a espetáculos de teatro

O uso da Lei Rouanet em benefício de desfiles de moda, liberado pelo Ministério da Cultura na semana passada, causou as primeiras reações de setores culturais.

Entidades do teatro devem enviar nesta semana um ofício à ministra Marta Suplicy. O documento critica a autorização para que os estilistas Pedro Lourenço, 23, Alexandre Herchcovitch, 42, e Ronaldo Fraga, 46, tentem captar mais de R$ 7 milhões via Rouanet --que é um mecanismo de fomento à cultura por meio de renúncia fiscal.

No texto, a APTI (Associação de Produtores Teatrais Independentes) e a Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro pedem uma reunião com a ministra.

Presidente da APTI, o ator e diretor Odilon Wagner afirma que não vê problemas na inclusão da moda na Lei Rouanet, desde que o benefício vá para a parte criativa dos artistas do setor e não para a "promoção" de suas obras por meio de desfiles.

"É muito comum outras áreas quererem entrar na calha da lei. Sofremos uma concorrência muito desleal", diz.

A decisão de aprovar os projetos de moda foi tomada por Marta depois de a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, que decide quem pode captar via Lei Rouanet, ter indeferido o pedido de incentivo para dois desfiles de Pedro Lourenço na semana de moda de Paris, em outubro deste ano e março de 2014.

"Os desfiles têm publicidade espontânea enorme, e os empresários poderão aplicar seu dinheiro nisso. O teatro não tem como fazer merchandising nos espetáculos", diz Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro.

Os projetos de Fraga e Herchcovitch nem sequer foram votados pela comissão:foram aprovados em caráter de urgência por Marta. Segundo a ministra, os desfiles fortalecerão a imagem do país no exterior.

DISCUSSÃO CORPORATIVA

O diretor do Museu da Cidade de São Paulo, Afonso Luz, que integrou a secretaria de Políticas Culturais e hoje é um dos responsáveis por intermediar a relação entre nomes da moda e o ministério, critica a ideia comum de que o setor seja elitista.

"Se alguém pede [o incentivo], é porque precisa. Essa discussão é mais corporativa. Ser reconhecido como setor cultural e não usufruir dos benefícios públicos disponíveis é como não ter cidadania. Moda não se resume à indústria do luxo", diz.

"O problema é que, na hora de dividir o bolo [da Lei Rouanet], ninguém quer compartilhar", afirma o estilista Ronaldo Fraga. Para ele, "a moda precisa de incentivo fiscal", e o Ministério da Fazenda e o do Desenvolvimento deveriam abrir as portas para os estilistas.

"Mas, se o primeiro passo veio do Ministério da Cultura, ótimo, qual é o problema? A lei não vai resolver o problema da indústria, porque ela já está perdida", diz Fraga.

A Lei Rouanet já foi centro de outras polêmicas. Em 2006, a companhia canadense Cirque du Soleil foi autorizada a captar R$ 9,4 milhões, apesar do valor alto de seus ingressos. Em 2011, a cantora Maria Bethânia obteve autorização para captar R$ 1,3 milhão para fazer um blog. Alvo de críticas nas redes sociais, desistiu do projeto.

Durante os debates sobre o projeto de Lourenço na Cnic, a associação teatral já havia enviado uma carta à comissão, que dizia que os desfiles "provocariam distorções imediatas e uma insuperável assimetria concorrencial com os segmentos culturais na disputa por verbas".

Em 2012, o setor teatral captou cerca de R$ 252 milhões pela lei de incentivo fiscal, representando quase 20% do total distribuído por meio da Rouanet.

A moda, por sua vez, captou R$ 168 mil, ou 0,01% do total (veja quadro ao lado).

Embora não haja políticas públicas específicas para o setor da moda, o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior faz investimentos na área por meio do Texbrasil (Programa de Exportação da Indústria da Moda Brasileira).

Até agora, R$ 125 milhões foram investidos em ações para a moda, como o financiamento de desfiles de marcas brasileiras no exterior. Parte dos recursos sai de investimentos privados.

Cursos e doações são a contrapartida dos novos projetos

Os projetos que permitem aos estilistas Pedro Lourenço, Alexandre Herchcovitch e Ronaldo Fraga captar recursos da Lei Rouanet para seus próximos desfiles preveem como contrapartida a doação das roupas para acervos de museus e a realização de workshops em faculdades de moda e exposições.

Como resultado de sua "Mostra de Moda Brasileira em Paris: Internacionalização da Criatividade", o designer Pedro Lourenço irá ministrar cursos gratuitos de moda nas instituições paulistanas Anhembi Morumbi, Senac e Santa Marcelina, segundo o projeto.

O Museu da Cidade de São Paulo também deverá receber o curso, além de parte das 75 peças que formam as coleções a serem apresentadas em Paris. O projeto prevê a doação de roupas ao Museu Carmen Miranda, no Rio.

Tema recorrente em desfiles e símbolo de um conceito de brasilidade tipo exportação, a cantora inspira a coleção de Lourenço.

O designer Alexandre Herchcovitch também irá oferecer cursos para estudantes como contrapartida.

A "antropofagia cultural" e a relação entre os valores estéticos do Ocidente e da Europa serve se base para a coleção do estilista.

Herchcovitch deve abrir seleção de estágio para 20 alunos de faculdades de moda.

De acordo com o texto enviado ao governo, todas as roupas serão doadas.

O Ministério da Cultura deverá indicar outras instituições que devem receber parte da coleção de peças, além do Museu da Cidade de São Paulo, do Museu de Moda do Rio de Janeiro e do Senac de São Paulo.

O desfile de Alexandre Herchcovitch em Nova York, que será gratuito, prevê a presença de apenas 200 convidados, entre público e "formadores de opinião". Em São Paulo, serão 500 pessoas.

"Quem nunca teve acesso a um desfile, agora terá", diz Herchcovitch.

Já Ronaldo Fraga, que pesca inspiração para suas próximas temporadas nas obras do artesão Espedito Seleiro e dos escritores João Cabral de Melo Neto e Mário de Andrade, pretende realizar uma exposição, ainda sem local e datas definidos, depois do primeiro desfile na São Paulo Fashion Week.

Assim como Herchcovitch, Fraga apresenta coleções na semana de moda paulistana e irá doar peças para museus e ministrar oficinas.

"A apresentação será aberta, fora da Bienal [do Ibirapura, onde ocorre o evento]. Procuro um lugar onde caibam mil pessoas", diz o estilista mineiro. As peças serão confeccionadas em parceria com bordadeiras de Tabira, interior de Pernambuco.

(PEDRO DINIZ)

Posted by Patricia Canetti at 10:07 AM

Beatriz Milhazes ao vivo por Nani Rubin, O Globo

Beatriz Milhazes ao vivo

Matéria de Nani Rubin originalmente publicada no jornal O Globo em 27 de agosto de 2013.

Beatriz Milhazes - Meu bem, Paço Imperial, Rio de Janeiro, RJ - 30/08/2013 a 27/10/2013

Muito falada, mas pouco vista no Brasil, a mais cara artista viva do país reúne 61 obras no Paço, 11 anos após sua última grande mostra no Rio

RIO - Quem leu as páginas de cultura de jornais, sites e blogs nos últimos anos deve estar cansado de saber que Beatriz Milhazes é a mais cara artista brasileira viva. Que pinturas como “Meu limão” (2000) e “O mágico” (2001) alcançaram cifras milionárias em leilões de casas como Sotheby’s e Christie’s. Que há fila, entre os endinheirados de bom gosto, para comprar uma tela sua. Que arabescos, mandalas, flores e ouro se repetem em sua produção, compondo obras de colorido exuberante, que todo mundo parece conhecer, de tanto ver em imagens, impressas ou digitais, que acompanham notícias sobre a artista. Parece conhecer, ressalta Beatriz.

— Ninguém conhece de fato a obra de um artista se não a vir ao vivo — ela diz. — Outro dia uma pessoa me falou que conhecia minha obra, perguntei a que exposições tinha ido, e ele respondeu que nunca havia visto uma. Então não conhece. Para conhecer tem que ver a escala, a matéria, a manufatura.

É, portanto, uma oportunidade de ouro (e arabescos, flores, mandalas...) a exposição “Meu bem”, que será inaugurada nesta quinta-feira, às 18h30m, no Paço Imperial. Estarão lá 60 pinturas, gravuras e colagens, feitas entre 1989 e 2013, além de um móbile de nove metros de altura, “Gamboa I”, produzido especialmente para o local. A artista de 53 anos — que fala sobre sua obra hoje, às 20h, na Casa do Saber O GLOBO, ao lado de Lauro Cavalcanti, diretor do Paço, em evento com ingressos já esgotados — festeja sua primeira grande exposição na cidade desde 2002, quando ocupou o CCBB com 22 trabalhos. É a mostra que marca seus 30 anos de carreira, contados a partir da primeira exposição, em 1983. Mas é, principalmente, a maior panorâmica da artista.

Autor de ensaios sobre Beatriz e curador da exposição “Panamericano”, montada no ano passado no Malba, em Buenos Aires, o francês Frédéric Paul optou por uma mostra centrada na pintura, mas com um diálogo com a gravura e a colagem, que aos poucos foram introduzidas. Os trabalhos anteriores a 1989 ficaram de fora. Ele explica a escolha:

— Esse é o ano em que ela começa a usar a técnica do decalque. É nesse momento que algo muda em seu trabalho. Antes, fazia uma referência forte às artes decorativas, ao período histórico brasileiro, imperial, com rendas, bordados. Mas a partir de 1989 sua pintura se torna menos espontânea e mais distanciada. Ela parte para a abstração.

Basicamente cronológica, a exposição faz alguns saltos. Já na abertura, Paul pôs uma tela do ano-marco, “Me perdoa... te perdoo” (1989) ao lado de uma recém-saída do ateliê no Horto: “Lavanda” (2012/2013), para mostrar como a primeira “antecipa de forma espantosa a problemática” que vai percorrer mais tarde a obra da artista. Em outra sala, ele reuniu a pintura “O sonho de José” (2003/2004), a colagem “Ginger, candy” (2006) e a gravura “Havaí” (2003), as três com uso marcante do arabesco. Na última sala, a tela “Domingo” (2010) está ao lado de uma série de gravuras nas quais o curador identifica uma “tentação pela arte cinética”: listras e estrias de cores vibrantes revelam o desejo do movimento.

Visão particular das quatro estações

A maioria das obras não foi vista no Brasil. Além de “Meu limão” (leia abaixo) e “O mágico”, há, entre outras, “Beleza pura” (2006), “Dancing” (2007) e o conjunto de quatro telas “Gamboa seasons” (2010), pintado para uma exposição na Fundação Beyeler, em Basel, na Suíça. Ela, que sempre quis fazer uma série “quatro estações”, tema tradicional na arte, exultou quando o diretor da fundação lhe pediu algo especial. “Agora é o meu momento”, pensou, esbarrando, no entanto, numa espécie de impossibilidade.

— A ideia da mudança das temperaturas sempre me estimulou, mas percebi que era uma coisa mais da minha imaginação, apesar de passar temporadas longas fora e vivenciar estações variadas. Então me baseei na minha experiência no Rio. Em vez de mudanças de estação, fiz variações de calor — conta.

Participante da mítica exposição “Como vai você, Geração 80?”, em 1984, no Parque Lage, uma celebração da pintura após a efervescência da arte conceitual no país nos anos 1960 e 70, Beatriz foi aos poucos agregando outros meios em seu trabalho: em 1996, as gravuras; em 2003, as colagens e peças para arquiteturas específicas, como painéis para a loja da editora Taschen em Nova York ou o metrô de Londres; e, no ano seguinte, objetos tridimensionais.

Um deles, “Gamboa I”, é certamente um destaque, pelo encantamento que produz. São cinco móbiles, com miçangas, flores de tecido, colagens com espelhinhos, contas “e o que mais o Sérgio encontrar na Saara”. Sérgio Faria, ex-colaborador da carnavalesca Rosa Magalhães, encontrou bastante coisa, e, a partir de um desenho de Beatriz, ele a mãe da artista, a historiadora da arte Glauce Milhazes, montaram a obra, que ocupa a Sala dos Archeiros, com luz natural entrando pela cúpula.

Como muitas outras obras, o “Gamboa I” tem uma história por trás. O primeiro móbile que fez foi um cenário para o espetáculo “Tempo de verão”, da irmã, a coreógrafa Marcia Milhazes, e passou a ser assediada por curadores.

— Vários quiseram levar a peça para exposições — conta Beatriz. — Mas disse que não, ela foi feita em outro contexto.

Finalmente, a artista concordou em criar um para a bienal Prospect.1, em Nova Orleans. “Gamboa” percorreu exposições em Nova York, Basel e Lisboa, e hoje está numa coleção particular em Berlim.

— Antes, eu era uma pintora fazendo cenários. Agora, os cenários começam a dialogar com meu universo de arte — diz.

O universo de arte de Beatriz se amplia. A artista, que pratica musculação para poder enfrentar o embate da pintura (“é onde dispendo mais energia”), está desenvolvendo sua primeira peça-escultórica, na mesma Durham Press onde imprime suas gravuras, na Pensilvânia. A peça, em grande escala, será em acrílico e alguns metais pintados, formando volumes físicos isolados que dialogam entre si, com os mesmos motivos recorrentes em suas telas.

Filme e livro em 2014

Este ano, Beatriz vai mostrar pela primeira vez a escultura. Ela estará ao lado de de pinturas recentes na exposição que fará em novembro na Fortes Vilaça, em São Paulo, sua galeria brasileira (ela trabalha também com galerias em Londres, Nova York e Berlim). Em setembro de 2014, abre uma mostra panorâmica no novíssimo Pérez Art Museum Miami, museu de arte moderna na cidade projetado pelos arquitetos suíços Herzog & de Meuron, que será inaugurado em dezembro deste ano. Também em 2014, estão previstos os lançamentos de um livro sobre sua obra pela Taschen e um filme de José Henrique Fonseca (“Um épico”, brinca ela, devido à produção arrastada, “culpa” da agenda lotada). A tal agenda lotada, comum a um pequeno grupo de artistas internacionalizados da sua geração, como Adriana Varejão e Vik Muniz, e que faz suas exposições serem bastante espaçadas no Brasil, é explicada por ela de forma muito simples:

— O Brasil é só um ponto a mais no circuito internacional. às vezes, falando isso, você parece meio pedante, mas a minha realidade é essa, não tenho como fazer diferente. Até porque sou muito cuidadosa com o que faço. Não faço qualquer mostra. Aqui, por exemplo. Já que vamos fazer, tem que ser a melhor.

Posted by Patricia Canetti at 10:00 AM

Galerias cariocas, as grandes incentivadoras da ArtRio por Nice Jourdan, O Globo

Galerias cariocas, as grandes incentivadoras da ArtRio

Matéria de Nice Jourdan originalmente publicada no jornal O Globo em 19 de agosto de 2013.

Na primeira edição da feira, algumas das galerias mais importantes do circuito não acreditaram no mercado de artes da cidade

RIO - Quando o projeto da ArtRio foi lançado em 2011, muita gente duvidou do potencial da iniciativa e achou que o Rio de Janeiro não teria um mercado que comportasse uma feira de artes desse padrão. Reconhecidamente atrás do maior polo cultural do país, São Paulo, o mercado de artes carioca ainda não possuía um tipo de plataforma estabelecido para comercialização de obras. De cara, algumas das maiores galerias paulistas não toparam, ou simplesmente não acreditaram na ideia. A questão era: por que sair da cidade para um território desconhecido? No Rio, a coisa tomou proporções diferentes e a noticia foi recebida com entusiamo por todos do cenário cultural. A proposta parecia se encaixar com a necessidade do momento. Era o passo que faltava para um salto na internacionalização dos rumos do mercado de artes contemporânea. Agora, em apenas três anos, a ArtRio já é considerada a segunda maior feira do país em volume de negócios, de acordo com a pesquisa feita pelo programa Latitude.

— Achei que era uma iniciativa que o Rio precisava há muito tempo. Sempre existiu uma insatisfação por não haver um tipo de movimento como esse no Rio. A SP Arte já existe há 10 anos e a Bienal há 50. O resultado aqui passou das expectativas — conta Mercedes Viegas, diretora da galeria que leva seu nome.

O resultado foi muito maior do que o esperado em termos de venda - com obras negociadas entre R$ 2 mil a 7 milhões -, colocando a cidade na agenda cultural dos grandes colecionadores e ampliando um mercado interno.

O número de galerias aumentou - de 83 para 101. Não é um crescimento considerável, mas a organização priorizou o conteúdo, a qualidade dos expositores e o conforto de todos. A distribuição dos estandes aconteceu de forma democrática e heterogênea - as cariocas Lurixs e Anita Schwartz se encontram ao lado das gigantes Gladstone (NY), Pace (NY), Gagosian (NY), por exemplo.

— A ArtRio teve um sucesso estrondoso na primeira edição. Já no segundo ano, todas as galerias que não participaram compareceram. A feira internacionalmente está crescendo e ganhando mais visibilidade - Afirma Ricardo Rego, diretor da Galeria Lurixs, que acredita numa concorrência entre os modelos de feira paulista e carioca. — Na última feira de SP, a organização deu um salto grande, de certa forma motivada pelo sucesso que o Rio fez. Assim como a feira do Rio buscou um padrão na SP Arte — esclarece o galerista.

Para a galerista Anita Schwartz, o diferencial para um evento como este é a qualidade das obras e dos espaços. A concorrência ocorre de forma saudável. O público comprador carioca está crescendo, assim como os colecionadores. Cada vez mais os novos compradores estão educando o olhar para tornarem-se possíveis colecionadores. Além disso, o rumo que modelo do evento apresenta um tom mais educativo, principalmente quando passou a receber visitações de escolas e de pessoas em busca de programas de lazer.

— O mercado do Rio renasce totalmente revigorado. As pessoas comuns tiveram um interesse total na feira. Aqui, além do papel comercial, a feira também tem o papel institucional e educativo. No final de semana a visitação é mais voltada para o público comum. A arte contemporânea é lúdica e acessível. As pessoas querem interagir — conta Liecil Oliveira, da Galeria Athena, sobre o interesse do grande número de visitantes do evento.

Posted by Patricia Canetti at 9:56 AM | Comentários (1)

agosto 21, 2013

Fala, Pablo Capilé por Giselle Beiguelman, Select

Fala, Pablo Capilé

Entrevista de Giselle Beiguelman originalmente publicada na revista Select em 19 de agosto de 2013.

Articulador do FdE mostra que não perde o centro

"Quando a direita e a esquerda estão no mesmo lugar, em uníssono, tende-se à situação de 'overcrítica' que estamos vivendo", diz Capilé.

Poucos assuntos foram mais recorrentes na mídia brasileira nos últimos dias que as polêmicas em torno da atuação da rede de coletivos Circuito Fora do Eixo (FdE). Depois de uma euforia quase sem precedentes sobre a atuação da Mídia NINJA, um dos nós do circuito, em serviços noticiosos de peso, que incluem a Globo News, o Washington Post, a BBC, a Folha de S. Paulo e o Estadão, e culminou em uma participação no prestigioso Roda Viva da TV Cultura, um verdadeiro tsunami de ataques recaiu sobre eles.

Em paralelo ao questionamento, legítimo, de leitores, espectadores e agentes de informação, sobre o uso de recursos captados em editais públicos e sua moeda coletiva (o Cubo Card), instaurou-se um tribunal coletivo que acusa sem dar direito de defesa. Estão em jogo, além de modelos de gestão, metodologias independentes de ação no cenário da produção cultural brasileira, a emergência de novos perfis de protagonistas e modelos alternativos de produção, circulação e consumo das mídias e dos bens culturais.

A criminalização da existência do FdE, que não deixa de levantar suspeitas com relação a sua intransigência classista e seu racismo velado, dada a inequívoca centralização dos ataques na figura de um de seus principais articuladores, Pablo Capilé -- um não-bonitinho, não-branco, outsider do who is who no eixo Rio-São Paulo -- instaura uma perigosa estratégia de linchamento. Essa estratégia assusta, haja vista a velocidade com que se processa e pela sua sincronia com o reconhecimento do sucesso dos NINJAs e do poder de articulação do FdE.

Acusado de ladrão, machista, explorador e truqueiro, encontramos com a polêmica figura, Pablo Capilé, na Casa Fora do Eixo, no bairro do Cambuci, em São Paulo no dia 16 de agosto. Foi nossa primeira vez lá. Sem esconder as mágoas, os sustos e inseguranças com o que está acontecendo, nem os sonhos que ainda tem, ele falou por quase duas horas. Admite erros, aposta no futuro, surpreende pelo raciocínio rápido e pelo domínio da situação. Falou da infância em Cuiabá, do aprendizado com a mancha cutânea de nascença e de como ela o ensinou a superar adversidades e mapear seu ecossistema. Discorreu sobre expectativas não correspondidas, sexismo, reivindicações de cachê, Cubo Cards e o futuro do Fora do Eixo. Entre as reticências que ficam no ar, uma certeza: o movimento nas redes continua e ele não titubeia em dizer: "reciclar-se é entender que você se contradiz".

seLecT: Para você, o que é o Fora do Eixo?

Capilé: O FdE é uma comunidade totalmente aberta. Que dialoga de A a Z. Você nos encontra em um Festival de Música com artistas e depois sentado com um ex-presidente. Nós fomos do MST aos artistas de classe média. Ou seja, percorremos pontos extremos. Fazer essa volta completa e circular, são poucos os movimentos que tentam. Somos uma mistura dos movimentos sociais de base, do tipo do MST, do MPL, com os coletivos –o povo das redes sociais, da cultura dos memes – da luta de classes com a disputa pelo imaginário, sendo que o cara da luta de classes, dos movimentos sociais, acha que esses coletivos atuam de forma muito branda, e o cara que vem desses coletivos, vê aquele que atua nos movimentos sociais como mais radical. No meio disso tudo, fica o ruído, a evidência da contradição, e é onde estamos.

Você esperava tornar-se o centro de um debate midiático dessas proporções?

De alguma forma, esses debates, essas discussões, teriam que ser feitos em algum momento. Vendo retrospectivamente, penso que seria impossível que esse momento não se desse logo depois do Roda Viva e com a supervisibilidade que tivemos e com nossa forma honesta, tranquila e segura de responder. Fechamos ali um ciclo de provocações necessárias para que esse debate se ativasse. Eu não esperava que o nível de debate fosse aquém do tamanho e da complexidade dos temas que estavam sendo colocados. Mas acreditava que iriam aparecer várias questões relacionadas à criminalização da relação do Estado com a sociedade civil e ao sistema de comunicação que estava sendo criado por nós. Contudo, não acreditava que o debate comportamental seria tão preconceituoso. Se não fosse o viés moralista, estava tudo mais ou menos dentro das expectativas.

O que você classifica como moralista nos debates que estão se dando em torno das práticas do FdE?

A ignorância em relação à vida comunitária e a expectativa que uma vida em comunidade seja o "céu" e não entender que a complexidade humana de muitas vidas misturadas, equilibrando-se em busca de uma harmonia... Surpreendeu-me os sustos diante da descoberta que aquilo não fosse somente o céu, de sermos todos seres humanos, com tudo aquilo os homens tem de pior e de melhor. É preciso ainda levar em conta que não são apenas pessoas morando juntas, mas trabalhando em conjunto, o que é bem diferente de vários em um mesmo espaço, trabalhando cada um em suas coisas. Fiquei particularmente incomodado com essa história de que funcionamos por cooptação. As pessoas conversam, chegam junto, em todos os lugares, nos bares, nas festas, em rodas de amigos. É natural que também nos aproximemos, falemos, conversemos, e que os assuntos sobre os quais estamos trabalhando, apareçam, sem que exista qualquer planejamento prévio.

Acusam vocês de falta de transparência.

Agregamos muita gente, somos abertos em todos os sentidos. Qualquer um pode vir aqui, dormir, trazer projetos. Publicamos tudo, tiramos foto de tudo... Nosso erro não foi a falta de transparência. Foi nossa overtransparência. Não nos arrependemos disso, mas entendemos que essa supertransparência gerou um superdebate. Todos – o músico, o cineasta, o ativista, o fotógrafo, o acadêmico – sentiram-se no direito de fazer algum tipo de avaliação sobre as coisas que desenvolvíamos. Abrimos portas em circuitos diversos e neles as pessoas sentiram-se no direito de dar opinião. Se o que está sendo dito fosse a regra e não a exceção, jamais teríamos conseguido chegar no ponto em que estamos. Teríamos implodido há muito tempo, fato que se comprova se você pensar que nos últimos dias, no meio desse furacão, nenhuma das pessoas da rede pediu desligamento.

Ocorrem muitos pedidos de desligamento?

Não, mas preciso contextualizar os depoimentos sobre esse tema dos desligamentos, em função de alguns depoimentos, como o da Laís Bellini. Quando chegamos em São Paulo, em 2011, sabíamos que haviam duas narrativas prontas nos esperando. Uma delas era: chegaram os caipiras-caga-regra que vieram para a cidade grande apresentar uma solução genial. Isso gerou um certo clima de precisamos provar. O primeiro ano foi de um ambiente muito tenso. Trinta pessoas, que nunca haviam convivido, de diferentes partes do Brasil, na pressão, cientes do fato que o êxito nacional do FdE passava pelo sucesso desse nó em São Paulo. Ao longo de 2012, com todas as realizações, fomos relaxando e entramos em 2013, com toda essa autocobrança totalmente resolvida. Ninguém faria um depoimento desses em 2013. Contudo, tivemos vários depoimentos francamente favoráveis a nós e nossa atuação e me espanta que esses depoimentos, de outras pessoas que trabalharam e se desligaram do FdE, não tenham sido tão ouvidas como as que se frustraram de alguma forma.

E qual era segunda narrativa?

Se déssemos certo, algo teríamos que ter feito de errado para dar tão certo.

Por que o depoimento da Beatriz Seigner no Facebook, teve essa repercussão, desencadeando a onda de protestos súbitos de todos os lados?

A forma como foram feitos esses depoimentos emocionais, como o primeiro da Beatriz, reunia, em primeira pessoa, todas as críticas que faziam a nós. Aí, o músico que estava insatisfeito conosco, identificava-se com não-pagamento feito pelo Sesc. O ativista sentia-se contemplado na questão da apropriação, O outro que achava tudo verticalizado, identificava-se com a acusação de personalização. O que acreditava que nós nos autoexplorávamos, sentia-se confortável com a lógica de zumbi que essa imagem da mais-valia projetava. Então, mesmo ela não tendo vivido boa parte do que narra, conseguia capturar boa parte das críticas que nos faziam. Isso somado à visibilidade que conquistamos, funcionou como pólvora.

Você acha que houve preconceito e ciúme nessa história toda?

Um pouco. Tenho quase certeza que somos uma experiência única, no mundo, de casas coletivas, com caixa coletivo, em um país de dimensões continentais. Mas algo que não podemos negar é que esse ineditismo fez com que não fossemos compreendidos nem pela direita, nem por parte da esquerda, e isso explica boa parte da animosidade que foi veiculada em diversos canais midiáticos: parte da esquerda nos considera os novos capitalistas e a direita nos vê como os novos comunistas. Nosso ineditismo está na base disso. Algo parecido com o que ocorreu na Tropicália, criminalizada pela esquerda por ser capitalista e pela guitarra elétrica, e pela direita como hippies comunistas. O Lula, também, no começo do PT, funcionou dessa forma ambivalente, com uma esquerda intelectual, que não conseguia absorvê-lo como uma forma de liderança popular, por um lado, e uma direita que ficava horrorizada com seu espectro. Muitas vezes o Fora do Eixo é visualizado como Estado e muitas vezes como alternativa de mercado no século 21. E quando a direita e parte da esquerda estão no mesmo lugar, em uníssono, tende-se a essa situação de "overcrítica".

Você se magoou em algum momento com a avalanche de críticas que foram feitas especialmente a você?

Não, mas a questão do comportamento me magoou. Se era com aquelas pessoas que eu acreditava que se poderia chegar a um outro mundo possível, colaborativo, tive certeza que não era a partir dos debates que propunham que poderíamos chegar onde queremos chegar. Existem outras questões mais importantes nesse processo civilizatório do Brasil, pelo qual estamos passando, do que tentar nos criminalizar. A questão do comportamento é moralista e é hipócrita. Falo dessa onda sobre a perspectiva messiânica, o trabalho escravo, o sexismo, a articulação programática dos desejos das pessoas.

Como você explica a acusação sobre o sexismo e a dominância masculina?

Totalmente conjuntural! As oito meninas que moravam aqui foram para Brasília, implantar, no ano passado, a Casa Fora do Eixo no Distrito Federal, a Casa de Porto Alegre, de Belém... Só elas tinham essa capacidade. Resultado: passamos um período de alta visibilidade, entre mais o menos o Existe Amor em SP ao NINJA, só com homens na Casa [de São Paulo], mesmo sendo uma rede que tem muito mais mulheres do que homens e que tem na maior parte das Casa, como gestoras, mulheres, como a de São Paulo também tinha.

E o que diz das denúncias de alguns artistas?

Quando você passa por uma chuva de avaliações, como estamos passando, você também adquire autonomia para não recuar nos seus princípios. Muitas vezes tínhamos que discutir as questões do cachê, a partir da perspectiva do artista que entendia que a sustentabilidade diz respeito exclusivamente à sua remuneração direta. Na medida em que todas essas críticas são colocadas, não temos mais a necessidade de estar na mediação disso. Podemos partir para a defesa de outras formas de remuneração, sem ter que criar pontes e ficar no lugar dessa mediação entre dois mundos. Isso passa, novamente, pela questão do comportamento, de ter que evidenciar o que é ter uma criança aqui dentro, de evidenciar que não dá para centrar o debate na procura de um céu, pois o que provavelmente você encontrará é um inferno, evidenciar a criminalização do movimento social e sua relação com Estado... Todos esse temas ficaram eclipsados porque estávamos todos demasiado absorvidos por essa mediação. Agora é hora de por em questão que existimos, recebemos investimento, sim, e falta muito, porque falta muito investimento em cultura no Brasil.

Falando em recursos, como você avalia a gestão do dinheiro feita pelo FdE?

Muito do que fazemos quem deveria fazer é o Estado. Criar um circuito de festivais, criar um circuito de música independente, levar o cara de Amapá, do Rio Branco, de Cuiabá para tocar pelo Brasil, pensar um fluxo de distribuição..., quem deveria estar fazendo isso é a Funarte, o Minc, que, vale lembrar, têm bem mais recursos do que nós para fazer tudo isso e não conseguem fazer metade do que a gente faz.

O grande problema são as expectativas. A pessoa quer fazer algo e nós dizemos temos 30%. Entramos com isso e você traz os outros 70%. Mas a expectativa é que entremos com os 30 e mais os 70%. Não temos. Mas dada a visibilidade que temos, em função da nossa prática e de nossas realizações, espera-se que sejamos capazes de tudo, que funcionemos como uma produtora. Não somos e aí, sobra frustração, pois a pessoa vem acreditando que teríamos condições de fazer dele uma carreira de sucesso. O que estamos falando é que temos mais de 5000 cidades no Brasil e que temos condições de levar a pessoa para cerca de 300. Nosso papel é dar condições para as pessoas apresentarem seu trabalho, não garantir que vão vender CDs, não de encampar a expectativa que a pessoa tinha da indústria e projeta em nós.

Você atua política e publicamente desde que vivia em Cuiabá. Isso preparou você de alguma forma para o que está vivendo agora?

Atuo no meio político e cultural desde os anos 2000. Em 2002, já trabalhava com um coletivo em Cuiabá, que depois se tornou o Cubo, e íamos fazer pressão no Conselho de Cultura da cidade. Tanto fizemos que acabamos elegendo um conselheiro. Em 2005, fizemos um festival, o Calango, que deu oportunidade aos músicos locais mostrarem que faziam algo mais que "cover" de bandas consagradas. Fizemos um blog que rapidamente se tornou referência e logo as bandas começaram a se projetar. Montamos um estúdio de gravação, um local de ensaio, e ao mesmo tempo, debatíamos políticas públicas. Enquanto crescíamos, já vivíamos um processo que nos acompanha até hoje, mais precisamente, ele é "o" processo. Olhando para trás, posso te dizer que foi sempre assim. Era gente nos chamando de filhinhos de papai, outros de maconheiros, e gente falando "está acontecendo coisa de mais e nós não estamos recebendo!"

E nós, naquele impasse: como fazer essas pessoas acreditarem em processos colaborativos e, ao mesmo tempo, explicar que não tínhamos nada, que era tudo feito a partir de muita gambiarra... Foi aí que decidimos criar a nossa moeda, o Cubo Card, uma moeda própria com a qual pagávamos as bandas e permitíamos que trocassem o valor recebido por outros serviços (release, site, horas de ensaio no estúdio etc). Tal como hoje, de forma muito otimista, saímos distribuindo Cubo Cards, especialmente porque todos que viam a experiência que estávamos fazendo, queriam fazer parte dela, reconheciam sua potência. Gerando Cards, Cards, Cards, chegamos ao fim do ano com um monte de gente solicitando seus serviços ao mesmo tempo. Rolou um subprime! Que é muito parecido com o Sub Prime que está rolando agora e está muito ligado à lógica da potência e chega uma hora em que as expectativas daquele parceiro em relação às metodologias que estavam sendo desenvolvidas foram frustradas.

As projeções são sempre muito menos realistas do que deveriam. É aí que reside o subprime, muitas vezes gerado não por nós, mas pela inflação de expectativas dos outros sobre nossa experiência, que é, bom frisar, inédita. Então, posso dizer que desde o começo recebíamos os mesmos ataques. Contudo, como era tudo muito pequenininho, o tiroteio era proporcional ao nosso tamanho. Isso pode ser um erro: estimular as pessoas a partir da potência. Mas não tenho convicção. Sempre acreditei que a potência é mais honesta, mais agregadora e mais inteligente que a abertura de espaço para avaliação moralista.

Como era sua vida antes do Cubo, antes do Fora do Eixo, em Cuiabá?

Sempre tive muitos amigos e minha mancha me ajudou muito. Explico. Ela fez com que eu tivesse escolhido alguns lugares de observação privilegiada. Meus amigos da escola, da rua, meus primos, eram os lugares onde eu me sentia seguro, protegido. Era como se eu estudasse alguns ecossistemas e como aquilo ali funcionava e só assim conseguia estar bem. Até uma certa idade, acreditava que isso seria um problema que eu carregaria a vida toda. Com o tempo, eu fui aprendendo que aquilo era um pequeno espaço para avaliar experiências que eu teria – de negações e diferenças – sempre.

Quando descobri que aquele problema, minha mancha, estava digerido, e que eu acreditava que era insolúvel e eterno, descobri que não tinha mais que me preocupar com "para onde as coisas estão indo?". Era possível ir, pois o que parecia ser o maior dos problemas, e que eu carregaria comigo para sempre, não era tão grande assim. Acredito que esse diálogo interior me fez ser da maneira que sou. Essa superação me mostrou que era possível enfrentar o que parecia ser maior do que era de verdade. E tornou-se uma característica da minha personalidade. A mancha me deu uma guinada à esquerda. Culpa da mancha. (Risos).

Você imaginava, quando veio para São Paulo, que o FdE tomaria essa proporção?

Não.

Qual impacto que as críticas que vem tomando diversos veículos jornalísticos e as redes terão sobre o FdE? Como você, pessoalmente, está reagindo a isso tudo?

Os dois primeiros dias, depois do post da Beatriz e o que ele desencadeou, foram ruins. Temos muita coisa agora para administrar, mas essa avalanche de debates obriga as pessoas a nos conhecer e saber o que fazemos. Não consolida opiniões, permite que possamos expor nossas ideias. Gera curiosidade e permite que as pessoas se aproximem e tenham repertório para avaliar o que receberam de informações desencontradas, sem ter muita clareza. Está sendo muito pedagógico. Além do mais, esse momento nos impulsiona a debater os temas importantes do Brasil. Não que estivéssemos alheios a eles, mas tínhamos muita força destinada a uma etapa anterior, que se encerrou, de ativar circuitos, por exemplo. Estamos renascendo e não morrendo. Quando você percebe que você erra, sim, que existem muitas contradições no que você está fazendo, você está aberto para recomeçar. Reciclar-se é entender que você se contradiz.

Leia também: Em nome da Ruidocracia, por Pedro Paulo Rocha

Posted by Patricia Canetti at 9:55 AM

agosto 18, 2013

Hábitos de consumo: compra de obras online por Daniele Dal Col, Coletivo 2e1

Hábitos de consumo: compra de obras online

Artigo de Daniele Dal Col originalmente publicado no Coletivo 2e1 em 5 de julho de 2013.

Uma nova pesquisa divulgada em abril pela Hiscox [UK], em parceria com a ArtTactic, revelou tendência crescente para comprar arte online: 71% dos colecionadores questionados já haviam comprado uma obra sem vê-la, com base apenas em uma imagem.

O Online Art Trade Report examina como os hábitos de compra dos colecionadores de arte estão evoluindo em um mundo cada vez mais digitalizado. Ele explora a confiança dos colecionadores de arte em comprar obras de arte com base em uma imagem apenas, bem como as oportunidades que isso traz para galerias e negociantes, e seus resultados são baseados em entrevistas com centenas de compradores influentes, colecionadores e galerias operando no mercado de arte contemporânea. O relatório também analisa a idade, o sexo e as diferenças geográficas em que as pessoas estão comprando e como eles estão comprando em um mercado online.

Isso mostra que as galerias estão respondendo às oportunidades que as vendas online representam, com 89% dos entrevistados dizendo que vendem regularmente para clientes utilizando apenas uma imagem. O relatório também mostra que pinturas são mais frequentemente comprados desta forma, apesar do equívoco comum que as fotografias e impressões são mais adequadas à negociação de arte online.

Olhando para os resultados, tantos como a metade de colecionadores entrevistados com 65 anos ou mais disseram ter comprado arte diretamente on-line, e 82% disseram que tinham comprado obra a partir de uma imagem, apesar das galerias estimarem que apenas uma pequena proporção de sua base de clientes on-line era composta de pessoas com mais de 60 anos. Ela também revela que os homens ficam mais confortáveis ​​com compras online do que as mulheres, e também são mais propensos a usar leilões on-line.

As principais barreiras para colecionadores ao comprar arte online ainda estão relacionadas à questões de proveniência e autenticidade, bem como a reputação do vendedor. Enquanto a pesquisa indica que mais de três quartos das galerias pesquisadas ​​atualmente não oferecem aos clientes a oportunidade de concluir uma transação totalmente on-line, com pouca ou nenhuma interação com o revendedor, parece que as galerias tradicionais estão acordando para essas oportunidades – com pouco mais de metade das galerias pesquisadas planejando implementar uma estratégia de vendas on-line nos próximos 12 meses. Entre as galerias que já fazem venda através do seu site, 72% disseram que suas vendas foram apenas on-line para novos colecionadores, sinalizando uma oportunidade significativa para galerias “físicas” com uma reputação bem estabelecida de capitalizar sobre isso, fornecendo novas rotas para comprar – especialmente para obras de menor preço.

Esta pesquisa certamente desafia alguns dos mitos associados à vendas online e dá uma indicação clara do apetite que já existe para a compra de arte dessa maneira. O mercado de arte está em um momento e seu potencial para o comércio em novas formas – bem como através de métodos tradicionais – marca um importante passo. O mercado de arte tem o potencial de ser muito diferente ao longo dos próximos anos, e conclui informando que a reputação do vendedor continua a ser tão crítica no mercado on-line como no mercado tradicional “.

Acessar o arquivo e ver a pesquisa.

Posted by Patricia Canetti at 10:52 PM

agosto 13, 2013

Futuro dos museus está na criatividade e não na tecnologia, dizem especialistas reunidos no Rio por Audrey Furlaneto, O Globo

Futuro dos museus está na criatividade e não na tecnologia, dizem especialistas reunidos no Rio

Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no jornal O Globo em 10 de agosto de 2013.

Conselho internacional dedicado a estas instituições realiza conferência na cidade a partir deste sábado

RIO - “Se os brasileiros vão à praia e não aos museus, talvez os museus devam ir à praia.” A imagem criada pelo alemão Hans-Martin Hinz seria apenas poética, não fosse a realidade. No século XXI, diz ele, ainda há museus que agem como se estivessem no século XIX e, “ultrapassados, dispõem toda a sua coleção em redomas de vidro”, transformando a experiência de ir ao museu em algo “pior do que qualquer programa de televisão”.

Hinz está no Rio para a 23ª conferência do Icom, o Conselho Internacional de Museus, órgão parceiro da Unesco que reúne mais de 30 mil profissionais de 137 países numa rede mundial de pesquisa, promoção e preservação do patrimônio cultural. Pela primeira vez no Brasil, a conferência — criada em 1946 e realizada a cada três anos em países distintos — começa neste sábado, na Cidade das Artes, com uma reunião do conselho executivo do Icom.

Estima-se que até o dia de seu encerramento, no próximo sábado, o evento trará à cidade 2.000 profissionais ligados a museus. A programação é extensa e se pretende plural — há desde artistas renomados, como a cubana Tania Bruguera, e diretores de instituições longínquas, como Joanna Mytkowska, do Museu de Arte Moderna de Varsóvia, na Polônia, ao ex-secretário de Desenvolvimento Social de Medellín, na Colômbia, Jorge Melguizo, ou o escritor moçambicano Mia Couto. A ideia é que discorram, cada um à sua maneira, sobre “Museus (memória + criatividade) = mudança social”, tema da conferência.

Com um doutorado em Ciências Naturais no currículo, Hinz foi encarregado pela presidência de seu país de assessorar a criação de novos museus na Alemanha nos anos 1990 e, por mais de dez anos, esteve à frente do Museu Histórico Alemão, em Berlim. Tem os olhos treinados para avaliar projetos museológicos. E sentencia:

— O Brasil não está distante dos padrões internacionais, de forma alguma. O padrão aqui é elevado, sim, mas tudo depende do público-alvo. Há museus em todo lugar e há formas de organização completamente diferentes.

Assim, Hinz desconstrói o pensamento predominante no Brasil de que museus precisam se modernizar tecnicamente para vingar no século XXI. Enquanto o Ibram estima que são necessários R$ 244 milhões para “requalificar” os museus, ele prega que nem toda instituição precisa, por exemplo, de audioguia ou catálogos bilíngues.

— A questão é criatividade. Não é necessário imprimir tudo, por exemplo, porque é caro. Não precisa ter audioguia. Há países que escolheram ter só aplicativos para telefone, porque é mais barato e atrai públicos jovens. O público-alvo não é homogêneo, e não é fácil fazer com que todos os museus tenham o mesmo nível, embora todos tentem fazer seu melhor — afirma. — É claro que os museus nacionais são mais equipados, porque estão esperando público internacional. Mas esse não é o caso de todos. Há museus pequenos na Alemanha que não têm dinheiro para criar catálogos ou áudio em outros idiomas. Se um visitante internacional for até lá, talvez fique desapontado. Mas nos museus nacionais isso é diferente, eles são destinos turísticos.

Na tentativa de falar a língua do século XXI, os museus têm ampliado o uso de tecnologia em suas exposições — de forma um tanto histérica, como avalia o físico espanhol Jorge Wagensberg, que criou e dirigiu o Museu de Ciência de Barcelona, conhecido por transformar a abordagem museológica em ciência. Tido como um dos grandes pensadores de museus na atualidade, Wagensberg dará palestra no Icom na próxima quarta-feira.

— A tecnologia caduca sempre muito rapidamente. As boas ideias, por outro lado, não caducam jamais. É nisso que os museólogos nunca devem economizar: as boas ideias para explicar boas histórias com inteligência e beleza! Um bom museu não se constrói como se faria um livro ou um filme, quer dizer, começando pelo índice. Um bom museu, insisto, se constrói sobre um punhado de ideias brilhantes — defende o físico.

Para ele, as instituições podem ser mais atraentes usando apenas “inteligência e beleza, e não sequestrando os típicos falsos estímulos do show business ou do best-seller”.

— Um estímulo é bom simplesmente quando te incita a continuar na aquisição de conhecimento. Os que se esgotam em si mesmos são outra coisa, talvez pornografia?, e o que faz um bom museu é contar boas histórias usando a realidade em vez de imagens e palavras — completa Wagensberg.

À frente do debate intitulado “O museu e a condição humana: o horizonte sensorial” (nesta segunda-feira), Ulpiano Bezerra de Meneses, professor emérito da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, é crítico do uso de exposições blockbuster para atrair público (“Sou também contra o caráter ‘explosivo’ e avulso desses megaeventos, o que a longo prazo não contribui para implantar o desejável funcionamento do museu”, argumenta) e diz que “fetichizar a tecnologia é transferir para ela aquilo que se deve creditar aos homens e a seus interesses, aspirações, competência, criatividade”.

— Tornar o museu mais atraente não pode ser um alvo em si, mas um recurso para melhor atingir os objetivos a que a instituição se propõe. Seja como for, deve ser evitado a todo custo o risco de infantilizar o público. O museu tem que investir nesse público, para amadurecê-lo, e isso não quer dizer dispensa de esforço e compromissos. Já imaginar que a tecnologia, por si só, é fator de atração inclui sério risco, pois, se ela é uma mediação, pode também converter-se em objetivo. Ela deve servir aos propósitos e compromissos do museu e não, como pode acontecer, servir-se dele — avalia o professor da USP.

De forma poética, o físico Wagensberg resume o que, para ele, é de fato o museu do século XXI:

— Um museu é hoje um valiosíssimo instrumento de troca social que se mede por como ele muda a vida das pessoas — diz o espanhol. — Um visitante tem que sair do museu com “fome”, ou seja, com mais perguntas do que tinha ao entrar.

Posted by Patricia Canetti at 2:42 PM

O mercado em fase retraída por Paulo Carvalho, Continente

O mercado em fase retraída

Matéria de Paulo Carvalho originalmente publicada na revista Continente em 7 de agosto de 2013.

Cancelamento da última edição do SPA das Artes. Orçamentos reduzidos em todos os museus e equipamentos públicos do estado e da prefeitura. Atraso do Salão de Artes Plásticas de Pernambuco. Migração para outros estados de artistas, críticos e curadores. Adiamento do Olinda Arte em Toda Parte. Galerias fechadas ou vazias. Quem observa o campo das artes visuais do Recife, em 2013, encontra uma terra desolada. O observador de hoje pouco consegue encontrar a euforia que se vivia na primeira metade da década passada, quando a cidade parecia pegar o bonde nacional de um mercado tão promissor como complexo.

Esse mercado é complicado porque agencia um conjunto de variáveis interdependentes. Nele, exigem-se harmonia entre a produção artística, o fortalecimento dos espaços de exposição e ambientes de formação de todos os profissionais da cadeia e do público, o despontar de um pensamento crítico e a possibilidade de que a produção encontre compradores, seja no mercado primário (com obras adquiridas diretamente dos artistas ou através de galerias), seja no mercado secundário (em que obras adquiridas por pessoas físicas ou jurídicas são revendidas para pessoas físicas ou jurídicas, principalmente através de leilões).

O próprio estado, com a aquisição de acervo para os museus, colecionadores, grandes empresas ou pessoas que vejam mais significado na aquisição de uma obra de arte que de uma cortina automática representam esse vértice consumidor que, no Recife, é quase nulo, segundo constatou esta reportagem, e insignificante, se comparado ao restante do país.

A dificuldade nas vendas reflete a fragilidade dos outros pontos do sistema. Problemas como poucos museus, ausência de importantes coleções em exposição permanente, carência de catálogos que documentem a produção de artistas consagrados e jovens e facilitem o entendimento crítico dos seus trabalhos, e a última posição para as artes visuais na captação de recursos da principal Lei de Incentivo, a Rouanet, fazem com que espaços de venda flutuem em uma órbita sem sentido.

Moacir dos Anjos, pesquisador e curador vinculado à Fundação Joaquim Nabuco, figura angular para a compreensão crítica da produção de arte contemporânea no país e responsável pela consolidação do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães no cenário nacional, responsabiliza o poder público pelo cenário atual. “A impressão que dá é a de que o campo das artes visuais, de dois anos para cá, não tem a menor importância dentro das políticas públicas. Os equipamentos não têm verba, alguns deles são dirigidos por senhoras da sociedade e, na melhor das hipóteses, por pessoas ligadas à cultura popular. O engraçado é que temos um discurso no campo econômico desenvolvimentista, mas, no campo simbólico, algo profundamente conservador. O que temos hoje é uma polarização entre a riqueza econômica e a pobreza nas artes”, afirma.

Bruna Pedrosa, ex-diretora do Museu Murillo La Greca e, hoje, coordenadora de Artes Visuais da Fundação Joaquim Nabuco, afirma que as leis orçamentárias anuais não foram cumpridas. “O La Greca saiu de uma verba anual pequena, de R$ 120 mil, para uma menor, de R$ 40 mil; depois, para uma irrisória de R$ 18 mil, até não ter nenhum recurso disponível, tendo sobrevivido praticamente pela doação da sociedade de amigos que se formou em torno dele.”

No período de apuração desta reportagem, estavam sem gestores o Murillo La Greca, o Centro de Formação em Artes Visuais, Cefav, e o Museu de Arte Popular.

Leia a matéria na íntegra na edição 152 da Revista Continente

Posted by Patricia Canetti at 2:37 PM

agosto 7, 2013

Eros e civilização por Paula Alzugaray, Istoé

Eros e civilização

Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé em 2 de agosto de 2013.

Lia Chaia - Contratempo, Galeria Vermelho, São Paulo, SP - 24/07/2013 a 17/08/2013

A natureza domada pela civilização, e substituída pelo artifício, sempre esteve no espectro de visão da artista paulista Lia Chaia. Em seus trabalhos de escultura, instalação, vídeo, fotografia ou performance, ela frequentemente se refere a elementos naturais que perdem sua organicidade ou a corpos biológicos em desequilíbrio ou mutação. A artista se refere a esse estado de incerteza entre natureza e artifício como um “Contratempo”, termo que intitula sua nova individual na Galeria Vermelho, em São Paulo.

Com a ideia de mutação da matéria, a artista realizou, dez anos atrás, a foto-performance “Folhíngua” (2003), em que sua língua era convertida em folha verde de árvore. Nesta exposição, Lia volta ao tema na série de fotografias “Quadrada” (2013), em que as folhas perdem seus contornos naturais ovalados e ganham formas angulares, quadradas e retangulares. “A natureza continua viva, mas sob nova formatação, indicando o distanciamento da natureza original e a presença de uma outra natureza, bem mais próxima da forma gerada pela crescente racionalização”, sugere Miguel Chaia em texto crítico.

Ainda sob a ótica da mutação genética, em “Mulher Seiva” (2013) a artista desenha a silhueta de um corpo feminino a partir de fitas verdes recortadas em forma do arabesco do símbolo do infinito. O resultado é uma imagem que remete tanto à cadeia de moléculas de DNA quanto a uma trepadeira de plantas. Com essa imagem híbrida entre vegetal e humano, Lia nos transporta às Lianas, aos mitos e aos monstros das pesquisas da artista modernista Maria Martins, atualmente em retrospectiva no MAM SP.

Diferentemente de sua precursora, no entanto, Lia guarda com a natureza uma relação de ordem biopolítica. Vivendo em uma cidade como
São Paulo em pleno terceiro milênio, a jovem artista vivencia e transporta para seu trabalho uma natureza que está longe de seu estado “original”, como aquele encontrado por Maria Martins na Amazônia e em seus mitos ancestrais. Assim, ainda segundo Miguel Chaia, Lia tem como matéria de trabalho uma “segunda natureza”, já impactada pela civilização urbana.

Nesta exposição, isso se traduz em trabalhos fortes e impactantes como “Alambrado” (2013), escultura feita de carpete recortado naforma das telas protetoras de arame, ou “A Queda”, em que folhas secas ganham a cor cinza do asfalto, ao serem esculpidas em carpete.

Posted by Patricia Canetti at 2:31 PM

Com exposição sem curador, museu quer perder fama de salão de festa por Silas Martí, Folha de São Paulo

Com exposição sem curador, museu quer perder fama de salão de festa

Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 7 de agosto de 2013.

Betão à Vista, MuBE - Museu Brasileiro da Escultura, São Paulo, SP - 02/08/2013 a 18/08/2013

Quando Paulo Mendes da Rocha projetou o Museu Brasileiro da Escultura, talvez não imaginasse que pouco haveria ali de escultura, nem que o espaço viraria um salão de festas de luxo no Jardim Europa, uma espécie de "museu de aluguel", como é conhecido na cena artística.

Renata Junqueira, uma das diretoras do MuBE, vem tentando mudar esse quadro. Negociou com Mendes da Rocha a retomada de um projeto para construir um anexo do edifício previsto na planta original e até tentou levar o acervo do escultor Franz Weissmann para o museu.

Enquanto aquele anexo nunca saiu do papel e a ideia de trazer as obras de Weissmann foi arquivada por causa de uma briga entre herdeiros, um grupo de artistas agora teve carta branca da direção para fazer uma mostra que dialogasse com o espaço do MuBE e ajudasse a reintegrar o museu ao circuito.

"Não é mais uma dessas exposições de merda nem evento comercial", resume Alberto Simon, artista à frente da mostra "Betão à Vista", forma lusitana de dizer concreto aparente, marca do brutalismo de Mendes da Rocha.

"É para trazer aquele público que frequenta museus, mas nunca vem ao MuBE."

Junqueira, que topou abrir o museu a essa tentativa de arejar o lugar, diz que não vê a mostra como uma crítica. "É um jeito de dar um novo rumo ao espaço", afirma. "Minha intenção é fazer com que o MuBE participe do circuito de modo mais nobre, o que não vinha acontecendo."

Nada na mostra parece revolucionário, mas esse time de artistas, de fato, não costuma nem pisar ali. São nomes da novíssima geração, como Deyson Gilbert e Roberto Winter, além de consagrados, como Paulo Monteiro.

Monteiro talvez seja o único que fez um nome como escultor. Sua intervenção no MuBE agora são peças sutis presas à parede, delicadas estruturas de estanho, cobre, argila, ferro e madeira que se equilibram naquele espaço.

"São obras desmontáveis, e o jeito que são construídas também se relaciona com a arquitetura", diz Monteiro. "Sempre fiz essas esculturas, mas nunca tive a chance de expor aqui. É um museu que ficou apagado, de fora."

Adriano Costa, aliás, faz alusão ao que está do lado de fora ao replicar dentro da mostra só o pedestal de uma escultura de Victor Brecheret que fica no terraço do MuBE.

Na contramão disso, Roberto Winter cria um embate com o concreto aparente dos muros do museu ao instalar uma nova parede, branca, no meio do espaço, isolando parte dele para expor um quadro qualquer, num ataque à arquitetura padrão dos cubos brancos que são os museus e as galerias convencionais.

Talvez aludindo à mudança de rumo, Lucas Simões mostra uma série de imagens derretidas, a película fotográfica descolando do papel como retrato deformado, e ainda em construção, ou reconstrução, como quer o MuBE.

Posted by Patricia Canetti at 2:24 PM

agosto 2, 2013

Para Joseph Kosuth, maior artista conceitual vivo, ‘arte não é sobre beleza’ por Audrey Furlaneto, O Globo

Para Joseph Kosuth, maior artista conceitual vivo, ‘arte não é sobre beleza’

Entrevista de Audrey Furlaneto originalmente publicada no jornal O Globo em 2 de agosto de 2013.

O americano vem ao Brasil em agosto para contar sua história e debater o que chama de ‘entretenimento visual’

RIO - Quando Joseph Kosuth fez a mais importante obra de sua carreira, tinha apenas 20 anos. O artista não contou a idade ao MoMA, de Nova York, que, na época, comprou a peça — “Uma e três cadeiras”, de 1965, talvez a mais icônica obra da arte conceitual, ao lado da “Fonte”, de Marcel Duchamp. Kosuth temia não ser levado a sério — e só revelou a idade aos 28, ainda jovem, mas já consagrado como o mais importante artista conceitual vivo.

Aos 68 anos, o americano virá ao Brasil em agosto, para relembrar histórias como a do MoMA e reforçar sua defesa de que “arte não é sobre beleza”, mas sobre conceito. Foi ele, afinal, quem exibiu, em museus mundo afora desde os anos 1960, verbetes de dicionário — ora “a seco” (apenas palavras coladas nas paredes), ora em néon. Com letras pretas sobre fundo branco, cobriu de galerias em Nova York a museus na Áustria, como na instalação “Zero & Not” (1987). E, com néon, criou obras para o Louvre e para a Bienal de Veneza, como “Il Linguaggio dell’Equilibrio”, na mostra de 2007.

Kosuth participou de cinco edições da Documenta (a mais importante exposição de arte do mundo, na Alemanha) e de quatro Bienais de Veneza. Sua última visita ao Brasil foi em 2010, quando expôs na Bienal de São Paulo. Agora, volta a convite do Instituto Luiz Henrique Schwanke, de Joinville (SC). Criada em 2003 para manter o Museu de Arte Contemporânea Schwanke, a instituição promove debates sobre arte com curadores e artistas brasileiros (como Agnaldo Farias e Nuno Ramos). Kosuth falará no dia 29 de agosto, abrindo a participação de artistas estrangeiros nos debates.

Em entrevista ao GLOBO por e-mail, ele relembrou o dia em que Mark Rothko lhe disse para desistir de ser artista (“Não arruíne sua vida!”, afirmou o pintor, semanas antes de morrer, em 1970) e criticou obras como mero “entretenimento visual” e o momento atual da arte, em que galeristas ficam “à espreita, nas portas das escolas de arte, como técnicos de futebol”.

Nos anos 1960, quando muitos grandes artistas, como Jackson Pollock e Mark Rothko, trabalhavam com pinturas coloridas, o senhor rejeitou a pintura e a escultura. Por quê?

Bem, o momento cultural desses artistas estava passando, porque o próprio modernismo estava passando. Eu simpatizava muito com (o pintor abstrato) Ad Reinhardt, tivemos uma empatia imediata quando ele falou na minha escola de arte, e ele se tornou uma grande influência depois. Uma vez, ele me levou para almoçar com Mark Rothko. Eu tinha 19 ou 20 anos, e eles tiveram uma grande discussão. Infelizmente, eu era muito jovem para apreciar por completo os temas sobre os quais os dois debatiam. (Às vezes penso em fazer uma sessão de hipnose para revisitar esse momento!) Anos depois, quando eu já tinha feito exposições com (o marchand) Leo Castelli e já era bem conhecido por eles, vi Rothko na abertura da Bienal do Whitney Museum e fui cumprimentá-lo. Ele bradou que se lembrava de mim e, então, disse: “Ah, você não quer ainda ser um artista, quer? Não arruíne sua vida!” Uma declaração um tanto chocante, e eu não sabia que ele estava deprimido. Rothko se matou semanas depois. Mas, como um artista, fazendo meu trabalho, perdi a fé em qualquer forma tradicional de arte, sentia que a tarefa do artista era reflexiva. Nós precisávamos fazer perguntas sobre a natureza da arte, porque tínhamos grandes questões sobre a própria cultura naquela época. Isso era político e, ao mesmo tempo, cultural. Se você estivesse fazendo pinturas e esculturas, não poderia questionar a natureza da arte, seu trabalho estava sendo definido por aquelas instituições, e isso era uma forma de autoridade. Esse questionamento meu e de outros membros da minha geração foi o início do pós-modernismo, que foi sempre sobre “por que”, e não sobre “como”.

O senhor optou por trabalhos quase sempre sem cor. Por quê?

Muitas vezes usei cores, mas só como forma de construir um significado, como um código, ou para estabelecer diferenças, como nos trabalhos em néon. Se não há razão para cor, então o trabalho é sem cor. Arte não é sobre beleza, embora um trabalho, uma pessoa ou uma mesa possam ser belos. É um aspecto possível, mas não essencial. Se queremos que a obra seja importante para nosso tempo, não podemos fazer arte decorativa ou simplesmente entretenimento visual.

Quando o senhor criou “Uma e três cadeiras” (1965), tinha 20 anos e não dizia sua idade para ser levado a sério. Era difícil ser levado a sério?

Claro que não, eu é que era muito jovem para ser levado muito a sério. Embora tenha ido a um museu-escola quando tinha 11 anos e também tido aulas particulares de pintura e trabalhasse seriamente durante dez anos até fazer “Uma e três cadeiras”, sabia que ninguém ia levar meu trabalho a sério se soubesse minha idade. Nos primeiros catálogos de exposições de que participei, você verá meu nascimento como “entre 1935 e 1945”. Dessa forma, eu podia adicionar, teoricamente, dez anos à minha idade. Quando tinha 28 anos, o Museu de Arte Moderna de Paris fez uma retrospectiva do meu trabalho e, então, minhas obras já estavam nas coleções dos principais museus da Europa e dos Estados Unidos. Na coletiva de imprensa da mostra, eu revelei minha idade. Houve protestos na rua em frente ao museu durante a exposição, provavelmente porque meu trabalho e minha idade eram ofensivos.

Hoje, há muitos artistas. Ficou mais fácil ser levado a sério?

Não, e isso não é positivo. Porque os artistas agora têm de lutar com o mercado de arte pelo significado de seus trabalhos. O novo é menos sobre novas ideias e mais sobre novos produtos que as galerias oferecem. Então, na busca pelo novo, galeristas têm sido vistos à espreita, nas portas das escolas de arte, como técnicos de futebol.

O senhor acredita que a arte pode ser popular e, ainda assim, suscitar questões relevantes?

Bem, não pode começar sendo popular. As questões da arte devem ser abordadas com sutileza e complexidade, mesmo quando os meios são simples. Minha “Uma e três cadeiras” é muito simples, mas o que mostra é complexo. Arte é atividade especializada, e isso não precisa de um pedido de desculpas. Se a física fosse popular, novos conhecimentos iriam parar de surgir e seria o fim dela. Isso não é menos verdade na arte. Walt Disney não foi um artista genial, foi um gênio comercial, e temos que lembrar a diferença. Quando o cubismo foi exposto no Armory Show, os jornalistas escreviam que crianças não deviam ver Matisse ou Picasso porque isso iria corrompê-las! Agora, qualquer republicano amaria ter um Picasso na sala de jantar.

Como o senhor vê a atual força do mercado de arte?

Sempre fomos informados e até guiados por uma história de ideias na arte. Mas, há cerca de 15 anos, emergiu uma história do mercado de arte. Ela fala de estrelas, com base em recordes de vendas. Para novos colecionadores que não entendem de arte e para a massa que vende, compra e investe em arte, é um caminho fácil e rápido de estabelecer o que é de “qualidade”. É um guia pobre, não diz nada sobre arte em si. Não há distinção entre um artista na moda e que, portanto, vende muito, e um artista com contribuições artísticas históricas, cujo trabalho tem preços mais modestos. Frequentemente, o preço alto é só o efeito a curto prazo de um escândalo eficaz. Para aumentar a confusão, a maioria dos artistas está em ambas as histórias. Não está claro o que a História vai dizer sobre as estrelas dessa segunda história, quando o glamour do mercado passar e só restar a arte para ser avaliada.

Nesse contexto, qual é a função do artista?

Num cenário guiado pelo mercado, engajamento cultural é expressado em termos econômicos. Mas isso não significa que o sentido do trabalho deve ser peça de apoio da cultura corporativa. O importante é entender que as pessoas com poder na nossa sociedade são comprometidas com objetivos a curto prazo: a pessoa de negócios no fim do dia deve mostrar lucro, um político deve encontrar uma forma de manter seu poder. O artista, o escritor, o filósofo não se aposentam. Tais profissões não são um trabalho — são um chamado. E a cultura que estão no papel de criar é a longo prazo. Eles são como fibras longas que dão força ao tecido social.

Posted by Patricia Canetti at 2:40 PM